Uma noite, o ano era 1998, quase onze anos atrás. Primeira e última vez que eu colocava meus pés em um cursinho pré-vestibular. Ganhara uma bolsa, não por talento, não por indicação, não por sorte, mas porque o gerente achou que meu nome era de uma menina, e tarado como somente ele, concedeu, além da presença de minhas amigas, Michelle e Danielle, ao lado dele pedindo a bolsa para mim. Mas eu só fui aquela noite.
Tivemos aulas. História e Química se me lembro bem, antes do intervalo. Num galpão, com o professor em cima de um tablado usando microfone, todos sentados em cadeiras umas coladas nas outras. Cadeiras brancas e de plástico. Se uma emergência acontecesse ali eu sabia que morreria pisoteado porque elas decidiram sentar bem no meio. Michelle de um lado, Danielle do outro. Eu acho que geograficamente eu estava exatamente no centro daquele pátio. "No intervalo, a gente tem uma conversa p'ra ter com você", Michelle me disse no ouvido. "Agora pronto!".
Conhecíamo-nos há dois anos. Desde que eu mudara de escola e retornara para a antiga. Uma pequena escola de bairro, suburbana, mas que fingia-se de cosmopolita. Pequena, mas com mania de grandeza. Elas duas eram das poucas pessoas que eu já não conhecia, ou porque moravam nas imediações de minha casa, ou porque eu já havia estudado com elas quando estudava lá. Todos os outros alunos haviam sempre estudado lá. Menos nós três, e Sílvio, que havia estudado comigo na outra escola e nos reencontramos ali. Elas eram as únicas desconhecidas para mim e logo tornaram-se minhas amigas. Michelle e Danielle.
O intervalo começou quando o professor de química chamou os comerciais e as pessoas se espalharam pelo prédio antigo daquela escola. Eclético, início do século XX eu diria, branco e azul claro. "Não parece um bolo de noiva?". Portas e corredores estreitos pelos quais caminhávamos. Chão de madeira encerado. Michelle tinha uma Fanta Uva nas mãos, mas gesticulava sem parar enquanto falava, as vezes até respingava. "Vocês não queriam ter uma conversa comigo?", e elas se entreolharam. "Vamos entrar aqui", e empurrou uma porta de madeira estreita, pesada e alta. Entramos numa sala de aula vazia e elas me fizeram sentar numa das cadeiras, enquanto me circulavam, quase inquisitoriais. "Foxx, você é gay?", Michelle lançou com gosto de Fanta. "Sou", pensei, "Não", respondi. "Tem certeza disso?", Danielle se jogou. "Ora...", eu me esforçava para não gaguejar, "claro que tenho certeza".
Elas novamente se entreolharam sem acreditar muito nas minhas palavras. A loira Michelle e a morena Danielle, foi quando jogaram o que consideravam a sua cartada mais poderosa. "É que nós achamos que você estava apaixonado pelo Wallace". Naquele momento a Terra parou de se mover. Eu a viz parar, porque eu me cravei com tanta força no chão com medo de cair que o planeta não conseguiu continuar se movendo. Mas não porque elas estavam certas, porque elas estavam quase certas.
Eu não estava apaixonado por Wallace, por dois motivos bem claros, primeiro, ele era apaixonado por Danielle, e eu, na época, não achava que um homem pudesse se apaixonar por outro homem. Achava que homens faziam sexo e não se apaixonavam. Que homens amavam mulheres e, de vez em quando, faziam sexo com homens. Era o que eu esperava que acontecesse com a minha vida. Por isso eu ri, achei engraçado a pergunta delas. Afinal como um homem poderia se apaixonar por outro, questionava-me, enquanto elas me olhavam sem entender minha crise de riso. "Eu? Apaixonado por Wallace? Vocês andam fumando o quê, pelo amor de Jesus Cristo?!". E elas começaram a rir também. E enquanto eu observava as certezas delas sumirem no ar, pensava: "Mas que ele é muito gostoso, ele é! Que pernas! Que bunda!".
PS: Sim, houve um momento negro na minha existência que eu achava que homens só faziam sexo, não se apaixonavam. Criação machista! Só aprendi que o contrário podia acontecer após frequentar o mundo gay, me tornar mundano, e descobrir muitas pessoas apaixonadas, muitos casais formados, e que é possível sim ser gay e amar. Não acredite no contrário. Porém, no meu caso, independe de ser gay ou não. É impossível eu, o Foxx, ser amado. Mas ai é outro caso. Outro caso!
Tivemos aulas. História e Química se me lembro bem, antes do intervalo. Num galpão, com o professor em cima de um tablado usando microfone, todos sentados em cadeiras umas coladas nas outras. Cadeiras brancas e de plástico. Se uma emergência acontecesse ali eu sabia que morreria pisoteado porque elas decidiram sentar bem no meio. Michelle de um lado, Danielle do outro. Eu acho que geograficamente eu estava exatamente no centro daquele pátio. "No intervalo, a gente tem uma conversa p'ra ter com você", Michelle me disse no ouvido. "Agora pronto!".
Conhecíamo-nos há dois anos. Desde que eu mudara de escola e retornara para a antiga. Uma pequena escola de bairro, suburbana, mas que fingia-se de cosmopolita. Pequena, mas com mania de grandeza. Elas duas eram das poucas pessoas que eu já não conhecia, ou porque moravam nas imediações de minha casa, ou porque eu já havia estudado com elas quando estudava lá. Todos os outros alunos haviam sempre estudado lá. Menos nós três, e Sílvio, que havia estudado comigo na outra escola e nos reencontramos ali. Elas eram as únicas desconhecidas para mim e logo tornaram-se minhas amigas. Michelle e Danielle.
O intervalo começou quando o professor de química chamou os comerciais e as pessoas se espalharam pelo prédio antigo daquela escola. Eclético, início do século XX eu diria, branco e azul claro. "Não parece um bolo de noiva?". Portas e corredores estreitos pelos quais caminhávamos. Chão de madeira encerado. Michelle tinha uma Fanta Uva nas mãos, mas gesticulava sem parar enquanto falava, as vezes até respingava. "Vocês não queriam ter uma conversa comigo?", e elas se entreolharam. "Vamos entrar aqui", e empurrou uma porta de madeira estreita, pesada e alta. Entramos numa sala de aula vazia e elas me fizeram sentar numa das cadeiras, enquanto me circulavam, quase inquisitoriais. "Foxx, você é gay?", Michelle lançou com gosto de Fanta. "Sou", pensei, "Não", respondi. "Tem certeza disso?", Danielle se jogou. "Ora...", eu me esforçava para não gaguejar, "claro que tenho certeza".
Elas novamente se entreolharam sem acreditar muito nas minhas palavras. A loira Michelle e a morena Danielle, foi quando jogaram o que consideravam a sua cartada mais poderosa. "É que nós achamos que você estava apaixonado pelo Wallace". Naquele momento a Terra parou de se mover. Eu a viz parar, porque eu me cravei com tanta força no chão com medo de cair que o planeta não conseguiu continuar se movendo. Mas não porque elas estavam certas, porque elas estavam quase certas.
Eu não estava apaixonado por Wallace, por dois motivos bem claros, primeiro, ele era apaixonado por Danielle, e eu, na época, não achava que um homem pudesse se apaixonar por outro homem. Achava que homens faziam sexo e não se apaixonavam. Que homens amavam mulheres e, de vez em quando, faziam sexo com homens. Era o que eu esperava que acontecesse com a minha vida. Por isso eu ri, achei engraçado a pergunta delas. Afinal como um homem poderia se apaixonar por outro, questionava-me, enquanto elas me olhavam sem entender minha crise de riso. "Eu? Apaixonado por Wallace? Vocês andam fumando o quê, pelo amor de Jesus Cristo?!". E elas começaram a rir também. E enquanto eu observava as certezas delas sumirem no ar, pensava: "Mas que ele é muito gostoso, ele é! Que pernas! Que bunda!".
PS: Sim, houve um momento negro na minha existência que eu achava que homens só faziam sexo, não se apaixonavam. Criação machista! Só aprendi que o contrário podia acontecer após frequentar o mundo gay, me tornar mundano, e descobrir muitas pessoas apaixonadas, muitos casais formados, e que é possível sim ser gay e amar. Não acredite no contrário. Porém, no meu caso, independe de ser gay ou não. É impossível eu, o Foxx, ser amado. Mas ai é outro caso. Outro caso!