Google+ Estórias Do Mundo: setembro 2012

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Felicidade

, em Natal - RN, Brasil
Minha mãe sentada na mesa da cozinha fala:
- Você devia era agradecer por ser tão feliz.
- E quem disse a você que sou feliz? Respondi.
Ela me olhou com o olhar de deboche que só ela tem:
- E porque você não seria feliz?
- Não posso ser feliz, minha querida mãe, porque eu não tenho nada do que eu sempre desejei p'ra mim.
- E o que você desejou para você que você não conseguiu, por acaso? Ironizou ela.
Eu contei para ela mostrando os dedos para contabilizar:
- Em primeiro lugar, meu trabalho paga menos do que eu recebia quando era professor. Apesar do doutorado, eu recebo menos do que recebia quando dava aulas nas escolas públicas do município.
- Você só pensa em dinheiro, menino! Felicidade não se encontra nas coisas materiais.
Eu ri e respondi:
- Ah, é? Então, eu também não tenho amigos próximos. Meus amigos estão todos distantes e, os que moram em Natal, raramente os encontro. Estes, não lembram de me convidar para sair, não sentem minha falta, nem se importam se eu estou bem ou mal...
Ela me olhou com um ar de que isso não tinha importante, quase deixou escapar algo como "amigos não servem para nada". Mas eu não a deixei falar.
- Em segundo lugar, eu não namoro. Nunca namoro porque ninguém é capaz de gostar de mim.
- Você sempre repete esse mesmo discurso!
- Porque é verdadeiro, ou você já me viu namorando alguma vez na vida?
Ela não respondeu. Engoliu a sua resposta negativa para não dar o braço a torcer e eu continuei.
- Por esses três motivos eu me considero infeliz, mainha, por que não tenho nenhum desses três pontos em minha vida.
- Pois eu sou muito feliz com a minha vida. Respondeu meu pai que estava sentado, ouvindo a conversa, comedo uma gemada.
- Que bom para o senhor, que bom para o senhor!

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Israel: O Amor entre Davi e Jônatas

, em Natal - RN, Brasil


As referências entre Davi e Jônatas são as mais reclamadas pela militância gay entre as fileiras cristãs e muito se escreveu sobre este assunto. Davi é o segundo rei de Israel, o primeiro é Saul, de acordo com o texto hebraico da Bíblia, e segundo os evangelistas Lucas e Mateus seria ancestral de Jesus Cristo. Ele teria reinado entre 1003 e 970 a.C., porém a única prova da existência de Davi são os livros de Samuel, Reis e Crônicas da própria Bíblia, além dos Salmos que são atribuídos ao talento musical do rei dos judeus. 
Segundo o texto bíblico, Davi toma o trono de Israel de Saul porque Deus retirou-lhe seus favores. "O Senhor disse a Samuel: Arrependo-me de ter feito rei a Saul: ele se desviou de mim e não executou as minhas ordens" (1Samuel 15:10-11). O profeta Samuel então procurou um novo rei entre os filhos de Jessé em Belém. Sete dos filhos de Jessé são levados diante do profeta, mas nenhum deles o agradou, porém ainda faltava o menor, que havia levado as ovelhas para o pasto. Davi então foi trazido para a presença do profeta. "Ele era louro, de belos olhos e mui formosa aparência. O Senhor disse: Vamos, unge-o. É ele!" (1Samuel 16:12). Belo e habilidoso com a harpa, Davi foi introduzido na corte de Saul pelo profeta como músico real, "Davi chegou a casa do rei e apresentou-se a ele. Saul afeiçoou-se ( אהבה - ahab) a Davi e o fez seu escudeiro" (1Samuel 16:21). Esta, falam os pesquisadores queer que seria a primeira referência homoerótica envolvendo Davi. O relacionamento entre o rei e o músico, em que o último passa a frequentar o quarto do primeiro, torna-se extremamente íntimo e aproxima Davi do príncipe, filho de Saul, Jônatas. 
É após Davi demonstrar sua bravura após derrotar o gigante Golias, ao trazer a cabeça ao filisteu ao rei, que ocorre o primeiro encontro entre o músico e o príncipe: "Tendo Davi acabado de falar com Saul, a alma de Jônatas apegou-se à alma de Davi e Jônatas começou a amá-lo (אהבה - ahab) como a si mesmo. Naquele mesmo dia, Saul o reteve em sua casa e não o deixou voltar para a casa do seu pai. E Jônatas fez um pacto com Davi, pois o amava (אהבה - ahab) como a si mesmo. Tirou seu manto, deu-o a Davi, bem como a sua armadura, sua espada, seu arco e seu cinto" (1Samuel 18:1-4). 
Tanto na primeira referência envolvendo Saul, quanto com Jônatas, a presença da palavra hebraica אהבה (ahab) vai de encontro a interpretação comum de que se refere a apenas uma amizade. Não obstante, uma interpretação platônica para o relacionamento entre Davi e Jônatas tem sido a visão predominante encontrada na exegese bíblica, tanto por autores judeus e cristãos. Estes argumentam que a relação entre os dois, embora forte e estreita, é em última análise, uma amizade platônica. A aliança que se faz é política, e não erótica, enquanto qualquer intimidade é um caso de união masculina e homossocialidade, isto é, uma camaradagem íntima entre dois jovens soldados sem envolvimento sexual. 
Os livros de Samuel não documentam nenhuma intimidade física entre os dois personagens, além do beijo. "Logo que Davi deixou seu esconderijo e curvou-se até a terra, prostrando-se três vezes; beijaram-se mutuamente, chorando, e Davi ainda mais comovido que seu amigo" (1Samuel 20:41). Os tradicionalistas afirmam que o texto bíblico não se escusa em narrar claramente as abundantes relações sexuais entre Davi e suas esposas e concubinas, e também as de Jônatas que casou e teve um filho, porque então ele não se dá ao trabalho de ser claro no relacionamento homoerótico do músico e do príncipe? Martti Nissinen afirma que "o amor recíproco, com certeza, foi considerado pelos editores [da Bíblia] como fiel e apaixonado, mas sem alusões indecorosas para práticas proibidas pelo Levítico. Sua proximidade emocional e até física não parecem preocupar os editores da história". A Homossociabilidade não é vista como sendo parte do tabu sexual no mundo bíblico.
Nada no texto bíblico, porém, possibilita ou impossibilita uma leitura homoerótica desses versículos. Porém se a opção for por uma leitura homoerótica possibilitaria um melhor sentido para trechos como a reação de Saul ao saber da relação do filho com o músico faz pensar que existe mais do que uma amizade entre guerreiros. "Então Saul encolerizou-se contra Jônatas: Filho de prostituta - disse-lhe -, não sei eu porventura que és amigo do filho de Jessé, o que é uma vergonha para ti e para tua mãe? Enquanto viver esse homem na terra, não estarás seguro, nem tu nem teu trono. Vamos! Vai buscá-lo e traze-mo; ele merece a morte! Jônatas respondeu ao seu pai: Por que deverá ele morrer? Que ele fez? Saul brandiu sua lança para feri-lo e Jônatas viu que a morte de Davi era coisa decidida pelo seu pai. Furioso, deixou a mesa sem comer naquele segundo dia de lua. As injúrias que seu pai tinha proferido contra Davi tinham-no afligido profundamente" (1Samuel 20:30-34). Apesar da acusação de regicida feita por Saul, as palavras proferidas ao filho e a aflição de Jônatas demonstra não corroboram a tese de simples amizade. Segundo David Jobling, inclusive, o apartamento feito por Saul do próprio filho no qual a vergonha cairia somente entre ele e a própria mãe é uma chave que transforma Jônatas em uma efeminado, isto é, o filho apenas de uma mulher, sem semente viril. "Então Jônatas, filho de Saul, foi ter com ele em Horesa. E confortou-o, dizendo: Não temas, porque não te atingirá a mão de meu pai. Tu reinarás sobre Israel e eu serei o teu favorito; meu pai bem o sabe. Fizeram ambos uma aliança diante do Senhor. Davi ficou em Horesa e Jônatas voltou a casa do seu pai" (1Samuel 23:17-18). Gordon Hugenberger tem procurado desde 1944 relações entre o casamento heterossexual e a aliança entre Davi e Jônatas, relação esta citada três vezes no livro de Samuel. No entanto, apesar das pesquisas de John Boswell reafirmarem que os ritos de casamento homoafetivos serem muito anteriores aos ritual de casamento eclesiástico cristão, obviamente, a relação política entre o príncipe e o músico aspirante a rei é quem subordina a relação de amor entre eles.
A referência mais famosa, contudo, é a primeira poesia de Davi apresentada por Samuel em seu segundo livro. "Jônatas, meu irmão, por tua causa meu coração me comprime! Tu me eras tão querido! Tua amizade me era mais preciosa que o amor das mulheres" (2Samuel 1:26). David Jobling escreve: "A história de Davi e Jônatas, e estas palavras em particular, vem a ter grande importância para ativistas que defendem os direitos dos gays, porque eles são a única apresentação positiva da homossexualidade masculina na Bíblia judaica. Neste trecho, um homem revela seu amor por outro homem, em comparação com o amor heterossexual e conclui que é superior. Uma leitura de Samuel que pretenda abordar as questões de ética e libertação humana não pode continuar a ignorar a importância desta perspectiva para uma questão tão importante de nosso tempo".

sábado, 22 de setembro de 2012

Correio Amoroso

, em Natal - RN, Brasil

Recebi este bilhete através de um garçom no Donana, um pub gay na região sul de Natal com mesas de jardim francês e garçons bonitos que você leva facilmente para cama se pagar o preço deles. O que não é nada caro, porque eles não são garotos de programa, são o que chamamos aqui de cafuçu, eles não recebem dinheiro, eles dizem que você da a eles apenas presentes.  Respondi ao bilhete pedindo uma caneta ao garçom e escrevendo com a bic preta dele em um quardanapo: "Oi Thiago, venha e se apresente para mim, Foxx". Advinha o que aconteceu? Eu estou esperando uma resposta dele até agora. Acompanhei discretamente o garçom chamado Alan que foi até a mesa e entregou a um garoto gordo o meu bilhete. Eles pareciam discutir o assunto. Alan o incentiva a ir falar comigo. Ele dizia não. Coisas de Natal. Ele realmente esperava que sem eu sequer saber quem ele era levantasse da minha mesa e fosse conversar com ele. Eu me perguntei naquele instante: "Ele não estava tão interessado? Para onde foi todo aquele interesse?". Eu tomei como regra desde o ano passado, durante uma conversa com minha terapeuta, que só valeria a pena investir em um relacionamento se eu notasse que a outra pessoa minimamente investe também algo. Levantar-se da mesa dele e se apresentar era o mínimo que ele poderia fazer para demonstrar interesse afinal, até segunda ordem, eu não sabia quem havia me mandado o bilhete. Eu sei que qualquer um pode argumentar agora que ele não se aproximou porque era tímido, mas se vocês me permitem eu tenho que pensar em mim, cuidar de mim, sabe o amor por si mesmo?, eu não me aproximei porque não vale a pena investir em alguém que não se dá ao trabalho de se apresentar a você.


Hoje é aniversário do blog: oito anos! Obrigado a todos os meus leitores e aos comentadores, só continuo porque vocês estão por ai.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

À Beira do Fim do Mundo

, em Natal - RN, Brasil
O fim do mundo realmente deve ser assim. Se vocês não sabem, a prefeita de Natal, Micarla de Souza, do Partido Verde, teve em pesquisa recentemente divulgada pelo IBOPE uma rejeição de 93%. Este nível de impopularidade nunca foi alcançado por nenhum prefeito na história desse país. E o porque disso acontecer: porque a capital do Rio Grande do Norte se tornou o retrato do caos.
Em 2008, a jornalista Micarla de Souza foi eleita com pouco mais de 50% dos votos válidos, derrotando a deputada estadual do PT, Fátima Bezerra. Contra Fátima pesava o fato de desconfiarem que ela é lésbica; arma que Micarla utilizou apresentando-se como "mãe, esposa e mulher". Delicada como uma borboleta (seu símbolo de campanha), Micarla é filha da elite política do Estado, dona de um canal de TV, no qual ela fora âncora de um jornal diário e um programa com seu nome. Um seguido ao outro que contabilizava 3 horas com a moça no ar. Lembro que seu programa, um talk show, estreou sem convidados. Micarla se entrevistou naquele dia, eu assisti boquiaberto e temi por sua sanidade.
Eleita, os problemas começara a pipocar. Salários de professores atrasaram, aluguéis de prédios pararam de ser pagos, luz e água de postos de saúde começaram a ser cortados. O prédio da própria prefeitura ficou sem luz. Faltou dinheiro para os caixões que eram doados para as famílias de baixa renda, faltou dinheiro para tapar os buracos das ruas da cidade, o estádio para a copa do mundo atrasou de forma preocupante. Até que a população se revoltou e, organizada pelo Twitter, saiu às ruas exigindo #ForaMicarla. Jovens enfrentaram a polícia atrás de ônibus em chamas exigindo o impeachment da prefeita, no entanto, a câmara votou que a prefeita-borboleta continuasse no governo até o final do seu mandato.
O impeachment tentando ano passado fracassou, mas ensinou aos vereadores da cidade que os jovens têm poder de organização, mas, pelo jeito, não ensinou nada a prefeita. Ela, iludida por algo que eu só consigo entender como egocentrismo, pleiteou no seu partido a possibilidade de reeleição. Surgiram as primeiras pesquisas para avalia-la, e os números devem tê-la feito notar que os jovens arruaceiros, pintados pelo seu marido que agora comandava o canal de tv dela, representam sim a maior parte da população da cidade. Micarla, a prefeita-borboleta, então decidiu sabiamente retirar-se da política.
Contudo, parece que ela resolveu bancar Pilatos e lavou as mãos. Parou de pagar a coleta de lixo, aprovou aumentos de passagem de ônibus, cortou os fundos para obras de hospitais que estavam sendo feitas e  atrasou os salários da SAMU. Os estudantes saíram as ruas novamente, acompanhados de trabalhadores, sindicatos e partidos de esquerda, fecharam uma avenida e caminharam até a prefeitura. Foram recebidos pela polícia com bombas de gás e balas de borracha. A prefeita havia decretado ponto facultativo. Não havia ninguém no Palácio Felipe Camarão quando os protestantes chegaram. Sem prefeita, os donos das empresas de ônibus se viram no direito de cancelar a integração das linhas de ônibus (a possibilidade de alguém pagar uma passagem e poder pegar dois ou três ônibus no intervalo de 1 hora), os guerreiros desta cidade fecharam, em resposta, hoje, agora, três pontos de Natal: as duas pontes e mais a maior avenida que dá acesso a Zona Sul.  A cidade está sitiada. 
Acho que deve ser bem assim o fim do mundo. Ele realmente é em 2012 e tudo começa aqui em Natal. E o detalhe é que ninguém, fora desta cidade, está sabendo de nada do que acontece aqui. Não é?


PS: Dois onibus foram incendiados nos protestos. Veja a reportagem do G1 aqui.

sábado, 15 de setembro de 2012

Texto Que Me Envergonha

, em Natal - RN, Brasil
Não me sinto bem escrevendo sobre isto aqui. Porque prevejo as reações que virão por causa dele. Posso ver as pessoas que vão dizer que eu estou enganado, posso ver as pessoas dizendo que eu não tenho motivos para dizer o que digo. Vão inclusive apontar minhas últimas postagens dizendo que as coisas estão melhorando. Sei que alguém vai comentar que eu não consigo ver o que realmente acontece ao meu redor e tem também aquele que vai dizer que tudo vai melhorar, que eu só preciso dar tempo ao tempo. Sinto-me mal porque sei que boa parte dessas pessoas estão corretas (menos aqueles que dizem que tudo um dia vai melhorar) e que eu não devia mais estar sentindo o que sinto. Afinal, se eu tenho tanta certeza que minha vida não vai ficar melhor do que já está, com um emprego que me permite ter o mínimo que preciso, sendo parcialmente dependente dos meus pais, com poucos amigos que se mantém sempre fisicamente distantes (a situação é: eu tenho amigos, mas nunca tenho a oportunidade de estar com eles), sem considerar que é impossível alguém gostar de mim, ou melhor, minimamente se interessar por algo que não seja somente sexo, se eu tenho essa certeza porque sofrer, não é? Basta aceitar tudo exatamente do jeito que é. 
A Segunda Nobre Verdade do Budismo conta que o sofrimento é o que acontece quando lutamos contra aquilo que a vida nos oferece, em fez de aceitarmos as nossas experiências e de nos abrirmos a elas, com sabedoria e compaixão. Siddharta Gautama, o Buda, dizia que os desejos sempre levam ao desapontamento e este sentir-se desapontado, como estou agora, é a causa de todo sofrimento humano. Buda pregava que se um ser humano fosse capaz de matar o desejo, ele estaria livre da influência do bem e do mal, e com isso ele seria feliz. E alcançaria o Nirvana, uma doce aniquilação de todos os seus sonhos. Trocando em miúdos, o que eu deveria repetir o tempo todo é: "Bem, isso não é o que eu quero, mas é o que eu tenho; então, tudo bem!", me envergonha, no entanto, ter esta consciência e, mesmo assim, deitar a cabeça no travesseiro e fazer sempre a mesma oração: "Senhor, tem misericórdia de mim e, por favor, encerra minha vida, esta minha merda de vida, esta noite. Permite, te peço, por compaixão, que eu não acorde quando o sol novamente nascer". 
Eu não devia agir assim. Eu devia agradecer por simplesmente ter os bons amigos que tenho, mesmo eles morando longe ou pouco fazendo questão da minha presença; eu devia agradecer por ter este emprego, que não paga o suficiente para que eu possa sair da casa dos meus pais e nem a altura do quanto eu estudei em minha vida; eu devia aceitar o sexo sem sentimento com pessoas que não desejam nem saber o meu nome. Devia aceitar tudo isso porque a única coisa que tenho e que posso ter, mas não consigo e esta é a causa de todo o meu vergonhoso sofrimento.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Israel: A Imagem dos Filisteus

, em Natal - RN, Brasil


Os filisteus são uma tribo que ocupava a Filisteia, região a oeste do reino de Judá e a sul de Israel, na atual região de Gaza. Referências egípcias dizem que eles faziam parte dos "Povos do Mar" que tentaram invadir o Egito vindo das ilhas creto-micênicas do Mediterrâneo, expulsos das terras do faraó, os filisteus se fixaram  por volta do ano 1200 a.C., no início da Idade do Ferro, em cidades-estado na costa da região do Levante como Gaza, Ashkelon, Ashdod, Gath e Ekron, a borda das terras do faraó. Se reconhece que a cultura filisteia tem relações com as ilhas que estavam sobre controle da ilha de Creta por causa da sua língua e da cultura material. Os filisteus adotaram a língua comum aos reinos que viviam naquela região, porém inúmeras palavras de origem creto-micênica foram introduzidas no aramaico e restaram como fósseis de uma cultura desaparecida. Já sua cultura material (roupas, armas e navios) tem seus correspondente entre as populações que viviam nas ilhas do mar Egeu, incluindo Creta, além da a costa ocidental da Anatólia (atual Turquia) e Micenas, na Grécia. Por fim, a última prova é apresentada por Bruce L. Gerig. Ele lembra que no livro de Jeremias se diz: "É que surgiu o dia da destruição dos filisteus, e de Tiro e Sidônia será tirado o que lhes resta de aliados, porque o senhor vai arruinar os filisteus, e os restos da ilha de Caftor" (47:4), e que Caftor é a palavra aramaica para Creta de onde eles seriam originários. 
Sansão e Davi viveram boa parte de suas vidas entre os filisteus (Juízes 14:1-2, 16:4-5; 1Samuel 27:1-6) e, segundo Tom Horner, conviveram com uma cultura que aceitava tranquilamente as relações homoeróticas exatamente como em Creta. Na ilha minóica, eram comuns uma série de ritos de iniciação que passava por relações homoeróticas, isto é, para se tornar um homem adulto era comum que o jovem passasse por um período de relações homoeróticas intensas, rituais estes que não aconteciam no mundo israelita; porém é provável que eles aconteciam nas cidades-estado filisteias. Na Bíblia, no entanto, não existem referências sobre estas práticas, mas, afirma Bruce L. Gerig, frequentemente, homens israelitas devem ter visto (ou ouvido falar de) expressões de afeição homoerótica entre dois homens filisteus na rua, lojas e mercados ou no campo. 
Contudo, os filisteus eram o grande inimigo. Tanto do reino de Israel como de Judá. Com melhores armas (como lanças, armaduras e espadas e cimitarras, além de carros puxados por cavalos), tornaram-se um empecilho para os desejos israelitas e judeus de ampliação dos seus reinos. Inclusive, nem Judá nem Israel possuíam grandes minas de ferro e, portanto, era de vital importância para a ampliação dos dois reinos a dominação do território da Filisteia para a produção de armas. A imagem então que a Bíblia constrói dos filisteus é sempre de um inimigo belicoso e bárbaro, como diz Elizabeth Yehudá, encarnados em Dalila, que corta os cabelos de Sansão; em Golias, que luta contra Davi; e em um de seus deuses, Baal-Zebu ou Belzebu, que torna-se a personificação do próprio paganismo, apesar de Dagan ser seu deus principal. 
Fazer então, nesta situação política de guerra, comentários a favor das relações homoeróticas em qualquer dos livros históricos como Josué, Juízes, Rute, Samuel, Reis e Crônicas, e nos livros proféticos como Isaías, Jeremias (os livros compostos neste período de guerra entre filisteus e israelitas/judeus) é se manifestar a favor de seus maiores inimigos, pelo menos até a destruição da pentápole filisteia pelos assírios em 605 a.C., na batalha de Karkemish que subjugou todo levante sob o jugo de Sargão II.

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Nornes

, em Natal - RN, Brasil
Urdh

Sexta-feira, o expediente já acabou faz mais de uma hora, e eu, meu chefe e a sócia terminamos o planejamento da semana quando ela junta suas coisas e corre para buscar a filha em algum lugar. Meu chefe levanta, e junta suas coisas, e fala: "Esse chopp sai ou não sai hoje?". E sorri. Somos amigos desde a época da faculdade quando para todos no curso de História ele traia a namorada dele comigo, seu único e verdadeiro amor. Lembramos disso após o terceiro copo de chopp, e quando um amigo dele ligou e perguntou aonde ele estava, respondeu: "Tô tomando um chopp aqui com meu namorado!", e gargalhou. Após desligar o telefone, ele me olhou arqueando a sobrancelha  do olho esquerdo, e falou: "Precisamos te arranhar um namorado". Eu sorri, já demonstrando a ironia que eu queria prender, e acendi um cigarro esperando a continuação da fala dele. "Você precisa encontrar alguém, Foxx, não dá para ficar assim. Você tem que encontrar alguém, vou te apresentar um amigo meu, ele é gay e, conhece todo mundo, com certeza ele vai poder encontrar alguém p'ra você". Eu olhava para ele com um olhar de descrença que tenho treinado na frente do espelho. É um olhar que por dentro eu estou descrente, mas a pessoa vê até um brilho de animação. "Você não fala nada?". Eu poderia me manter nesse personagem difícil de quem está feliz sozinho, but alone is so lonely alone: "Eu gostaria imensamente que fosse possível p'ra você ou p'ra qualquer um, meu amigo, encontrar alguém que fosse capaz de se interessar por mim. Mas a não ser que você possa pagar por um namorado p'ra mim, eu vou continuar sozinho sim". Ele bebeu mais um gole, descrente. Eu bebi, resignado.

Skuld

Sábado, estávamos na fila da Vogue, eu e o Comissário, um amigo que namora atores pornôs. Chove fininho e a drag queen que trabalha de hostess na boate se apressa para permitir que todos entrem logo no lugar e ninguém tome chuva e desista de entrar. Ela me cumprimenta como todas as noites que apareço por lá. "Foxx, quando você tira férias?". Calculei que faria um ano de trabalho em junho e que só poderia tirar férias agora após essa data. "É que minhas férias serão em maio e eu tenho desconto para viajar pela empresa, eu estou pensando em fazer um mochilão de uns vinte dias pela Europa...", ele falava e eu ficava imaginando o quão seria um sonho fazer essa viagem que ele planejava naquele momento, "então eu pensei se você não gostaria de ir comigo...", eu o olhei naquele instante e ele não parecia estar brincando, eu pensava com meus botões: como eu poderia simplesmente pensar numa viagem para Europa tendo voltado a trabalhar há apenas dois meses, "porque como eu tenho desconto a minha passagem sai por 500 reais, ida e volta, e eu tenho direito a comprar duas passagens neste mesmo valor, que você poderia comprar, que tal?". Eu fiquei boquiaberto e repeti: "500 reais para passar vinte dias pela Europa?". Ele confirmou. "Ah, eu dou meu jeito! Tô dentro!".

Verdandhi

Domingo, após um dia na praia, Peter acendia um cigarro na varanda do apartamento novo do Andarilho. Dava para ver Natal ao longe, no horizonte. As luzes e os prédios de altos condomínios. Nós estávamos apenas no quarto andar e ouvíamos ainda a música de uma festa realizada numa mansão próxima. Haviam muitas mansões por ali. Eu estava perdidos em pensamentos, lembrava da cerveja a dois reais na esquina do condomínio, em um churrasquinho de calçada, e também que corria um boato que todas as mansões dali pertenciam a Zezé di Camargo, deve ter sido por isso que ele e a esposa se separaram, ganância pelas mansões de Parnamirim, ou porque o Zezé gostava de tomar a cerveja de dois reais do churrasquinho.  Enquanto eu me perdia nessas divagações, Peter começou a falar. "Meus amigos estão todos bem de vida. O Andarilho aqui com esse apartamento novo em folha, casado; Borboleta comprou seu carro agora". Eu olhava para ele em silêncio e ele adivinhou meus pensamentos. "E você: pode não ter construído ainda nada tão palpável, mas é que você investiu no seu intelecto, agora vai ganhar o título de doutor. Doutor Foxx!". E sorriu para mim. "É bom ver todos os meus amigos se dando bem na vida".

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Os Canhões de Cesare Borgia

, em Natal - RN, Brasil
Eu bebi demais. De fato, foram muitas cervejas, muita caipirinha, e eu sai da boate já pela manhã. E eu ando de ônibus. Não gosto de carro, acho um gasto inútil de dinheiro que não preciso fazer. Vou para todo lugar que eu quero ir de ônibus mesmo. E acho discurso vazio quando as pessoas falam que se tivessem um bom sistema de transporte deixariam o carro em casa. Deixa o carro em casa agora, e reclama bastante no Twitter do ônibus até ele melhorar. Enquanto você for o único motorista dentro do seu carro, aumentando em quase quatro metros o congestionamento, o sistema de transporte público não vai melhorar. Esperar o mundo melhorar para fazer o correto não conta, ok?, tem que fazer o certo agora com o mundo errado. Como, por exemplo, beber e voltar para casa de ônibus. 
Mas não durma no ônibus! Porque eu dormi. E acordei do outro lado da cidade no ponto final. Ai tem que descer e pegar outro ônibus, com a cara toda amassada. Eu acordei em Felipe Camarão, no ponto final do meu ônibus. Tive que esperar o próximo, e pior que esta não foi a primeira vez, tanto que quando eu acordei, pelo menos, eu já sabia onde estava, na primeira vez que foi ruim porque eu tive que perguntar aonde diabos eu tinha ido parar. Desta vez eu só precisei esperar o novo ônibus sair e sentei na cadeira preferencial e encostei minha cabeça no vidro.
Foi alguns pontos depois que ele subiu e passou pelo cobrador, eu o vi caminhar para o fundo do ônibus onde eu estava sentado e trocamos alguns olhares no curto trajeto. Era um menino alto e magro, parecia bem jovem, a pele descamava do Roacutan contra as espinhas que ele provavelmente tomava. Tinha os olhos amendoados bem apertadinhos. Mas passou e sentou duas cadeiras atrás de mim. O ônibus continuo no seu caminho e uma senhora subiu e eu levantei, o meu assento era preferencial o que significava que caso alguém chegasse eu deveria ceder o lugar. Levantei e foi quando o vi olhando para mim, duas cadeiras atrás, ele sorriu e os olhos amendoados se transformaram em duas linhas. Eu sorri de volta e ele pediu meu telefone. E eu ditei e ele anotou no telefone e me mandou uma mensagem se apresentando. Conversamos ali alguns metros um do outro por mensagens de texto e marcamos um cinema mais tarde porque ele estava indo para a aula e eu voltando da balada. 
Marcamos as 18h, eu cheguei as 17:15 porque estava próximo ao cinema no ensaio do meu coral. Liguei para ela tentando confirmar e não houve nenhum retorno. Esperei até as 18:30h, as 19h decidi escolher a próxima sessão e ir ao cinema sozinho. Ele não viria mesmo.

*

Cheguei no ponto de ônibus saindo da aula que estou frequentando de desenvolvimento mediúnico. Ele já estava lá. Muito alto, mais ou menos 1,95, moreno, vestindo roupas de basquete, moreno, estava lendo um livro de capa dura, azul, ele me olhou e sorriu. Eu sorri de volta e ele disse oi. Parei do lado dele e respondi, ele se apresentou, eu me apresentei e sorri e ele jogou: "Seu sorriso é lindo". Ele perguntou de onde eu estava vindo, eu devolvi a pergunta e ele falou que era personal em uma das academias que eu já havia olhado para frequentar. E também falei que estava gordo, que precisava voltar a malhar, e ele disse que não, eu não estava gordo. E ele começou um discurso: "Eu não vejo muita graça em pessoas que vivem em academias e que são todas iguais. Sempre gostei daqueles que não são como os outros, por exemplo, eu acho sua careca linda!", e sorriu. Eu fiquei vermelho por um instante. Ele sorriu e os olhos apertaram. Então respondi: "Não costumo receber elogios de homens tão bonitos!". Ele sorriu e comentou que assim ficaria encabulado. "Muito bonito mesmo!", reforcei. Sorriu novamente e mudou de assunto perguntando onde eu morava e, diante da resposta: "Olha, moramos perto!". Pegamos o mesmo ônibus, falando sobre educação no Brasil, crianças e ioga. Ele era bem grande e mal cabia no banco. Conversamos animados, com alguns silêncios, nos quais alguns ele me olhava sorrindo, e parecia que pensava em me beijar. Logo o lugar que eu desceria do ônibus se aproximou e ele não fazia nenhum movimento para pedir meu telefone, então anotei em um papel, e entreguei-lhe, o qual ele agradeceu colocando dentro do livro que lia no ponto. Ele não me ligou.