Os livros eram meus melhores amigos. E como bons amigos, eles formaram a pessoa que eu sou. Aprendi com eles a ler, a escrever e a ser muita coisa que nunca consegui viver. Foi com eles que sobrevivi a meu ostracismo. Mas tudo isso a trancos e barrancos, pois filho de pais pobres, poucos livros tínhamos em casa, quando criança li e reli mil vezes os contos dos Irmãos Grimm, um dos poucos livros que restavam na estante da sala de casa, entre livros de receita, um exemplar de História Geral de Arnaldo Souto Maior de onde saíra meu nome e Monteiro Lobato, filho do modernismo, que me apresentou em Os Doze Trabalhos de Hércules minha grande paixão: os deuses gregos. Comecei então a frequentar bibliotecas. Li tudo que encontrei pela frente sobre mitologia, em português e em francês, mesmo sem saber francês. Eu tinha doze anos e sentava com Le Bélle Letres e um dicionário e tentava decifrar aquela outra língua, como aprendera a fazer nas aulas de inglês na escola. Também conheci os quadrinhos, outra paixão, e passei a gastar todo o dinheiro que eu tinha com revistas dos X-Men e passagens de ônibus à biblioteca. Nos quadrinhos fui apresentado a belas estórias como Deus Ama, o Homem Mata, e me senti parte de algo. Os X-Men eram mutantes, diferentes, sem culpa de ter nascido assim. Para mim, os X-Men eram, como eu, todos gays.
Os primeiros livros que dediquei-me, no entanto, foram os do Romantismo e do Realismo brasileiro. E muito devo a eles. Minha adolescência foi embalada por José de Alencar, Machado de Assis e seus comparsas. Senhora, de Alencar, me marcou profundamente e me ensinou a manter a tensão e a atenção do leitor até a última página. A Mão e A Luva de Assis me convidaram a poesia em prosa e me fez cair de amores pelos contos. O Ateneu, me ensinou que as vezes os clássicos são decepcionantes. O Cortiço que a literatura podia ser bem sensual. Mas eu não parei por aí: essa leitura ávida me lançou a univesidade e um mundo novo de leituras se abriu para mim.
Livros técnicos, de historiadores de renome, como Ciro Flamarion Cardoso e Michel Foucault me deixaram profundamente devedores deles. Mas Joseph Campbell definitivamente precisa de um lugar especial na minha história literária. Ler Mitologia Primitiva me marcou física e emocionalmente, e moldou o historiador que sou hoje, me fez entender que um mundo é muito maior do que pensamos e que como historiador é minha tarefa política mostrar isso a quem desejar ver. O Queijo e os Vermes e O Massacre de Gatos tornaram-se livros que povoavam a minha imaginação fértil, e me ensinaram que o lugar da poesia na História também existe, principalmente no título. Mas a literatura não me abandonara.
Os romances históricos me fizeram delirar nos primeiros anos de faculdade. Cláudio, Portões de Fogo, Nero, Rei Davi, Ramsés, me fizeram sonhar com tempos que eu não tinha vivido e da qual sentia saudades, escritos por historiadores, estes romances me proporcionaram conhecimento e deleite, mas, sobretudo, me ensinaram a ser sútil quando os temas são duros. Entrementes, a faculdade também me apresentou os verdeiros documentos históricos, os clássicos da literatura ocidental: A Ilíada, A Odisséia, Virgílio e Cícero, os historiadores gregos e romanos, A Vida dos Doze Cézares, a poesia de Safo, a Bíblia, tornaram-se livros de cabeceira, lidos em latim e em grego, porque nada expressa melhor um autor do que a própria língua que ele escreveu. Encantado, corri aos clássicos, para lê-los, tudo culpa de Ítalo Calvino. O Amante de Madame Bovary e Capitães da Areia mexeram com minha libido, Agatha Cristie com meus brios, Dom Quixote e Ulisses, de James Joyce, com minha paciência (até hoje estão inconclusos). Além destes, descobri Oscar Wilde ao me deparar com O Retrato de Dorian Grey, o homoerotismo oculto e a sensualidade aberta me fizeram querer conhecer o resto da obra do maior escritor inglês, na minha modesta opinião, e entre tantos, lágrimas me correram aos olhos e molharam as páginas de De Profundis, e eu descobri o que era amar alguém de verdade.
Mas os clássicos chegam a um ponto que precisam ser superados. Principalmente porque chega um ponto que eles não refletem mais seu espirito. Foi quando o Marcelo Sunshine me apresentou Hell - Paris. Fiquei encantado com aquela escrita vazia, desesperançosa e machucada, com o submundo e as drogas, e o glamour, ah, o glamour! Hell me levou a um caminho diferente de tudo que eu estava lendo e a punk literature caiu no meu gosto. Litium de Patrício Júnior, Mate-me, por favor e Fugalaça da filha de Dias Gomes, Mayra, me levaram a um vórtice que definiu a forma de escrever do meu blog, da minha dissertação de mestrado, dos meus artigos. Frases curtas. Pontos no lugar de vírgulas. Frases fortes no fim de tudo. Exclamações!
Mas nem tudo podia ser tão pesado, não é? Afinal considero a tribo dos blogs que o meu participa daqueles que exalam o glamour que só a vida gay possui. Isso não foi gratuito, é a influência de Meu Reino por um Cashemere, O Diabo Veste Prada e Confissões de uma Shopaholic. Tudo tem explicações, tudo! Mas, tardiamente, só tardiamente, eu conheci o livro que transformaria minha vida e o meu blog: O Pequeno Príncipe de Saint-Exúpery mudou minha forma de olhar para o mundo e para o amor, e eu conheci o meu pequeno príncipe.
Agora, vamos ver o que o futuro nos reserva. Tudo depende de eu conseguir ou não terminar de ler O Evangelho Segundo Jesus Cristo, de Saramago. E está bem difícil.