Para quem não sabe, eu uso barba faz muito tempo. Na verdade, eu poderia dizer que sempre usei já que sendo meus pêlos faciais daquele tipo que cresce muito rápido, eu nunca pude curtir um rosto lisinho desde minha adolescência. Tirar a barba para mim sempre significou ficar com o rosto verde pelo resto do dia e antes de adormecer, já precisar tirar a barba de novo. Foi essa exigência diária que me fez adotar a barba como parte do meu visual, que aconteceu juntamente quando eu assumi a calvície, eu pensava: "Já que não tenho cabelos na cabeça, talvez a barba compense de alguma maneira". Isso, definitivamente, não agradou de imediato. Eu sofri preconceito de gays e héteros (que ironicamente concordavam na crítica: eu não era homem o bastante para usar barba), mas, logo, veio a explodir a moda hipster, com suas camisas de flanela xadrez, óculos vintage inspirados na década de 1980 e um visual desleixado com cabelos compridos e barba por fazer. A haute couture também ajudou durante os fins da década de 2000, modelos com barbas por fazer frequentava desfiles e logo estes pêlos vistos como falta de cuidado com a aparência tornaram-se moda, in, e as mesmas pessoas que me olhavam torto, além de me concederem elogios, agora tentavam cultivar seus pêlos faciais, os mesmos que combatiam a sessões à laser ou torturantes depilações com cera ou pinça.
Como a barba tornou-se popular, então, minhas fotos com ela também passaram a ser curtidas. É interessante observar isso também. Eu tive um Fotolog anos atrás, que também era uma rede social que se baseava em curtidas e comentários sobre as fotos, aquelas que eu tirava com barba era com certeza menos curtidas do que as que eu fazia logo após afeitar-me. Contudo, de uns tempos para cá, tanto no Facebook e depois no Instagram (que fiz minha conta não faz um ano), tornou-se comum minhas fotos serem cobertas de elogios em relação a barba. São meninos recém saídos da adolescência, borbulhando com o fetiche daddy; aproveitadores que acham que tenho cara de suggar daddy, ursos e chasers, entre outros, mas, recentemente, um grupo muito estranho tem, principalmente no Instagram, curtido meus auto-retratos, que agora são chamados de #selfies. Estes postam fotos de homens barbudos e de camisetas com frases do tipo "se seu pai não tem barba, você tem duas mães" ou "se torne homem, deixe a barba crescer". Eu me assustei por diversos motivos, mas dois são os mais graves: homofobia e racismo.
1) Homofobia. Homofobia significa, na verdade, não o preconceito contra gays, como se popularizou, o preconceito é apenas o resultado da homofobia, mas ela se caracteriza pelo ato de forçar um modelo de homem para ser seguido pelas outras pessoas. Seja este modelo de comportamento afirmar que homem não chora, que é homem é sempre mais forte, que homem gosta de futebol e que homem só se sente atraído sexualmente por mulheres. No caso que analisamos aqui, então, quando se levanta a bandeira de que homem de verdade é um homem com barba se constrói mais um modelo de homem para ser seguido e novos preconceitos homofóbicos são construídos e disseminados como se este mundo já não tivesse o bastante. Eventos como o #BarbaDay no Twitter, inúmeros Tumblrs dedicados a homens com barbas, postagens no Facebook afirmando que a existência ou não de pêlos no rosto de alguém torna este ser humano especial. Tudo isso uma bobagem sem tamanho e, o mais perigoso, uma bobagem homofóbica.
Qualquer um pode considerar que levar essas "piadinhas" sobre a barba a sério é que é a verdadeira bobagem, mas um garoto de 8 anos de idade, em São Paulo, foi espancado pelo pai até a morte porque não queria cortar o cabelo curto "como um homem de verdade" (veja a notícia aqui), o cabelo curto foi definido como o cabelo masculino exatamente como hoje se define que a barba é o suprassumo da masculinidade humana: a moda assim decidiu e nós admitimos como uma verdade universal, a história, todavia, está ai para provar que décadas atrás o bigode era o grande exemplo de masculinidade, depois a depilação total e a jovialidade e ambiguidade sexual decorrentes entraram na moda, agora é a vez da barba, mas estes processos cíclicos que sempre começam dentro do mundo gay não passam de modismos que mudam ao sabor dos ventos da próxima temporada.
2) Racismo. Além deste problema homofóbico que a elevação da barba do status de fetiche para símbolo da masculinidade do macho humano, como a juba de um leão ou a cauda de um pavão, existe o detalhe racista que passa desapercebido. Existe uma gradação entre os amantes de barba que vai daquelas barbas mais fechadas, ditas completas e sem falhas (prestem atenção nos adjetivos que levam para o sentido de perfeição) para as mais ralas (barbas falhadas) e os imberbes. Entre estes pogonófilos, aqueles sem falhas são superiores e, não por acaso, são os homens brancos aqueles que, normalmente, apresentam estes tipo de pêlos no rosto. Negros, ameríndios, orientais, hindus, mongóis (talvez a única exceção sejam os árabes) não possuem a barba perfeita. Eu não acredito em coincidências (desconfiar é um excelente exercício intelectual, vocês deveriam tentar!), por isso eu desafio qualquer um a procurar nestes grupos e comparar a quantidade de fotos compartilhadas de homens brancos versos aqueles de outras etnias, inclusive os árabes.
Observação: Eu sei que, agora, todos vão lembrar que conhecem alguém que é negro ou de ascendência japonesa, por exemplo, aqui no Brasil, que tem uma barba fechada. Lembrem que no Brasil nós temos uma miscigenação imensa, poucos brasileiros não são mestiços, e isso transfere para um indivíduo características genéticas dos diversos grupos étnicos ao mesmo tempo. Porém, os grupos que divulgam fotos do tipo "Faça amor, não faça a barba" não utilizam fotos de modelos brasileiros, não é?
Conclusões. Para mim, no fim das contas, elevar o homem barbado ao lugar de destaque da masculinidade humana é, além de forçar violentamente mais uma imagem aleatória de homem como um modelo a seguir, cristalizar no imaginário coletivo a figura do homem branco como o ápice da sociedade humana (já que o homem seria melhor que a mulher e o homem branco melhor do que todos os outros homens) e, sinceramente, não precisamos de mais disso. Já tivemos um nazismo uma vez, e ao contrário da barba, ele está definitivamente fora de moda.