Google+ Estórias Do Mundo: agosto 2011

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Mesopotâmia: Os Servos de Ishtar

, em Belo Horizonte - MG, Brasil



A prostituição sagrada era comum em quase todo o mundo antigo, com raras exceções, mas é importante lembrar que esta é um tipo de sacerdócio, ou um tipo de rito durante o sacerdócio, e não necessariamente um elemento econômico, voltado ao sustento do templo ou do/a prostituto/a. O sacerdote, homem ou mulher, também neste caso, vive dentro do templo, os lugares consagrados a um deus ou uma deusa, onde realizam o rito. Nos templos de Ishtar, por exemplo, deusa lunar da vida e do amor mesopotâmica, chamada na Bíblia de "grande prostituta da Babilônia", pois era na grande cidade de Babel em que os templos de Ishtar estavam colocados, a prostituição sagrada era um rito que permitia a ligação direta dos homens com a deusa, os prostitutos e prostitutas eram "os veículos de sua vida criativa em sua união sexual com os homens que vieram lá para realizar um ritual sagrado", nas palavras de A. T. Mann e Jane Lyle.
As prostitutas sagradas de Ishtar pertenciam a uma hierarquia organizada, meticulosamente gravados pelos babilônios em suas tábuas de argila. Seu alto escalão sacerdotisas eram chamadas de entu, e usavam roupas especiais para distingui-las dos demais. Seus chapéus, jóias e servos eram os mesmas que as do governante, e seu status iguais aos de qualquer outro sacerdote do templo. As naditu, eram as próximas no ranking de importância. Saíam das maiores famílias (isto é, daquelas que possuíam mais terra) e dedicavam suas vidas à deusa, devendo permanecer solteiras e sem filhos. No entanto, as naditu alegremente ignoravam este limite, e levavam uma vida plena e ativa. Elas foram brilhantes e sagaz, com visão de negócios considerável: "Elas compravam, vendiam e alugavam; emprestavam dinheiro e trigo; investiam, importavam, exportavam, tratavam com escravos, conseguiam terras e do povo, seus claustros eram uma parte essencial na economia do país". Abaixo à elas, estavam as qadishtu e os qadesh (expressão idêntica usada na Bíblia significando "separado", "consagrado"). Estes últimos eram os homens que se prostituíam em homenagem a deusa. Além destes haviam os ishtaritu, homens e mulheres que eram especializados nas artes da dança, música e canto. Uma curiosidade é que a partir de fragmentos de informações na literatura clássica, e certos artefatos, é possível supor que estas dançarinas que teriam criado uma versão da dança do ventre, ondulante, como a que ainda é extremamente popular em todo o Oriente Médio. 
Os dois grupos finais (qadishtu-qadesh e ishtaritu), normalmente, eram formados por escravos e, não obstante a renda obtida com seus serviços servir para manter financeiramente o templo, seja por causa da prostituição, seja alugando os serviços artísticos, seu trabalho ainda era basicamente ritual. Os dois primeiros grupos (entu e naditu) eram mais voltadas para os casamentos cerimoniais entre o rei e a deusa que garantiam a fertilidade dos campos, a riqueza do país, entre outras. Os qadishtu e qadesh já se voltavam para os ritos pessoais, e fazer sexo com o sacerdote ou sacerdotisa significava uma ligação direta com a própria deusa e, portanto, garantia que esta atendesse qualquer que fosse o pedido que o fiel fazia ali. Em termos cristãos, é o pagamento antecipado de uma promessa.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

ESPECIAL RIO DE JANEIRO: Ultra Love Cats

, em Niterói - RJ, Brasil
Bruno havia decidido comemorar seu aniversário em três festas em um fim de semana. Sexta, sábado e domingo. No sábado, dia que cheguei ao Rio de Janeiro, seria o dia da Ultra Love Cats, a ULC, na Fosfobox, uma pequena boate em Copacabana. Pequena mesmo, fica em um porão ao qual você tem acesso por três lances de escada o qual, no verão, deve ser um forno. A entrada é uma porta estreita que divide a calçada com o cercado que cria a área aberta aos fumantes. Ao contar, aos blogayroz cariocas que eu estava indo até lá, porém, despertei reações nada simpáticas em todos. E, chegando lá, após cervejas em um bar ao lado do clube, observando a fila que basicamente só crescia e as pessoas que apareciam na área de fumantes, eu entendi as criticas. 
Naquela fila, em todo o público da boate, me arrisco a dizer, não havia ninguém com mais de 25 anos. Todos, meninos e meninas, ainda adolescentes e vestidos exatamente iguais com suas camisas xadrez, calças skinny e tênis de cano alto, intolerantes com aqueles que são diferentes do grupo. Adolescentes, obviamente, a psicologia explica, e, portanto, incapazes de ir contra o grupo. Mas se você perguntasse a qualquer um deles, com certeza a resposta envolveria palavras como "personalidade" e "moderno". Tudo uma questão de maturidade, claro!, os quais eles não tem culpa, contudo o bastante para alguém como eu, aos 30 anos e ostentando fios grisalhos na barba, me sentir um peixe fora d'água.
Já a música mantinha-se sempre no pop chatinho da Britney e da Lady Gaga, sem novidades, mas, sobretudo, sem correr o risco de algum deles possa vir a gostar de qualquer coisa que seja considerado diferente e com isso romper a frágil relação que estes têm dentro do grupo. A questão (adolescente devo dizer) mantém-se na inabilidade inata de destacar-se como original, pois a preocupação aqui ainda é integrar-se ao grupo, ao bando. As críticas a ULC demonstraram-se acertadas, mas foi um refresco na cena Indie Rock que eu estava exposto em BH (... oh, wait!).


PS: Esse layout novo no blog é o começo das comemorações de aniversário. Preparem-se para as novidades.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

A Vítima Ou O Gostoso?

, em Belo Horizonte - MG, Brasil
Sempre sou criticado, no MSN, no Facebook, no Twitter, aqui no blog, em suma, no meio virtual, como alguém que sempre oscila entre ser o coitadinho, que está sempre sozinho, que nunca encontra ninguém para namorar, e o gostoso que vai lá e mostra a bunda e as pernas, que sai e na boate pega três, que beija quinze em um dia de carnaval. A crítica, me parece, que existe porque um, necessariamente, cancelaria o outro. Porque se eu sou o homem que aparece nessas fotos, eu nunca seria o pobre coitado que não faz sexo. Ledo engano, meu caros! Eu não faço sexo! Fiz sexo uma única vez este ano! Eu não tenho vida sexual! Não tenho! Sou gay que não faz sexo, ou melhor, sou um gostoso que não faz sexo (pronto, morreu uma fada agora?). E sim, mais uma coisa, eu não tenho o menor problema de auto-estima: eu me acho bonito, gostoso, inteligente e interessante, acho!, mas tenho a percepção, graças a minha inteligência, que a visão que eu tenho de mim não corresponde a que as outras pessoas têm, dado ao fato que eu sempre estou solteiro. Desculpem-me todos aqueles que acreditam que basta você se amar e se valorizar que alguém vai ver isso em você. Mentira! Balela!
Um problema que os meus leitores, as pessoas que convivem comigo virtualmente, não entendem é que, por causa desse filtro da tela do computador, eu não sou responsável por vocês criarem uma imagem de vítima ou de gostoso de mim. O responsável por isso são vocês mesmos! Quando vocês leem um post em que eu pego tantos em uma boate e criam uma imagem de gostoso-pegador, a responsabilidade é unicamente de vocês, é sua interpretação do texto; quando eu mostro que apesar disso eu também sinto solidão, no post seguinte, e vocês apagam/esquecem o post mais antigo para substituir a imagem por um novo FOXX coitadinho, esse processo é de responsabilidade apenas de vocês como leitores. Não cabe a mim, aqui neste blog, prever a chave-de-leitura que vocês vão criar. Não pretendo aqui criar um personagem. Eu não sou nem A vítima, nem sou O gostoso. Não sou um ou outro. Não sou tão simples, tão estático. Eu sou os dois, ao mesmo tempo, porque sou vivo, complexo e, sobretudo, verdadeiro em cada palavra que coloco aqui. Novamente não cabe a mim decidir se você vai gostar do que lerá no Estórias do Mundo, cabe unicamente a você, meu caríssimo leitor.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

ESPECIAL RIO DE JANEIRO: Asfalto Escuro

, em Niterói - RJ, Brasil
O corpo estava estendido no asfalto escuro. Havia cérebro espalhado por toda rua. Branco, contrastando com a escuridão do asfalto. O vestido daquela falsa loira estava levantado. Sua bunda exposta, a calcinha delicada. Seu cabelo, cacheado e visivelmente tingido estava encharcado de sangue. Os olhos esbugalhados. Caíra da moto, que dividia com outra loira idêntica a ela, que usava uma sandália gladiador, que agora gritava com um celular ao ouvido, e um homem baixo e de cabeça raspada, que tentava contê-la. Eram três na moto que se chocou com a parede lateral do ônibus. Ela caiu, e de dentro do ônibus se sentiu que o veículo passara por cima de algo. Foi uma menina de óculos e cabelo curto que gritou: "O ônibus passou por cima da cabeça dela! Ela 'tá morta! Ela 'tá morta!". A morte a alcançara numa tolice. Bêbados, num sábado pela manhã. Num erro. Um péssimo cálculo de probabilidades, afinal todos acreditam que nunca aconteceriam com eles. Mas agora a outra loira, que gritava e chorava, com um vestido curto e justo, penava com a morte daquela outra tão parecida com ela. O cobrador do ônibus repetia nervoso: "Alguém tem que ficar como testemunha! Como testemunha!". O homem baixo e de cabeça raspada levava a mão constantemente a cabeça, com um olhar vidrado, de quem se acreditava dentro de um pesadelo. Alguns passageiros do ônibus olhavam a cena surpreendidos, outros visivelmente enojados, alguns emocionados. Aquela morte, inesperada no sábado pela manhã, tocara a vida de todos aqueles que foram envolvidos. Envolvidos aleatoriamente, simplesmente por estarem dentro do ônibus, passando pela rua, parados em frente a seus trabalhos. Aquela menina, de cabelos tingidos, cujo o corpo continuava la, tocara a vida de todos eles, estendida no asfalto, naquela manhã de sábado, em uma rua de Niterói.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Diferentes

, em Belo Horizonte - MG, Brasil
Para  Beto.


Eles estavam sentados num sábado, a tarde. Quer dizer, na verdade, o mais novo, de pele morena estava deitado no sofá, com a cabeça no colo do outro, este sim estava sentado. Este outro era mais velho, branco, dez anos de diferença os separavam. Qualquer um que os observasse, repararia apenas nas diferenças. Os anos de idade eram óbvios, o contraste das peles também, até mesmo a pele lisa do mais novo, em oposição aos pêlos do mais velho, pêlos e barba. O mais novo também era mais magro, com aquelas barrigas que são naturalmente definidas, enquanto o mais velho sustentava, desde muitos anos, uma pequena barriga. Ele, o mais velho, estava sentado, zapeando os canais da tv, até que parou em um canal que exibia Grease, Olívia Newton-John e John Travolta cantavam Summer Nights. Foi nesse momento, que ele deixou o controle da televisão de lado, e sua mão pousou na cabeça do namorado ali deitado, ensaiando alguns cafuné. O mais novo fechou os olhos naquele momento. E quando abriu, lançou os olhos castanhos dentro dos olhos do namorado mais velho que ele. O mais velho disse-lhe então um eu te amo calmo, sem pressa, cotidiano, o mais novo sorriu em retribuição e sussurrou um eu te amo também. E naquele momento todas as diferenças que um observador veria desapareceram.



PS: Estarei no Rio de Janeiro a partir do dia 20 de agosto agora, fico por quatro dias. Quem quer me encontrar?

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Mesopotâmia: Os Abençoados de Inanna

, em Belo Horizonte - MG, Brasil




Uma lenda explica o motivo porque existiam homens efeminados no planeta, inclusive registrando como estes eram tratados tanto desde o seio da família, como pela sociedade mesopotâmica, não obstante serem considerados na cultura mesopotâmica como seres sagrados. Diz a lenda:

Asushunamir, o primeiro homem-mulher, ur-sal, foi criado/a por Enki para resgatar Inanna da Terra sem Retorno, Kur-Nu-Gia, o inferno. Inanna, rainha do céu, havia dado a Enki, o sábio, grandes presentes como a sabedoria, a justiça, o amor, as mulheres sagradas e os frutos da vinha. E para salva-la da morte, em retribuição, Enki consturiu com suas próprias mãos um/a belo/a homem/mulher chamado/a Asushunamir; ele/a que tem uma face radiante, e uma beleza estupenda, ele/a que se veste com estrelas, macho e fêmea, companheiro/a de Inanna, Asushunamir. 
O feitiço de Ereshkigal, a rainha da morte, não podia possuir alguém vestido/a de luz. Alguém que não era nem homem, nem mulher. Ereshikigal então ficou encantada pela beleza de Asushunamir, inclinada a ouvir sua voz, seduzida por sua dança. Ereshkigal então organizou um grande festim em sua honra, o melhor vinho, as melhores carnes, as mais suntuosas frutas. Ela sonhava em levar aquela beleza para sua própria cama, e mantê-la junto de si para sempre na Terra dos Mortos. 
Mas Asushunamir foi cuidadoso/a e não tocou no vinho e nem na comida feita pelos servos de Ereshkigal. Quando a rainha dos mortos perguntou porque ele/a não tocava no vinho, Asushunamir perguntou se ele/a poderia provar a água da vida, que era guardada numa jarra. Esta era a água que Enki havia avisado a Asushunamir que quando voltasse para o mundo dos vivos, deveria banhar-se nela, antes de atravessar os Sete Portões de Irkalla. Ereshkigal então ordenou: "Namtar, traga a jarra que contem a água da vida. Eu realizarei o desejo desta charmosa criatura".
Depois, quando Ereshkigal caiu no sono, Asushunamir encontrou Inanna, dormindo, na sua cela de cativa. Ele/a molhou a deusa com um pouco da água da vida, e levou-a em seus braços ainda adormecida e respirando como um bebê.
Ao Inanna atravessar os Sete Portões de Irkalla, acendendo a terra, a beleza brotou novamente no mundo, flores desabrocharam e a terra se cobriu de verde. As pessoas voltaram a cuidar dos campos, fazer vinho e fazer amor, dando banquetes, tudo em honra de Inanna. 
Asushunamir, no entanto, não teve tanta sorte. Ereshkigal acordou e o/a encontrou antes de atravessar o Sétimo Portão. E aí, nem sua beleza, charme, dança ou canções puderam evitar que a paixão da deusa da morte se tornasse ódio.
"Tua comida será servida num estábulo, mil vezes", amaldiçoou Ereshkigal, "A água do esgoto será sua bebida. Nas sombras você habitará, desprezado/a e odiado/a pelo seu próprio povo". E pronunciada a maldição, Ereshkigal o/a baniu. 
Quando Inanna descobriu sobre a maldição colocada em Asushunamir, ela falou-lhe palavras doces no ouvido: "O poder de Ereskigal é grande. Ninguém ousa desafia-la. Mas eu tenho meios de suavizar sua maldição, como a primavera chega para banir o inverno. Aqueles que são como você, meus Assinnu e Kalum e Kugarru e Kalaturru, amantes dos homens, parentes de minhas mulheres sagradas, serão desconhecido em seus própria casa. Suas famílias mantê-los-ão nas sombras e não lhes deixarão nada. O bêbedo os imitara, e o poderoso encarcerar-los-á. Mas se você se recorda, como você era nascido da luz das estrelas para me conservar, e através de mim a terra, da escuridão e da morte, a seguir eu abrigarei e a todos do seu tipo. Você será minhas crianças favorecidas, e eu far-lhe-ei meus sacerdotes. Eu conceder-lhe-ei o presente da profecia, a sabedoria da terra e a lua e todos que governa, e você afastará a doença de minhas crianças, exatamente como você me salvou das embreagens de Ereshkigal. E você se vestirá com meus vestidos, e dançará em seus pés e cantará com sua garganta. Nenhum homem será capaz de resistir aos seus encantos. Quando os jarros de barro forem trazidos de Irkalla, os leões pularão nos desertos, e você será livrado da maldição de Ereshkigal, a rainha da morte. Você será chamado uma vez mais, Asushunamir, ser vestido na luz. Seu tipo será chamado aqueles cujas as caras são brilhantes, aqueles que vieram renovar a luz, abençoado de Inanna.

No culto, Asushunamir era sempre representado por uma espécie de ator chamado assinnu. Ann Kessler descreve estes atores como personagens que aparecem em uma variedade de fontes da Mesopotâmia, pertencente ao culto de Innana e que distinguiam-se pelo vestido, penteado e apetrechos femininos. Diversamente travesti, um hermafrodita ou eunuco, o assinnu é uma figura ambígua de transgressivo ou, talvez, até mesmo de gênero mutável e sexualidade evidente. A palavra assinnu tem a mesma origem que o nome do deus e esta ligada a ideia de ur-sal, homem-mulher, de pessoa que pode se deslocar entre os dois gêneros.  

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Retorno de Saturno

, em Belo Horizonte - MG, Brasil
"Perdi vinte em vinte nove amizades 
por conta de uma pedra em minhas mãos"

Sim, perdi.
Neste ano, desde que fiz 29, talvez graças ao retorno de Saturno, minha vida se desestabilizou completamente. Processo este que começou aos 27 quando vim morara em Belo Horizonte. Explica a astrologia (e essa é a melhor, ou a única, explicação que tenho) que entre 27 e 29 anos Saturno completa uma volta em torno do Sol, é quando ele se aproxima do ponto exato que estava quando do seu nascimento que tudo que você tem por garantido é chacoalhado até as fundações. A ideia é que aquilo que se mantiver de pé é aquilo com o qual você poderá contar no novo ciclo de mais vinte e nove anos.
Foi exatamente o que me aconteceu nestes últimos anos, sobretudo neste último. Tudo o que eu tinha por garantido, tudo o que eu achava que possuía, foi vibrantemente desolado e transformado em pó. Quase nada resistiu. E eu me vi, desesperado, implorando por ajuda. E pedi. Ah, como pedi por ajuda. Contudo, os ditos amigos, aqueles que eu podia recorrer, me faltaram. Não que eles sumiram, de repente, se afastaram aos poucos, se afirmando cansados, exaustos, de tentar ajudar e não conseguir. Eles avisaram, é um fato. Mas, um por um, me abandonaram, desaparecendo de minha vida, repetindo que é impossível ficar do lado de alguém tão negativo. Eu me vi sozinho.
E eu os entendo. Realmente os entendo. Mas quem disse que neste processo eu podia simplesmente esquecer tudo o que se passava e sorrir? Eu não podia, eu ainda não posso. Não obstante, eu não nego, a pedra cantada por Renato Russo realmente estava em minhas mãos, mas um bom amigo teria ficado ao meu lado mesmo assim. Porque é assim que amigos verdadeiros agem, eles estão ao seu lado "na alegria e na tristeza". Porque era tudo o que eu precisava neste último ano, sobretudo, um bom amigo. Contudo, por outro lado, voltando a astrologia, o retorno de Saturno é uma época em que tudo o que é falso e ruim na sua vida é afastado, para dar espaço ao novo, para que você renasça das cinzas. Neste ponto, o afastamento destes amigos que se "cansaram de mim" torna-se um favor que eles me prestaram e só reforça a qualidade dos únicos que ficaram. Por isso eu agradeço aos únicos que permaneceram, Bê e Bruno. Muito obrigado!

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Feliz Trinta (Péssimos) Anos

, em Belo Horizonte - MG, Brasil



São trinta anos. Trinta! Três décadas. São trinta anos, são trinta péssimos anos. São trinta anos dos quais sobrevivi. Sobrevivi a pais que me consideravam doente, a surras constantes do meu pai e humilhações da minha mãe. Sobrevivi ao desprezo dos meus irmãos durante trinta anos. À vergonha que eles sentiam de mim e até a ameaça de morte de um deles. Eu sobrevivi ao bullying na escola e à solidão da falta de amigos. Eu sobrevivi às pessoas que se aproximaram porque queriam algo de mim e quando conseguiam me jogavam fora. Eu sobrevivi à homofobia dentro da faculdade, ao preconceito que me impedia de conseguir empregos, à falta de respeito que os meus alunos tinham ao ver um professor "bichinha" dentro da sala, e consegui sempre ganhar-lhes o respeito. Eu sobrevivi aos mais de seiscentos homens com os quais já fiz sexo, homens estes que com certeza não lembram mais de mim. Eu sobrevivi. Sobrevivi à morte e o esfacelamento de todos os meus sonhos, um por um, mas sobrevivi. Sobrevivi nestes trinta péssimos anos, sobrevivi e superei tudo isso.
Superei o preconceito dos meus pais e entendi que não passava de uma ignorância que não quer dizer que eles não me amem, eles somente não aprenderam a lidar com o diferente. Uma falha do sistema de ensino. Não posso culpá-los. Eu superei o desprezo dos meus irmãos e aprendi a  ter orgulho de mim mesmo, porque se eles não conseguem enxergar que só tem motivos para se orgulhar do irmão "bichinha" (percebi isso quando passei no vestibular, o primeiro em toda família, e depois concursos, mestrado e doutorado, também sempre o primeiro na família), eles que não merecem me chamar de irmão. Eu também superei o bullying na escola, o qual me fazia ter medo até de sair de casa, e aprendi que todo aquele preconceito, cada palavra de ódio jogada na minha cara me tornaram o homem que sou hoje, aquele que sai de casa de cabeça erguida, que nunca abaixa os olhos quando se vê discriminado, e que se necessário sai no braço sim. Eu superei a homofobia dos outros também, quando finalmente superei a minha. Quando me aceitei como gay, como efeminado, me aceitei completamente, e quando finalmente assinei o atestado de foda-se para todos, o respeito veio imediatamente, porque você não recebe respeito quando você ainda acredita que está fazendo algo do qual deve se envergonhar. Eu também superei os aproveitadores, porque eu entendi que eu tenho milhões de qualidades e que mesmo os meus defeitos também me tornam único e especial, e se alguém precisa que eu lhes dê dinheiro para estar comigo, por exemplo, é porque esta pessoa não vale mesmo a pena. Também aprendi que amigos verdadeiros admiram você pelos seus defeitos e qualidades, e ter meus defeitos só tornam aquelas pessoas que se aproximam verdadeiramente ainda mais especiais. Eu superei também o sexo sem significado e, finalmente, entendi que eu também merecia o amor, e agora eu não corro mais o risco de contrair alguma doença em um acidente qualquer. Afinal quem fazia sexo com pelo menos três homens, praticamente desconhecidos, por semana, podia sim ter pego algo. Eu só não superei a solidão ainda, a solidão que me acompanha nesses trinta péssimos anos, mas pelo menos eu sobrevivi até agora, muitos não conseguem.


HOJE É MEU ANIVERSÁRIO.
10/08/1981 - 10/08/2011
30 ANOS

terça-feira, 9 de agosto de 2011

EXTRA, EXTRA, EXTRA: Ameaça Homofóbica

, em Belo Horizonte - MG, Brasil
Desculpem os meus leitores, mas como eu sofri essa ameaça homofófica, eu quero divulgar para que eu tenha testemunhas caso alguma coisa aconteça.

ATUALIZAÇÃO: Sim, fui na polícia, fiz um boletim de ocorrência e amanhã vou dar entrada no processo de investigação.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

"Orgulho De Ser Homem, Orgulho de Ser Mulher"

, em Belo Horizonte - MG, Brasil
São Paulo, a cidade da maior parada gay do mundo, também é, agora, também a única cidade a celebrar o dia do heterossexual. Como todos já devem saber, o ilustríssimo vereador Carlos Apolinário (DEM e evangélico, porque hoje ambos definem posições políticas) propôs ainda em 2005 um projeto de lei (PL 294/2005) para garantir, nas palavras dele, a manutenção dos bons costumes na sociedade paulistana, e agora teve o mesmo aprovado. Eu li a justificativa do projeto, com um aperto no peito, tanto pelo medo da homofobia que transbordavam daquelas palavras como pelo português sofrível com quais elas foram escritas, mas achei importante, mesmo assim, divulgar meus pensamentos aqui com vocês. 
Apolinário incia a justificativa do seu projeto afirmando que o ser humano tem como um dos seus direitos fundamentais o livre arbítrio "que abrange: escolha da profissão, lugar do domicílio, o estado civil e até mesmo suas preferências sexuais". Os problemas começam pelo primeiro parágrafo. O senhor vereador realmente acredita que todas as bichas e viados do planeta decidiram, um dia, vou virar gay e vou sofrer preconceito, não tenho nada mais divertido para fazer mesmo, não é? Preconceito este que ele duvida que exista, como ele mesmo diz: "Entretanto os homossexuais se dizendo discriminados ou perseguidos estão tentando aprovar leis que na realidade concedem a eles verdadeiros privilégios". O que na lógica dele faz sentido, ora. Se não existe preconceito nenhum contra os viados, as bicha, as sapatão, todos eles escolheram essa vida de pecado e luxúria apenas ou por serem pervertidos, no sentido freudiano da coisa, bem no sentido de gostar de sexo diferente do normal; ou por causa de uma modinha que uma hora vai passar. Ele arremata seu raciocínio sobre o preconceito com a argumentação para ele tão clara que ele destaca a oração sozinha como parágrafo, diz ele: "Os homossexuais dizem que são discriminados pela sociedade, quando na verdade são eles que discriminam aqueles que não concordam com suas opções sexuais". O problema, de fato, não é a homofobia, mas sim todos os crimes bárbaros que tem sido cometidos por gays, travestis e lésbicas contra heterossexuais.
Ele realmente acredita nisso e, portanto, baseia sua argumentação dali em diante na falácia de que tudo é apenas uma questão de etiqueta, isto é, de saber portar-se nos lugares. "Há pessoas que tem preferências sexuais fora dos padrões normais da sociedade, o que indubitavelmente está assegurado na Constituição Brasileira, mas poderiam manter seus relacionamentos dentro da discrição que norteia o convívio social". Em outras palavras, para Carlos Apolinário o problema não é ser gay, o direito de você gostar de dar a bunda você tem, afinal ele não é contra o que cada um faz na sua cama, como ele diz "porque não sou juiz do comportamento sexual de ninguém", contudo o vereador evangélico não pode concordar com "apologia ao homossexualismo" (a escolha de palavras é extremamente reveladora).
Essa "apologia" para ele é a permissão de, por exemplo, o beijo gay na TV. Diz o vereador: "Pergunto: É normal duas pessoas do mesmo sexo se beijarem em locais público ou na televisão?". Eu respondo: Não, não é! Bem que eu queria que fosse, mas hoje, neste século, não é. "Será que os homossexuais entende como direito à liberdade, (sic) dois bigodudos entrarem em um restaurante e ficarem se beijando sem  respeitar os demais clientes daquele estabelecimento (sic)"?. Sim, entendemos sim, entendemos que a liberdade de manifestações de afeto é imprescindível em uma sociedade livre e que, principalmente, o incômodo de ver "dois bigodudos" (adoro a escolha de palavras para uma justificativa de um projeto de lei) se beijando não é porque o ato é reprovável, é porque a educação dos outros clientes do estabelecimento deixou a desejar no quesito diversidade. Contudo, novamente reconhecendo que sua argumentação é auto-justificável, o vereador da cidade São Paulo diz: "Eles deveriam ter um comportamento adequado a nossa sociedade e deixar os beijos e afetos para os lugares reservados ou suas casas". Ele repete o que disse antes. Ele não tem nenhum problema do fato de que alguém seja gay, como explicou em várias entrevistas dizendo que seu cabeleireiro é gay, o problema, na opinião do ilustríssimo vereador, é que os gays querem frequentar ambientes públicos e sair do gueto a que foram confinados. Ele se pergunta, obviamente, quem lhes deu esse direito. O direito de ver a luz do sol. 
"Acontece que os homossexuais não se satisfazem com o anonimato e para chamarem atenção começam a exigir direitos que se quer (sic) os heteros têm". Como vocês veem, essa frase é definitivamente a mais carregada de significado no justificativa do projeto de lei, agora aprovado. Os homossexuais deviam ser anônimos, como eram até a década de 1980, aonde eles se esgueiravam escondidos pelas sombras da noite, mascarados para não serem reconhecidos a luz do dia, sem orgulho, com vergonha. Hoje o atrevimento homossexual chegou a tal ponto que eles tem a coragem de chamarem atenção sobre si mesmo. Que eles saem a luz do sol, aparecem na TV dizendo que são gays, sem vergonha, com orgulho. E, como sinal dos fins dos tempos, eles chegaram até a se organizar o bastante para exigir direitos. Para o vereador, isso só pode ser obra do anti-Cristo, tenho certeza. Mas eu realmente me pergunto, porque ele não cita nenhum, mas quais são os direitos ilustríssimo senhor Carlos Apolinário que os homossexuais exigem que os héteros "se quer" têm? Cite-me um! É um desafio! Casamento, HT done, proteção contra discriminação, HT done, direito de doar sangue, HT done. Cite-me um único que os héteros não tem?
Caminhando para a conclusão, o vereador escreve: "Quando os homossexuais aprenderem a respeitar a sociedade que é composta pelos seus pais, irmãos, familiares e amigos com certeza a sociedade também irá respeitá-los, pois aqueles que querem respeito devem agir de forma respeitosa". Tem dois problemas aqui. Um óbvio, outro nem tanto. Ele deixa bem claro que o problema das agressões sofridas pelos homossexuais, isto é, a falta de respeito com quais os gays, transexuais, travestis e lésbicas são tratadas em seu dia-a-dia é culpa dos próprios homossexuais. É como argumentar que a mulher que é estuprada é porque saiu usando roupas provocantes. O fato dos gays terem saído da sombra é a culpa dos ataques homofóbicos, não a homofobia. Se todos os gays continuassem escondidos em seus guetos, em suas casas, por trás de suas máscaras, dentro de seus armários, nenhum seria atacado por um grupo intolerante de heterossexuais. A culpa, gays, é de vocês mesmo, afirma Carlos Apolinário. No entanto, ao fim de sua justificativa, sem perceber, ele desmente o que afirmou nos primeiros parágrafos. Antes ele afirma que os homossexuais não são discriminados, eles que discriminam, contudo agora assume que a sociedade não respeita os homossexuais, isso se chama contradição, caro vereador, mas de qualquer forma não tem problema, não é?, afinal de qualquer forma as únicas bichinhas que são atacadas por aí são aquelas que provocam os seus agressores não?
"Propomos assim, o projeto de lei, que, no âmbito do Município de São Paulo, se oficialize esta data", o terceiro domingo de dezembro, que não por coincidência é o fim de semana anterior a data cristã máxima, o Natal, "como símbolo da luta pelo ORGULHO DE SER HOMEM E O ORGULHO DE SER MULHER". Eu gostaria de concluir informando que, primeiro, as letras garrafais são do próprio Carlos Apolinário, e segundo, esta informação vai diretamente para o vereador, gays e lésbicas não são menos homens ou mulheres do que heterossexuais, o que torna alguém homem ou mulher não é quem ela leva para a cama, ser HUMANO significa muito mais não permitir essa apologia ao ódio pelo diferente, o que, sem sombra de dúvidas é apenas o que esta lei municipal pode oferecer. Carlos Apolinário sem sombra de dúvida acredita piamente em suas próprias (e mal traçadas) palavras, no entanto, se ele tivesse aprendido o que é ser homem, duvido que ele teria orgulho de quem é agora. 

terça-feira, 2 de agosto de 2011

ESPECIALMENTE: O Que Você Faz Contra a Homofobia?

, em Berlim, Germany
Por Bê

Volta e meia, quando aparece alguma notícia de violência contra gays, preconceito por parte de pessoas famosas, ou qualquer tipo de homofobia, explodem nas redes sociais comentários indignados de todas as partes. Absurdo, nojo e outras palavras de ordem - e de ódio - pipocam no twitter, facebook, etc. Mas e na vida real, qual é a real situação em que as pessoas se encontram? Hoje eu comecei a me perguntar, sobre mim e sobre as pessoas que eu conheço, o que cada um faz contra a homofobia. Porque por trás de uma rede social, geralmente limitada a um número x de pessoas de um certo grupo y, por trás de pseudônimos ou nomes incompletos, é muito fácil dizer "eu sou gay" e se posicionar contra a homofobia. Mas e na vida real, e no dia a dia?
O que você faz contra a homofobia? Por exemplo, você se assume gay no seu trabalho? Argumentos agora virão contra mim dizendo "ah, é complicado assumir no trabalho, a área que eu trabalho é muito conservadora e etc." Mas peraí, isso não é um círculo vicioso? É complicado, então as pessoas não assumem, então fica mais complicado ainda, então mais pessoas não se assumem. Se você é Arquiteto, Designer, Publicitário, é mais fácil. Não estou sendo preconceituoso, só estou botando as claras que essas profissões (como outras tantas que não cito aqui) tem muitos gays assumidos, o que faz com que as pessoas tenham uma cabeça mais aberta para o assunto, possibilitando mais pessoas a se assumirem e o círculo vicioso - positivo - vai em frente. Minha opinião.
E na sua família, você se assume gay? E entre seus amigos, e perante a sociedade? "Ah, meus pais me sustentam, e se eu disser que sou gay eles me botam pra fora de casa…" Mas e quantas pessoas são postas pra fora de casa por assumirem aos pais que são gays, e os gays cibernéticos vem em sua defesa, dizendo que isso é um absurdo e coisa e tal? Você grita que é absurdo quando é com os outros, mas aceita o mesmo padrão de comportamento… E aos seus amigos? Você se assume frente a todos os seus amigos ou somente com aqueles que são "cabeça aberta"?  Somente naquele grupo de amigos gays e/ou gay-friendly?
Acho que o pior de todos os argumentos é "eu não falo da minha vida pessoal, independente de ser gay ou não." Ah, não, hipocrisia não. A enorme maioria não fala da vida pessoal porque a vida pessoal é gay. Se o cara tivesse uma namorada, aposto que a levaria pra festa da empresa, pro encontro da turma da faculdade… Mas já que é gay, "prefiro ser reservado quanto a minha vida pessoal." Isso sim é que me dá nojo, isso sim que eu considero absurdo - como todos dizem nas redes sociais quando aparecem notícias sobre homofobia. Isso é o que eu chamo de vergonha. Muitos, mas muitos gays que eu conheço tem vergonha de serem gays. Tem medo de serem gays. E o pior, sentem remorso de sua sexualidade. Uma vez perguntei para alguns amigos gays, caso pudessem nascer outra vez, se seriam novamente gays. Muitos responderam que não. Pois eu, se nascesse 497 vezes, 500 vezes eu seria gay novamente. Com muito orgulho.
Eu não levando bandeira, não xingo a homofobia abertamente no meu facebook, não estou em nenhuma ong, mas acho que eu estou fazendo a minha parte por um mundo menos homofónico. Sou gay assumido, assumido para tudo e para todos. Família, amigos, trabalho. Falo disso naturalmente, ando de mãos dadas com meu namorado na rua (em Berlin ou em BH), levo o companheiro para as festas de trabalho… E assim, eu mostro para as pessoas que ser gay é como gostar de carne ou de frango, ou de peixe, ou ser vegetariano. Nada demais, nada de menos, apenas mais uma coisa normal do dia a dia. Porque no final, ser gay é normal. Ou deveria ser. Porque se fosse normal, talvez não sofresse preconceito ou homofobia.
Mesmo de forma pequena, mesmo somente no meu mundo, eu estou fazendo a minha parte. E tem um ditado que diz: mude o seu mundo para mudar o mundo ao seu redor. Eu estou fazendo a minha parte. E você, está fazendo a sua? O que você faz contra a homofobia?