A complexidade das relações homoeróticas, como todas as relações humanas, inevitavelmente, levou à criação de obras poéticas imortalizando sentimentos conflitantes, não os sentimentos comuns no mundo contemporâneo de negação do desejo pela pessoa com o mesmo sexo, mas as situações de desejo e amor não correspondido que são frequentes em todo tipo de relacionamento amoroso humano. Ruan Ji, que viveu entre 210 e 263 d.C., amante de Xi Kang, foi um dos poetas mais famosos ao aplicar o pincel com um tema homoerótico. Sua principal obra, O Terraço de Jade, configura uma coleção de poesias de amor em que o tema homoerótico perpassa boa parte delas e ilustra muito bem a realidade vivida pelos homens chineses da Antiguidade. Rhuan Ji saca um arquivo de imagens com os quais os homens de seu tempo poderiam desenhar, conceituar e descrever o amor por outro homem. Vejamos um trecho de sua poesia:
Nos dias de idade, havia muitos meninos em flor -
Um Ling e Long Yang
deslumbrante com brilho glorioso.
Alegre como noves primaveras;
Flexivelmente foi como se inclinou até ao outono de geada.
Olhares errantes deu origem a belas seduções;Discurso e fragrância, riso expulso.Lado a lado eles compartilhavam êxtase do amor,partilhavam travesseiros e roupas de cama.
Casais de aves em voo,asas. emparelhados crescentesVermelho e pigmentos verdes gravam um voto:"que eu nunca vou esquecer de você por toda a eternidade"
E da mesma forma que a poesia utilizava as estórias populares como referências, o estilo literário surgido dois séculos depois na China, a História, também imitou o mesmo modelo para falar sobre as relações entre pessoas do mesmo gênero. Um exemplo é Os Novos Contos do Mundo, escritos por Liu Yiqing, entre 404 e 444 d.C., uma coleção notável de anedotas e discursos famosos, mas também um grande registro de fofocas, principalmente histórias de alcova, sobre as grandes figuras da história chinesas nos três séculos anteriores. Explica Bret Hinsch, inclusive, que o livro está convenientemente dividido em temas como "Casos Amorosos de Imperadores" ou "Cartas e Livros", um capítulo inclusive é destinado para falar sobre a beleza dos homens.
O capítulo "Aparência e Comportamento", além de listar os homens mais belos da história chinesa, também fala de como as outras pessoas em torno deles se comportavam graças a beleza que eles possuíam. Hinsch ainda reforça que por este capitulo se torna claro que os homens do século V d.C. discutiam com frequência sobre a beleza masculina. No entanto, essa discussão, raramente ganha um tom sexualizado, como por exemplo ao citar o relacionamento entre o poeta Pan Yue (247-300) e Xiahou Zhan (243-291). Eles são descritos como "irmãos jurados" e que por causa disso deviam vagar juntos, são descritos também como extremamente bonitos, mas não existe nenhuma referência a alguma relação sexual entre eles, a não ser o fato de que eles são chamados pelos seus contemporâneos, deixa claro Liu Yiqing, de "rostos de jade ligado". Este motivo que aparece nas poesias de Ruan Ji e Bo Xingjian é a única referência que deixa claro que entre estes dois homens também existia uma relação sexual. No entanto, este pudor em não descrever a relação sexual não é uma crítica a relação homoerótica, mas um pudor referente a qualquer ato sexual fosse ele entre dois homens, duas mulheres ou entre um homem e uma mulher.
Esta não é, lembra Hinsch, a única passagem do Contos do Mundo com referências homoeróticas. Por exemplo temos a história de Huan Wen (312-373), um marechal da corte de Jin Ocidental, que pergunta ao seu subordinado Wang Xun sua opinião sobre a aparência do príncipe-chanceler Sima Yu. Wang Xu responde que o príncipe-chanceler tomou para si a responsabilidade do governo e é naturalmente majestoso como todo governante divino. Mas, afirmou Wang Xu, que o marechal também era admirado por todos os homens. Ele ainda reforça dizendo que, se isto não era verdade, como o vice-presidente da corte dos secretários haveria se colocado a disposição do marechal. Este trecho remonta a estrita hierarquia em que os chineses viviam encabeçada pelo imperador, seus secretários em seguida, toda a corte que vivia dentro do palácio, os marechais, generais, coronéis e tenentes, etc; contudo, o que deixa claro o texto é que essa hierarquia também deveria ser reproduzida nas relações sociais e um homem de hierarquia superior não deveria se submeter (e isto quer dizer ser passivo no ato sexual) a um homem de hierarquia inferior, porém, apesar desta regra social, o desejo e o amor constantemente faziam com que tal regra fosse ignorada.
A beleza masculina era tão valorizada que, comumente, homens tentavam métodos para se tornarem mais bonitos porque isso gerava-lhe frutos na ascensão social. Alguns inclusive são criticados por exagerarem, como o caso de Zuo Si (306 d.C.), mas como o homem perfeito era descrito como de cabelos oleosos, pele branca e nádegas pequenas e reluzentes era comum que homens usassem pó de arroz para deixar a pele mais branca, apesar que o nome de Pó Bárbaro deixe a entender que a prática não se originou entre os chineses, também usassem alguns óleos perfumados nos cabelos. A beleza dos homens podia fazê-los atrair para si o desejo de homens poderosos, de lugares hierárquicos superiores aos dele, e a partir daí melhorar sua vida, ascensionando ele socialmente para outras esferas sociais através, inclusive, do casamento. Sim, na China Antiga também era possível o casamento entre homens.
Sempre informações interessantes, povo sempre querendo ser bonito ehehe
ResponderExcluirPelo visto, a China era tudo de bom.
ResponderExcluirBjux
A China Antiga sabia das coisas... hehehe! Xeros pra ti!
ResponderExcluirDuas coisas me chamaram a atenção no seu texto (como sempre, muito bom): que a poesia, não importa a época, é sempre carregada de imagens ou metáforas que, transbordando as palavras usadas, tem o poder de produzir sentimentos absolutamente atemporais. Por exemplo, adorei esse verso (simples, por sinal): “partilhavam travesseiros e roupas de cama”... o amor expressando o seu peso pela partilha física da cama, esse local erótico e, ao mesmo tempo, de descanso, de despojo, de fragilidade.
ResponderExcluirA outra coisa (engraçada, pra mim) diz respeito a critérios de beleza: “o homem perfeito era descrito como de cabelos oleosos, pele branca e nádegas pequenas e reluzentes”... rsrsrsrs... como assim? Bem o oposto do que eu penso! Ah, também adorei a simbologia do jade! É uma pedra muito linda mesmo! Sempre aprendendo com você aqui...
pois é, usar metáforas é uma questão que permeia a poesia, contudo, no caso que vc usou não é uma metáfora, é uma citação/referência; na análise de discurso chamamos de intertextualidade que é quando um texto faz referência a outro texto e que evoca sentidos que só estão presentes porque vc conhece o outro texto.
Excluirsobre os critérios de beleza: os padrões estéticos mudam com muita rapidez, o nosso padrão de beleza, por exemplo, de mulheres magras não tem mais do que 30 anos, pois a década de 1980 preferia mulheres musculosas, tudo muda muito rápido, imagina a distância entre a China antiga e nós hoje, não é?
Oi... Entrei na discussão do post anterior sem nem me apresentar... desculpe a falta de decoro... :P
ResponderExcluirVou aproveitar esse post que normalmente tem pouco comentários e conversas paralelas para me apresentar.
A algumas semanas atrás descobri seu blog através do facebook, e por vários dias li praticamente todas as suas postagens, pulando apenas algumas sobre a homo historia, só algumas eu juro... :P
Me identifiquei bastante com suas narrativas, aos 28 anos estou na mesma situação que vc, nada de namoro, nada de romance, com a diferença de que pelo menos curtição vc teve bastante, eu por morar em cidade muito pequena nem espaço para isso eu tenho... :S
Então, desde que comecei a ler seu blog venho acompanhando constantemente, a cada postagem fico torcendo para que algo novo e bom tenha acontecido, ultimamente isso vem acontecendo bastante né, com exceção dos últimos episódios.
A partir de agora saiba que tem + um leitor assíduo... #abraços!! ;-D
seja bem vindo, Hermis, estou linkando também seu blog para acompanhar suas postagens.
Excluirfico feliz que vc goste do que eu escrevo, e se identifique e torça por mim, porque sei que no fundo quando vc torce por mim está lutando por vc também. vamos todos caminhando para algo melhor, meu querido, vamos todos!
Pois é..até na China antiga(uma potencia em sabedoria) existia o casamento igualitário... e aqui e agora ainda estão nessa contenda absurda.
ResponderExcluirÉ o que faz o homem quando não olha para trás. Comete injustiças e fala bobagens.
Beijos Foxx
É exatamente por isso que resolvi fazer essa coluna aqui, Margot, saber do passado nos prepara para enfrentar esse presente sem achar que ele é natural.
ExcluirE ainda dizem que chinês é tudo igual hehehehe
ResponderExcluir"cabelos oleosos, nádegas pequenas, pó na cara" padrões de beleza muito ultrapassados; claro, toda sua época possui um padrão.
Interessante saber!
ps: quando você me convidar pra ir na sua casa eu te mostro todo o meu talento! hahahaha :p
abraços!
=O
Excluirgente, Átila, pois se sinta convidado, ora, vai ser um prazer ouvir você cantar pra mim.
Engraçado isso né. Como é que pode uma cultura tão bonita retroceder ao longo dos anos...
ResponderExcluirMe pergunto como é que vc consegue essas informações, foxx. Pela wikipédia não da pra ser. asuahsuh
Caio, eu pesquiso, em livros e artigos, muitos deles em inglês, alguma coisa também em alemão, italiano e espanhol, vou juntando essas informações que localizo, mas a maior parte vem mesmo da minha interpretação das referências que vou encontrando, afinal de contas não é um cópia de um texto de outro, é minha interpretação sobre o texto chinês antigo.
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