I
Eu estava no ponto de ônibus, esperando-o para encontrar o Miguel e irmos para a Vogue. Sábado a noite, passava das 22:30h, quando ele surgiu do meu lado, como quem brota da terra, feito um demônio súcubo. "Vai p'ra onde bonito assim?", falou e, antes de eu responder, ele já havia levantado a camisa para exibir o abdômen perfeito. Meus olhos devem me denunciar profundamente nestes momentos porque o sorriso de satisfação que ele coloca no próprio rosto chega a me irritar. Respondi que ia encontrar amigos. "Ah, se você tivesse um tempo a gente bem que podia ir para um motel que tem ali". Eu olhei para ele, interessado em saber como ele concluiria o convite. "O motel custa apenas sete reais, o que me diz?". Minhas sinapses pipocaram. Lembrei que eu estou a sete meses sem sexo, olho para o corpo lindo que se oferece para mim ali, com certeza seria muito divertido, mas também não consigo não me preocupar em como eu me sentiria depois se entrasse neste relacionamento que nos usaríamos somente para sexo e que nunca evoluiria para nada mais que isso, afinal ele "é hétero". Posterguei então. "Ah, querido, eu tenho que ir agora. Já estou atrasado, na verdade. Fica para uma outra oportunidade". Ele me encara decepcionado e prepara-se para contra-argumentar. "Ó, meu ônibus 'tá vindo ali. 'Té mais!" E estendo a mão para ele apertar. "Até, então... ah, mas antes tu não teria 2 reais aí que pudesse me arranjar?". Aí eu lembrei que tem esse problema dele estar investindo em mim somente por vantagens financeiras.
II
Eu estava na área externa da Vogue, numa área em que existe um vídeo-bar, que naquele noite estava integrado a pista dado a quantidade de pessoas que haviam resolvido vir assistir aquele dj paulista tocar. Naquele momento que tocava "hey-ey-ey, like a girl gone wild, a good girl gone wild" foi quando ele passou por mim sorrindo e eu sorri em resposta,e ele falou baixinho: "Volto já!". Ele foi até o bar e comprou uma caipirinha em um copo de plástico, descartável. "Você está sozinho?", me perguntou e eu respondi que estava esperando meu amigo retornar do banheiro. "E o namorado, onde está?", eu ri da pergunta e disse que não tenho namorado. "Não acredito!", foi sua reação imediata, "Alguém como você, com certeza, tem namorado!". Eu ri alto, ele sorria do meu lado, um sorriso bonito que combinava com seu rosto e com a cara de safado que usava. Ele tinha o corpo fora de forma, não gordo, apenas fora de forma. E me convidou para acompanhá-lo de volta a pista de dança. Foi neste momento que eu lhe perguntei: "Você realmente não se lembra de mim?". Ele empalideceu e gaguejou uma resposta que nem ouvi. "Nós já ficamos uma vez e você nem lembra?". Enrubescido, notadamente envergonhado, gaguejando se afastou, se misturando as pessoas que dançavam na parte interna da boate.
III
Converso numa roda de conhecidos sobre o coral que faço parte, e me afastou para apagar no cinzeiro de vidro sobre a mesa o cigarro Lucky Strike que tenho entre os dedos. É quando um menino de regata branca me chama para outro grupo. "Posso te apresentar um amigo?". Consenti e ele me apresentou um menino negro, de cabelo raspado na lateral e alisado com algum produto químico, vestido uma camisa Cyclone. Conversamos um pouco, até o Miguel se aproximar trazendo uma lata de cerveja para mim e eu pedir licença porque precisava ir ao banheiro. Foi quando meu amigo, após sua quarta caipirinha, falou para o menino: "Mas não se preocupe que quando ele diz isso é porque ele não vai voltar". Eu me virei chocado. O menino também estava surpreendido, mas se recuperou rápido e foi o primeiro a falar: "Tudo bem, não tem problema. Foi um prazer te conhecer". Eu tentei negar que este não era o meu objetivo, eu realmente pretendia ir apenas até o banheiro e voltar. Ele então estendeu sua mão para mim que eu apertei e ele disse: "Se você voltar, de qualquer forma, vai ficar parecendo que fez isso somente para provar que seu amigo estava errado, então... vamos manter assim? Foi um prazer!". Eu senti minhas bochechas ficarem rubras e fuzilei o Miguel com o olhar, que brincava inocentemente com o canudo do seu copo, girando as pedras de gelo. "Desculpe meu amigo, então...". Ele sorriu e voltou a seus amigos, foi quando puxei o Miguel. "Como você faz uma coisa dessas?". Ele revirou os olhos, bebeu um gole de sua caipirinha e falou: "Se ele tivesse um pouco mais de atitude tinha era te beijado naquela hora", eu continuava o olhando incrédulo, "e eu bem sei que você não ficaria com ele, muito feio!".
IV
V
Ele é lindo. Achei desde o primeiro momento, a descendência árabe da-lhe um charme especial e a inteligência de quem estuda questões de gênero e pesquisa o meio ursino entre os gay me chamaram bastante atenção. Neste mesmo dia ele me pediu um beijo e não vi motivos para negar-lhe, até ele terminar, e me dar uma nota. "Oito!", disse, e eu o olhei sem entender, ele sorriu como uma criança que brinca com a própria comida, "É que estou dando notas para os beijos hoje. O seu é bom, mas não perfeito!". Eu sorri, mantive a pose, apesar da minha vontade de espalmar meus dedos naquele rosto coberto por uma barba espessa. Naquela noite ele passou por mim e me enlaçou a cintura, me puxou e já pretendia um beijo, quando eu parei e disse não. Ele ficou surpreso! Olhava-me de olhos arregalados quando eu expliquei: "É que eu não quero ser avaliado hoje não!".
V
Os amigos dançam juntos quando um conhecido, de muito tempo, Caelus, me cumprimenta. Pergunta se voltei de vez para Natal e sobre os nossos antigos amigos em comum. Conto-lhe que não tenho mais nenhum contato com eles. "Por culpa do Fê, não é?". Eu arregalei os olhos, mas concordei. "Eu nunca gostei daquele menino, de verdade!". E ele conta porque não gostava de nosso antigo amigo em comum, e não deixo de demonstrar que suas palavras me surpreendiam. É quando o Miguel se aproxima, novamente, e eu apresento os dois, o Caelus, no entanto, se aproxima de mim e se deixa abraçar e eu, inocentemente, envolvo sua cintura com meu abraço e pouso minha mão na bunda linda dele. Ele não se incomoda e continuamos conversando. É quando eu lembro que preciso pegar o telefone de um amigo que está mais a frente porque ele decidiu participar do coral e eu vou precisar conversar com ele. Peço licença e deixo Caelus conversando com o Miguel quando me aproximo do meu amigo e peço-lhe o telefone. Troco mais algumas palavras com ele, enquanto uma go-go girl tira a roupa em cima do palco sob os olhos atentos de um dj que babava sobre ela. Foi quando retornei para perto do Caelus e Miguel e o primeiro dirigiu-se, sem alterar a voz e sempre com um sorriso no rosto meio irônico, a mim, dizendo: "Como assim você sai de perto de mim p'ra pegar o telefone de outro?". Eu me surpreendi e tentava responder que era meu amigo. "Me deixou aqui sozinho com alguém que eu nem conheço". Eu tentava me desculpar, mas ele mantinha um sorriso que me fazia achar que aquilo tudo não passava de uma brincadeira. "Preciso ir...", ele falou e saiu andando. Tentei segurá-lo, mas ele não quis ficar e quando eu o procurei, novamente, não o encontrei mais, dado a boate estar tão lotada. Foi quando só me restou me xingar: idiota, idiota, idiota!