Começar pela Mesopotâmia faz um certo sentido. Pelo menos para mim. É no vale dos rios Tigre e Eufrates, acreditam os historiadores, que o homem abandonou as suas migrações constantes e se fixou, finalmente, para formar aquilo que chamamos de cidade hoje. Todavia não estamos com isso afirmando que as relações homoeróticas não existiam antes da invenção da cidade, contudo, infelizmente não existem registros históricos que nos permitam localiza-los e reconhece-los. É exatamente a invenção mesopotâmica da escrita, fruto de uma necessidade da própria cidade, que permite que encontremos registros históricos de relações homoeróticas. Podemos inclusive mencionar o poema épico, a Epopeia de Gilgamesh.
A Epopeia de Gilgamesh é um poema sumério, para ser mais preciso. Um dos grupos étnicos que habitavam a Mesopotâmia, sobretudo no sul da região, a Suméria. A atual forma do poema é oriunda de uma copilação de poemas em torno do rei-herói Gilgamesh reunidas pelo rei Assurbanipal, entre os séculos VIII e VII a.C. As narrativas contidas na epopeia deviam ser muito populares, sendo que as primeiras versões datam ainda do Período Babilônico Antigo (2000-1600 a.C). E giram em torno da relação entre Gilgamesh (um rei lendário, o quinto rei de Uruk, da primeira dinastia após o Dilúvio, e teria vivido entre 2750 e 2600 a.C.) e Enkidu, um homem criado pelos deuses como um equivalente ao rei-herói, para distraí-lo e evitar que o herói oprimisse os moradores da cidade, que estavam descontentes com a arrogância e a luxúria do rei. O amor, então, entre o herói e o homem é a matéria do livro mais antigo da literatura mundial.
Enkidu é então criado pela deusa Aruru do barro e feito a imagem e semelhança de Anu, o grande deus sumério. Ele é criado inocente, vivendo nu, entre os animais, longe da malícia da civilização. Ao saber da existência de tal homem, o rei incubiu uma das prostitutas sagradas do templo de Ishtar, a deusa do amor, a seduzir Enkidu e trazê-lo para a cidade. Seduzido, o inocente Enkidu tornou-se conhecedor da malícia do ser humano e "perdera sua força pois agora tinha o conhecimento dentro de si, e os pensamentos do homem ocupavam o seu coração".
O livro começa com o clamor do povo de Uruk no qual se conta que a luxúria de Gilgamesh não poupa uma só virgem, nem a filha do guerreiro, nem a esposa do nobre, para evitar então isso que Enkidu é criado, e ao sonhar com ele, é assim que o rei-herói toma consciência da existência de Enkidu, o rei diz que este exercia sobre ele uma atração semelhante ao que exerce o amor de uma mulher. No capítulo I, fala a mãe de Gilgamesh, a deusa Aruru, decifrando-lhe o sonho: "Esta estrela do céu que caiu como um meteoro (...); eu a criei para ti, para estimular-te como um aguilhão e te sentiste atraído como que por uma mulher. Ele é um forte companheiro, alguém que ajuda o amigo nas horas de necessidade (...). Ficarás feliz em encontrá-lo; vais ama-lo como uma mulher e ele jamais te abandonará".
Após o encontro e a imediata paixão que ambos sentem, Gilgamesh e Enkidu vivem uma série de aventuras que passam a desagradar os deuses, e como castigo a vida dada a Enkidu é retirada. O lamento deste é comovente no capítulo III: "Enkidu jazia estendido diante do amante. Suas lágrimas vertiam copiosamente e ele disse a Gilgamesh: Oh, meu amado, és tão querido por mim e eles no entanto vão tirar-me de ti. Ele tornou a falar: Devo sentar-me a entrada da casa dos mortos e jamais tornar a ver com meus olhos meu querido irmão". Com a morte, momento decisivo na epopeia, após uma canção (que deveria ser repetida por poetas em todas as cidades sumérias) em que o rei lamenta a morte do amado nas seguintes palavras: "ouvi-me homens ilustres de Uruk, choro por Enkidu, meu amado, com lágrimas pungentes de mulher aflita, choro por meu irmão, Enkidu, meu companheiro (...)", sai Gilgamesh em busca da imortalidade, isto é, o rei busca tornar-se um deus, procurando a ajuda de Utnapishtim, o único homem a sobreviver ao dilúvio graças a intervenção do deus Ea, que ordenou-lhe que construísse um barco onde ele deveria salvar os seres viventes.
É, definitivamente após a morte de Enkidu, que as demonstrações do afeto de Gilgamesh por ele aumentam. No capítulo III ainda, temos a seguinte narração: "Gilgamesh tocou o coração de Enkidu, mas ele já não batia, seus olhos também não tornaram a abrir. Gilgamesh então cobriu o corpo do amigo com um véu, como o noivo cobre a noiva. E pôs-se a urrar, a desabar sua fúria como um leão, como uma leoa cujos filhotes foram roubados. Vagueou em torno da cama, arrancou seus cabelos e os espalhou por toda parte. Arrancou os magníficos mantos e atirou ao chão como se fossem abominações". No capítulo 4, o rei-herói diz: "Chorei por ele dia e noite e me recusava a entregar seu corpo ao funeral. Pensei que meu pranto fosse trazê-lo de volta. Desde sua partida minha vida deixou de ter sentido".
É o amor do rei sumério pelo seu companheiro, amor este forte o bastante para fazê-lo desafiar os deuses, a matéria do primeiro livro já escrito, contudo, não podemos considerar que em toda Mesopotâmia os relacionamentos homoeróticos tivessem o mesmo valor que a capital cosmopolita suméria. Mas isso fica para o próximo texto.
Enkidu é então criado pela deusa Aruru do barro e feito a imagem e semelhança de Anu, o grande deus sumério. Ele é criado inocente, vivendo nu, entre os animais, longe da malícia da civilização. Ao saber da existência de tal homem, o rei incubiu uma das prostitutas sagradas do templo de Ishtar, a deusa do amor, a seduzir Enkidu e trazê-lo para a cidade. Seduzido, o inocente Enkidu tornou-se conhecedor da malícia do ser humano e "perdera sua força pois agora tinha o conhecimento dentro de si, e os pensamentos do homem ocupavam o seu coração".
O livro começa com o clamor do povo de Uruk no qual se conta que a luxúria de Gilgamesh não poupa uma só virgem, nem a filha do guerreiro, nem a esposa do nobre, para evitar então isso que Enkidu é criado, e ao sonhar com ele, é assim que o rei-herói toma consciência da existência de Enkidu, o rei diz que este exercia sobre ele uma atração semelhante ao que exerce o amor de uma mulher. No capítulo I, fala a mãe de Gilgamesh, a deusa Aruru, decifrando-lhe o sonho: "Esta estrela do céu que caiu como um meteoro (...); eu a criei para ti, para estimular-te como um aguilhão e te sentiste atraído como que por uma mulher. Ele é um forte companheiro, alguém que ajuda o amigo nas horas de necessidade (...). Ficarás feliz em encontrá-lo; vais ama-lo como uma mulher e ele jamais te abandonará".
Após o encontro e a imediata paixão que ambos sentem, Gilgamesh e Enkidu vivem uma série de aventuras que passam a desagradar os deuses, e como castigo a vida dada a Enkidu é retirada. O lamento deste é comovente no capítulo III: "Enkidu jazia estendido diante do amante. Suas lágrimas vertiam copiosamente e ele disse a Gilgamesh: Oh, meu amado, és tão querido por mim e eles no entanto vão tirar-me de ti. Ele tornou a falar: Devo sentar-me a entrada da casa dos mortos e jamais tornar a ver com meus olhos meu querido irmão". Com a morte, momento decisivo na epopeia, após uma canção (que deveria ser repetida por poetas em todas as cidades sumérias) em que o rei lamenta a morte do amado nas seguintes palavras: "ouvi-me homens ilustres de Uruk, choro por Enkidu, meu amado, com lágrimas pungentes de mulher aflita, choro por meu irmão, Enkidu, meu companheiro (...)", sai Gilgamesh em busca da imortalidade, isto é, o rei busca tornar-se um deus, procurando a ajuda de Utnapishtim, o único homem a sobreviver ao dilúvio graças a intervenção do deus Ea, que ordenou-lhe que construísse um barco onde ele deveria salvar os seres viventes.
É, definitivamente após a morte de Enkidu, que as demonstrações do afeto de Gilgamesh por ele aumentam. No capítulo III ainda, temos a seguinte narração: "Gilgamesh tocou o coração de Enkidu, mas ele já não batia, seus olhos também não tornaram a abrir. Gilgamesh então cobriu o corpo do amigo com um véu, como o noivo cobre a noiva. E pôs-se a urrar, a desabar sua fúria como um leão, como uma leoa cujos filhotes foram roubados. Vagueou em torno da cama, arrancou seus cabelos e os espalhou por toda parte. Arrancou os magníficos mantos e atirou ao chão como se fossem abominações". No capítulo 4, o rei-herói diz: "Chorei por ele dia e noite e me recusava a entregar seu corpo ao funeral. Pensei que meu pranto fosse trazê-lo de volta. Desde sua partida minha vida deixou de ter sentido".
É o amor do rei sumério pelo seu companheiro, amor este forte o bastante para fazê-lo desafiar os deuses, a matéria do primeiro livro já escrito, contudo, não podemos considerar que em toda Mesopotâmia os relacionamentos homoeróticos tivessem o mesmo valor que a capital cosmopolita suméria. Mas isso fica para o próximo texto.