Google+ Estórias Do Mundo: julho 2014

terça-feira, 29 de julho de 2014

"Sexo Verbal Não Faz Meu Estilo"

, em Natal - RN, Brasil
Um amigo da Igreja que frequento me dá uma carona até um outro ponto de ônibus no qual tenho mais opções em frente ao Shopping Via Direta, mas antes de sair da rua em que o carro estava estacionado, ele dispara:
- E aí como anda o coração, meu querido Foxx?
- Vazio, como você bem me conhece. Ninguém se interessa por mim nesta cidade...
- Nossa, Foxx, porque você diz uma coisa dessas...
Eu interrompo e não deixo ele terminar o sermão.
- Meu caro, eu sou muito bichinha para o povo dessa cidade.
Ele gargalha. 
- Você 'tá maluco, Foxx? Aonde que você é bichinha, cara?
- 'Cê não acredita? Olha a mensagem que eu recebi de um menino que conheci neste domingo.
E mostrei a mensagem que ele leu, rapidamente enquanto o sinal vermelho não nos deixava passar.

[7h41] Lima:
Olha só! Eu gostei muito de vc, vc é um cara muito bonito.
Vou ser sincero com vc!
[7h44] Lima:
Eu não me sinto a vontade com pessoas afeminadas, não me pergunte por quê, nem eu sei!

 Ele me olhava chocado, sem saber o que responder.
- Eu não me considero efeminado, Santos, no máximo admito que minha voz é um tanto aguda, mas eu não me considero efeminado.
- Nem eu te considero...
- Mas você é carioca. Quando eu fui para Belo Horizonte, eu não era considerado para os padrões de lá efeminado, mas aqui no Nordeste, aqui em Natal, talvez porque nós temos um modelo de macho (e fiz aspas com os dedos) diferente, aqui eu tenho este estigma.
Ele me olhava ainda sem compreender a mensagem. Eu falava olhando para as luzes traseiras dos carros a frente.
- Todos os homens que me explicaram porque não queria ficar comigo utilizaram esta desculpa, como também muitos que ficavam comigo, só ficavam longe dos olhos de seus amigos por vergonha de ficar com alguém como eu. Talvez não seja verdade...
- Não é verdade, amado.
- Mas, para as pessoas desta cidade, é assim que eles me veem e este julgamento interfere em qualquer relacionamento que eu tenha ou venha a ter. E, por isto, conte-me você como está seu coração?

sexta-feira, 25 de julho de 2014

Creta: Os Companheiros de Troia



Existem dois Sarpédon. O primeiro é um herói cretense, um dos três filhos de Zeus e Europa, irmão de Minos e Radamanto. Ele entrou em litígio pelo trono da ilha com o seu irmão Minos e pelo amor do jovem Mileto pelo qual ambos estavam apaixonados. Mileto, no entanto, escolheu o irmão, ele magoado deixou a ilha e emigrou para a Ásia Menor, onde fundou a cidade de Mileto em homenagem ao homem que estava apaixonado. Em outra versão, Mileto havia escolhido o príncipe cretense e teria fugido com ele da ira do irmão e, juntos, haviam fundado a nova colônia grega na Ásia.
Diz Pseudo-Apolodoro em seu Bibliotheca (III, 1, §2):

"Agora Astério, príncipe dos cretenses, casado Europa trouxe suas crianças. Mas quando eles estavam crescidos, eles brigavam entre si; porque amaram um menino chamado Mileto, filho de Apolo e Ária, filha de Cleochus. Como o menino era mais amigável para Sarpédon, Minos foi para a guerra e venceu o irmão, e os outros fugiram. Mileto desembarcou em Caria e ali fundou uma cidade que chamou de Mileto depois de si mesmo; e Sarpedon aliou-se com Cilix, que estava em guerra com os Lídios, e tendo estipulado para uma parte do país, tornou-se rei de Lícia. E Zeus concedeu-lhe a viver três gerações. Mas alguns dizem que eles amavam Atymnius, filho de Zeus e Cassiopeia, e que era sobre ele que eles brigaram".

O segundo Sarpédon aparece na Ilíada de Homero. Também filho de Zeus e Laodamia. Segundo Diodoro Sículo, todavia, este seria neto do primeiro, filho de Evandro e Laodamia. As versões dos mitos são comuns porque o mundo grego era fragmentado nas pequenas cidades-estado chamadas polis que tinha, em cada uma, uma versão para os mitos. Este desempenha um papel importante na guerra de Tróia, particularmente no ataque troianos aos acampamentos aqueus junto aos navios. Ele morre quando Pátroclo, primo/amante de Aquiles, ataca os troianos vestindo a armadura do seu amado, embora a contragosto de Zeus que devotava especial admiração pelo filho e ameaçou até subtraí-lo dos desígnios das Moiras, isto é, interferir em seu destino. O mito de Sarpédon conta sobre a impossibilidade de mesmo os deuses interferirem no que o destino havia designado para os homens, mesmo este sendo um dos seus amados filhos.
É durante a morte do herói que seu relacionamento com Glauco aparece. Glauco é primo de Sarpédon também. Filho de Hipóloco, o qual é irmão da mãe de Sarpédon, Laodamia. Participou da guerra de Tróia ao lado do primo comandando os Lícios e, como o trecho abaixo faz ver, eram também amantes. Canta Homero:

"Como um leão que acomete a manada e que mata
um touro fulvo e forte em meio a bois tardonhos,
e o touro muge e morre entre as presas da fera,
assim o capitão dos Lícios porta-escudos
estertora, abatido por Pátroclo, e grita
pelo companheiro (phílon d'onomnen hetaíron): 'Ó forte entre os fortes, Glauco,
demonstra como és bom de lança e um leão na guerra;
se és mesmo valoroso, a guerra atroz te apraz!
Aos hegêmones Lícios, por toda a parte, insta
que circunlutem por Sarpédon e com bronze
vem também defender-me. (...)´
Enquanto fala, chega o fim: a morte eclipsa
seus olhos e narinas. Pátroclo, pé sobre
o peito morto, arranca a lança e o pericárdio;
a um só tempo a psiquê e o acúmen lhe desprende.
Os Mirmidões refreiam os corcéis resfolgantes,
que intentam fugir, vendo as bigas sem seus reis.
Se apoderou de Glauco a agrura da agonia,
ouvindo a voz do amigo (hetároisin): dói-lhe o coração
não poder protegê-lo; a mão premia-lhe o braço,
ferido pela flecha de Teucro (...)"
(Ilíada, Canto XVI, v. 487-511)

O elemento mais interessante da relação entre Sarpédon e Glauco, e sim o juramento que o príncipe lício cobra do seu primo quando este cai vítima da lâmina de Pátroclo. Homens gregos que tinham seus amantes junto a si no campo-de-batalha faziam o voto de protegê-lo sob qualquer circunstância. Toda coragem de um guerreiro podia ser medida quando este precisava defender o seu amante/hetároisin. Glauco não pode proteger Sarpédon, porque ele também está ferido, ele então evoca o deus Apolo para que este insufle o coração dos Lícios com coragem para que estes se aproximem e protejam o seu príncipe, mas a dor de não poder proteger o seu companheiro dói-lhe mais do que a flecha que atravessa-lhe o braço. Segundo diz-nos Homero, o corpo do herói é protegido, não antes de sua armadura ser roubada, o que causa uma profunda tristeza a Zeus, que lança sobre os gregos uma imensa tempestade que os afasta da batalha, permitindo Glauco se aproximar e chorar a morte do amigo. Zeus então envia os irmãos gêmeos, Tânatos, a morte, e Hipnos, o sono, para resgatar o corpo do seu amado filho.

terça-feira, 22 de julho de 2014

Livro Ou Filme?

, em Natal - RN, Brasil
Dizemos sempre que os livros são melhores que os filmes, mas desta vez não podemos falar o mesmo sobre A Culpa É Das Estrelas que estreou mês passado (e eu esperei tanto tempo para publicar minha crítica para ninguém reclamar de spoiler). O livro de John Green e o filme de Josh Boone são obras completamente distintas, apesar de compartilharem os mesmos personagens e mesmo assim completamente incomparáveis. O livro, intimista, foca-se na história da jornada de morte por causa de um câncer da jovem de 18 anos, Hazel Grace. Dividimos os pensamentos da protagonista e não dá para evitar o sentimento "tamu junto aê, gata" que se forma. Hazel é irônica, sincera e egocêntrica (in a good way), porque afinal de contas a personagem narradora não é onicisciente e nós, leitores, só sabemos o que Hazel nos conta. Pelos olhos dela vemos o mundo e ela então se torna nossa melhor amiga.
O filme, e por isso ter uma linguagem completamente diferente, nos apresenta a mesma história através de outra perspectiva. Hazel não é mais ossa única ligação com aquela realidade e, sem seu filtro, ela perde força, principalmente por causa do que Augustus "Gus" Walters tem a nos oferecer. Seu sorriso torto (que Ansel Elgort não conseguiu reproduzir como eu imaginei, mas que ficou lindo do mesmo jeito), as tiradas inteligentes e as declarações de amor sem vergonha me obrigaram a dizer: "Sorry, Hazel, você tem câncer, mas eu vi primeiro!". A verdade é que o livro é sobre a Hazel, o filme sobre o Gus. São a mesma história, mas é tão injusto comparar um com o outro quanto comparar a lasanha da sua mãe com a da sua avó.
Porém, eles mantiveram outra coisa em comum. Tanto o livro quanto o filme me fizeram chorar muito. Também de formas diferentes. Quando Hazel escreve um elogio fúnebre para Gus (é um filme sobre adolescentes morrendo com câncer, todo mundo morre, é óbvio) e diz que entre 0 e 1 existe uma infinidade de números (0,1; 0,12; 0, 123) que é menor que a infinidade de números comportada entre 0 e 2, entre 0 e 100, entre 0 e 1 milhão. Ela conclui: "Alguns infinitos são maiores que os outros" e agradece ao infinito que Gus a proporcionou dentro de seus dias numerados. Numa torrente, eu lembrei de Shakira cantando que pedimos o eterno a míseros mortais, lembrei do Tato, do Anjo e do Menino Bonito, mas também de todos os homens que gastaram horas/minutos de suas vidas comigo e concederam-me um eterno/infinito entre nossas momentos contados. Como não chorar?
Ma também chorei quando Hazel e Gus beijam-se no quarto de Anne Frank. Celebrando a vida. É uma cena linda no livro por causa de seus significado poético, no filme, são os lábios convidativos de Elgort que o tornaram inesquecível. Obviamente eu já estava apaixonado pelo Gus aquela altura (coisa que não me aconteceu no livro, eu disse que são muito diferentes), afinal no filme ele é transformado, simplesmente, no homem mais sedutor, quer dizer, o tipo de homem que ME seduz muito fácil ao condensarem suas falas em 1:30 de fita. Acho que esta é a grande transformação que o personagem passa entre o livro e o filme, tudo que sabemos no livro sobre Gus é oriundo do filtro que Hazel faz, ela diluí o personagem nela mesma, no filme não. Nosso contato (e impacto) com o Gus é direto. Eu me peguei querendo estar no lugar dela, da Hazel. Sim, ela anda com uma cânula para poder respirar, um dreno no pulmão por causa de um edema, mas eu a invejei por causa do Gus. Fui mórbido?
Por fim, o último momento lacrimejante é quando ouvimos o elogio fúnebre que Gus escreveu para Hazel (ela é a protagonista, mas como eu já disse este não é um filme sobre alguém com câncer, mas sobre alguém morrendo de câncer, ela diz inclusive nas primeiras páginas do livro, e na cena que apresenta a personagem no filme: "a depressão não é um efeito colateral do câncer, é um efeito colateral de estar morrendo". A Culpa É Das Estrelas é um livro e filme sobre morrer, get over it!). Eu ouvi o elogio, ele fala muito sobre a própria Hazel, declama suas qualidades e termina (e voltei ao livro para lembrar) dizendo: "Eu a amo. Sou muito sortudo por amá-la, Van Houten. Não dá para escolher se você vai ou não vai se ferir neste mundo, meu velho, mas é possível escolher quem vai ferí-lo. Eu aceito minhas escolhas. Espero que a Hazel aceite as dela". Fico arrepiado de reler. Eu chorei muito no cinema, pensei ali sobre quem escreveria uma elegia, panegírico, nota fúnebre, para mim. Quem se sentiria ferido porque eu parti? Pensei sim na minha morte, em como Gus e Hazel marcaram a vida um do outro, e eu pensava: quem eu marquei? No que eu marquei? Como marquei? Quem se levantaria ao lado do caixão e diria algo para os vivos? Que estória contaria? Que qualidade exaltaria? Que lágrimas derramaria? Nós não temos consciência do quanto tocamos os outros e nem sabemos o quanto é bom dizer as pessoas que elas nos tocaram, antes que seja tarde. Mas também chorei porque, e esta sempre foi minha filosofia de vida, sofrer nesta vida é inevitável, tentar evitar o sofrimento normalmente é inútil, porém quando nós aceitamos e vivemos a vida este mal-fadado sofrer passa por nós sem muitas lágrimas. Deixe ele vir. Deixe-o passar por nós.

sexta-feira, 18 de julho de 2014

Cenário De Quinta

A noite pode começar com uma visita à galeria do IFRN, ainda às 18h, o prédio de 1913, que antes pertencia à Universidade Federal do Rio Grande do Norte, sede do primeiro liceu técnico do Estado e mais tarde da televisão universitária. Em 2000, época do centenário do Instituto Federal de Ciência, Educação e Tecnologia do Rio Grande do Norte, o prédio foi integrado ao instituto e agora abriga seus cursos de arte e produção cultural, duas galerias (com quatro salas de exposição ao todo) e o Museu do Brinquedo. Instalado na Cidade Alta, um dos primeiros bairros da cidade, o qual junto com a Ribeira e Rocas formam o núcleo arquitetônico colonial da capital, o prédio pode ser considerado neoclássico, registro da Belle Époque, anterior a Primeira Guerra, com suas linhas delicadas, arcos leves e janelas simétricas. Os pisos de madeira e o ladrilho hidráulico, o forro trançado e as luminárias de vidro imitando gotas de cristal são detalhes a mais para se observar no lindo prédio. Nas galerias, as exposições variam de temas e técnicas. Desenho, fotografia, escultura, pintura, tecelagem ocupam suas paredes pelo menos a cada mês. 
Virando a esquina, na rua que a prefeitura fechou transformando num espaço cultural. Em que as paredes estão ocupadas por desenhos coloridos por tintas em spray e mesas de plástico estão espalhadas sobre tendas que protegem, de dia, do sol, e a noite, da chuva. As mesas amarelas pertencem ao Zé Reeira. O bar é adorado pelos seus frequentadores que são expulsados a vassouradas quando o dono encerra as atividades pontualmente às 21h. Ele afirma que nos fins de semana fica até o último cliente sair, mas durante a semana ele também tem seus direitos. Eles reúnem uma boêmia idosa, mas que, apesar da idade, não perde o pique para o samba ou a bossa que ocupam o tablado que serve de palco naquela rua, onde garotos adolescentes sentam a tarde para conversar e comer salgados, e mal-vestidos atores e artistas plásticos que montam seus ateliês e oficinas nas salas dos prédios antigos da Ribeira, este que margeia o porto de Natal. O Zé Reeira é um boteco na verdade. Serve uma cerveja gelada e barata e uma comida cara e sem graça. Não serve petisco, acha-se restaurante, mas engradados de cerveja ocupam todos os espaços no interior do prédio, só há um corredor para chegar a geladeira e outro que vai até os banheiros. É tudo muito colorido e bagunçado. E o garçom tenta enganar o dono para que você fique mais tempo, mesmo quando ele manda fechar.
Caminhando pela Cidade, alguns quarteirões distante do Zé, na Rua Coronel Cascudo, o som do samba ocupa ruas apertadas que durante o dia ficam atoladas de vendedores ambulantes, mas nas noites de quinta são ocupadas por jovens universitários e publicitários bebendo cachaça com mel de abelha, o coquetel é chamado de Meladinho e vendido por um boteco em copos descartáveis, e cervejas. Enquanto meninas criadas pela fina sociedade natalense no internato da Escola Doméstica torcem o nariz, professores de arte, atores e artistas admiram as paredes pichadas com frases de efeito, na apertada rua que dá de lado com o Palácio da Cultura, a pinacoteca do Estado, e os fundos do Museu Café Filho, antigo sobrado do ex-presidente, que vive fechado porque é a exposição mais tediosa do planeta sobre o presidente mais sem graça que já tivemos. O samba é alto demais para aquelas ruas estreitas, mas o barulho das conversas acaba por superar a música, mais alto só a fumaça dos cigarros mentolados.  O bar responsável nem nome tem, funciona no andar térreo do primeiro supermercado que a cidade já teve, da época em que Natal pertencia aos Estados Unidos, e às vezes organiza noites de jazz ou de bossa nova.
Mas do outro lado do prédio da pinacoteca, na praça André de Albuquerque, era o pagode que reinava. No falso marco zero da cidade, porque o real fica lá na praia, aos pés do Forte dos Reis Magos, onde a verdadeira cidade floresceu, aqui eram os grandes palácios construídos pelas grandes famílias de sobrenome composto, habitados semanalmente quando se vinha, ao domingo, assistir a missa na Igreja de Nossa Senhora do Rosário da Apresentação de suas casas nos engenhos distantes ou nas fazendas de carne-de-sol exportada para abastecer Pernambuco. A praça fica lotada, mas não de morenas rebolativas, elas estão lá sim, quase sempre acompanhadas de um homem mais velho ou gringo ou os dois, naquele pagode encontramos muito mais homens musculosos vestindo regatas apertadas em todos os espectros de cores. Todos muito bonitos para ser sincero com vocês. Também, ali, havia muito mais estrangeiros, não era difícil distinguir no ar um português com sotaque entre as palavras bêbadas que driblavam a cantoria de um imenso negro de cabeça raspada e camisa excessivamente justa. Ele tocava um cavaquinho junto do microfone e cantava canções da Marrom. O público era notadamente diferente dos ambientes anteriores. Saltos altos, chapinhas e jeans Videbula substituíam as camisetas indianas com calças de algodão cru. Barbas desgrenhadas e corpos ágeis fruto de alongamentos eram opostos aos cabelos bem cortados, barbas aparadas à maquina e o corpo rijo que foram esculpidos em academias. Pessoas completamente diferentes.
Qual o caminho escolher?

terça-feira, 15 de julho de 2014

E Agora? Em Quem Votar?

, em Natal - RN, Brasil
Eu tenho sofrido muito prevendo a situação que seremos colocados após esta bendita Copa. Começa o período de eleição para presidente do país. Dilma Rousseff/PT, Eduardo Campos/PSB e Aécio Neves/PSDB são os únicos candidatos já confirmados, outros dez (entre eles Jair Bolsonaro/PP, Soninha Francine/PPS e Randolfe Rodrigues/PSOL) estão na lista de possíveis candidatos ao cargo de líder do poder executivo da república brasileira. Falarei somente daqueles que foram confirmados. Dilma, atual presidente, é simplesmente a maior decepção política que eu já vivi. Sei que ela não é na história brasileira, porque ninguém rouba este título de Fernando Collor, nosso príncipe que deu errado. Mas Dilma, preocupada com a governabilidade, vendeu todas as suas alianças pelos votos de nossos congressistas, não que esta não seja um método comum a todo o mundo, ao contrário do que dizem por aí, esta não é uma invenção do PT, mas o tipo de aliança que esta senhora descendente de húngaros fez me fizeram desacreditar que seu partido possa ser uma boa escolha para os próximos anos do país. Os avanços sociais foram inegáveis com o PT (a distribuição de renda, a ampliação da educação superior e tecnológica, o controle da inflação e do poder de compra do salário mínimo), eles aconteceram, e seria irresponsabilidade minha negar isso, porém o governo da senhora presidenta (como ela gosta de ser chamada) também se negou a travar novas batalhas visando apoio político. Dilma fugiu de temas impopulares: o kit anti-homofobia e a lei contra homofobia foram engavetados, o casamento homossexual nem foi discutido, a perseguição evangélica às religiões de matriz africana não foram questionadas, tudo em nome de uma aliança que agora pode se virar contra ela se Jair Bolsonaro se candidatar.  Sem sombra de dúvida, o maior defeito de Dilma Rousseff é sua relação escusa com a bancada evangélica, sei que seus opositores citariam os mensaleiros, ou as malfadadas transações da Petrobrás, mas o maior erro desta senhora sem sombra de dúvida foi abandonar seus aliados históricos (os movimentos sociais) em nome da proteção dos interesses de igrejas, a situação do ano passado da Comissão de Direitos Humanos comprova isso.
O maior desafiante de Dilma é o príncipe mineiro, Aécio Neves. Neto de Tancredo, governador de Minas Gerais, o senhor Neves já era apontado como o próximo candidato a eleição desde a derrota do PSDB para o PT em 2010. E eu sempre repeti que fora de Minas Gerais ele era totalmente desconhecido. E é. Sem sombra de dúvidas, o principal problema que os marketeiros de Aécio precisam vencer é apresentá-lo como um candidato confiável para o Nordeste e o Norte do país, vencendo as notícias que graças a internet chegam antes aos eleitores. Aécio é um playboy e sempre foi. Um novo Collor, com certeza. Notícias sobre suas festas regadas a bebidas caras e cocaína chegam primeiro aos eleitores do que qualquer proposta que ele possa fazer, e quando ele tem a oportunidade não faz nenhuma. Aécio e o PSDB acreditam que o Brasil todo concorda com as reclamações da elite brasileira. Repetindo frases feitas como a corrupção chegou a níveis alarmantes, o brasileiro paga impostos demais, a burocracia no país é imensa e que o número de funcionário públicos é inchado, ele arranca aplausos de seus correligionários, mas não explica absolutamente nada de qual é seu projeto para recuperar o país que, segundo ele, foi destruído pelo PT. Contudo, quando dentro de círculos internos, ele afirma que o salário mínimo está alto demais, como disse em um encontro com membros da Federação da Indústria de São Paulo. Ou critica a reeleição, obra do seu próprio PSDB que não esperava ter que dividir o poder com outro partido. Este é sem sombra de dúvida o principal problema de Aécio Neves: ele e seus aliados estão no poder há tempo demais! Ele representa um gigantesco passo para trás, um retorno à política do café-com-leite e as oligarquias que tentamos desde 1940 expulsar de nosso sistema político, mas elas teimam em retornar. Não podemos votar no neto de alguém, famílias políticas no Brasil precisam ser extintas!
Apesar desta polarização já estar garantida, Eduardo Campos, do PSB, pode alterar e muito esta situação. Ex-governador de Pernambuco, neto do também ex-governador, Miguel Arraes, tem sua vida política no Executivo basicamente ligada ao avô. Trabalhou junto a ele como Chefe de Gabinete em 1987 (seu primeiro cargo) e entre 1995 e 1998 como secretário da Fazenda de Pernambuco. Ao confirmar sua candidatura ano passado ao cargo, Campos também apresentou sua candidata a vice-presidente, Marina Silva. Os problemas, aqui, reúnem os de Dilma e de Aécio em um único candidato. Eduardo Campos também representa uma poderosa família pernambucana, os Arraes, apesar destes serem bem quistos pela população isto não muda o fato de que é uma família que considera a política como seu ofício, e esta forma de pensar política precisa acabar urgentemente neste país. Já Marina Silva, evangélica, representa um passo para trás em todas as possibilidades de avançarmos nas discussões sobre diversidade neste país. Pelo histórico de Eduardo Campos, contudo, podemos esperar investimentos nas universidades e nos institutos de tecnologia espalhados pelo território, seu governo em Pernambuco, apesar de depender muito da relação com Dilma e o PT, tem sido avaliado positivamente pela população; já Marina Silva defende um discurso que prega o desenvolvimento sustentável, contudo eu, pessoalmente, não confio nela. Eu não confio em evangélicos em posições de poder de forma alguma.
Entre estes três, continuamos sem ter em quem votar, esperamos as confirmações das candidaturas que ainda estão para sair. Algumas para temermos, como a de Jair Bolsonaro, que com certeza vai levantar a bandeira em proteção de Deus e da Família brasileira, apelando para o terrorismo psicológico, e que vai carregar para si boa parte dos votos, talvez votos demais! Outros para rirmos como Soninha e seu discurso que consegue alternar entre o mais conservador possível, na defesa de uma pensamento coxinhas sobre a economia e a proteção dos direitos que a classe média pensa ter e o mais libertário que ela consegue imaginar apoiando a descriminalização da maconha, por exemplo. Outros para talvez termos alguma esperança, Rodolfe Rodrigues, por exemplo, talvez seja uma aposta interessante, mas que fará com que o PSOL seja obrigado a rever boa parte do seu próprio pensamento como partido e, talvez, vejamos um novo PT emergindo dali. Como observador, são grandes tempos para ser historiador e blogueiro, como cidadão gay deste país de terceiro mundo eu temo pelo nosso futuro e, qualquer coisa, pernas para quê te quero? 

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Creta: O Mais Forte dos Aqueus

, em Natal - RN, Brasil



A Guerra de Tróia é para Micenas, a segunda capital do império minóico, depois da queda de Cnossos, em Creta, e a transferência do núcleo de poder das ilhas para o continente, o seu grande mito fundador. Tróia, a cidade do oriente, é a grande opositora sob o qual se funda toda a identidade dos homens micênicos como um grupo étnico. É por isso que a Ilíada, grande poema que canta o último ano da guerra que durou dez anos, atribuída a Homero, o bardo cego, mas que provavelmente fora composta por um número incalculável de poetas anônimos que se aglomeraram sobre a figura de um único poeta, começa enumerando todos os povos micênicos no canto II com o chamado Catálogo das Naus. Neste conto são listados os povos que compartilhavam a história lutando ao lado de Micenas, e com isso, ajudando a formar o mundo grego.
Um dos personagens da guerra, Aquiles, rei dos Mirmidões, um dos seus grandes heróis tem duas histórias interessantes para contarmos. A primeira refere-se ao seu sobrinho ou primo, Pátroclo.
Pátroclo, o célebre por seus ancestrais, filho de Menécio e Estênele, numa versão que o faria primo do pai de Aquiles, Peleu, ou em outra versão filho de Menécio e Polimela, irmã de Aquiles, o que o faria sobrinho do herói. Exilado, ainda na infância na corte do rei dos Mirmidões, por, num acesso de fúria, ter assassinado um companheiro de brincadeiras durante o chamado jogo dos ossinhos, ligou-se por forte e intensa amizade ao seu primo (ou tio) que tinham a mesma idade. São muitas as gestas do herói tanto na Ilíada, quanto nos inúmeros poemas cíclicos (as epopeias escritas após a Ilíada que complementa a história desta), contudo a mais importante é narrada por Homero que é batalha com Heitor que sela o destino da guerra. Tudo começa no canto XVI: Patrocleia.

 "Assim, em torno à nau, belos-bancos, lutavam. 
Pátroclo, pais-gloriosos, se aproxima, em prantos, 
de Aquiles, o pastor-de-povos, parecendo 
fonte escura a verter da escapa uma água fosca. 
Ao vê-lo, comoveu-se Aquiles, pés-velozes. 
E principiou por dizer-lhe estas palavras-asas: 
'Por que as lágrimas, Pátroclo? (...) 
Acaso trazes alguma novas aos Mirmidões, a mim? 
Tens notícias da Ftia? Novas que eu  desconheça? (...) 
Ou choras pelos Dânaos que sucumbem 
em torno às curvas naus, gente sobrearrogante? (...)' 
Sofrimento na voz, tu lhe respondes, Pátroclo, 
cavaleiro: 'Ó Peleide Aquiles, o mais forte 
dos Aqueus. Não te irrites. Grande angústia oprime 
os Dânaos. Os melhores de antes, todos eles, 
aos navios se acolheram, flechados, lanceados. (...) 
Se temes o presságio divino, que tua deusa mãe, 
augusta, por aviso de Zeus te soprou, 
pelo menos permite-me que eu vá e que sigam 
comigo os Mirmidões, levando luz aos Dânaos. 
Dá-me que eu encourace os ombros com tuas armas. 
Tomando-me por ti, os Tróicos fugiriam, 
dando respiro aos Gregos." 
(XVI, 1-43).

Aquiles que sentia-se ofendido porque Agamêmnom, rei de Micenas, capitão dos gregos, havia privado-lhe de uma escrava, e por isso abandonado a guerra, era interpelado por seu primo que queria salvar os gregos antes que fosse tarde demais. Ele permite que ele vá, disfarçado com sua armadura e armas, apenas eleva a seguinte oração, quando o primo deixa a tenda vestido.

"Zeus Dodôneo, Pelásgico, que habitas plagas 
remotas, rei da fria Donona; teus profestas, 
os Selos, te circundam, de pés-revéis-à-água, 
gente-que-dorme-sobre-o-chão-de-terra. Outrora 
ouviste minha prece, e me honraste, afligindo 
os Aqueus; uma vez mais, atende o meu rogo: 
no círculo das naus, eu permaneço e mando 
à guerra - guia dos Mirmidões - meu companheiro (hetáron). 
Concede-lhe a vitória, Zeus pai, altitroante. 
No coração encorajando-o, deixa que Heitor 
julgue se meu irmão-de-armas (polemixein) pode, sozinho, 
bater-se, ou se, somente quando combatemos
 juntos, suas mãos se encolerizam, imbatíveis. 
Mas logo que repila dos navios a guerra 
e os gritos, dá que volte para as naus, incólume, 
trazendo as armas todas e o esquadrão de infantes.
(Ilíada, Canto XVI, v. 233-248).

Pátroclo morre em confronto com Heitor. Causando tal dor em Aquiles que ele supera seu orgulho ferido pelo rei micênico e retorna a guerra. Ele chora aos pés da mãe a perda do companheiro:

"'Por que choras? Que te dói 
no coração? Não cales, filho. (...)'. 
O pés-rápidos 
Aquiles replicou-lhe (e sofria): 'Mãe, o Olímpico, 
de fato, perfez tudo isso. Porém que júbilo 
trouxe-me, se perdi o melhor dos meus parceiros (epei philos oleth hetaíros), 
Pátroclo, meu igual (hetaíron), cabeça a par da minha? (...) 
Tomara que eu já estivesse morto, pois não pude valer, 
à hora da morte, ao companheiro-de-armas (hetairói), 
tombou longe da pátria; da violência de Ares 
não o protegi, quando preciso'"
( Ilíada, Canto XVIII, v. 73-101).

A palavra que Aquiles mais utiliza para referir-se ao primo é hetairon, hetairói, hetaíros, hetáron e outras palavras da mesma família que tem sido traduzidas como companheiro, amigo, aliado, mas também amante. A multiplicidade de sentidos tem a ver com a ideia grega sobre a amizade. Entre homens, na Grécia antiga, e aqui, pela Ilíada, podemos ver que na Micenas pré-grega também, a ideia de amizade está carregada de um sentido sexual que a palavra perdeu nos dias de hoje. O uso da tradução por "companheiro" feita por Haroldo de Campos na edição da epopeia que citamos inclusive se torna mais apropriada porque hoje em dia a mesma dubiedade pode ser conseguida pelo o uso da expressão por casais gays para definir seus namorados e maridos, dado a falta de legislação sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo. No entanto, outra palavra que serve para descrever o primo é philos. E esta palavra é a melhor tradução para o nosso sentido de amor produzido no mundo helênico. Esta era utilizada para falar sobre o amor entre os membros da família, entre amigos, entre uma pessoa e uma atividade e, principalmente, entre amantes masculinos, sendo muito raramente utilizada para descrever uma relação entre um homem e uma mulher. Na Ilíada ela aparece para descrever os outros aliados, amigos, aqueles que nasceram na mesma terra. Como no trecho:

"Heitor, agora esqueces teus aliados, eles,
que expiram por tua causa, longe dos amigos (phílon),
da pátria, sem que tu os socorras? Sarpédon,
soberano dos Lícios porta-escudos, jaz
por terra, o protetor justo e forte da Lícia.
O brônzeo Ares domou-o sob a lança de Pátroclo.
Avante, amigos (phíloi), raiva-no-coração, contra
os Mirmidões, que intentam despojar o morto
das armas e ultrajá-lo, ardendo por vingar
os Dânaos que abatemos junto às naus velozes
com nossas lanças (...)"
(Ilíada, Canto XVI, v. 538-548)

Homero não considerava necessário, na verdade, afirmar que a relação entre Aquiles e Pátroclo era também sexual não porque estava envergonhado dela, mas porque esta situação era tão óbvia que não precisava ser dita em momento algum. Para qualquer pessoa educada dentro do mundo grego, o relacionamento entre os primos era de puro amor homoerótico. O uso destas palavras da mesma raiz que hetaírosin, em específico , para tratar das relações homoeróticas do poema (elas aparecem nos outros exemplos que citaremos adiante), demonstra que os gregos reconheciam-na como uma espécie de relação distinta das relações comuns de amizade representadas por palavras ligados ao radical de philia. 






terça-feira, 8 de julho de 2014

A Escolha de Sofia

, em Natal - RN, Brasil
- Deixa eu ver se eu entendi. Você, Foxx, prefere morrer do que tentar de novo, mas, então p'ra quê você quer um namorado então, criatura?
- Eu não quero. Eu quero que isso acabe.
- Mas não vai, e você sabe. Não é melhor tentar de novo até encontrar um namorado?
- Não, preciso tirar isso da minha vida. Inclusive por isso é bom não sair mais de casa também.
- O menor problema que você tem é sair ou não de casa, Foxx. Você pode até precisar tirar isso da sua vida, mas você não quer. Como você mesmo já disse: você vive do passado, das suas lembranças e você não quer se livrar delas, logo, você nunca vai se livrar dos seus desejos, sorry!
- ...
- Seu desejo está ligado ao seu passado, às suas relações, para se livrar do seu desejo teria que jogar fora boa parte (ou todas) as suas lembranças. Tem certeza que quer isso?
- Um dia. Um dia as lembranças estarão tão distantes que eu conseguirei viver sem elas. 
- Um dia? Querido Foxx, esse "um dia" só chega quando você parar de nutrir as lembranças, aí elas ficam distantes. Enquanto você nutrir as suas como se elas tivessem ocorrido ontem, sorry, mas você nunca vai se livrar do seu desejo de ser amado.
- Mas eu não nutro minhas lembranças...
- Você que acha. Eu vejo que não. Por exemplo: postar no Instagram uma foto de um paper doll, com a legenda Forever Love ou simplesmente manter este boneco na cabeceira da sua cama, para que talvez seja a primeira coisa que você veja quando acordar e lembrar do seu relacionamento com ele, isso é nutrir o passado.
- Não está lá para ser a primeira coisa...
- A segunda então, pouco importa, mas o fato é que ele está lá para nutrir sua lembrança do Menino Bonito. E volto a dizer: você precisa se livrar de todas estas lembranças para se livrar do seu desejo, porque daí você não teria nenhuma referência de carinho e amor. 
- ...
- Mas você vive do passado, então enquanto viver dele, enquanto o paper doll estiver na cabeceira da cama, sua experiência com o Menino Bonito nunca vai sair de sua cabeça e o seu desejo de revivê-la, não necessariamente com ele, mas sentir o que você sentiu por ele com qualquer outra pessoa, nunca vai sair de você.
- A postagem foi um momento de fraqueza...
- Eu entendo, mas o fato do boneco ainda estar na sua cabeceira é sinal que você continua regando, adubando, nutrindo o passado. As pessoas para não viverem do passado, elas apagam, bloqueiam, tiram de suas vidas. E é por isso que eu não acredito que você vai conseguir se livrar do seu desejo, porque você teria que apagar tudo, e você não quer, de verdade, fazer isso.
As lembranças pipocaram na minha cabeça: a sensação do abraço do Tato, ou da respiração dele quando dormia no meu peito, o calor que invadia meu coração quando nos falavamos ao telefone. O prazer de sentar na sala do Anjo e discutir política ou Maria do Bairro, do meu coração disparado quando nos conhecemos naquele bar em Belo Horizonte, do gosto daquele beijo na chuva, ou quando ele me deu um beijo de despedida quando eu retornava para Natal. A alegria de sair para comer com o Menino Bonito, muito menos a felicidade que explodiu em mim quando ele, bêbado, disse que poderia me namorar facilmente porque eu era o tipo de homem que ele gostava, ah, e o sexo com ele também, o corpo que se encaixava perfeitamente no meu, era delicioso.
- Eu não teria nada se eu apagasse minhas lembranças, Ariano.
- Então não apague. Continue nutrindo, está tudo bem, mas aceite o outro lado da moeda que é o desejo. Você não pode ter as duas coisas: lembranças vivas e ausência de desejo. Será um ou outro. E enquanto você não se decidir o que quer vai continuar andando em círculos, como faz há 32 anos.
- É, você tem toda razão. 

sexta-feira, 4 de julho de 2014

Como Se Nasce Gay: Sexualidade Não É Natural. (Parte II)

, em Natal - RN, Brasil
Nós não nascemos gays! Nem héteros! Nem bissexuais! Sexualidade não é algo com que nascemos, mas é algo que construímos a partir do nascimento. Gênero, no entanto, é algo com que nascemos. Existem pessoas que vem ao mundo meninos ou meninas, mas também meninos no corpo de meninas e meninas no corpo de meninos, também nascemos meninos-meninas (sim, os dois ao mesmo tempo) e também nenhum deles, apesar da presença de uma genitália. O gênero, este sim, tem um componente genético, e é extremamente mais complexo do que a oposição macho e fêmea que os pênis e vaginas dão a entender.
Sexo (homo, hetero, bi, gay, g0y., H.S.H), no entanto, é uma construção identitária, isto é, acontece na mente e não no cérebro. A partir das relações do indivíduo com outras pessoas (família, amigos, vizinhos), com o ambiente que ele vive (escola, igreja, trabalho) e sua cultura, ele começa a projetar uma identidade na qual ele pode lidar com os impulsos sexuais que seu corpo produz. Ele, o indivíduo, que projeta seu desejo para algum objeto graças as respostas que ele tem na sua primeira infância, cria uma identidade para lidar com as respostas que recebe. Trocando em miúdos, um menino que projeta sua necessidade de carinho para um homem e recebe deste um resposta satisfatória sempre tende  a criar dentro de si um padrão procurando aquele mesmo homem nos seus relacionamentos futuros. A psicologia já repetiu incansavelmente que homens heterossexuais procuram suas mães nas parceiras, porque foram elas as primeiras a satisfazer sua pulsão sexual satisfatoriamente (opa, me assustei como soei freudiano agora, culpa do Joseph Campbell que estou lendo). 
A maior prova que a sexualidade é uma construção identitária que varia de acordo com nosso ambiente esta escrita em toda história da Humanidade. Ela está recheada de inúmeros exemplos de identidade sexual distinta do padrão que nós utilizamos hoje em dia, aqui, no Ocidente. E reforço no Ocidente porque mesmo nos dias que vivemos encontramos formas distintas de sexualidade (fora da chave homo-hetero-bi) em tribos indígenas americanas, em aborígenes nas ilhas da Oceania, entre os países islâmicos, na Índia, China e Japão. Sociedades que fogem desta complexa cultura compartilhada que chamamos de Ocidente criam identidades sexuais distintas. É a cultura, e somente ela, que define uma identidade sexual, ela fornece os modelos em que o indivíduo aprende a expressar os impulsos sexuais que vêm descontrolados do seu subconsciente. Inclusive, diz Karl Marx, no prefácio de Uma Contribuição a Crítica da Economia Política, que não é a consciência dos homens que determina a realidade, é a realidade social que determina a consciência dos homens.
Se esta teoria (sim, teoria, não trabalhamos com certezas em ciência) é correta poderíamos evitar o desenvolvimento de homens gays dando-lhes somente experiências com mulheres hiper carinhosas e protetoras? Segundo Nelson Rodrigues não. E eu afirmo que além de impedir o desenvolvimento social do menino (ele não poderia frequentar a escola, por exemplo, nesta experiência) o que prejudicaria seu processo de socialização e desenvolvimento psicossocial (o que somente isso já deveria ser considerado um crime), tolheríamos a liberdade desta criança, obrigando-a a seguir por um caminho que nós consideramos o correto, e não que ele escolheu. A ideia de que conseguiríamos controlar o ambiente em que uma criança vive e as projeções que ela faça do seu subconsciente não é, no mínimo, uma ilusão megalomaníaca de controle?
Por fim, a sexualidade é muito mais complexa do que estes padrões dualistas de hetero e homo nos permitem ver. Ela também não nasce com você, mas é construída por toda sua vida e, dependendo, das experiências que você se permita ter, nunca estará completamente madura. Mas uma coisa é certa, ela começa a esboçar-se sempre na tenra infância, moldada por nossas experiências no seio de nosso primeiro grupo de socialização. Seja ele qual for (família, família estendida, escola, creche, vizinhos, etc). Todas as experiências nesta fase de formação do ego são extremamente marcantes.