São Paulo, a cidade da maior parada gay do mundo, também é, agora, também a única cidade a celebrar o dia do heterossexual. Como todos já devem saber, o ilustríssimo vereador Carlos Apolinário (DEM e evangélico, porque hoje ambos definem posições políticas) propôs ainda em 2005 um projeto de lei (
PL 294/2005) para garantir, nas palavras dele, a manutenção dos bons costumes na sociedade paulistana, e agora teve o mesmo aprovado. Eu li a justificativa do projeto, com um aperto no peito, tanto pelo medo da homofobia que transbordavam daquelas palavras como pelo português sofrível com quais elas foram escritas, mas achei importante, mesmo assim, divulgar meus pensamentos aqui com vocês.
Apolinário incia a justificativa do seu projeto afirmando que o ser humano tem como um dos seus direitos fundamentais o livre arbítrio "que abrange: escolha da profissão, lugar do domicílio, o estado civil e até mesmo suas preferências sexuais". Os problemas começam pelo primeiro parágrafo. O senhor vereador realmente acredita que todas as bichas e viados do planeta decidiram, um dia, vou virar gay e vou sofrer preconceito, não tenho nada mais divertido para fazer mesmo, não é? Preconceito este que ele duvida que exista, como ele mesmo diz: "Entretanto os homossexuais se dizendo discriminados ou perseguidos estão tentando aprovar leis que na realidade concedem a eles verdadeiros privilégios". O que na lógica dele faz sentido, ora. Se não existe preconceito nenhum contra os viados, as bicha, as sapatão, todos eles escolheram essa vida de pecado e luxúria apenas ou por serem pervertidos, no sentido freudiano da coisa, bem no sentido de gostar de sexo diferente do normal; ou por causa de uma modinha que uma hora vai passar. Ele arremata seu raciocínio sobre o preconceito com a argumentação para ele tão clara que ele destaca a oração sozinha como parágrafo, diz ele: "Os homossexuais dizem que são discriminados pela sociedade, quando na verdade são eles que discriminam aqueles que não concordam com suas opções sexuais". O problema, de fato, não é a homofobia, mas sim todos os crimes bárbaros que tem sido cometidos por gays, travestis e lésbicas contra heterossexuais.
Ele realmente acredita nisso e, portanto, baseia sua argumentação dali em diante na falácia de que tudo é apenas uma questão de etiqueta, isto é, de saber portar-se nos lugares. "Há pessoas que tem preferências sexuais fora dos padrões normais da sociedade, o que indubitavelmente está assegurado na Constituição Brasileira, mas poderiam manter seus relacionamentos dentro da discrição que norteia o convívio social". Em outras palavras, para Carlos Apolinário o problema não é ser gay, o direito de você gostar de dar a bunda você tem, afinal ele não é contra o que cada um faz na sua cama, como ele diz "porque não sou juiz do comportamento sexual de ninguém", contudo o vereador evangélico não pode concordar com "apologia ao homossexualismo" (a escolha de palavras é extremamente reveladora).
Essa "apologia" para ele é a permissão de, por exemplo, o beijo gay na TV. Diz o vereador: "Pergunto: É normal duas pessoas do mesmo sexo se beijarem em locais público ou na televisão?". Eu respondo: Não, não é! Bem que eu queria que fosse, mas hoje, neste século, não é. "Será que os homossexuais entende como direito à liberdade, (sic) dois bigodudos entrarem em um restaurante e ficarem se beijando sem respeitar os demais clientes daquele estabelecimento (sic)"?. Sim, entendemos sim, entendemos que a liberdade de manifestações de afeto é imprescindível em uma sociedade livre e que, principalmente, o incômodo de ver "dois bigodudos" (adoro a escolha de palavras para uma justificativa de um projeto de lei) se beijando não é porque o ato é reprovável, é porque a educação dos outros clientes do estabelecimento deixou a desejar no quesito diversidade. Contudo, novamente reconhecendo que sua argumentação é auto-justificável, o vereador da cidade São Paulo diz: "Eles deveriam ter um comportamento adequado a nossa sociedade e deixar os beijos e afetos para os lugares reservados ou suas casas". Ele repete o que disse antes. Ele não tem nenhum problema do fato de que alguém seja gay, como explicou em várias entrevistas dizendo que seu cabeleireiro é gay, o problema, na opinião do ilustríssimo vereador, é que os gays querem frequentar ambientes públicos e sair do gueto a que foram confinados. Ele se pergunta, obviamente, quem lhes deu esse direito. O direito de ver a luz do sol.
"Acontece que os homossexuais não se satisfazem com o anonimato e para chamarem atenção começam a exigir direitos que se quer (sic) os heteros têm". Como vocês veem, essa frase é definitivamente a mais carregada de significado no justificativa do projeto de lei, agora aprovado. Os homossexuais deviam ser anônimos, como eram até a década de 1980, aonde eles se esgueiravam escondidos pelas sombras da noite, mascarados para não serem reconhecidos a luz do dia, sem orgulho, com vergonha. Hoje o atrevimento homossexual chegou a tal ponto que eles tem a coragem de chamarem atenção sobre si mesmo. Que eles saem a luz do sol, aparecem na TV dizendo que são gays, sem vergonha, com orgulho. E, como sinal dos fins dos tempos, eles chegaram até a se organizar o bastante para exigir direitos. Para o vereador, isso só pode ser obra do anti-Cristo, tenho certeza. Mas eu realmente me pergunto, porque ele não cita nenhum, mas quais são os direitos ilustríssimo senhor Carlos Apolinário que os homossexuais exigem que os héteros "se quer" têm? Cite-me um! É um desafio! Casamento, HT done, proteção contra discriminação, HT done, direito de doar sangue, HT done. Cite-me um único que os héteros não tem?
Caminhando para a conclusão, o vereador escreve: "Quando os homossexuais aprenderem a respeitar a sociedade que é composta pelos seus pais, irmãos, familiares e amigos com certeza a sociedade também irá respeitá-los, pois aqueles que querem respeito devem agir de forma respeitosa". Tem dois problemas aqui. Um óbvio, outro nem tanto. Ele deixa bem claro que o problema das agressões sofridas pelos homossexuais, isto é, a falta de respeito com quais os gays, transexuais, travestis e lésbicas são tratadas em seu dia-a-dia é culpa dos próprios homossexuais. É como argumentar que a mulher que é estuprada é porque saiu usando roupas provocantes. O fato dos gays terem saído da sombra é a culpa dos ataques homofóbicos, não a homofobia. Se todos os gays continuassem escondidos em seus guetos, em suas casas, por trás de suas máscaras, dentro de seus armários, nenhum seria atacado por um grupo intolerante de heterossexuais. A culpa, gays, é de vocês mesmo, afirma Carlos Apolinário. No entanto, ao fim de sua justificativa, sem perceber, ele desmente o que afirmou nos primeiros parágrafos. Antes ele afirma que os homossexuais não são discriminados, eles que discriminam, contudo agora assume que a sociedade não respeita os homossexuais, isso se chama contradição, caro vereador, mas de qualquer forma não tem problema, não é?, afinal de qualquer forma as únicas bichinhas que são atacadas por aí são aquelas que provocam os seus agressores não?
"Propomos assim, o projeto de lei, que, no âmbito do Município de São Paulo, se oficialize esta data", o terceiro domingo de dezembro, que não por coincidência é o fim de semana anterior a data cristã máxima, o Natal, "como símbolo da luta pelo ORGULHO DE SER HOMEM E O ORGULHO DE SER MULHER". Eu gostaria de concluir informando que, primeiro, as letras garrafais são do próprio Carlos Apolinário, e segundo, esta informação vai diretamente para o vereador, gays e lésbicas não são menos homens ou mulheres do que heterossexuais, o que torna alguém homem ou mulher não é quem ela leva para a cama, ser HUMANO significa muito mais não permitir essa apologia ao ódio pelo diferente, o que, sem sombra de dúvidas é apenas o que esta lei municipal pode oferecer. Carlos Apolinário sem sombra de dúvida acredita piamente em suas próprias (e mal traçadas) palavras, no entanto, se ele tivesse aprendido o que é ser homem, duvido que ele teria orgulho de quem é agora.