Ardhanarisvara
Nas narrativas tradicionais hindus, é muito comum as estórias de deuses e mortais que mudam de sexo. Inclusive em muitas oportunidades eles têm encontros sexuais em diferentes gêneros nos quais encarnam. Neste caso, homossexuais e transgêneros têm sido comumente identificados com as várias formas das deidades hindus, contudo, em muitos casos o problema dessas identificações vem do desconhecimento de como funciona a religião hindu, de suas características intrínsecas. Um exemplo é o caso de Ardhanarisvara, a imagem considerada hermafrodita de Shiva. Porém, neste caso de Ardhanarisvara o que acontece é que temos numa imagem que consiste em Shiva, deus parte da tríade mais importante do Hinduismo (Brahma, o cirador, Shiva, o transformador, e Vishnu, o preservador) e sua consorte, Parvati, representando a união das energias masculina e feminina na criação. Ardhanarisvara não é um deus distinto de Shiva e Parvati é a representação da união dessas duas energias na criação porque para o hinduísmo toda energia é dotada de masculino e feminino, então cada Deus possui também a sua consorte feminina que o complementa, sendo Shakti, a consorte feminina de Brahma, e Mohini a consorte, a contraparte feminina, de Vishnu. Sendo assim, não é um deus que pode ser associado as relações homoeróticas, apenas uma imagem representando a duplicidade da energia divina.
Aravan
Outro caso é de Aravan, um herói com quem Krishna se casou após tornar-se uma mulher. O simples fato da necessidade da transformação de Krishna, o deus supremo do hinduismo, filho de Shiva, nascido de uma virgem rainha, nasceu então com uma vida de príncipe e após sua morte elevou-se como deus, comprova que o tipo de relação existente aqui não é homoerótica. Aravan já era um mortal (também conhecido como Iravan), que é cultuado na região ao sul da Índia. Ele é o principal personagem do poema épico, Mahabharata, que narra a guerra Kurukshetra e sua morte no décimo-oitavo dia da guerra. Contudo, bravo e honrado, Aravan era amado dos deuses e como ele pediu que antes de sua morte ele conhecesse o amor e estivesse casado, Krishna apiedado transformou-se em mulher e casou-se com ele um dia antes de sua morte.
Um terceiro caso é de Ayyappa, deus das estradas e protetor dos viajantes, filho de Shiva e de Mohini, a consorte de Vishnu. Para muitos dos leitores, acostumados com a personificação dos deuses do universo ocidental, essa estória soaria como uma traição da esposa de Vishnu, contudo, os três grandes deuses do hinduismo, Brahma, Shiva e Vishnu não podem ser considerados seres com gênero definido, na verdade, como são energias, eles mudam de ambivalência frequentemente, podemos dizer na verdade que Vishnu é a vibração masculina da energia protetora, é quando Vishnu protege ativamente o planeta como guerreiro, já Mohini seria a forma de vibração feminina da mesma proteção, quando ele gera e nutre, por exemplo. Sendo assim, não existe mudança de sexo ou relação homoerótica entre Shiva e Vishnu para gerar Ayyappa, ele é gerado quando as duas energias são colocadas juntas.
Bahuchara-devi é uma deusa que um dia sua caravana foi atacada e ela para evitar ser morta cortou seus seios e disfarçou-se de homem entre os guerreiros lutando para sobreviver. Odiosa dos homens que atacaram, tornou todos eles impotentes, condenando-lhes a apenas uma vida: castrar-se e tornarem-se eununcos ou nasceriam por sete vidas como homens impotentes. Seus sacerdotes a partir daí se tornaram também sempre eunucos. Já o caso de Bhagavati-devi é uma deusa que tem uma festa cujos homens devem ir travestidos de mulher para a adoração por causa de uma estória em que vaqueiros que não queriam ser reconhecidos e queriam prestar homenagem a deusa se disfarçaram de mulheres para ir ao templo, neste dia a própria deusa apareceu diante deles para receber suas oferendas dado a sua discrição em relação a fé. Em ambos os casos, aqui, as deusas, por causa de um elemento de seu mito, foram tomadas como padroeiras de uma parte da população hindu, Bahuchara como padroeira dos eunucos e castrados e Bhagavati, daqueles que se travestem.
Bhagavati-devi
Já Chandi e Chamunda são duas deusas guerreiras. Inicialmente eram demônios masculinos chamados Chanda e Munda, que realizaram grandes coisas a fim de agradar Brahma. Tanto agradaram o grande deus que este um dia apareceu diante deles e concedeu-lhes um desejo. Estes pediram para se tornarem grandes guerreiros, fortes o suficiente para dominar o mundo e conquistar os céus. Brahma concedeu-lhes o desejo, porém, como os dois eram demônios, logo se tornaram cada vez mais gananciosos e tentaram tomar as casas de Brahma, Shiva e Vishnu. Ficou então decidido que a deusa Durga cuidaria deles. Lutou ferozmente até vencê-los. Durga então os transformou em mulheres, já que não podia tomar o poder que Brahma havia lhes concedido, mas agora como mulheres eles não ameaçariam mais os deuses.
Chandi e Chamunda
E Gangamma-devi é a irmã mais nova de de Vishnu, a deusa da mentira e do disfarce. Ao nascer na Terra, ela era a mulher mais bonita em todo o planeta e usava o nome Ganga. O rei dos demônios então ao vê-la desejou-a para si. A deusa então para escapar dos planos do demônio de aprisiona-la em seu palácio usava sua maya (capacidade de criar ilusões) para disfarçar-se, contudo, somente ao se disfarçar de homem que o demônio não conseguiu encontra-la. Nestes dois últimos mitos, por exemplo, as transformações que são basicamente colocadas pela literatura especializada como travestismo não tem absolutamente nenhuma ligação com a sexualidade dos personagens, por isso também considero que não existem relações homoeróticas nestes contos.
Gangamma
Concluindo: as possibilidades dos deuses hindus de assumirem outro sexo é comumente ligada a relações homoeróticas, porém não deviam. Estas possibilidades de transformação na verdade não tem nenhuma relação com a sexualidade e sim ou a representações do poder feminino ou apenas momentos do mito dos personagens que explicam parte do rito. Que explicam porque a presença do terceiro sexo, por exemplo, é comum dentro do rito de um determinado deus, porém, diretamente, não representam relação direta com o homoerotismo, na verdade, seu mito é apenas apropriado por grupos que se relacionam com o homoerotismo.