A segunda expressão utilizada pela literatura chinesa antiga para se referir as relações homoeróticas é o termo duànxiù que quer dizer algo como "rasgando/cortando a manga" e refere-se ao ato do imperador Ai'di, da Dinastia Han, que cortou a manga do seu roupão, sobre a qual dormia seu adorado amante, Dong Xian, para não acordá-lo. Como Ai'di, vários outros imperadores tinham amantes masculinos. Tornar-se favorito do imperador era de uma imensa concorrência, como afirmam Francisco Moreira Filho e Daniela Madrid, porque esta posição na corte favorecia o prestigiado com riqueza e status.
A Dinastia Han durou de 206 a.C.até 220 de.C., foi precedida pela dinastia Qin e seguida pela divisão da China em três reinos: Wei, Shu e Wu. Liderada pelo clã de Liu, o período da Dinastia Han é considerado o período de ouro da história chinesa. Durante este período, a China tornou-se oficialmente um estado confucionista, e o artesanato da seda e o comércio floresceram, ampliando sua influência sobre a Coréia, Mongólia e Vietnã, além de haver intensas trocas comerciais e culturais com a Índia e Tibete, e, um pouco menos, com a Pérsia. A Dinastia Han também foi notável por sua aptidão militar. As expedições militares a oeste, além do Mar Cáspio, tornaram possível o tráfego mercantil através da Ásia Menor e pela Pérsia, desenvolvendo o comércio inclusive com os romanos. Este trajeto que ficou conhecido como a Rota da Seda. Sua primeira capital foi em Chang'an (atual Xian), de onde partia a rota da seda, no centro da China; em 25 d.C., a capital mudou para Luoyang, as margens do rio Luo, tributário do rio Amarelo, após o breve reinado da dinastia Xin, cujo único imperador foi Wang Mang. O longo período, mais de 400 anos, que os chineses viveram sobre o governo da Dinastia Han possibilitou a miscigenação dos diversos grupos étnicos que viviam na região e unificou os dialetos locais numa língua única.
No século I depois de Cristo, a luta contra os "bárbaros do oeste", como eram chamados os homens que viviam nas estepes mongóis-siberianas, os Hunos, se intensificaram. Os Hunos oscilaram no status de vassalos dos chineses a populações que atacavam as cidades fronteiras do império, porém, por volta de 220 d.C., os Hunos atacaram violentamente o império chinês, foram 75 anos de ataques que fragmentaram a China de tal maneira que três reinos (Wei, Shu e Wu) surgiram no lugar do império unificado, iniciando a Idade Média chinesa.
Entre os imperadores desta era de ouro, temos as Memórias de um Historiador, de Sima Qian (136-86 d.C.), historiógrafo, que reservou um capítulo especial da sua história do império para documentar a vida dos imperadores Han e seus amantes do sexo masculino, e graças a este precente, como afirma o professor de literatura chinesa da Universidade de Stanford, Tan Chong Kee, herdamos uma rica história oficial do amor masculino durante a história imperial chinesa. Dos 27 imperadores, dezenove são bem conhecidos pelos seus favoritos, dez são da Dinastia Han:
206-195 a.C. - Imperador Gao'di e Jiru
194-188 a.C. - Imperador Hui'di e Hongru
179-156 a.C. - Imperador Wen'di e quatro favoritos: Deng Tong, Zhao, Tan e Beigong Bozi
156-141 a.C. - Imperador Jing'di e Zho Ren
140-87 a.C. - Imperador Wu'di e quatro favoritos: Han Yan, Han, Yue e Yan Nian
86-74 a.C. - Imperador Zhao'di e Jin Shang
73-49 a.C. - Imperador Xuan'di e Zhang Pengzu
48-33 a.C. - Imperador Yuan'di e dois favoritos: Gong Kong e Shi Xian
32-07 a.C. - Imperador Cheng'di e três favoritos: Zhang Fang, Zhang e Chunyu
06a.C.-1d.C. - Imperador Ai'di e Dong Xian
Ai'di é o exemplo de mais profundo amor, um arquétipo literário de um homem mais velho e de status elevado que se apaixona por um jovem bonito. Mas existem outros arquétipos encarnados pelos imperadores, o de dois homens masculinos e guerreiros, como o caso de Wu'di e Han Yan. Wu foi um dos maiores imperadores da China, tornou-se imperador aos 16 anos e governou até os 70, expandiu o império a seu maior tamanho, também reformou o ano chinês, fazendo-o começar em janeiro, o sistema de educação e criou uma moeda única para o império chinês. E este grande imperador era apaixonado por outro homem. Han Yan e Wu se conheceram quando eram jovens, Yan era membro da corte do estado de Han, neto do governador, e Wu o jovem filho do imperador Jing. Estudaram juntos, e apesar de Yan não ser um menino bonito, se apaixonaram. Porém, de acordo com Sima Qian, Yan tinha entre 1,80 a 2m, o que fazia dele uma figura de destaque no mundo antigo onde a média de altura mantinha-se entre 1,50 e 1,60m. Yan também era hábil no hipismo, arco-e-flecha, táticas de caça e batalhas dos homens do Norte. Tudo isto fazia com que Wu o admirasse profundamente. Logo, Yan tornou-se o único homem a circular no palácio imperial, além de eunucos, e principalmente o único a frequentar a cama do imperador.
Infelizmente, conta ainda o historiógrafo chinês, Yan deixou sua posição ao lado do imperador subir-lhe a cabeça. Um dia, durante uma expedição de caça imperial, Wu pediu que Yan seguisse na frente. Quando então, Jiangdu, irmão de Wu, viu o carro imperial se aproximando de longe, pensou que este trazia o imperador, então ele desceu do cavalo e ajoelhou-se ao lado da estrada para cumprimenta-lo. Yan, no entanto, que vinha no carro, não parou e nem reconheceu o irmão do imperador. Quando Jiangdu percebeu que não era seu irmão no carro, ele ficou furioso com o desprezo de alguém de um escalão tão inferior a ele, indo imediatamente queixar-se a sua mãe sobre o incidente o que só plantou no coração da imperatriz o rancor contra Yan.
A imperatriz então logo acusou Yan de também dormir com as concubinas do imperador e ordenou sua morte. Wu pediu a mãe para anular a ordem, mas ela recusou. Tang Chong Kee afirma que não estamos testemunhando nenhum puritanismo sexual aqui. Dormir com uma concubina do imperador é uma ofensa grave porque põe em causa a linhagem imperial. Como se poderia ter certeza se o filho nascido de uma concubina seria realmente filho do imperador? Se havia dúvida como o próximo imperador seria escolhido? Yan teria ofendido o imperador da forma mais grave possível, a velha imperatriz sabia que essa seria a única forma de acusa-lo de um crime imperdoável. Tang Chong Kee afirma que isso também demonstra o quanto Wu amava Yan, afinal em face de por em dúvida sua própria linhagem, ele tentou defender o amado e ficou inconsolável com a sua morte. "Era como se ele não se importasse se era seu filho ou de Yan que o sucederia como imperador", nas palavras de Kee. Após a morte de Yan, o imperador Wu ainda tomou como amantes seu tio, Han; seu primo, filho deste último, Yue; e o famoso músico Yan Nian, sendo que quando o músico tornou-se seu amante, ele também tomou a irmã dele, Li, como concubina.
Acrescentaríamos, além disso, um fato importante: o amor de Wu por Yan, imenso como o professor de Stanford afirmou, não impedia de forma alguma que Wu mantivesse concubinas com as quais ele tinha relações sexuais comuns e constantes, com o objetivo de manter a linhagem imperial. Em todo o mundo antigo, o relacionamento homoerótico não exclui de forma alguma um relacionamento heteroerótico eventual, como o contrário também é verdade. Na realidade precisamos pensar todo o mundo antigo, da Europa a Ásia, como uma realidade que não separa as pessoas em estanques e incomunicáveis comportamentos hetero ou homoeróticos, todas as pessoas podem circular por essas expressões sexuais sem, necessariamente, apegar-se a nenhum título, inclusive também não é correto chama-los de bissexuais por isso.
A história chinesa é rica e muito interessante Foxx. Gostei do texto e a estória do imperador cortar a roupa para não acordar o seu amor...é linda!
ResponderExcluirAbraços
tudo q se refere à cultura oriental dá um banho na nossa do mundo ocidental ... qta riqueza, qta sabedoria ...
ResponderExcluirgosto e muito destas particularidades culturais
beijão
Gente... mas eu fico rosa-chiclete com esses teus "causos" históricos! Interessantéssimo, Foxxito! E #podeixar que ainda te cato em Natal (no Natal?) Hahahaha!
ResponderExcluirAdoro saber dessas coisas.
ResponderExcluirBjux
Adorei essa história, cortar o roupão pelo bem do repouso do amado é um detalhe único, em concordância com Margot é lindo.
ResponderExcluirAbraços!
Será que "Rasgar seda" tem a ver com isso Foxx?
ResponderExcluirkkkkkkk
Excluirlevando em consideração que o significado de "rasgar seda" é de fazer muitos elogios, não tem absolutamente nada a ver com a questão aqui não é, Ronaldo? Sobre "rasgar seda", os historiadores acreditam que a origem desta expressão é brasileira, e já tem registros nas comédias de Luiz Carlos Martins Pena, no século XIX, por exemplo.
Oi Foxx, tudo bem?
ResponderExcluirAdorei esses fatos históricos, lindo, porém trágico, rs.
Bjo menino
Bem interessante.
ResponderExcluirEu acho o Nasser bacana! E é gaúcho. Bem bairrista eu sou. Hahahaha! Bjs!
ResponderExcluirPode ir lá ver a entrevista do Bratz. Bandeira Branca.
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