Mossoró, com dois S, não com Ç, é a única exceção entre as palavras de origem indígena que não usam o ç, caiçara, paçoca, Paraguaçu, maniçoba, caçula, Iguaçu, Pajuçara, também é o nome da capital do Sertão, pelo menos é como eles dizem, a segunda maior cidade potiguar, no meio da caatinga, sobre o sol mais quente que você pode experimentar na vida. Quando, por decreto de lei, coisas do Brasil, a grafia das palavras indígenas foi modificada definindo que não se usaria o SS e sim o Ç, um abaixo-assinado impediu que a cidade tivesse seu nome mudado. Eu já havia visitado Mossoró uma vez, a trabalho, fui fazer uma palestra lá sobre a presença portuguesa no território norte-riograndense, lembro que um menino me perguntou sobre a origem das piadas sobre portugueses durante a palestra, mas agora resolvi ir desanuviar a cabeça.
Eu fui demitido. Na verdade, a empresa fechou, e todos foram demitidos. Também levei o chute na bunda homérico do Menino Bonito que, realmente, me deixou abalado. Eu precisava sair de Natal um pouco, ver outras coisas, andar em novo ambiente e respirar novos ares. Um amigo então, numa conversa no Facebook, me convidou para passar o fim de semana por lá. Ofereceu-me sua casa e seu colo. Aceitei e num sábado de manhã, as 6h, eu estava em um ônibus no Terminal Rodoviário Lavoisier Maia em direção a capital sertaneja. São 4 horas de viagem e eu desci no centro da cidade, numa praça de árvores jovens com poucas pessoas, afinal era sábado, sob um sol escaldante. A temperatura, segundo os termômetros, não passava de 32º, porém o sol na sua pele queimava como 55º, e a ausência de vento, em lugares fechados ou mesmo na rua, com certeza nos fazia acreditar que já passava dos 40º.
Fiquei hospedado no conjugado que meu amigo mora ali no centro. Um quarto/sala com um banheiro dividindo os dois espaços. Ele explicou que no vizinho havia uma família com três crianças. E pediu desculpas pelo prédio sujo xingando o dono todas as vezes que saímos pelo corredor a fora. Eu não liguei em segundo algum. Diferente do atendimento em todos os lugares que saímos na cidade, almoçamos em uma churrascaria que o garçom se recusou a limpar a mesa que decidimos sentar, nós precisamos insistir; no jantar, num restaurante baiano, o garçom insistia em arrumar as cadeiras enquanto havia pessoas sentadas nas mesas; no bar que fomos a noite de nome pretensiosamente francês a conta veio errada, cobrando, obviamente, a mais do que consumimos; no café da manhã, em uma lanchonete, eu terminei todo meu prato antes do suco de abacaxi que eu pedi chegar, elas haviam simplesmente esquecido; no clube de águas termais (Mossoró é famosa pelas suas fontes de água quente no meio do semi-árido brasileiro) que fomos no domingo para conseguir uma cerveja era necessário levantar-se e buscar no bar porque nenhum garçom via que estávamos chamando; no jantar, a noite, a conta demorou, simplesmente, 25 minutos para chegar. Porém, notamos, a questão é sem dúvida o treinamento destas pessoas. Sugiro que o SENAC monte seus cursos por lá, porque, obviamente, os mossoroenses precisam urgentemente descobrir que é preciso mais do que ficar parado para ser garçom.
Contudo, eu me diverti bastante. É interessante notar que, por exemplo, eu não vi ninguém fumando em nenhuma balada que frequentei na cidade, pelo menos não com menos de 40 anos. Também foi surpreendente ver uma escola de artes bancada pela prefeitura na cidade, teatro de rua rolando no sábado à noite no Memorial da Resistência e apresentações de corais acontecendo na rua com pessoas sentadas pela calçada para assistir. Soube que um evento de anime ainda estava ocorrendo simultaneamente em outro lugar da cidade, Na Estação da Cultura, mesmo com a Caminhada para Jesus acontecendo ali ao lado. Um ambiente de arte e cultura envolvia todos. Quase me deu vontade de morar por ali. Quase.
Também era divertido ver o quanto eu chamava atenção. Os mossoroenses, os sertanejos potiguares, tal como os seridoenses, de outra região do Estado, tem um padrão físico muito particular. Os sertanejos potiguares têm corpos atarracados, largos nos ombros e baixos, de cabeça achatada e larga, morenos e olhos negros e curiosos; os seridoenses, a região do Seridó fica mais ao sul, têm ombros menos largos, são mais altos, de olhos claros e cabelos de loiros a castanho-claro, são galegos ou holandeses em sua maioria, contudo sua cabeça é grande e redonda, um tanto quanto desproporcional normalmente. Estas são as características dos índios que moravam naquelas regiões, os Moçoró e os Caicó, respectivamente. Eu não tenho nenhuma dessas características, apesar dos ombros largos e do tórax um tanto quanto massudo, eu sou bem mais alto, meus traços de índio potiguara ficam nos olhos, nos cabelos e na pele que facilmente fica bronzeada, mas meu corpo é de luso-holandês, daqueles do Mar do Norte que nascem loiros e ganham seus cabelos castanhos quando amadurecem. Em resumo, eu chamava atenção, e ou era por isso ou porque eu era o único na cidade usando barba.
Também era divertido ver o quanto eu chamava atenção. Os mossoroenses, os sertanejos potiguares, tal como os seridoenses, de outra região do Estado, tem um padrão físico muito particular. Os sertanejos potiguares têm corpos atarracados, largos nos ombros e baixos, de cabeça achatada e larga, morenos e olhos negros e curiosos; os seridoenses, a região do Seridó fica mais ao sul, têm ombros menos largos, são mais altos, de olhos claros e cabelos de loiros a castanho-claro, são galegos ou holandeses em sua maioria, contudo sua cabeça é grande e redonda, um tanto quanto desproporcional normalmente. Estas são as características dos índios que moravam naquelas regiões, os Moçoró e os Caicó, respectivamente. Eu não tenho nenhuma dessas características, apesar dos ombros largos e do tórax um tanto quanto massudo, eu sou bem mais alto, meus traços de índio potiguara ficam nos olhos, nos cabelos e na pele que facilmente fica bronzeada, mas meu corpo é de luso-holandês, daqueles do Mar do Norte que nascem loiros e ganham seus cabelos castanhos quando amadurecem. Em resumo, eu chamava atenção, e ou era por isso ou porque eu era o único na cidade usando barba.
Meu amigo ria dos olhares que eu ganhava. Os amigos dele também. Falavam que eu estava fazendo muito sucesso. Uma amiga comentou no domingo quando voltou da piscina à mesa que estávamos. "Nossa! Como você faz sucesso!", e riu, eu perguntei porque ela falava aquilo. "Quando você saiu da piscina pelo menos dois caras te acompanharam com os olhos de uma ponta a outra". Eu corei e olhei para a piscina. "Só falta algum deles vir conversar comigo agora, não é?". Ela sorriu, meu amigo comentou: "Eu acho que eles pensam que nós dois temos algo...". E gargalhou. "Pelo menos é o que aquele de óculos branco ali, naquela mesa, deve estar pensando, porque ele não tira os olhos de você, mas não faz nada...". E todos riram, eu também. E ele piscou o olho e lembramos da noite que tivemos na cama dele, em que nossas peles se tocaram pela primeira vez. "Você é meu homem!", ele me disse num gemido.