Para um observador desatento, Paulo era um adolescente suburbano comum. Jogava futebol a tarde com os amigos e torcia para o Palmeiras, frequentava a escola ou pelo menos algumas aulas, gostava especialmente das de História, tinha uma namorada e não era nem mais virgem. Um adolescente bem comum, diria-se. Mas tudo o que Paulo não se sentia era comum. Não desde que descobrira os prazeres que o corpo de outro homem poderia lhe dar. Paulo não era comum e se envergonhava disso. Envergonhava-se profundamente.
Alguém comum não passaria pelo que ele estava passando desde a sexta-feira quando recebera o resultado daquele exame. Quando o médico deu-lhe com olhos gelados uma sentença de morte. Ele, aquele menino crescido, queria apenas alguém com quem conversar naquela noite. Precisava urgentemente após a notícia que destruíra sua vida. Mas ele não tinha com quem conversar. Com quem se abrir? A quem contar que agora tinha AIDS? Ele sabia que não era o único. Na sua escola mesmo haviam pessoas como ele. Alunos e professores. Não deviam ser doentes como ele, porque agora ele era doente. Mas eram como ele. Porém Paulo não sabia como conversar com eles. Antes ele tentara o que sempre soubera fazer, tentara seduzí-los, pois Paulo era bonito. No auge da juventude do seu corpo, no auge da beleza que só a juventude pode garantir, era fácil conseguir o sexo de outros homens. Bastava duas palavras e um sorriso sacana. Paulo, então, tinha esses homens para si. E, às vezes, eles ainda lhe davam presentes. Mas ali, naquela noite, em que uma dura verdade fora jogada em seu colo, não tinha com quem se abrir. Estava sozinho, no seu medo e sua dor, isolado.
Agora descobrira que estava doente. Algum dos homens com quem se deitara passara-lhe uma doença sem cura e agora ele só via uma saída. Aquela corda e aquele banco. Não podia contar a todos que tinha AIDS! Como explicar como contaminara-se? Como explicar que, às vezes, ele gostava de sentir outro homem dentro de suas carnes? Como explicar para sua namorada, que contara-lhe na sexta-feira que estava grávida, que agora ele iria morrer de uma doença de viado? E que ela podia morrer também! Paulo estava apavorado.
Sua avó bateu na porta do quarto e disse qualquer coisa que ele não entendeu. Estava na casa dela desde que recebera a notícia, se escondeu lá. Lembrou até que um de seus professores morava ali perto. Podia procurá-lo? Mas como dizer aquelas coisas que queimavam nos seus lábios quando ele tentava pronunciar, como? Como?! Ele levantou-se e socou a parede, praguejando contra si e contra o destino cruel em que ele se inscrevera. "Viados! Todos!", e ele mesmo também. Sentara no canto, chorando, e pensando que também era viado, gay, bicha e ia morrer por causa disso. E chorou mais. Foi chorando que subiu naquele banco. Foi chorando que colocou a corda no seu pescoço e pulou. E foi chorando que sua avó, tempos depois, encontrou seu corpo azul, pendurado no teto da casa. Sem ar. Morto.
Esta estória é baseada em fatos reais. Paulo realmente existiu, foi meu aluno, e realmente se matou quando descobriu que tinha AIDS, apenas eu, na escola, sabia que ele fazia sexo com homens, apesar da namorada que mantinha. Este texto é em memória dele, para que ele nunca seja esquecido.