Google+ Estórias Do Mundo: 2012

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

O, Holy Night

, em Natal - RN, Brasil
Aquela família ainda mantém tradições ancestrais. Foram muito ricos no início do século passado, e apesar do dinheiro ter se esvaído por entre os dedos do herdeiro, por causa de seus erros envolvendo mulheres, e por causa de sua mãe superprotetora que pagou para que cada erro fosse escondido, nunca perderam a pose que se mantinha graças ao dinheiro, às terras, às fazendas que ocupavam todo o munício às margens do rio Ceará-Mirim, no agreste potiguar. Se reuniam na festa do nascimento de Nosso Senhor todos os anos, chegavam contando vantagem dos seus carros novos, com suas roupas de gala, e de quanto Deus era generoso com aqueles de sobrenome espanhol, mas não se encontravam o resto do ano todo porque não eram família, só compartilhavam um sobrenome. Ao redor da mesa grande, em que o herdeiro agora senta a cabeceira, porque seu pai e avô, que ergueram o patrimônio, não estão vivos para ver a decadência de sua descendência, se desfiam discursos pomposos. Primeiro fala o herdeiro, que emposta a voz como um bacharel de Chico Buarque, fala de pé, respirando compassadamente, contando as palavras para atingir um clímax, ele compete com alguém para ver quem faz o discurso mais comovente. Segue-se o primogênito da família, convertido ao pentecostalismo, acrescenta a oratória de advogado de porta de cadeia que aprendeu com o pai as habilidades desenvolvidas para o púlpito da igreja porque agora ele quer ser pastor, quer ovelhas o seguindo para acarinhar seu ego. O segundo filho homem fala em seguida e acrescenta agora uma emoção batista que difere da religiosidade racional do primogênito. O segundo filho sempre fora um homem mais emocional, alguém que se tocara profundamente pela gravidez de sua primeira esposa e agora da segunda, e isso transparecia no discurso em que ele clamava a Deus por bençãos a todos que estavam sentados em torno da mesa recheada como almoço de domingo de família italiana. Clamou por bençãos ao seu filho que ainda estava no ventre. Porém, não sentíamos cheiro de incenso no ar, o cheiro que os envolvia era sem sombra de dúvida do queijo derretido da lasanha e não do peru que aguardava no forno. A pomposidade daqueles discursos só era quebrada pelo terceiro filho, que nunca conhecera a riqueza ancestral de sua família, fora criado como um menino comum que sentava a mesa sem camisa para fazer o almoço apesar dos protestos de seu pai que dizia que aqueles não eram trajes para sentar a mesa. O pai, o herdeiro, desistiu logo de converter seus filhos mais jovens à vida que fora criado, mas que não correspondia em nada ao que ele podia pagar hoje. A matriarca então, uma senhora de 90 e tantos anos, casada com a riqueza, mas abandonada por esta na sua velhice, é quem encerra a cerimônia. Fala também como quem ainda tem riqueza na voz, mas não nas vestes, nem na pele, nem nas orelhas. Ela oferece a ceia para todos e aquela família mostra novamente que aquela riqueza é apenas uma capa que ninguém sabe mais como usar porque avança com uma ferocidade sobre os pratos de comida como se temessem que aquela mesa lotada de tigelas, sopeiras, molheiras e travessas não seriam o bastante para alimentar a todos. O terceiro filho é o único que espera, todos se servirem, e ai por fim coloca no seu prato um pouco de comida desejando profundamente uma salada. E todos brindam: Feliz Natal!

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

A Virada (capítulo um)

, em Natal - RN, República Federativa do Brasil
Era uma noite quente daquelas que precedem o verão quando sai para encontrar o Tutz para irmos a primeira Virada Cultural de Natal, no bairro portuário da Ribeira. As ruas estreitas do bairro que abrigam galpões e casebres antigos foram tomadas por artistas que faziam intervenções na rua, vendiam seus quadros, declamavam poesia ao seu pé do ouvido; em algumas ruas também havia pequenos palcos para peças de teatro e de bonecos de mamulengo, além de que os teatros e boates que povoam aquele bairro que respira decadência e boemia estavam de portas abertas, sem cobrar entrada para nada. Foi o Tutz que organizou a nossa programação: num papel, em sua carteira, ele trazia anotado em tinta azul os eventos que ele achava interessante e eu o acompanhei. Começamos por uma peça de Nelson Rodrigues, Senhora dos Afogados, encenada pelo Coletivo Atores à Deriva, um grupo de atores que me impressionaram por sua capacidade de mudar de corpo. Na peça, quatro atores, três homens e uma única mulher, se revezavam fazendo papeis distintos, e cada vez que estava em cena com um personagem diferente eles, notadamente, se tornavam outras pessoas. O mesmo ator parecia para mim bonito ou feio dependendo que personagem que ele estava interpretando. Impressionante. Contudo, se falarmos em beleza até o menino que estava na porta da sala de ensaio onde eles apresentavam, indicando onde deveríamos sentar, era bonito, todos espetacularmente bonitos.
A segunda parada da noite foi na Rua Chile, no palco Diversidade. O Tutz queria ouvir uma banda potiguar chamada Androide Sem Par que tocaria no Armazém, mas antes paramos para beber umas cervejas e caipirinhas porque sem álcool fica difícil ouvir a música depressiva do Androide. Foi entre os paralelepípedos soltos daquela rua que dá de fronte para o porto de Natal que encontramos umas amigas do Tutz e uma delas, ao me ver, rapidamente vira-se e diz: "Nossa, eu não costumo gostar de homens de barba, mas em você fica muito bem!", e passa a mão na minha barba, "E ainda é macia!". Eu sorri agradecido, não sem evitar dar um passo para trás, pensando comigo mesmo: "meu espaço, seu espaço". Conversamos então entre cigarros e caipirinhas e cervejas, e logo nos dirigimos para o Armazém.  Não demoramos muito por lá, eu queria ver as intervenções e performances como a de um menino que estava sentado no chão, na posição de lótus, com uma máscara feita de pisca-piscas de Natal no formato do rosto de Ganesh. Também assistimos teatro de mamulengos com senhorinhas que riam alto. Foi quando em retorno, encontro vários amigos meus de longa data, dos distantes anos que eu cursava faculdade, além do Nathan que passou a nos acompanhar. 
Era meia-noite quando chegamos a nosso terceiro evento da noite, no Palco Eletrônico, na boate Galpão 29. Foi lá que encontramos um amigo do Nathan que se juntou a nós, o Fernando. O Galpão é uma boate gay frequentada basicamente por meninos cuja faixa etária não ultrapassa 25 anos, o Fernando por exemplo tem 23. Sendo assim, entrar lá, com meus 31 anos é sempre um desafio porque você será olhado como tio, principalmente quando se é careca e sua barba tem fios grisalhos (eu!). Mas eu costumo ignorar esse detalhe ou jogar com ele. Jogar no sentido de que, para aqueles meninos imberbes, minha barba faz um considerável sucesso. E quando eu vi, um menino de barba rala, sorrindo para mim, um sorriso largo e bonito, me aproximei e conversei pouco com ele, logo eu o pressionava contra o balcão do bar, nossas bocas estavam coladas, e ele apertava minha bunda por cima da calça jeans justa que eu usava, e pressionava um pau grosso e duro contra minha pélvis. Eram seis horas da manhã quando o Tutz me chamou para ir embora e o Artie, o menino que eu estava beijando, me passou o telefone dele. Anotei no meu bloquinho porque meu celular estava descarregado, ele então anotou o meu no celular dele. 

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

A Parada Parada

, em Natal - RN, Brasil
Natal teve neste domingo, 16 de dezembro, a sua XIV Parada do Orgulho LGBT, ela estava programada para sair do bairro de Ponta Negra, que tem o nome da famosa praia potiguar, onde haveria sua concentração e se seguiria-se para a praça da árvore de Natal, em Mirassol, onde um palco traria atrações regionais como cantoras e shows de drag queens, tudo muito simples para um público esperado de não mais do que 100 mil pessoas. Contudo no momento em que os motores dos trios elétricos são ligados, chega a ordem vinda do Corpo de Bombeiros Militares do Rio Grande do Norte, a parada gay não poderia sair.
Os trios elétricos não tiveram permissão do CBM para fazer o pequeno percurso animando o público que já se aglomerava. Eles interditaram os trios elétricos argumentando que eles não ofereciam a segurança necessária; seguiam ordem da Cosern, Companhia de Eletricidade do Rio Grande do Norte, que argumentava que os trios elétricos poderiam cortar os fios de alta tensão ao passar no seu trajeto pela avenida. Os organizadores esbravejaram. Xingava-se a governadora Rosalba Ciarlini, acusava-se de homofobia institucional o Corpo de Bombeiros, o comandante-geral da corporação, cel. Dantas, também não foi perdoado. Foi quando um grito de ordem ecoou pelos altos falantes: "Se eles não permitem que saiamos com os trios, nós ocuparemos a avenida". Os participantes atenderam o apelo e espalharam-se pela avenida Engenheiro Roberto Freire, impedindo o trânsito dos carros e fechando a principal artéria da zona sul da cidade. Perguntava-se se no Carnatal, que havia sido semana passada, os bombeiros também faziam as mesmas exigências de segurança para Cláudia Leite cantar seu Largadinho.
O trânsito constante foi então bloqueado por drag queens em cima de saltos altíssimos e leques imensos. Meninos usando regatas cavadas se espalharam pelo asfalto dançando ao som da musica ensurdecedora que continuava saindo dos trios. Um dos organizadores conclamava: "Lembrem-se em quem vocês vão votar na próxima eleição, meus amigos, nós fomos impedidos de realizar nossa parada porque vivemos num governo homofóbico de uma governadora que usa tailleurs da década de 50 com os brincos mais cafonas que eu já vi na vida". Gargalharam com a comparação que ele fez em seguida entre a governadora e o personagem Valéria, do Zorra Total.
"Who run the world? Girls!" explodindo no outro trio era a trilha sonora de motoristas impacientes  que só podiam olhar enquanto uma drag desfilava sua bunda desnuda na frente do seu para-brisa. Outro organizador grita no microfone: "Fora Rosalba! Somos cidadãos e merecemos respeito!". Outro agradecia, no entanto, o apoio da prefeitura de Natal, que permitira o uso da avenida, na figura da Secretária de Saúde que estava em cima do trio elétrico, também agradecia a Polícia Militar que fazia a segurança e protegiam, agora, os manifestantes dos carros. Por entre os carros então manifestantes resolveram distribuir camisinhas e pediam assinaturas para um projeto de lei que criminalizaria a homofobia. 
Meninas logo colocaram suas garrafas de refrigerante e vodca no chão e faziam círculos onde conversavam animadas e paqueravam outras meninas que passavam por ali. Inúmeros vendedores ambulantes também começaram a tomar o espaço, puxavam seus carrinhos com uma grande caixa de isopor e uma placa imensa dizendo Skol R$ 2,00 e ocuparam a avenida se fixando entre os participantes que dançavam "hey, ey, ey, ey, like a girl gone wild, a good girl gone wild". Uma drag queen convidava as pessoas nos ônibus parados para descer e comemorar o orgulho de ser quem somos. 
A organização do evento tentou uma liminar na justiça autorizando que o evento ocorresse, e conseguiu, porém o comando do Corpo de Bombeiros ignorou completamente a ação. Eles estavam irredutíveis! Então o protesto se manteve. Foram sete horas de trânsito bloqueado. A polícia teve que intervir e criar um desvio após as duas primeiras horas. Mas o congestionamento foi inevitável. As 20:45 da noite, a primeira fala dos bombeiros apareceu. Thaisa Galvão, blogueira natalense de politica, disse que o coronel Dantas afirmava que a questão era exclusivamente a segurança, que os trios elétricos tinham 6 metros e não 5 como fora permitido. "Pode ver que ali na Roberto Freire os fios são baixos e tem até fios de alta tensão". Mas eu lembrei que o trio elétrico do Chiclete com Banana tem 7 metros de altura, e o de Ivete Sangalo 5,40. O tema da parada este ano, "A Homofobia fez isso comigo, e com você?", me pareceu bem apropriado.



terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Pérsia: Os Homens de Confiança de Ciro

, em Natal - RN, Brasil


Além de Bagoas, houveram outros grandes eunucos na história da Pérsia. Todos muito bem educados. Podemos citar, usando o exemplo que Andrew Chugg retira de Diógenes Laércio, Hermias, que fora educado por Aristóteles, na Grécia, onde fora enviado por seus pais, adolescente, e já castrado. O que demonstra que a "imposição" destes jovens na situação de eunuco era um investimento familiar em seu futuro. Esta imposição funcionava exatamente como o casamento era colocado para as mulheres. Era uma forma de ascender socialmente, Hermias, inclusive, tornou-se governador da satrapia de Atarneus, na região da Jônia (atual Turquia), e se rebelou contra o grande rei Ciro tornando-se independente do império persa durante um curto período de tempo. 
Apesar da traição de Hermias, na Ciropedia, escrita por Xenofonte, historiador grego, que está a mais detalhada descrição dos eunucos persas. Diz ele: "Ciro sabia que os homens precisam amar os filhos ou esposas ou favoritos dos quais eles se encantam: enquanto eunucos, que são privados de todos os entes queridos, certamente colocam em mais alta conta de quem poderia enriquecer-los ou ajudá-los se eles foram feridos ou terem sua honra abalada. E para receber tais benefícios o eunuco sempre está disposto a pensar que ele poderia oferecer mais ao mundo. Além disso, o eunuco, sendo degradados aos olhos de outros homens, é levado a procurar a ajuda de algum senhor ou mestre. Sem tal proteção não há um homem no mundo que não se ache no direito de sobrepujar um eunuco. Segundo Ciro, não havia qualquer razão para supor que o eunuco não seria o mais fiel de todos os servos. Quanto à noção comum de que um eunuco deve ser fraco e covarde, Ciro não estava disposto a aceitá-la ... nenhum homem se mostrar mais fiel do que eunucos quando ruína cai sobre seus senhores. Na força física, talvez, os eunucos podem parecer não estarem na mesma vantagem, mas o aço é um grande nivelador e torna o homem fraco igual ao forte na guerra. Mantendo isso em mente, Ciro resolveu que seus assistentes pessoais, desde os seus porteiros, deveriam ser todos eunucos."
São muitos os exemplos de eunucos ligados ao poder imperial. Primeiro o outro Bagoas, grão-vizir de Artaxerxes Ochus, que em 338 a.C., com a morte do imperador, reinou no império até subir ao trono Dario I, que para muitos não passava de uma marionete nas mãos do eunuco. Um outro exemplo da participação política destes personagens é Artoxares que viveu entre os reinos de Artaxerxes I e Dario II, um século depois deste primeiro Bagoas. De acordo com Ctésias, este último com apenas 20 anos participou do exército contra o rebelde sátrapa Megabyzus, que derrotado foi enviado exilado para o Golfo Pérsico. Por causa de sua participação na guerra, Artoxares tornou-se sátrapa da região da Armênia. Ele também, após a morte de Artaxerxes e do fim da guerra civil entre os seus filhos que resultou na vitória de Dario II, quem Artoxares apoiava, o eunuco tornou-se uma das pessoas mais influentes da corte persa de meados do século V a.C. Porém, corrompido pelo poder, o eunuco conspirou contra o rei e foi executado por ordem da rainha Parysatis. 
Um exemplo desta fidelidade foi de Batis, eunuco que governava a cidade de Gaza, quando Alexandre, o Grande, tentou tomar a cidade. De acordo com um fragmento de Hegesias, citado por Chugg, Batis fingiu se render ao conquistador grego só para ter uma chance de se aproximar dele e esfaqueá-lo. Apesar de ainda sair ferido, Alexandre sobreviveu ao atentado e, para dar o exemplo, matou o eunuco e amarrou o corpo em seu carro, arrastando-o em torno das muralhas da cidade como Aquiles fez com Heitor. Ou Hermotimo, de 480 a.C., que fora o favorito de Xerxes. Este tornou-se segundo guardião (algo como padrinho) dos inúmeros filhos do rei, um papel que só era reservado a outros reis. Este tornou-se eunuco ainda criança quando foi vendido para o palácio do rei o que não impediu que ele se torna-se um cruel soldado como demonstrou nas Guerras Médicas contra os gregos, inclusive participando da famosa Batalha de Salamina. Xerxes inclusive tinha uma guarda pessoal formada apenas por eunucos, como lembra Don Benjamin.
Inclusive, Don Benjamim acredita que os eunucos seriam melhor entendidos se fossem pensados como funcionários reais extremamente comprometidos com seus reis. Tão comprometidos que abdicavam de sua virilidade como prova disso. Eles são representados pela arte sempre sem barba, transportando os armas de seus governantes, segurando guarda-sóis, afastando-lhe as moscas ou abanando-lhe. Eles acompanhavam os governantes em caçadas e dirigiam seus carros, além de serem responsáveis pelo seu guarda-roupa. Eunucos também são retratados como músicos tocando liras e harpas; como escribas escrever cartas para seus governantes, registrando pilhagem e prisioneiros de guerra, e elaboração da anais no campo de batalha.
Acrescentamos, no entanto, que o fato de um homem persa tornar-se um eunuco não queria dizer que ele dedicaria sua vida as relações homoeróticas, os registros falam de alguns, porém também existem inúmeros relatos de eunucos que, inclusive, eram casados com mulheres. Ser eunuco na Pérsia não passava de um trabalho.



sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Fidelio

, em Natal - RN, Brasil

Ato I

Conversando no MSN com um menino loiro e de sorriso encantador que conheci através do Manhunt.
- Você é de Natal?
- Sou. 
Respondo.
- Mas já morou fora?
- Sim, passei cinco anos morando em Belo Horizonte. 
Eu confirmo.
- Pois então você vai me entender. Eu não sou de Natal, e eu me surpreendo: o que acontece nessa cidade nenhum cara aqui quer namorar? Eles só pensam em sexo e depois do sexo... desaparecem. É impressionante. Quando você nota eles já sumiram e não tem como você voltar a ter contato com eles. Parece mágica.
Eu gargalho.
- É, eu também noto isso. Aqui as pessoas estão preocupadas com milhares de outras coisas... roupas, corpos musculosos, status... não tem espaço em suas agendas lotadas para se relacionar com alguém.
- É exatamente o que eu sinto. Que bom encontrar alguém que pensa como eu.
- E também alguém que não pensa como eles.
Concluo. Ele sorri do outro lado da câmera.


Ato II

- Foxx... eu preciso ser sincero com você. 
Diz ele depois que aviso que não tenho mais celular porque fui roubado e que por isso não poderíamos nos comunicar como de costume.
- Pois fale, meu querido.
- Você tem sido um fofo desde que nos conhecemos. Sempre atencioso e carinhoso ao telefone e aqui pela net. Mas...
- Mas?
- É que eu não estou preparado para um relacionamento com ninguém agora.
- Oi?
Fico sinceramente surpreso, afinal, eu o conhecera reclamando que ninguém nesta cidade estava disposto a namorar.
- É, cara, não consigo corresponder a forma carinhosa que você me trata, porque eu não estou preparado para me envolver com alguém de novo.
- Você não se sente preparado? 
Repito, mas na verdade queria dizer que ele provavelmente nunca tinha sido tratado daquela forma e por isso se sentia tão incomodado.
- É, fui muito machucado em outros relacionamentos, então não consigo permitir que você entre. Não consigo. É um bloqueio meu. 
- Entendo. Não gosto, mas entendo... 
Demoro muito tempo neste momento pensando o que vou responder. Até que em um rompante:
- Mas eu também tenho meus bloqueios, sabe? Fica difícil continuar investindo em alguém que afirma categoricamente que não vai me dar nunca nenhum retorno...
- Eu sei. 
Responde ele. 
- Sendo assim, acho que encerramos por aqui. 
Falo, e soa para mim um tanto quanto ríspido. Ele não responde, eu concluo:
- Boa sorte então para você, moço.
- Boa sorte.
E ele já estava on-line de novo no Manhunt.

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Classe Média Sofre

, em Natal - RN, Brasil

Neste fim de semana ocorreu em Natal o seu carnaval fora de época em que bandas como Chiclete com Banana, Asa de Águia e Parangolé, além de cantoras como Cláudia Leite e Ivete Sangalo puxam trios elétricos na região sul da cidade. O Carnatal que acontece sempre em dezembro, no final de semana após o vestibular, é uma tradição da cidade e já foi o maior evento deste tipo a acontecer fora da Bahia. É uma festa imensa, regada a muita bebida, música alta, homens musculosos em roupas justas, sujeira pelas ruas, assaltos, meninas vestidas exatamente do mesmo jeito, beijos roubados, sexo atrás de carros estacionados, abadás caros e um trânsito infernal em toda a cidade das 14h até as 2h da madrugada. Esse, no entanto, foi o primeiro ano sem a barraca gay que centralizava toda a festa, o Caldeirão do Lu, que inclusive fazia com que Cláudia e Ivete fizessem questão de que o trajeto de seus blocos passasse diante da barraca aonde elas paravam e faziam um pequeno show para o seu público.
Neste ano, também, graças ao surgimento de uma imprensa de esquerda na cidade se ouviu muitas críticas ao evento. Sobretudo a Carta Potiguar afirmou com veemência que a festa não era do natalense, brincando com jingle “a festa é sua, meu amor, sorria”. O cerne das críticas era esse: a Destaque Promoções (a realizadora do evento) era a única dona da festa, uma festa privada que utilizava o espaço público e cobrava por isso. Eles criticavam a venda dos abadas para um público que faria uma festa privada num espaço que era público, as ruas da cidade. Também criticavam a construção de camarotes e de arquibancadas no logradouro público e, que isso, não trazia nada em contrapartida para a cidade. Também era uma festa que não celebrava a cultura potiguar ao importar atrações bahianas que cantam “we are the world of Carnaval, we are Bahia”. Eu os acuso de cegueira de classe média. 
Quem critica o carnatal é com certeza alguém que não enxerga a festa como um todo. Realmente, os espaços cobrados pela Destaque só rendem lucro a ela, mas a festa é muito mais do que o corredor por onde passa o trio elétrico. Existem inúmeros vendedores ambulantes que tomam as calçadas vendendo comida e bebida em carrinhos; bares também se deslocam para o local do evento e montam barracas; nas ruas em volta, terrenos baldios se transformam em estacionamentos; não se encontra uma latinha de cerveja no chão porque os catadores são muito mais rápidos. Quem critica o Carnatal não para para conversar com um vendedor de cervejas e saber que este fatura, em média, R$ 300,00 por dia de festa, são quatro. Existe um lucro que não é explorado pela Destaque ao redor do corredor, alimentado sobretudo pela pipoca. 
Ai está também parte da cegueira desta classe média que finge que é politizada, ela só consegue enxergar a festa de quem tem 300 a 500 reais e não de alguém que participa de toda festa fora das cordas que isolam os blocos. E é muita gente. Pessoas que ficam nas calçadas, barracas e pelas ruas consumindo e dançando conforme os blocos vão passando. A festa de quem gasta apenas 50 reais por noite entre cervejas, cachaças, acarajés e churrasquinhos compradas nos canteiros centrais das avenidas. Isso é o carnatal. 
A critica também ignora, de forma desavergonhada, que a festa atrai para a cidade turistas também. Pernambucanos, paraibanos e cearenses, além de muitos potiguares do interior visitam a cidade exclusivamente para pular nos blocos como os tradicionais Caju, de Cláudia Leite; o Cerveja e Coco, da Ivete Sangalo; o Nana Banana, do Chiclete com Banana; ou o Bicho Papão, do Ricardo Chaves, ou algum dos novos que tem o Swingaê, que traz o Parangolé; e o Bikoka, trazendo Netinho. Estes turistas vem para cá para aproveitar a festa bahiana que, sim, foi importada. Mas convenhamos: argumentar que nossa cultura está sendo destruída por causa de uma invasão de estrangeirismo é muito demodè, principalmente enquanto digita no seu iPhone o texto para um blog. Eu, particularmente, não tenho nada contra o Carnatal, mas me incomoda bastante esses comunistas de beira de piscina que não reconhecem o que significa “festa popular” de tão acostumados que estão de observar o mundo das varandas de seus apartamentos. 

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Ring Ring

, em Natal - RN, Brasil





Eu estava no ônibus, indo em direção ao trabalho, quando o celular toca. Eram pouco mais de 8h da manhã e me surpreendi com a ligação. Achei que era um dos meus chefes com alguma solicitação urgente, mas vejo o nome de Rodrigo no visor. "Bom dia!", respondo animado. A pessoa faz um silêncio do outro lado da linha e eu tento novamente chama-lo. Eu havia conhecido o Rodrigo semanas antes pelo Manhunt, ele entrou em contato comigo e nós conversávamos já alguns dias, todas as noites, por webcam e nos tornávamos íntimos. Ele era de São Paulo, mas viria no fim do mês de novembro morar em Natal. Dentista, bonito e inteligente. Ele dizia então que queria me conhecer, e ligava-me duas vezes por dia, quase todos os dias, mas no dia anterior fui eu que tentei ligar para ele e não consegui nenhuma notícia dele, a noite ele também não aparecera na internet como já tornara-se um costume nosso. "Por que você está ligando para o telefone do meu marido?", perguntou uma voz masculina do outro lado do telefone. Eu sem saber o que responder, somente balbuciei umas tentativas de perguntas, mas a voz continuou. "Ontem o Rodrigo esqueceu o telefone dele aqui em casa, vi sua ligaçãi para ele, e também suas mensagens...", o homem do outro lado do telefone tentava controlar a raiva, mas ela ainda era perceptível, eu realmente ligara uma vez para ele e mandara duas mensagens perguntando o porquê do seu sumiço o dia todo. "Você não tem vergonha, não, de dar em cima de um homem casado?". Eu gargalhei e o homem do outro lado se irritou. Começou a gritar, e eu calmamente desliguei. Rápido, eu digitei a seguinte mensagem: "Caro marido do Rodrigo, desculpe-me, eu nunca soube que o senhor seu marido era casado. Ele me adicionou através do meu perfil do Manhunt e me contou estórias de que estava vindo voltar a morar em Natal e que queria encontrar um amor. Fui tão enganado por este homem quanto você. Não sou o vilão dessa estória, ele quem é". Nunca mais ouvi falar de Rodrigo, o dentista paulista, nem do marido dele.

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Pérsia: Bagoas, o Príncipe dos Eunucos

, em Natal - RN, Brasil


Bagoas, ou Bagoi (em persa), é o nome do eunuco mais famoso da história da Humanidade. Ele não era, no entanto, muito conhecido até o lançamento do famoso romance, O Menino Persa, de Mary Renault, que rapidamente atingiu as listas de best sellers. Referências ao eunuco nos documentos da Antiguidade são poucas. Na verdade, há apenas três, confinadas nos escritos dos historiógrafos romanos Quinto Cúrcio e Plutarco, e o general grego Ptolomeu.
A referência mais antiga é de Quinto Cúrcio e diz: "Entre os presentes estava Bagoas, um eunuco de qualidade singular na flor da juventude, a que Dario estava familiarizado (adsuetus) e logo Alexandre também se familiarizou. Foi principalmente por suas súplicas que Alexandre perdoou Nabarzanes" (CQ 6.5.23). Cúrcio está falando aqui sobre o assassinato de Dario por Nabarzanes, este mata o rei persa, e se prostra de joelhos rendido a Alexandre. O traidor persa oferece então inúmeros presentes ao conquistador grego, inclusive as esposas do rei e seus eunucos, isto é, todo seu harém. Cúrcio deixa claro em outro trecho dos seus dez livros sobre a vida de Alexandre, o Grande, que os haréns persas eram abastecidos de concubinas e de eunucos que, ao contrário do que se costuma dizer nas histórias que chegaram a nós advindas do mundo árabe, não era protetores das mulheres e que não eram castrados para evitar que eles traíssem os sheiks com suas inúmeras esposas, os eunucos persas participavam dos haréns como parte das esposas do imperador. Os reis persas como Dario, Xerxes, Ciro e Artaxerxes, todos, tinham entre suas esposas, isto é, casados de certa forma porque o casamento real era apenas com a primeira esposa, as outras eram concubinas e os homens eram seus eunucos, mas em situação de igualdade com as concubinas.
É importante lembrar, no entanto, que os eunucos persas são castrados na adolescência ainda. Isso impedia a mudança do corpo causada pelos hormônios da adolescência transformando o corpo desses homens numa versão de aparência sempre infantilizada, digamos assim, imberbe e de aparência feminina e delicada. Estes eram educados com esmero. Aprendendo o protocolo e regras da corte persa, uma das mais rígidas do mundo antigo; mas também aprendendo a ler, escrever, matemática, tornando-se normalmente administradores dos bens do rei. Contudo, no caso de Bagoas, ele também era um exímio dançarino. 
É Plutarco quem conta essa parte da história. Cúrcio afirmou que o regicida entregou Bagoas de presente para Alexandre, como dissemos, mas este deixa o seu harém na Hircânia, a beira do mar Cáspio, enquanto parte para tomar a região da Carmênia, uma satrapia já dentro do atual Irã. É na Carmênia, meses depois, que acontece a segunda aparição de Bagoas. Ela acontece quando o exército de Alexandre recebe suprimentos oriundos da Hircânia e eles comemoram as Bacanálias em nome de Dioniso. Plutarco narra o encontro em Vida dos Varões Ilustres: "Diz-se que enquanto estava bêbado, ele (Alexandre) observou o concurso de dança, no qual, em meio ao coro, estava seu amante Bagoas dançando e, depois de ter sido declarado vencedor, voltou do teatro e sentou-se com ele. Vendo isso, os macedônios o aplaudiram e gritaram pedindo um beijo, até que Alexandre, jogando os braços em torno dele o beijou amorosamente". (Alex. 67.8).
Bagoas era o preferido de Dario III. No entanto, ao conhecer Alexandre ele não havia ainda começado uma carreira política na corte persa, como inúmeros outros eunucos haviam feito antes. Seu poder se limitava apenas a receber favores diretos do rei. Este favoritismo, obviamente, despertou inveja, o que fazia com que se dissesse sobre ele, tanto na época de Dario, quanto com Alexandre, que "um eunuco havia governado a Pérsia antes e agora governava outro", em referência a um outro eunuco também chamado Bagoas, que se tornou grão-vizir do imperador Artaxerxes III, por volta do século IV a.C. Cúrcio inclusive conta que chegando Alexandre a capital persa, a Babilônia, o sátrapa Orsines dá ao novo imperador e a todos os seus amigos presentes inimagináveis. "Para Bagoas, o eunuco, que serve Alexandre com seu próprio corpo, nenhuma honra é paga". (QC 10.1.26). Bagoas se sente humilhado. Orsines o chama de prostituto. O eunuco então usa sua influencia e recruta uma série de falsos testemunhos que destroem a reputação do sátrapa e forçam Alexandre a retira-lo da posição que ele tinha, fazendo-o cair em desgraça. 
Discute-se entre os historiadores se os eunucos tinham a mesma situação social de escravos ou se eles estavam equiparados legalmente as mulheres. Questiona-se sobretudo como esses meninos são expostos a esta situação de castração: eles seriam vendidos por sua família? Tais discussões estão sempre atreladas a um preconceito machista de que somente uma família em situação de desespero permitira que um filho homem seu fosse colocado nesta situação de desvirilização. Todavia, não é o que parece. A situação de todos os eunucos que aparecem na história persa é sempre de homens que tinham um excelente status social o que poderia perfeitamente ser desejável para uma família. Seria um excelente forma de, por exemplo, manter-se ativo no ambiente cortesão da capital persa criando seu filho desde muito cedo para ocupar um lugar de destaque como eunuco do imperador ou de um sátrapa de uma cidade ou mesmo de um comerciante rico, por exemplo. 



sábado, 1 de dezembro de 2012

Não Precisa Se Desculpar

, em Natal - RN, Brasil

Conversava eu, através do MSN, com um segundo menino que conheci por causa do Manhunt.
Ele me pergunta a certa altura da conversa:
-  Então, cara, porque você, tão bonito e inteligente, está solteiro desde que voltou a Natal?
Eu havia mentido para ele, usando os conselhos que o Gato e o Bernardo haviam me dado. Disse-lhe que namorava quando estava em BH, mas que não tinha namorado desde que voltara a Natal.
- Não sei, meu caro. Acho que é alguma coisa com o povo dessa cidade. Mas, eu devolvo-lhe a pergunta, professor universitário e lindo do jeito que você é: por que está solteiro?
Ele demora poucos instantes para responder.
- Acho que as pessoas em Natal não gostam do meu tipo, sabe?
- Seu tipo? Pergunto.
- Sim, meu tipo. Eu sou afeminado e as pessoas sempre que me conhecem se incomodam com isso. É um problema para você eu ser afeminado?
Eu já havia notado pela webcam que ele era efeminado e respondi sem pestanejar:
- Claro que não! Não vejo o menor problema em você ser efeminado, isso é normal...
Ele me mandou uma emoticon sorridente, neste momento, e eu achei que poderia falar mais sobre mim, já que ele estava se abrindo daquela maneira.
- Para dizer a verdade... eu também sou um pouco efeminado.
Ele então ficou vários minutos em silêncio que tive que chamá-lo novamente a conversa.
- Oi? Você ainda está ai?
Ele respondeu hesitante. Dava para ver o quanto ele estava escolhendo as palavras, pelo tempo que permaneceu digitando.
- Sério que você é afeminado? Na câmera você parecia tão macho. Sua barba e tudo mais. Uma cara de homem.
- Sim, sou sim - e repeti a pergunta dele, em tom de brincadeira - Você tem algum problema com isso? E encerrei com um sorriso.
- Na verdade - respondeu ele - eu não gosto muito não.
Foi aqui que parei chocado por um instante. Eu não sabia o que responder e ele ficou em silêncio do outro lado também. Eu tentei quebrar o gelo.
- 'Tá de brincadeira né?
- Não. Não estou. Não curto afeminado não, cara.
Eu parei por um segundo e pensei: "Ah, que vá tudo as favas!".
- Sério que você está fazendo comigo exatamente o que os caras dessa cidade fazem com você?
Ele não respondeu, e eu continuei.
- Você não sente nenhum remorso de me tratar exatamente como essas pessoas tratam você?
Ele tentou pedir desculpas.
- Não precisa se desculpar - conclui - não precisa mesmo. É bom que agora eu sei porque você está sozinho.
E o bloqueei no programa de mensagens instantâneas.




terça-feira, 27 de novembro de 2012

O Que É Homofobia?

, em Natal - RN, Brasil
Eu fiquei chocado demais com o último texto do Para Ladys para ficar em silêncio desta vez. O trecho que me incomodou eu repito abaixo:

Existem várias formas de ser preconceituoso. Outro dia eu admiti que não gosto de gays "afetados", alguns falaram que isso era homofobia, mas não é. Isso por que eu nunca agredi fisicamente ou verbalmente ninguém. Mas existe um tipo de preconceito que é o pior de todos, que são aquelas pessoas que se dizem abertas para a diversidade em seu discurso mas que na prática agem de forma preconceituosa.


Eu sinceramente reli esse excerto umas quinze vezes para ver se eu não estava entendendo errado. Pedi ajuda perguntando a algumas pessoas se eu não tinha lido errado, mas, infelizmente não li. O trecho repete um discurso extremamente comum, inclusive, de que homofobia só existe quando há uma agressão. O bom é a própria resposta ao comentário do Frederico que ele escreve em seguida: o pior tipo de preconceito é o que advém de pessoas que se dizem mente aberta ou que sofrem o preconceito, mas que na prática agem com preconceito. 
Deixem-me então ser mais didático e explicar o que é homofobia. O dicionário Priberam define homofobia como "repulsa ou preconceito contra a homossexualidade ou os homossexuais". É bom lembrar que o dicionário nos dá duas pistas, a primeira é a ideia de repulsa, a segunda de preconceito. Falemos da primeira. Repulsa, segundo o mesmo dicionário, se aproxima dos significados de repelir, rejeitar, recusar, afastar, você repele, rejeita, recusa, afasta de si, coisas que você não gosta, não é? Ou estou enganado? É quando você não gosta de algo que você a distancia de si, não é? Então, quando ele fala que ele "não gosta de gays afetados", ele afirma com todas as letras que repele, rejeita, recusa e afasta de si gays afetados, se ele faz tudo isso, ele tem repulsa a uma das formas em que a homossexualidade se apresenta. 
E que isso fique claro: ser efeminado, afetado, afeminado, é também uma das formas que a homossexualidade, como sexualidade humana, se apresenta. Homens com traços femininos fazem parte da História humana desde a Antiguidade e nunca deixaram de existir entre nós, muitos deles inclusive são heterossexuais, mas vários são homossexuais. Inclusive culturalmente, os japoneses e, aqui no Brasil, os mineiros têm uma expressão de sua masculinidade que para muitas outras regiões do mundo seriam consideradas efeminadas. Então, manifestar repulsa contra essa parcela da população homossexual é sim manifestar homofobia, não contra todos os gays, mas homofobia contra um parcela específica da população homossexual. Tipo este de homofobia extremamente comum entre os próprios gays em relação a grupos com os quais eles não se identificam, vejam os efeminados contra os machos, ou as barbies contra os ursos, ou os travestis contra todos os outros, preconceito comum, e preconceito homofóbico.
É importante lembrar que "não gostar de efeminados" não significa apenas não gostar de um determinado recorte do universo homossexual. É bem mais que isso! É rechaçar uma característica que é entendida historicamente no meio heterossexual como um sinônimo mais direto de homossexualidade. Um homossexual que nega de forma muito veemente características que são culturalmente impostas a condição gay talvez tenha dificuldades para se auto-aceitar e, por meio desta fuga destes elementos, seja ser efeminado, seja gostar de divas pops, seja manter o corpo sarado, tenta intimamente se heterossexualizar.
Voltando ao segundo significado dado pelo dicionário, o que significa preconceito? Preconceito, segundo o Priberam, é uma "ideia ou conceito formado antecipadamente sem fundamento sério ou imparcial", significa que no caso dos efeminados você nem viu o garoto, mas já define que não tem tesão por ele porque você já sabe por antecipação que nenhum homem que possua a característica de ser efeminado pode vir a despertar desejo em você. O segundo significado de preconceito no dicionário fala de manter uma "opinião desfavorável que não é baseada em dados objetivos", cito o texto do Frederico como exemplo (chamava-se Seria Eu Um Homofóbico?): neste ele dizia que homossexuais efeminados eram sempre mais escandalosos e "mal educados", foi a expressão que ele usou, quais dados objetivos ele levantou para afirmar que todos os homens gays efeminados do universo são mal educados?
Por fim, o dicionário dá o último significado para preconceito como um "estado de cegueira moral", e ai eu fico a pensar se não é exatamente esse o problema. Quando não reconhecemos nossa própria homofobia e criamos um blog que fala para um público imenso nossa opinião que está permeada com nosso preconceito, não enxergamos que estamos alimentando também a homofobia que nos atinge. Afinal todo blog tem a capacidade de falar para um público imenso, isso é a internet, e o Google está ai e alguém pode perguntar "Sou homofóbico?", e cair nos nossos blogs e por causa de textos como estes achar que não é. Ou pior, quando alguém afirma claramente que por que ninguém foi agredido fisicamente ou verbalmente o ódio pode existir, porque este pode não ser um significado presente no dicionário, mas quando vivemos numa sociedade em que seres humanos são brutalmente agredidos com lampadas, paus e pedras (um menino de 19 anos morreu a pedradas em Natal por ser gay essa semana) precisamos incluir no significado de homofobia também o ódio a homossexuais de tal maneira que pode mover alguém a acabar com a vida de uma pessoa inocente apenas por causa de sua orientação sexual. 
O ódio por outro ser humano não pode existir de forma alguma. Em nível algum. Sua homofobia não está perdoada se você a mantém apenas dentro de sua mente, se você não tirou sangue de nenhum viado que passou pela sua frente ou porque você não xingou ninguém que passava por você na rua. O respeito, "sentimento que nos impede de fazer ou dizer coisas desagradáveis a alguém", e a aceitação, "estar conforme com, admitir", não podem conviver com o mal, e como dizia Confúcio, o bem não está em não fazer o mal, está antes em não desejar fazê-lo.


sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Sexta, Sábado e Domingo

, em Natal - RN, Brasil
Por causa da conversa com meu chefe e com o Bernardo, eu fiquei curioso sobre os sites de relacionamento em Natal. Sabem? Ursos, Manhunt e Disponível? Estes sites em que as pessoas fazem perfis para encontrar alguém, normalmente para sexo, mas também para relacionamentos? Então, eu me inscrevi por pura curiosidade. E também para livrar minha consciência de ficar pensando que eu não tentei absolutamente tudo. Fiz um perfil, totalmente desconectado da possibilidade de sexo sem compromisso (coisa que realmente não me interessa), com uma foto de rosto e uma foto de corpo inteiro, a que já postei aqui. Não demorou uma hora para eu receber a minha primeira mensagem, a foto um torso muito bonito, pêlos no peito, uma barriga sarada, convidando para um sexo sem compromisso: "Sou casado e muito discreto, afim?". Agradeci, mencionando que ele era muito bonito, mas eu não estava interessado em sexo desta forma. Outros vários também apareceram. Diariamente são pelo menos quatro mensagens convidando para sexo. Não me surpreendeu em nada. 
Mas também houve outras mensagens: Gente do Rio de Janeiro; de Barcelona, Espanha; de Curitiba e Florianópolis, de João Pessoa, que diziam que sou lindo e que namorariam fácil comigo se eu morasse na mesma cidade que eles. Também não me surpreendeu. Foi quando, numa noite de sexta-feira, eu recebi uma mensagem de um menino de Natal. "Olá, afim de papo?". Eu o reconheci assim que abri o perfil, temos alguns amigos em comum, frequentamos os mesmos ambientes na cidade, eu já tinha pego ônibus com ele e sempre o achei lindo. Respondi: "Claro! O que você diria se eu dissesse que te conheço e que sempre te achei lindo?". Ele não demorou a responder: "Isso me instiga. Vamos conversar no MSN?". E trocamos endereços. Conversamos bastante naquela noite, contei de onde o conhecia, e ele lembrou que já havia me visto em uma festa numa casa de praia. Falamos sobre nossas pretensões no site, sobre a vida, trabalho e até mesmo sobre sexo. Ele confessou-se tímido e eu acabei propondo que nos encontrássemos no sábado mesmo. Ele concordou, mas não terminamos de conversar. Somente as 4h da manhã nós desligamos, porque ele lembrou que tinha que trabalhar pela manhã, durante toda manhã do sábado. Eu o obriguei a desconectar e desejei-lhe uma boa noite.
Marcamos no dia seguinte. Ele iria tocar num dos bares de rock da cidade. Ele é vocalista de uma banda que toca um indie rock depressivo. Eu cheguei no bar e avisei-lhe por mensagem que estava lá, ele respondeu rápido dizendo que logo chegaria, mas iria direto para o palco, que depois nos falaríamos e eu disse que tudo bem. Fui sozinho, apesar de ter convidado alguns amigos, nenhum deles topou. Ao chegar ao bar, ele me viu e me cumprimentou rapidamente, mas logo foi cuidar dos últimos preparativos para a banda. Eles tocaram por uns 45 minutos, eu bebi uma garrafa de cerveja sozinho, em um canto perto do palco, esperando que ele terminasse para vir falar comigo.
Quando o show terminou, o palco foi invadido. Muitos fãs! Meninas estéricas, meninos gays afogueados. Vale a pena uma descrição dele: Alto, com um cabelo liso e negro, amarrado num pequeno rabo de cavalo.  Pequeno mesmo. Ele cantava com a franja cobrindo um lado do seu rosto, de calça skinny modelando as pernas e a bela bunda. Vestia uma camisa xadrez aberta, com uma t-shirt por baixo, o braço grosso forçava o tecido da camisa a exaustão. Tinha um piercing no nariz. Lindo e com uma voz grave gostosa de ouvir. Este homem foi então cercado por inúmeras pessoas e ele tentava agradar a todas, era um abraço, uma pequena conversa, uma menina ruiva chorando em seus braços, ele já me vira e tentava se aproximar, mas era sempre parado por alguém, até ele chegar perto de mim e falar: "Vou resolver as últimas coisas do show, ok? E ai a gente senta e conversa?". Eu concordei. E ele me deu um beijo na bochecha antes de se afastar.
Acabei saindo da área do bar em que acontecem os show, fui lá para fora, pedi uma nova cerveja e ele demorou tempo o bastante apenas para eu terminar o primeiro copo. Eu o via se deslocando entre mesas, sendo chamado para conversar com as pessoas, muita gente o tempo todo o chamando. Mas ele conseguiu chegar até mim e disse-me que queria comer algo, e me chamou para acompanha-lo. Sentamos numa mesa, com amigas dele, ele pediu um crepe, eu continuei na minha cerveja, nosso maior tempo de conversa foi enquanto ele comia esse crepe, porque ao terminar, novamente, novas pessoas apareciam e a todo tempo nossas conversas eram interrompidas por alguém. Um fã da banda, um amigo, muitas vezes ele se levantava da mesa e deixava-me sozinho com as amigas dele, com as quais eu até consegui conversar um pouco. Até que em determinado momento ele falou: "Desculpa, não foi uma boa ideia ter te convidado para vir hoje. Não consigo te dar atenção!". Eu sorri e brinquei: "Não se preocupa, normal! Assim eu já sei como seria se eu namorasse você!". Ele sorriu e ficou vermelho. E quando ele ia novamente falar algo uma nova pessoa o chamou para algo importante e ele pediu desculpas e se levantou.
De fato, conversamos pouco, quando há 1h da manhã ele disse que tinha que ir embora. Estava cansado. E eu disse que ia também. Ele perguntou como eu iria para casa e eu falei que de táxi. "Eu não dirijo", falei, "por princípios éticos: se todo mundo comprar carro porque o serviço de transporte público não presta eles não têm motivos para melhorar o transporte público". Ele riu com visível benevolência. Eu tentei tocar-lhe naquele momento, fiz um carinho em suas costas, ele não correspondeu, mas permitiu. Fomos então pagar nossas comandas, e ele foi embora de carona com uma amiga, eu voltei para casa sozinho. Na despedida ele me deu um outro beijo, na bochecha, novamente. Mandei-lhe uma mensagem, no entanto, no caminho de casa: "Foi um imenso prazer te conhecer de fato. Você é ainda mais lindo de perto". Ele só respondeu na tarde do domingo. "Também foi um prazer te conhecer e não quero te iludir: não bateu feeling entre nós, mas te achei super legal". Eu respondi que tudo bem, que não era um problema, e tentei até sorrir, mas o fato é que um aperto no coração fez horas depois, quando a noite já havia caído, algumas poucas lágrimas caírem.

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Pérsia: Os Homens e os Meninos

, em Natal - RN, Brasil


A origem da pederastia, isto é, do relacionamento homoerótico entre um homem adulto e um menino na antiga Pérsia foi um assunto debatido desde a Antiguidade. Heródoto, historiógrafo grego, afirmava que os persas tinham aprendido aquele hábito com os gregos: "Os persas assimilam facilmente os costumes estrangeiros. Dominados os Medos, começaram a adotar os trajes destes por considerá-los mais belos que os seus. Nas guerras, envergavam couraças à maneira egípcia. Entregam-se com ardor aos prazeres de todo gênero de que ouvem falar, e adquiriram com os Gregos o amor aos jovens" (Livro I, CXXXIV). No entanto, Plutarco afirma que os persas já conheciam o chamado "amor grego" desde muito antes do contato com os gregos, já que nas primeiras guerras médicas os persas já tem entre suas fileiras inúmeros eunucos. Apesar destes autores antigos, Richard Francis Burton (1821-1890), historiador inglês do século XIX, o primeiro a traduzir os contos árabes para a língua inglesa, era da opinião de que os persas haviam absorvido o costume das populações que habitam o vale do Tigre-Eufrates. A questão de como começou, no entanto, é uma discussão inútil sendo bem mais interessante reconhecer quais as formas sociais mais comuns em que se davam, na Pérsia, as relações homoeróticas.
Stephen Murray explica em seu Homossexualities que na região de Khorasan, no nordeste da Pérsia, região habitada sobretudo pelos Parsis, o costume da pederastia era bastante comum. Porém, ao contrário do que acontecia na Grécia e Roma em que as relações eróticas entre homens e meninos eram recobertas com um significado pedagógico no qual o jovem seria iniciado pelo homem mais velho nas tarefas masculinas, na Pérsia este relacionamento não tem nenhuma outra finalidade além de conseguir prazer sexual com meninos. O Amado (aquele que é penetrado na relação e o mais jovem) não é, ao contrário da Grécia, idealizado, este não precisava ser nobre e virtuoso, muito pelo contrário, era muitas vezes escravo de guerra, ou fora vendido pelos pais para servir sexualmente ao seu senhor. O que importava era que estes meninos fossem bonitos. Plutarco, inclusive, afirma em A Vida de Alexandre que um dos generais compra dois meninos de excepcional beleza para dar de presente a um amigo na Grécia.
Este jovem continuava servindo aos homens até sua barba crescer, quando isto acontecia seu Amante (o homem mais velho) então fornecia-lhe uma mulher, normalmente do seu próprio harém, com a qual o antigo Amado tornava-se agora homem de fato. Notamos aqui que, apesar da pederastia persa ser distinta da grega, sobretudo, por causa da ausência de idealizações sobre o parceiro passivo da relação, ela também tem o caráter de transição social para o jovem menino que precisa passar por aquele momento para tornar-se homem, obviamente isso vale para os meninos livres, mas não para aqueles vendidos ou aprisionados como escravos. Esses meninos livres precisam passar por esta iniciação para tornarem-se homens aptos a casar. Sua experiência infantil passiva, no entanto, será apagada de sua vida e nunca mais será comentada. Sua honra como homem dependerá agora de todo o seu comportamento como homem adulto o que incluía, também, relacionar-se sexualmente com jovens garotos sendo agora ativo.


sexta-feira, 16 de novembro de 2012

O Que As Pessoas Pensam De Mim

, em Natal - RN, Brasil


Após um dia de trabalho que terminou as 23h, estou deitado na cama já sem cueca, porque me preparo para dormir, quando sou chamado no Facebook:

Miguel: Eu queria falar com um de seus amigos em BH. Queria conversar com eles. Quero ter alguém conhecido para me apresentar pontos turisticos, bares interessantes e tals.
Foxx: Você vai mesmo morar lá, não é? Mas pode deixar que qualquer dia que você e eles estiverem on line, juntos, eu apresento.
Miguel: Ok. Queria tanto que fosses comigo.
Foxx: Pra BH?
Miguel: Era.
Foxx: BH já me deu o que tinha que dar. Agora é hora de morrer em Natal.
Miguel: Queria que você desse uma nova chance para a vida.
Foxx: Você queria que eu desse uma nova chance para a vida? Quem tem que me dar uma nova chance é a vida. Ou melhor, eu preferia era uma nova vida.
Miguel: Já sabe minha opinião.
Foxx: Ok! Então também é melhor encerrar essa conversa por aqui.
Miguel: O que você quer que eu faça? Que eu fique aqui insistindo em te mostrar que vale mais a pena buscar a sua felicidade? Adianta? Se em tudo que falo você rebate com algo negativo... Tento mostar para você que temos que tentar até o fim... mas você só pensa no pior.
Foxx: O que você não entende meu amigo é que eu já cheguei ao fim. Você que não entendeu ou não quer aceitar isso. Mas essa é a verdade.
Miguel: É muito triste ouvir isso de você! É uma pena! Queria ser capaz de te fazer querer acreditar na vida...
Foxx: Não é uma questão de querer, Miguel. Você por acaso acha que eu decido acreditar ou não? Que é uma decisão.
Miguel: É sim. É o que você quer.
Foxx: Entenda... eu não posso mais, eu não consigo mais. É simplesmente algo que eu não consigo mais fazer. Eu não consigo acordar e pensar: hoje existe alguma chance de eu ser feliz. Sinto-me um idiota fazendo isso. Eu prefiro pensar: Levante-se, tome força e coragem e aceite sua infelicidade.
Miguel: Que pensamento pequeno.
Foxx: É o único que eu consigo ter...
Miguel: Seu problema é que você pensa que só pode ser feliz com um grande amor. Não vejo outra coisa em que você possa reclamar.
Foxx: Não, meu problema é que eu penso que a gente só pode ser feliz quando realiza os sonhos. E de qualquer forma, este amor é sim algo muito importante pra mim. Pode não ser para você que sempre teve, mas para mim é importante.
Miguel: Seria muito bom se você vivesse sua vida da melhor forma possível e tentasse esquecer disso...
Foxx: Sim, Miguel, é exatamente o que eu estou tentando fazer. Eu vivo a minha merda de vida da melhor forma possível. Só que minha vida é uma merda e é isso que você não acredita.
Miguel: Ouvi dizer que o poeta só existe se sofrer... que tal se você escrevesse?
Foxx: Se você acreditasse em mim talvez entendesse o que eu passo.
Miguel: Que sua vida é uma merda, eu sei, mas você é que não quer acreditar em mim que você pode fazer com que ela melhore.
Foxx: Mas eu já fiz de tudo para melhorar a minha vida...
Miguel: Não fez.
Foxx: Mas eu não fui morar em BH, não fui fazer doutorado? Eu fiz tudo que era possível para melhorar a minha vida. Tentei tudo, acabaram as opções, possibilidades.
Miguel: As possibilidades não acabam nem quando morremos. Obviamente elas não batem à nossa porta, mas se lutarmos por elas, criaremos novas e novas oportunidades. Não podemos desistir jamais.
Foxx: Eu discordo...
Miguel: Porque você é uma pessoa pessimista. Prefere o buraco que está. Porque é mais fácil afundar na lama do quê tentar algo.
Foxx: Não, eu sou realista e vivo com o que tenho. Mas é uma pena saber que você pensa isso de mim.
Miguel: Eu? Você que faz questão de mostrar o quão nada sua vida é. Nem parece o cara estudado que conheço. Uma pena é você fugir da verdade, pelo menos sou verdadeiro o suficiente para dizer a você o que todo mundo pensa a seu respeito: tem tanta gente por ai pedindo esmolas nas ruas e com muito mais sede de vida que você. O que você quer é que as pessoas tenham pena de você, mas isso eu me recuso a sentir.

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Conversas No Pico

, em Natal - RN, Brasil
Era quase seis horas e aqui já é seis horas da noite. Escurecera porque em Natal o sol se esconde rápido, tão rápido quanto nasce no outro extremo do dia. Meu chefe me dava uma carona para o evento que eu cobriria pelo Twitter. Trabalharia a noite naquela quarta e, por isso, faltaria ao ensaio do meu coral. Foi no carro, a caminho do lugar que jantaríamos, uma sanduicheria no Tirol, que ele me interpelou: "Então, você está melhor né? Faz tempo que não conversamos". Ele sempre começa nossas conversas pessoais com essa frase. E eu fico tímido para responder. Gaguejando, tento dar uma resposta inofensiva: "Vou indo do jeito que dá, né?". Ele insiste porque quer ouvir mais, recita todas as coisas boas que têm acontecido na minha vida, pergunta se estou gostando do trabalho que ele me conseguiu, pergunta sobre o doutorado e, por fim, pergunta sobre meus namoros. "Você precisa encontrar alguém, Foxx, vai te fazer bem". Eu não seguro um suspiro, e ele exige que eu fale. "Se eu pudesse pagar, talvez eu conseguisse alguém...". Ele gargalha, acreditando que estou fazendo uma piada. O carro corria pela Afonso Pena e ele pergunta quando foi a última vez que eu fiquei com alguém e, sem olhar para ele, observando as coisas que passam rápido pela janela, afirmo: "Faz um ano que não faço sexo, beijo na boca eu não lembro...". Ele se revolta dizendo que isso não é correto. Que eu deveria sair mais, para conhecer mais pessoas, "Tem que frequentar os picos, Foxx". Eu gargalhei com a expressão, e ele tentou explicar que era para eu sair, frequentar os lugares gays para poder conhecer pessoas. "As pessoas, comigo, só querem sexo sem compromisso". Meu chefe então me responde que isso não é um problema. Eu concordo. "Realmente não é, e eu apoio quem deseja fazê-lo, se quiser ainda forneço a camisinha, mas não é algo que eu quero para mim. Prefiro ficar totalmente sem sexo, como agora, do que ser usado da forma que eu já fui". Chegamos ao restaurante, e sentamos na mesa com uma amiga do meu chefe que encontramos enquanto caminhávamos. O assunto morreu, comemos e rumamos ao nosso compromisso. E lá, a palestrante que eu tuitava o que ela dizia, afirmou: "Dois em cada cinco casais hoje se conheceram nas redes sociais; e, no caso dos LGBT, 3 em cada 5 casais...". Foi quando meu chefe me cutucou e mandou um bilhete: "Vamos te arranjar um namorado na net". E eu ri baixinho. Ele sorria do meu lado.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Je Sui Désoleé

, em Natal - RN, Brasil
Era uma terça-feira, após o trabalho, o Andarilho sentou na minha frente, respirando fundo, soltou o texto que ele havia ensaiado em casa: 
- Lembra que eu havia pedido seu blog? Pois eu andei lendo... 
Ele havia me convidado no final de semana para nos encontrarmos porque ele queria ter uma conversa.
- Eu li sobre uma conversa que você teve com um amigo que ele dizia que se afastara porque você estava numa fase triste e isso incomodava a ele. Que ele deixara de te convidar para sair porque você só sabia falar sobre seus problemas...
- Sim...
- Eu sei que você estava falando de uma conversa que nós dois tivemos. E lendo seu blog, eu percebi, que péssimo amigo que eu estou sendo para você.
- Tem sido mesmo...
Ele sorriu sem graça e continuou falando:
- Foi como se eu me visse de fora naquele instante. Pelos seus olhos.
- É, pelos meus olhos.
- E eu quero te pedir desculpas. E dizer que eu sou seu amigo para o que vier, inclusive, os momentos tristes. Porque eu sei que você sempre estaria do meu lado não importa o que eu estivesse passando. 
- Estaria mesmo...
- É! Eu sei! Então... me desculpa?
- Você já estava desculpado há muito tempo!


terça-feira, 6 de novembro de 2012

Israel: A Devoção de Rute à Naomi

, em Natal - RN, Brasil


O lesbianismo é ignorado, basicamente, nos textos judaicos e na Bíblia, apesar da referência que normalmente se faz a Rute e Naomi entre as fileiras homossexuais que lutam por uma forma de reconhecimento no texto da Sagrada Escritura desta forma de amor para, de alguma forma, desconstruir o discurso religioso que prega que as formas de relacionamento homoerótico são pecado. Rute e Naomi tornaram-se então as heroínas lésbicas do texto bíblico. Se faz referência a este trecho do livro de Rute (1:8-18): " 'Ide, e voltai para a casa de vossa mãe', disse ela às suas noras, 'O Senhor use convosco misericórida, como vós usastes os que morreram e comigo! Que eles vos conceda paz em vossos lares, cada uma na casa de seu marido'. E beijou-as. Elas puseram-se a chorar: 'Nós iremos contigo para o teu povo', disseram as noras. 'Ide, minhas filhas', replicou Naomi, 'por que haveis de vir comigo? Por ventura tenho eu ainda em meu seio filhos que possam tornar-se vossos maridos?' (...) Então elas desataram a chorar. Orfa beijou a sua sogra, porém Rute não quis separar-se dela. 'Eis que tua cunhada voltou para o seu povo e para os seus deuses', disse-lhe Naomi, 'vai com ela'. 'Não insistas comigo', respondeu Rute, 'para que eu te deixe e me vá longe de ti. Aonde fores, eu irei; aonde habitares, eu habitarei. O teu povo é meu povo, o teu Deus meu Deus. Na terra em que morreres, quero também eu morrer e aí ser sepultada. O Senhor trate-me com todo o rigor, se outra coisa, a não ser a morte me separar de ti!'. Ante tal resolução, Noemi não insistiu mais". Este trecho é tomado como uma grande declaração de amor lésbico entre a nora Rute e a sogra Naomi, apesar de em nenhum momento o texto bíblico expressar nada mais do que uma nora que se considera parte da família da sogra após o casamento, não pertencendo mais a sua antiga casa, seus antigos deuses e sua antiga família. Sou da opinião que este texto não faz referência a nenhum relacionamento homoerótico e eu estranharia se encontrasse uma referência qualquer que fosse num texto escrito somente para homens sobre algo que lidava diretamente com a intimidade feminina.
O Talmud faz apenas duas referências ao lesbianismo, e nestas fica claro a pouca importância dada a matéria pelos sábios, como as próprias mulheres. A palavra mesolelot que é associada ao lesbianismo pode ser traduzida como "o roçar entre duas genitálias" (levamot) e refere-se basicamente ao contato sexual sem penetração, aparece num trecho que refere-se a uma mãe masturbando o filho, contudo também aparece em uma discussão entre os rabis para definir se as mulheres que praticam sexo com outras mulheres (mesolelot) são desqualificadas para o casamento com os sacerdotes. Eliezer Ben Horquenus afirma que a relação sexual com um homem solteiro, feita com o propósito de apenas ter prazer, sem envolvimento marital, transforma a mulher numa zonah (prostituta), porém, quando a relação ocorre entre duas mulheres a ofensa não requer nenhuma punição. Não existe nenhuma punição, nem açoitamento, apedrejamento ou qualquer outro, isto porque nenhum mandamento bíblico era contra a relação sexual entre duas mulheres, o que inclusive as tornava aptas a casar com qualquer homem judeu, porém aconselha Eliezer Ben Horquenus que os homens vigiem rigorosamente suas mulheres, impedindo-as de visitar ou receber visitas de mulheres com estes hábitos.
A falta de legislação sobre uma relação homoerótica entre duas mulheres pode soar para alguns como uma permissão, mas isso seria não reconhecer o status de objeto que pertence ao homem do próprio corpo feminino. A legislação então preocupa-se sobretudo, ao falar da mulher, de reforçar seu lugar de objeto que pertence ao homem (casamento) e garantir essa posse quando outro homem a ameaça (interdições sexuais como incesto ou punições para o adultério), para o legislador que escreve a Bíblia e o Talmud não existe risco algum quando duas mulheres estão juntas porque sua posse não estava ameaçada já que ao contrário do que acontecia em regiões como o Egito, não havia a possibilidade de mulheres hebraicas terem uma vida independente de homens em sua sociedade.






sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Espelho, Espelho Meu

, em Natal - RN, Brasil
Postei as três fotos abaixo no meu perfil no Facebook. Fotos tiradas diante do espelho. Nenhuma superprodução, obviamente, nem com retoques via Photoshop. Somente fotos que gostei apesar de eu não estar nem um pouco magro. Mas então o Bê, logo após, abre o bate-papo e comenta:
- Vi suas fotos novas.
- Ah, foi? - respondi - Gostou?
- Gostei sim, vi aqui com o Marido do lado. Ele virou-se para mim e perguntou: "O que há de errado com o Foxx, hein? Ele é tão bonito! Tão sexy! Porque está sempre sem namorado? Se ele estivesse aqui na Alemanha ia chover homem em cima dele".
Eu não tinha nenhuma resposta, então o Bê continuou.
- E eu concordo viu? Você está bem mais bonito agora mais gordinho sim. Você não nasceu para barbie, viu? Você de ursinho fica muito mais bonito do que saradinho. 
- Mas, apesar disso, continuo solteiro...
- Por causa de Natal, Foxx, só pode ser isso... você precisa ir para São Paulo, para o Rio de Janeiro, locais que apreciam a sua beleza. É por isso que meu marido fala isso de você, como ele é alemão, ele sabe apreciar coisas que essa gente provinciana, de Natal, e de BH também, não sabe apreciar.
- Será?, perguntei.
- Tenho absoluta certeza.








terça-feira, 30 de outubro de 2012

Um Deus Travesso

, em Natal - RN, Brasil
Recebo um convite no Facebook que diz para eu encontrar meus amigos, Andarilho e Peter Pan, no Giramundo naquela sexta-feira. O Giramundo é um bar que fica em Parnamirim, uma cidade dormitório da Grande Natal, onde praticamente todos os meus amigos moram e onde normalmente os encontro para sentar em bares e conversar noite a dentro. Eles nunca vão a Natal, onde trabalham, e eu moro, sempre sou eu que me desloco até eles. É um bar que toca forró e é possível ouvir Suzana Vieira fazendo participação especial no DVD de Desejo de Menina, em que os garçons usam camisas verde-limão apertadas que mostram os braços e peitorais trabalhados em academias ou as barrigas exercitadas em copos de cerveja, que também é frequentado por uma espécie distinta de homens da região de Natal: os vaqueiros. 
Um esporte tradicional no Rio Grande do Norte é a vaquejada que consiste, em um corredor determinado, cavalgar com seu cavalo, pegar o rabo de um boi ou vaca, enrolá-lo no braço e, com um único puxão, derrubar o animal dentro de uma faixa pintada na areia com cal braco. Quem acerta três tentativas dentro da faixa vence a disputa. Os vaqueiros contudo não se vestem como agroboys, vestem-se com a mais fina camisa polo Lacoste e calças jeans Ellus, que combinam com indefectíveis botas de couro, de bico fino e ponta de metal, e apelam para perfumes franceses fortes, sobretudo fragrâncias clássicas como o Azzaro e o Lapidus. 
Foi cercado deste ambiente que cheguei meia hora atrasado. Cheguei e já haviam todos chegado. A reunião havia sido marcada para o Peter Pan apresentar finalmente o seu namorado a todos os outros amigos. Peter não mora mais em Natal. Ele passou em um concurso e está morando no interior do Estado e lá conheceu o novo namorado, o qual, por motivos de trabalho, só pode vir a Natal neste fim de semana para conhecer as pessoas com o qual já tinha falado no telefone várias vezes, por insistência do Peter que o fazia conversar com todos os amigos quando ele ligava e algum deles estava presente. Eu cheguei e ao puxar uma cadeira para saber onde eu sentaria, notei aonde eu estava me metendo. Eram quatro casais, o Andarilho e o namorado, o Peter e o novo namorado, e dois casais de lésbicas, nossas amigas. Eles estavam sempre sentado em pares e eu acabei sentando entre o Andarilho e o namorado e um casal de lésbicas. Obviamente, não chamei atenção para o fato de eu ser o único solteiro na roda. Como sempre. Mas pelo jeito não era meu destino escapar daquilo.
Não demorou muito para que a Fabi, que estava do meu lado, ao olhar para todos na mesa e terminar sorrindo para mim notasse que havia um padrão que eu quebrava ali e não deixou de comentar. "Pois é, Foxx, só falta o senhor arranjar um namorado agora". Eu respirei fundo e sorri amarelo, mas respondi: "Bem que eu queria, Fabi". Ela então lançou aquele discurso preparado de que "quem muito escolhe acaba sozinho", mesclado com "todo mundo tem uma alma gêmea" mais "um dia você vai encontrar seu príncipe encantado". Eu sorri condescendente, mas ela ia continuar o discurso que fatalmente ia terminar dizendo que a culpa era minha de eu estar sozinho, eu então encerrei o assunto: "Bem, infelizmente, ninguém é capaz de se interessar por mim...". Ela ouviu prendendo o ar, surpreendida. "Infelizmente as únicas pessoas capazes de se interessar por mim são garotos de programa!". Ela ia contra-argumentar, o máximo que conseguiu foi: "Isso não pode ser possível!", eu então dei o assunto por encerrado e perguntei mais sobre a vida do novo namorado do meu amigo.
No entanto, chegando em casa, de madrugada, após postar no Twitter: "kd o amor?", um contato, no Facebook, me chamou para conversar e disse-me, muito claramente: "Olha, Foxx, sinceramente, se eu morasse mais perto de você, na mesma cidade, eu com certeza te namoraria. O único motivo que me impede de investir em você é, sem dúvida, a distância". Eu agradeci as palavras. E pensei logo que algum deus travesso resolveu brincar comigo naquele fim de semana. Primeiro ele mostra como, em Natal, eu estou sozinho, sendo o único no grupo de amigos solteiro; depois ele me exibe como outras pessoas, fora de Natal, se interessam por mim. Este deus travesso deve divertir-se em ver o meu sofrimento como um sádico que se diverte torturando um faminto comendo o mais belo manjar diante dele. Ele mostra que lá longe, onde não posso alcançar, o meu sonho seria possível; mas se eu me aproximasse, como quando fui para Belo Horizonte, tudo se desfaria no ar como uma miragem. Este deus travesso gosta de me mostrar o impossível lá longe só para que eu corra atrás e ele mostre novamente mais longe e mais longe, porque ele diverte-se apenas comigo correndo atrás, ele não pretende nunca conceder-me o prêmio, só para que eu continue em seu encalço e ele mantenha seu brinquedinho. É a melhor explicação para minha vida amorosa mesmo: uma maldição de algum deus travesso.

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Especial BH: Bolo de Cenoura e Suco de Abacaxi

, em Belo Horizonte - MG, Brasil





(Instruções de leitura: coloca a música para tocar e lê)


Descobri que meu sonho tem gosto de bolo de cenoura com suco de abacaxi. Percebi isso sentado na mesa de jantar do Cara Comum e do seu marido enquanto eles me contavam como se conheceram. Visitei a casa deles numa tarde quente de feriado. Uma casa acolhedora, num condomínio de sobrados geminados. Pequena e com piso de pedra, cheia de livros e discos, com mudas de alecrim que teimam em não crescer, ao contrário do amor que lhe enche as paredes. Vi naquela casa e naqueles dois sentados na minha frente a materialização de um sonho antigo. As piadas e intimidade, os carinhos e os projetos compartilhados, tudo aquilo que estava diante de mim demonstrado por aqueles dois que se amavam era a materialização de um sonho antigo. O mesmo sonho que me deu forças para superar as adversidades da minha vida e continuar esperando encontrá-lo. Eu agora o saboreava. Meu sonho romântico tem gosto simples de bolo de cenoura recém saído do forno e suco de abacaxi.

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Israel: A Simpatia de Ashpenaz por Daniel

, em Natal - RN, Brasil

 1 No terceiro ano do reinado de Joaquim, rei de Judá, Nabucodonosor, rei da Babilônia, veio a Jerusalém e a sitiou.
 2 E o Senhor entre­gou Joaquim, rei de Judá, nas mãos de Nabucodonosor, e também alguns dos utensílios do templo de Deus. Ele levou os utensílios para o templo do seu deus na terra de Sinear e os colocou na casa do tesouro do seu deus. 
 3 Depois o rei ordenou a Ashpenaz, o chefe dos eunucos da sua corte, que trouxesse alguns dos israelitas da família real e da nobreza:
 4 jovens sem defeito físico, de boa aparência, cultos, inteligentes, que dominassem os vários campos do conhecimento e fossem capacitados para servir no palácio do rei. Ele deveria ensinar-lhes a língua e a literatura dos Caldeus. 
 5 De sua própria mesa, o rei designou-lhes uma porção diária de comida e de vinho. Eles receberiam um treinamento durante três anos, e depois disso passariam a servir o rei.
 6 Entre esses estavam alguns que vieram de Judá: Daniel, Hananias, Misael e Azarias.
 7 O príncipe dos eunucos deu-lhes novos nomes: a Daniel deu o nome de Beltessazar; a Hananias, Sadraque; a Misael, Mesaque; e a Azarias, Abede-Nego.
 8 Daniel, contudo, decidiu não se tornar impuro com a comida e com o vinho do rei, e pediu ao chefe dos oficiais permissão para se abster deles.
 9 E Deus fez com que o homem fosse misericordioso com Daniel e tivesse simpatia por ele (chesed v'rachamim Daniyye'l).

Este versículo nono do Livro de Daniel é objeto de controvérsia até hoje. Sua tradução tem sido questionada e discutida pelos especialistas em hebraico e aramaico sem que se chegue a absolutamente nenhum consenso. Uma corrente defende uma tradução que diria que existe uma relação homoerótica entre Daniel e o eunuco babilônico, outra afirma que como Ezequiel em seu livro (14:14,20) diz que Noé, Jó e Daniel são os únicos homens justos o bastante para não serem atacados se entrassem na cova de leões, pois seguiam diretamente os preceitos da lei do Levítico, portanto, ele, necessariamente, não poderia ter relações homoeróticas e continuar um homem justo. 
Bem, como o segundo argumento é uma falácia homofóbica que pressupõe, antemão, que as leis do Levítico realmente tratam as relações homoeróticas como crime - o que vimos anteriormente que não. Esse argumento também leva em consideração a Bíblia como um texto escrito sem fazer referência ao contexto em que sua escrita se dava. Enquanto o Levítico faz referência a uma tribo nômade que vagava pelo deserto e que provavelmente foi colocado no papel a época do reino de Davi, em que os hebreus estavam em guerra contra os filisteus e cananeus e seus hábitos eram demonizados; o Livro de Daniel, que provavelmente foi escrito somente no século II ou III depois de Cristo, faz referência a uma corte culta, por volta de 640 a.C., que  estava em guerra com os babilônicos e via seus filhos serem levados como cativos e transformados em eunucos na corte do rei Nabucodonosor. 
Outro elemento que também é simplesmente ignorado pelo argumento de que Daniel é justo: Daniel é um eunuco (2Rs 20.17,18; 2Rs 24.1,12-14; Dn 1.3,7) que serviu a três reis (Nabucodonosor, Belsazar e Dario), sendo que logo conquistou o status de governador de província e também primeiro-ministro. Mas ele é um eunuco que fora escolhido pela sua beleza e inteligência aos 17 anos. Ser eunuco, per si, já o tornaria pelas leis do Levítico impuro diante do deus de Israel, pelo menos até o retorno do exílio na Babilônia quando a lei do Levítico foi sumariamente revogada.
O problema da tradução continua. B.A. Robinson afirma que alguns religiosos liberais detectaram a possibilidade de uma relação homoerótica entre Daniel e Ashpenaz por causa das palavras hebraicas chesed v'rachamim utilizadas no versículo 9. A tradução mais comum de chesed é "misericórida", já v'rachamin está em uma forma plural que é utilizado para enfatizar a sua importância e, infelizmente, a palavra tem vários significados, de misericórdia a amor físico. Robinson afirmar que não é razoável crer que Deus fez com que Ashpenaz "fosse misericordioso e tivesse misericórdia" por Daniel. A repetição não faz sentido, segundo o autor americano, consultor do site Religious Tolerance, uma tradução mais razoável seria, portanto, que "Ashpenaz mostrou misericórdia e caiu por amores por Daniel".
Essa tradução porém é inaceitável para a maioria dos estudiosos da Bíblia (católicos e evangélicos) de hoje, contudo a versão inglesa chamada King James, cuja última versão é de 1769 traduz: "Now God had brought Daniel into favor and tender love with the prince of the eunuchs" (KJV), "Agora Deus levou Daniel aos favores e ao terno amor do príncipe dos eunucos". Para Robinson essa parece a tradução mais próxima da verdade e ela foi realizada no século XVIII ainda. Ele ainda questiona se eles poderiam consumar sexualmente a sua relação, sendo ambos eunucos, contudo ser eunuco não significa necessariamente sem pênis, somente sem testículos, questão de fato pouco importante. 
O argumento que tenta proteger Daniel de uma mancha moral que nenhum personagem bíblico pode ter parece não ter sido um problema ainda no século XVIII na tradução do rei James, sobretudo porque a imagem dos eunucos ainda estava muito presente tanto no mundo árabe como na Índia, regiões que os ingleses mantinham importantes entrepostos comerciais e, com isso, provavelmente entendiam melhor o relacionamento que existia entre eunucos nas cortes orientais; mas outro motivo também pode advir da inexistência de uma marca moral sobre o homoerotismo que só seria imposta pela medicalização do século XIX que criou o homossexualismo.


sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Especial BH: Yakisoba

, em Belo Horizonte - MG, Brasil
Quando voltei para Natal, eu deixei vários livros na casa do Rajeik na capital mineira. Foram três caixas de livros que eu havia dito que voltaria para buscar quando viesse defender a tese. Quase um ano se passou, e eu voltei. Como as caixas com livros são muito pesadas, é impossível levá-las comigo de avião, o preço não valia a pena, então o jeito era fazer o transporte por terra. Decidi, destarte, após alguma pesquisa, que seria mais fácil usar uma das empresas de ônibus que faz a linha BH-Natal do que usar uma empresa especializada em transporte. Foi a primeira coisa que fiz ao chegar a Belo Horizonte. Saí a tarde para deixar as caixas, acompanhado do Cara Comum, que sabia onde ficava a garagem da empresa de ônibus que, eu já havia pesquisado de Natal, seria a melhor para levar meus livros. Ele veio até a casa do Rajeik e me ajudou a descer com as caixas até o táxi que nos esperava. Conversamos o caminho todo sobre tv, travestis e internet, e ao voltar, de ônibus, decidimos que ele viria para a casa do Rajeik e eu prepararia um yakisoba para ele e o meu anfitrião. Mas antes precisávamos passar em um supermercado e comprar os apetrechos necessários para fazer o prato chinês. No centro da cidade, entramos em um supermercado, eu escolhia legumes, carnes, ele apontava mulheres vestidas como drag queens, e na hora de escolher o molho shoyo paramos ao lado de três funcionários que arrumavam as prateleiras com pacotes de arroz, feijão e macarrão. Eles discutiam alguma coisa animadamente. Eu ouvi apenas: "Quando um homem toca no outro vai dar confusão, cara!", disse um baixinho de moicano no cabelo. O outro retrucava dizendo que não era bem assim. "Homem que é homem não toca o outro não!". Eu então já levava o shoyo para o carrinho quando o baixinho de moicano perguntou ao Cara Comum: "Não é, cara, você não concorda?". O Cara Comum olhava para os empregados sem saber o que responder, eu me aproximei e segurei sua mão e dei-lhe um selinho. "Você não concorda, amor?". Os dois que discutiam enquanto colocavam sacos de feijão e arroz nas prateleiras ficaram imediatamente em silêncio. E nós empurramos o carrinho para o caixa rápido.


Continua no Pote de Ouro, do Cara Comum.

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Especial BH: Professor Doutor

, em Belo Horizonte - MG, Brasil
Fui aprovado na defesa com ressalvas. Eu preciso corrigir várias coisas, tipo várias, para ganhar meu título. Ainda não posso ser chamado de doutor, mas é uma questão de tempo. Fiquei bastante nervoso, sobretudo quando as críticas começaram. Agora ainda estou nervoso na verdade, uma pilha, podem esperar uma noite com bruxismo. Estou sentindo um cansaço na verdade que não consigo saber de onde vem. Nem consigo pensar direito inclusive, por isso esta postagem tão curta.

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Especial BH: Mal Entendido

, em Belo Horizonte - MG, Brasil
Existe um problema recorrente em todos os meus relacionamentos virtuais (pelo blog, Twitter, MSN, Facebook), e também com algumas pessoas que me conhecem fora do ambiente virtual, nos quais todos fazem uma pequena confusão com o que quero dizer e, tudo, sempre termina com uma acusação de baixa ou total ausência de autoestima ou, simplesmente, pessimismo. Como a palavra impossível sempre faz parte nos meus argumentos de análises futurológicas do que vai me acontecer. Ela é costumeiramente usada muitas vezes. Muitas pessoas entendem que eu não me julgo capaz de conseguir as coisas que desejo (autoestima) ou que simplesmente reúno energias negativas e pensamentos derrotistas que me impedem de tentar realizar o que quero (pessimismo). Ambas as opções estão extremamente enganadas. 
Eu me acusaria de racionalista. Não que isso também não seja um defeito. Eu só enxergo o mundo de forma extremamente racional, onde não cabem acaso, sorte ou fé. Deixem-me exemplificar: o caso clássico da frase "Ninguém se interessa por mim". Essa frase sempre que é dita causa a mesma reação nas pessoas. Elas me elogiam. Dizem minhas qualidades, que sou bonito, inteligente e interessante, como seu eu não soubesse, como se eu não estivesse ciente delas. Eu estou! Nenhum dos meus interlocutores virtuais é capaz de imaginar, no entanto, que o problema não está em mim. Não sou eu que nem chego a me envolver com as pessoas porque me sinto um lixo e não demonstro interesse porque não serei correspondido. Isso nunca me aconteceu! Esta assertiva que utilizo, "Ninguém se interessa por mim", tem sua orgiem na minha experiência amorosa na qual envolve, por volta de 700 homens com os quais me envolvi, destes homens 10 eu tive mais de dois encontros e com apenas 1 eu tive um namoro a distância. Esse é o processo de racionalização de que falo:  do universo de homens que me envolvi, apenas 1,42% se interessou em me encontrar por uma segunda vez, destes eu namorei 0,14% deles. Estes 0,14% são a prova que os homens não se interessam por mim e isso não tem nada a ver com o fato de eu me considerar capaz ou não de conquistar alguém, os fatos demonstram que não importa o meu esforço (e foi bastante, convenhamos, 700 pessoas não batem a sua porta simplesmente) somente 1 delas correspondeu. Isso prova que na grande maioria dos casos os homens não se interessam por mim.
Outro exemplo é relacionado ao trabalho. Aqui me chamam de pessimista porque considero muito difícil melhorar minhas condições financeiras (em pouco tempo). Considero-me hoje um fracassado e que é bem é quase impossível me recuperar agora. E o por quê disso? Porque me formei em História e, ao me formar, passei em décimo lugar em um concurso que pagava de salário R$ 1005,00 quando pedi demissão para poder fazer o doutorado (eles não me liberaram para o doutoramento) que somando com outras escolas que eu ensinava dava um salário líquido de R$ 1605,00. Voltei do doutorado, no entanto, e consegui um emprego com mídias sociais, porque nenhuma escola se interessou pelo meu currículo, que paga (líquido) R$ 750,00 e vale transporte. Esta situação representa uma redução na minha renda de cerca de 53,27% e alguém ainda diz que eu não tenho motivos para reclamar? Que eu deveria enxergar o meu copo meio cheio? Daqui de onde vejo esse emprego é, no máximo, 1/4 do copo cheio.
Também tem aqueles que dizem que sou inteligente e posso tentar um concurso. Posso, de fato! Mas primeiro tem que haver uma vaga, uma vaga em um concurso que a minha formação sirva de alguma coisa. Fazer um concurso para um cargo administrativo agora é o mesmo que jogar fora tudo o que eu estudei até hoje no meu mestrado e doutorado. Ainda não estou preparado para simplesmente rasgar meus diplomas, porque eu não os conquistei para uma simples satisfação pessoal. O título de doutor, por exemplo, não me faz sentir mais inteligente. Eu fiz o curso para ter retorno financeiro. E, de fato, como mostrei anteriormente, eu só tive prejuízos deste investimento e o prognóstico continua nada bom.
E isso não é pessimismo! É fato! Vivemos em um país que não valoriza a educação e, por causa disso, sabemos de antemão que concursos para professor serão raros. Desde que pedi demissão da Prefeitura do Natal, eu tentei cinco concursos, porque em quatro anos somente abriram cinco concursos que eu estava apto a tentar. Estar apto significa que são na área que tenho experiência porque não basta você passar nas provas neste tipo de concurso, seu currículo e sua experiência na área também valem muito. Eu me inscrevi nestes cinco, mas obviamente não passei, e me inscreverei nos próximos até um dia conseguir passar, porém as oportunidades serão raras por causa desta conjuntura que vos apresento.
A avaliação que faço da minha vida não é um eterno rosário de reclamações infundadas como faz parecer quando alguém usa os argumentos de baixa autoestima e pessimismo. São problemas reais avaliados racionalmente, se eu deveria acrescentar um pouco de acaso e fé nessa avaliação?, com certeza deveria. Se eu acreditasse, por exemplo, que o acaso pode romper o padrão de homens que conheço e me apresentar pessoas capazes de se interessar por mim, eu talvez sentisse mais paz. Se eu tivesse fé que o governo brasileiro vai resolver cuidar seriamente da educação e abrir concursos regulares, eu ficaria tranquilo, pois seria apenas uma questão de tempo. Mas o cérebro não deixa, me sinto um tolo ingênuo se repito qualquer uma dessas hipóteses (eu ia escrever fantasias para vocês verem como é grave a situação). É como se todos me dissessem que a + b é igual a c, e eu somo aqui e o resultado sempre sai x


PS: Sim, estou em Belo Horizonte. Vim para a minha defesa da tese do doutorado. Desejem-me sorte.