No início do mês de Março o Institito Geledés, uma organização não-governamental, publicou uma pesquisa sobre a violência motivada pelo preconceito no Brasil. Eles levantaram os 10 piores estados para ser negro, mulher e homossexual no Brasil. A pesquisa se deu relacionando os dados de diversos institutos federais como o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e outras ongs como o Grupo Gay da Bahia. O quadro formado é aterrador, porém nada surpreendente. O Norte e Nordeste do Brasil, apesar da imprensa sempre destacar os grandes centros como os locais mais perigosos para as minorias, são sem dúvida os campeões em violência, com exceção do Espírito Santo, que é o estado com mais crimes contra mulheres (a cada 100 mil mulheres, 11 são assassinadas) e o segundo em crimes motivados por racismo (a cada 100 mil negros, 65 morrem por racismo). Existem outros estados como Goias, que aparece nos mapas de racismo e de crimes contra a mulher, o Distrito Federal que amarga um sexto lugar em relação ao racismo, o Rio de Janeiro que está em décimo na mesma listagem, e o Mato Grosso que aparece na listagem como perigoso para mulheres e para homossexuais, mas todos os outros estados pertencem, no entanto, às regiões Norte e Nordeste. Como eu disse, nada surpreendente.
O Nordeste, região mãe do Brasil, é o berço da família tradicional brasileira. Foi aqui que gestamos nosso racismo à brasileira, nossa miscigenação entre senhores de engenho e escravas que evoluiu para o mito de uma democracia racial que, no fundo, sempre esperava que com o passar do tempo a população se tornasse cada vez mais branca; foi aqui que criamos senhorinhas casadoiras que enfeitavam salões com suas aulas de piano e nenhuma formação profissional, nosso machismo que relega as mulheres a um gineceu analfabetizado e a impossibilidade de ascensão profissional com exceção de profissões como enfermagem ou educação infantil, para as bem educadas (observação: todas as minhas tias são enfermeiras ou pedagogas), ou lavadeira, diarista ou puta para as mais pobres; e também é daqui o sistema de dominação machista que instituiu os amigos de pancada que rapidamente ascenderam para o troca-troca infantil, que todo homem nordestino faz porque "menino brinca com menino e menina brinca com menina", o qual se transforma rapidamente, na cabeça deste jovem educado neste tipo de sociedade, para o conceito de "Homem Que Faz Sexo Com Viadinhos", bem comum em todo o universo latino, mas característica importante da sexualidade masculina no Nordeste brasileiro.
Foi este mesmo Nordeste, com estes valores, que colonizou o Norte do país. São três grandes momentos de migração de nordestinos para a Amazônia, primeiro no século XIX, entre 1870 e 1900, por causa da descoberta dos seringais pelos ingleses; depois em 1940, estimulados por Getúlio Vargas e a corrida armamentista americana que também necessitava da borracha brasileira; e, por fim, em 1960, com a política da Ditadura Militar de "Integrar para não entregar" que rasgou a floresta com imensas rodovias, patrocinadas pela Ford americana, sobre sangue e suor nordestino. Estes homens foram para a floresta e deixaram lá os preconceitos que trouxeram consigo de suas terras de origem. A relação simbiótica entre a Amazônia e o Nordeste só é rompida com as recentes migrações, desde 1970, de fazendeiros da região Sul que têm ocupado o Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e alcançaram, acompanhando a ampliação da fronteira agrícola, a floresta tropical.
Contudo, quando falamos da população gay e os crimes cometidos motivados pela homofobia (seja contra gays ou não) se espalham por todo o país de forma democrática (para abusar da ironia). A pesquisa no entanto se detém somente aos assassinatos com motivação homofóbica, e não a qualquer crime de motivação homofóbica (como agressão verbal, discriminação, ameaça ou assédio moral, o que é um imenso problema de metodologia da pesquisa porque eles definiram errado o que é homofobia a priori) e todo o país se comporta igualmente. Segundo os dados da pesquisa, o ranking com os 10 estados mais perigosos para ser gay no Brasil são:
1) Pernambuco, com 34 homicídios em 2013.
2) São Paulo, com 29 homicídios.
3) Minas Gerais, com 25 homicídios.
4) Bahia, com 21 homicídios.
5) Rio de Janeiro, com 20 homicídios.
6) Paraíba, com 18 homicídios.
7) Mato Grosso, com 16 homicídios.
8) Paraná, com 15 homicídios.
9) Rio Grande do Norte, com 15 homicídios.
10) Alagoas, com 14 homicídios.
Os números parecem pequenos e são se pensarmos que a população de homossexuais em todo o Brasil é, estima-se, de 10% da população, o que daria por volta de 20 milhões (o que corresponde ao estado de Minas Gerais). A perda de 207 em um conjunto de 20 milhões é de 0,001%, contudo não falamos de objetos em um conjunto, mas de pessoas. O problema, de fato, é bem maior entre negros e mulheres no Norte e Nordeste, porém se lembrarmos que mesmo com países como Uganda que estabelecem pena de morte para homossexuais e países como a Rússia que proibiram "propaganda em prol de homossexuais", nós, o Brasil, somos o país que mais mata homossexuais no mundo - entre os 210 países do mundo, 40% dos assassinatos de homossexuais foram realizados no Brasil - isto se torna preocupante. Nós temos sim um problema. A violência brasileira (o crime, o tráfico, os assaltos e até mesmo o trânsito) matam mais do que as guerras civis que acontecem em países como Angola e Sérvia; e os assassinatos de motivação homofóbica no Brasil matam mais do que os países que definem que a homossexualidade é punível com pena de morte. Eu pergunto: o que nós temos de errado?
E não é o que nós temos de errado atacando lésbicas (ah, essa estatística não inclui estupros corretivos), gays e travestis (por falar nisso, eu conheço três que foram assassinados), mas o que nós temos de errado atacando outro ser humano e tirando-lhe a vida? O Brasil tem uma das maiores populações carceirarias do mundo (em 2010 havia cerca de 500 mil detentos, segundo o IBGE) e, ironicamente, em nosso país, somente 8% dos casos de homicídio são solucionados pela Polícia, mesmo com a maior parte dos assassinatos acontecerem entre pessoas que se conhecem (80% dos casos, segundo o Instituto Sou da Paz). Existe uma cultura brasileira, ainda, que resolver seus problemas através da morte do seu adversário é, simplesmente, admissível. Brigas de trânsito, discussões entre vizinhos, disputas entre jovens por namoradas, qualquer coisa é um motivo para sacar uma arma (um vizinho, quando eu era criança, uma vez sacou uma arma para que parássemos de jogar bola na frente da casa dele, o filho caçula dele matou uma desavença com a mesma arma anos mais tarde). Que espécie de país é este? Sempre repito que o Brasil é um país de brincadeira, que em algum momento alguém vai levantar e gritar "É brinks!" e vamos descobrir que nada disso é real, que o dinheiro roubado pelos políticos corruptos está guardado em algum lugar, que os assassinos e as vítimas são atores interpretando papeis, que as obras abandonadas estão funcionando atrás de um tapume com uma pintura super realista. Porque se o Brasil é um país sério, de verdade, gente, vamos fazer as malas e migrar para a Argentina porque o problema aqui é insolúvel! E, estrangeiro, não venha para a Copa, sua vida não vale este risco!