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terça-feira, 25 de junho de 2013

China: O Rosto de Jade



A complexidade das relações homoeróticas, como todas as relações humanas, inevitavelmente, levou à criação de obras poéticas imortalizando sentimentos conflitantes, não os sentimentos comuns no mundo contemporâneo de negação do desejo pela pessoa com o mesmo sexo, mas as situações de desejo e amor não correspondido que são frequentes em todo tipo de relacionamento amoroso humano. Ruan Ji, que viveu entre 210 e 263 d.C., amante de Xi Kang, foi um dos poetas mais famosos ao aplicar o pincel com um tema homoerótico. Sua principal obra, O Terraço de Jade, configura uma coleção de poesias de amor em que o tema homoerótico perpassa boa parte delas e ilustra muito bem a realidade vivida pelos homens chineses da Antiguidade. Rhuan Ji saca um arquivo de imagens com os quais os homens de seu tempo poderiam desenhar, conceituar e descrever o amor por outro homem. Vejamos um trecho de sua poesia:

Nos dias de idade, havia muitos meninos em flor -
Um Ling e Long Yang
deslumbrante com brilho glorioso.
Alegre como noves primaveras;
Flexivelmente foi como se inclinou até ao outono de geada.
Olhares errantes deu origem a belas seduções;
Discurso e fragrância, riso expulso.
Lado a lado eles compartilhavam êxtase do amor,
partilhavam travesseiros e roupas de cama.
Casais de aves em voo,
asas. emparelhados crescentes
Vermelho e pigmentos verdes gravam um voto:
"que eu nunca vou esquecer de você por toda a eternidade"
E da mesma forma que a poesia utilizava as estórias populares como referências, o estilo literário surgido dois séculos depois na China, a História, também imitou o mesmo modelo para falar sobre as relações entre pessoas do mesmo gênero. Um exemplo é Os Novos Contos do Mundo, escritos por Liu Yiqing, entre 404 e 444 d.C., uma coleção notável de anedotas e discursos famosos, mas também um grande registro de fofocas, principalmente histórias de alcova, sobre as grandes figuras da história chinesas nos três séculos anteriores. Explica Bret Hinsch, inclusive, que o livro está convenientemente dividido em temas como "Casos Amorosos de Imperadores" ou "Cartas e Livros", um capítulo inclusive é destinado para falar sobre a beleza dos homens.
O capítulo "Aparência e Comportamento", além de listar os homens mais belos da história chinesa, também fala de como as outras pessoas em torno deles se comportavam graças a beleza que eles possuíam. Hinsch ainda reforça que por este capitulo se torna claro que os homens do século V d.C. discutiam com frequência sobre a beleza masculina. No entanto, essa discussão, raramente ganha um tom sexualizado, como por exemplo ao citar o relacionamento entre o poeta Pan Yue (247-300) e Xiahou Zhan (243-291). Eles são descritos como "irmãos jurados" e que por causa disso deviam vagar juntos, são descritos também como extremamente bonitos, mas não existe nenhuma referência a alguma relação sexual entre eles, a não ser o fato de que eles são chamados pelos seus contemporâneos, deixa claro Liu Yiqing, de "rostos de jade ligado". Este motivo que aparece nas poesias de Ruan Ji e Bo Xingjian é a única referência que deixa claro que entre estes dois homens também existia uma relação sexual. No entanto, este pudor em não descrever a relação sexual não é uma crítica a relação homoerótica, mas um pudor referente a qualquer ato sexual fosse ele entre dois homens, duas mulheres ou entre um homem e uma mulher.
Esta não é, lembra Hinsch, a única passagem do Contos do Mundo com referências homoeróticas. Por exemplo temos a história de Huan Wen (312-373), um marechal da corte de Jin Ocidental, que pergunta ao seu subordinado Wang Xun sua opinião sobre a aparência do príncipe-chanceler Sima Yu. Wang Xu responde que o príncipe-chanceler tomou para si a responsabilidade do governo e é naturalmente majestoso como todo governante divino. Mas, afirmou Wang Xu, que o marechal também era admirado por todos os homens. Ele ainda reforça dizendo que, se isto não era verdade, como o vice-presidente da corte dos secretários haveria se colocado a disposição do marechal. Este trecho remonta a estrita hierarquia em que os chineses viviam encabeçada pelo imperador, seus secretários em seguida, toda a corte que vivia dentro do palácio, os marechais, generais, coronéis e tenentes, etc; contudo, o que deixa claro o texto é que essa hierarquia também deveria ser reproduzida nas relações sociais e um homem de hierarquia superior não deveria se submeter (e isto quer dizer ser passivo no ato sexual) a um homem de hierarquia inferior, porém, apesar desta regra social, o desejo e o amor constantemente faziam com que tal regra fosse ignorada.
A beleza masculina era tão valorizada que, comumente, homens tentavam métodos para se tornarem mais bonitos porque isso gerava-lhe frutos na ascensão social. Alguns inclusive são criticados por exagerarem, como o caso de Zuo Si (306 d.C.), mas como o homem perfeito era descrito como de cabelos oleosos, pele branca e nádegas pequenas e reluzentes era comum que homens usassem pó de arroz para deixar a pele mais branca, apesar que o nome de Pó Bárbaro deixe a entender que a prática não se originou entre os chineses, também usassem alguns óleos perfumados nos cabelos. A beleza dos homens podia fazê-los atrair para si o desejo de homens poderosos, de lugares hierárquicos superiores aos dele, e a partir daí melhorar sua vida, ascensionando ele socialmente para outras esferas sociais através, inclusive, do casamento. Sim, na China Antiga também era possível o casamento entre homens.


13 comentários:

  1. Sempre informações interessantes, povo sempre querendo ser bonito ehehe

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  2. Pelo visto, a China era tudo de bom.
    Bjux

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  3. A China Antiga sabia das coisas... hehehe! Xeros pra ti!

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  4. Duas coisas me chamaram a atenção no seu texto (como sempre, muito bom): que a poesia, não importa a época, é sempre carregada de imagens ou metáforas que, transbordando as palavras usadas, tem o poder de produzir sentimentos absolutamente atemporais. Por exemplo, adorei esse verso (simples, por sinal): “partilhavam travesseiros e roupas de cama”... o amor expressando o seu peso pela partilha física da cama, esse local erótico e, ao mesmo tempo, de descanso, de despojo, de fragilidade.

    A outra coisa (engraçada, pra mim) diz respeito a critérios de beleza: “o homem perfeito era descrito como de cabelos oleosos, pele branca e nádegas pequenas e reluzentes”... rsrsrsrs... como assim? Bem o oposto do que eu penso! Ah, também adorei a simbologia do jade! É uma pedra muito linda mesmo! Sempre aprendendo com você aqui...

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    1. pois é, usar metáforas é uma questão que permeia a poesia, contudo, no caso que vc usou não é uma metáfora, é uma citação/referência; na análise de discurso chamamos de intertextualidade que é quando um texto faz referência a outro texto e que evoca sentidos que só estão presentes porque vc conhece o outro texto.

      sobre os critérios de beleza: os padrões estéticos mudam com muita rapidez, o nosso padrão de beleza, por exemplo, de mulheres magras não tem mais do que 30 anos, pois a década de 1980 preferia mulheres musculosas, tudo muda muito rápido, imagina a distância entre a China antiga e nós hoje, não é?

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  5. Oi... Entrei na discussão do post anterior sem nem me apresentar... desculpe a falta de decoro... :P

    Vou aproveitar esse post que normalmente tem pouco comentários e conversas paralelas para me apresentar.

    A algumas semanas atrás descobri seu blog através do facebook, e por vários dias li praticamente todas as suas postagens, pulando apenas algumas sobre a homo historia, só algumas eu juro... :P

    Me identifiquei bastante com suas narrativas, aos 28 anos estou na mesma situação que vc, nada de namoro, nada de romance, com a diferença de que pelo menos curtição vc teve bastante, eu por morar em cidade muito pequena nem espaço para isso eu tenho... :S

    Então, desde que comecei a ler seu blog venho acompanhando constantemente, a cada postagem fico torcendo para que algo novo e bom tenha acontecido, ultimamente isso vem acontecendo bastante né, com exceção dos últimos episódios.

    A partir de agora saiba que tem + um leitor assíduo... #abraços!! ;-D

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    1. seja bem vindo, Hermis, estou linkando também seu blog para acompanhar suas postagens.

      fico feliz que vc goste do que eu escrevo, e se identifique e torça por mim, porque sei que no fundo quando vc torce por mim está lutando por vc também. vamos todos caminhando para algo melhor, meu querido, vamos todos!

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  6. Pois é..até na China antiga(uma potencia em sabedoria) existia o casamento igualitário... e aqui e agora ainda estão nessa contenda absurda.
    É o que faz o homem quando não olha para trás. Comete injustiças e fala bobagens.
    Beijos Foxx

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    1. É exatamente por isso que resolvi fazer essa coluna aqui, Margot, saber do passado nos prepara para enfrentar esse presente sem achar que ele é natural.

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  7. E ainda dizem que chinês é tudo igual hehehehe
    "cabelos oleosos, nádegas pequenas, pó na cara" padrões de beleza muito ultrapassados; claro, toda sua época possui um padrão.
    Interessante saber!

    ps: quando você me convidar pra ir na sua casa eu te mostro todo o meu talento! hahahaha :p

    abraços!

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    1. =O

      gente, Átila, pois se sinta convidado, ora, vai ser um prazer ouvir você cantar pra mim.

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  8. Engraçado isso né. Como é que pode uma cultura tão bonita retroceder ao longo dos anos...

    Me pergunto como é que vc consegue essas informações, foxx. Pela wikipédia não da pra ser. asuahsuh

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    1. Caio, eu pesquiso, em livros e artigos, muitos deles em inglês, alguma coisa também em alemão, italiano e espanhol, vou juntando essas informações que localizo, mas a maior parte vem mesmo da minha interpretação das referências que vou encontrando, afinal de contas não é um cópia de um texto de outro, é minha interpretação sobre o texto chinês antigo.

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" Gosto de ouvir. Aprendi muita coisa por ouvir cuidadosamente."

Ernest Hemmingway