Uma critica comum, sobretudo, aos homossexuais masculinos é a acusação de que todos são promíscuos, o que torna seu comportamento um risco a saúde, a sua própria saúde, e a saúde do corpo social ao espalhar doenças sexualmente transmissíveis dentro do grupo heterossexual também. Essa crítica foi inclusive absorvida pelos homossexuais também que passaram a se questionar, a criticar e a discriminar aqueles que tem um comportamento sexual que foge ao padrão heterossexual, isto é, monogâmico.
Isso é necessário explicar. A monogamia é uma invenção heterossexual, cristã e burguesa. Durante toda a Antiguidade e boa parte da Idade Média, o conceito de monogamia era inexistente no Ocidente; como o é até hoje no mundo islâmico e em boa parte dos países orientais, como Índia, Rússia e Uzbequistão, com excessão de países como o Japão, que têm intríssecas relações com o Ocidente. Nesses países é comum que um homem, dado suas condições financeiras, possa ter sim mais de uma esposa. Notemos aqui, que, mesmo aonde a poligamia é permitida, ela só é permitida para homens (a excessão se faz em algumas tribos africanas onde a poliandria acontece). Durante a Idade Média, para citarmos alguns exemplos, apesar de um rei casar-se normalmente com uma única mulher, era permitido a ele que mantivesse concubinas que poderiam gerar-lhe filhos bastardos, que poderiam ascender ao trono, caso a rainha não lhe concedesse um filho varão. Qualquer homem, na verdade, tinha este privilégio. Contudo, é a partir da Idade Moderna, quando o sacramento do casamento é reafirmando dentro da Igreja Católica, dentro das Reformas visando combater o protestantismo, juntamente com a ascensão burguesa e a necessidade de controle da herança (seja ela a fortuna de um comerciante ou o trono de um país), que a monogamia torna-se importante dentro do mundo ocidental.
A monogamia tornou-se então um tabu até ser desafiada, na década de 1960, pelos hippies. O movimento hippie criou a ideia de amor livre e liberação sexual. Ele ia de encontro aos valores burgueses da classe média como as críticas religiosas ao prazer, uma contestação profunda sobre a ideia de pecado, sobretudo o pecado da carne. Politica e socialmente, ele rompia com a subordinação feminina. Permitia a mulher ser dona do próprio corpo, de garantir a mulher o direito ao prazer sexual, e com a introdução da pílula, permitiu que a mulher pudesse usufruir do prazer sexual sem correr o risco de ficar grávida. Desse movimento, as relações homoeróticas foram libertadas do pecado da sodomia. Para explicar, sodomia são todos os pecados sexuais que não geram filhos, sexo oral com uma mulher, sexo anal com uma mulher, também são consideradas sodomia, contudo, a sodomia perfeita é o sexo anal com um homem com ejaculação. Libertos do pecado, libertos da obrigação social de gerar filhos, os gays, a partir desta década resolveram fazer sexo onde, como e com quem quisessem. Os gays, neste momento, pensavam: "Nós não somos heterossexuais, porque repetir então um valor que só faz sentido dentro da cultura deles?". Era um momento em que ser gay queria dizer, necessariamente, negar todos os valores que a sociedade burguesa, de classe média e heteronormativa os impunha. São atacados com veemência os condeitos de Família, se discute se o padrão pai-mãe-filho-filha é a família perfeita; o padrão de Gênero, o visual andrógino é buscado; e a Monogamia. Naquele momento, fazer sexo com quinze pessoas em uma noite era um ato político. Mas que fique claro, o Amor Livre hippie não advogava simplesmente um número múltiplo de parceiros sexuais ou relacionamentos sexuais a curto prazo, é importante reforçar que ele pretendia que as relações sexuais não fossem reguladas nem pela lei (lembre que ser gay era crime punido com prisão na Inglaterra, por exemplo, até 1970) ou pela Igreja.
Contudo, apesar disso, não podemos negar que todo homossexual - comumente - advém de uma família heterossexual, então é educado para seguir os padrões heteronormativos. A utopia hippie não previra isso. Não previra que conforme as gerações se renovam, são os padrões heterossexuais que se renovam com eles, suplantando as "conquistas" homossexuais. Foi assim, em meio a explosão da AIDS, que os homossexuais passaram novamente a criticar-se, uns aos outros, por causa do que seria, agora, um comportamento de risco. Argumento que foi também utilizado por grupos anti-homossexuais, os quais passaram a afirmar que a AIDS era um castigo divino que visava extinguir aquele comportamento anti-natural. Era, por fim, um argumento homofóbico que passou a ser repetido dentro das fileiras homossexuais, afinal uma teoria católica começava a ganhar força nesse momento. Existe, dentro da Igreja Católica, um grupo que aceita os homossexuais como homens, filhos de Deus, porém homens e mulheres cujo corpo é testado por Deus pelo pecado da luxúria, ao qual eles devem resistir. Surge então a ideia de que o homossexual assexuado, que não tem relações sexuais, que não tem relacionamentos, pode ser aceito entre as fileiras heterossexuais, isto é, surge a ideia de que o homossexual que não aparenta ser gay, isto é, não é efeminado nem promíscuo, tem o direito a sua própria vida.
Além disso, outra questão importante é quando comumente fazemos a diferenciação de que homens gays são promíscuos enquanto mulheres lésbicas são sempre monogâmicas. Quando se conta isso, normalmente, explodem milhares de explicações (pseudo)científicas sobre a necessidade masculina de perpetuar seus genes, e isso explica o comportamento de homens em geral de serem infieis. Vou até retirar os parênteses: pseudo-científicas mesmo. Se essa necessidade humana fosse real, se nossa necessidade sexual fosse um impulso genético, mulheres não fariam sexo com homens magros, com óculos, carecas, baixos, etc., estes genes já teriam sido estirpados há muito tempo do nosso código genético. Como eu explico?
A sociedade heteronormativa é, por essência, machista. E nesta sociedade machista em que gays e lésbicas são educados, aos meninos é ensinado que eles devem ser "machos" e ser macho está necessariamente associado a nunca, em hipótese alguma, disperdiçar uma chance de fazer sexo. Esse comportamento heterossexual é sim introjetado dentro dos homens gays e eles, como aprenderam a se comportar, agem de acordo com a forma que a sociedade, através de seus pais e familiares, os moldaram. Do outro lado, estão as meninas educadas para preservar a sua "honra", sua virgindidade, até o casamento, para o marido, para um único homem. É óbvio que ao tornarem-se mulheres e reconhecerem que são lésbicas, este mesmo padrão machista é repetido por elas em um ciclo que, provavelmente se elas vierem a ter filhos, repetiram com seus próprios filhos.
Não estou aqui, com este texto, para dizer: "sejamos todos promíscuos", não cabe a mim dizer o que cada um deve fazer com sua própria vida, porém me interessa com esse texto, e com essa nova coluna de História que eu tenho escrito aqui no blog demonstrar que conceitos que muitos consideram como naturais e imutáveis são padrões historicamente construídos por grupos sociais e, portanto, podem sim ser desafiados, modificados e, principalmente, que não podem ser impostos como Verdade, ou melhor, como O Correto. Espero com essa coluna dar subsídios para que qualquer um construa suas próprias verdades.