Muito se falou sobre o Kit Anti-Homofobia esses dias, com seu cancelamento pela presidente Dilma Rousseff, as críticas do deputado Jair Bolsonaro, mas sobretudo da sua troca pelo silêncio da bancada evangélica no escândalo envolvendo o ministro-chefe da Casa Civil, Antônio Palocci. Contudo, o que não se falou, o que ninguém ouviu, foi a opinião dos mais interessados. E não falo dos ativistas gays, falo dos professores. Professores das escolas públicas (estaduais e municipais). Os únicos afetados realmente com a aprovação ou não do kit. Afetados, porque estes seriam os usuários do kit, caso ele fosse aprovado. Bem, acho que devo esclarecer inicialmente um fato. Primeiro, esta discussão deveria ser técnica. Não cabe aos deputados ou senadores discutirem currículo educacional ou mesmo ferramentas que podem ou não ser utilizadas por um professor dentro da sala de aula. Mesmo o Ministério da Educação não tem poder para tanto. Um professor tem a liberdade de utilizar ou não o kit caso ele fosse aprovado. Dependendo do seu planejamento durante o ano (o que ele pretende ensinar aos alunos) e também dependendo de suas convicções políticas e religiosas, ele poderia usar ou não usar o kit. Ele estaria disponível para o seu uso, mas não seria de uso obrigatório, como os outros inúmeros kits que o MEC (Ministério da Educação e Cultura) distribuem nas escolas.
Esta discussão técnica não aconteceu. E é ela que eu levanto aqui. É preciso falar que segundo os PCN's (Parâmetros Curriculares Nacionais), programa proposto pelo MEC em 1997, após dois anos de debates, sexualidade é um dos temas transversais, isto é, é um dos temas que devem ser abordados por todas as disciplinas (História, Língua Portuguesa, Matemática, Física, Química) para integrar o currículo. Segundo o documento federal, ao contrário do que afirmou em entrevista a presidente Rousseff, cabe sim a escola, e ao Estado brasileiro, fomentar essa discussão de cunho "privado" entre os estudantes. Cabe ao espaço escolar levantar entre o alunado um espaço seguro para discutir este tipo de assunto. Então, neste caso, a presença do kit na escola permite a um professor acesso a informações que vão dar início as discussões entre os alunos.
Como esta discussão se dá? Num plano de aula imaginário para Língua Portuguesa, por exemplo, o professor poderia apresentar algum material do kit, um texto (incentivando a leitura) ou um vídeo e depois pedir uma discussão em sala sobre aquilo que foi visto (incentivando a manifestação oral) e por fim pedir um texto sobre as opiniões do estudante, fossem elas a favor ou contra, mas demonstrando os seus argumentos (incentivando a produção escrita). Numa idéia ainda para Ciências ou Biologia, seria possível discutir formas distintas de sexualidade, de sexo, de reprodução, e falar sobre o ato sexual, falando sobre uso de camisinha, por exemplo, também. Para História, poderia-se falar sobre manifestações homoeróticas e heteroeróticas na História e as manifestações atuais, demonstrando como essas manifestações se modificaram e como as relações humanas se modificam com o tempo, explorando a ideia de desnaturalização do comportamento humano e permitindo que crianças e adolescentes desenvolvam a percepção que no mundo que eles vivem existem pessoas distintas delas e que essa diferença precisa ser respeitada para a convivência como cidadãos dentro da sociedade.
Isso não foi dito de maneira alguma! A discussão caminhou para a ideia de "propaganda de um modo de vida", questionamento esse perigoso porque me lembra a proibição de se falar em comunismo durante a ditadura militar; além de que, ninguém lembrou, que crianças gays e lésbicas - porque quando os gays e lésbicas apesar de ninguém gostar de lembrar disso foram crianças um dia - estão expostas diariamente a uma propaganda do modo de vida heterossexual que é, sim, aprovada pelo Governo Federal ao aprovar e financiar livros didáticos que mostram a família heterossexual como o modelo de família. Isto é devastador para as crianças gays e lésbicas. Devastador! Preocupo-me, como professor, é com essas crianças.
Na minha experiência em sala de aula, vi muitas vezes crianças inteligentíssimas que eram oprimidas por esse sistema heteronormativo. Fisicamente, pois apanhavam dos pais, ou sofriam bullying na escola; ou que, ao assumir em determinado momento a sua homossexualidade, ou a identidade feminina no caso de travestis, eram obrigados a abandonar a escola, porque ali não era mais o espaço para que aquelas pessoas "diferentes" pudessem frequentar. Essas crianças, por algum motivo específico, não merecem proteção do Estado brasileiro? Se nossa Constituição proíbe a discriminação, se o Estatuto da Criança e do Adolescente exige que todas as crianças tenham acesso a educação e que tenham um ambiente saudável e seguro para viver, se as leis educacionais brasileiras exigem veementemente que crianças sejam educadas num ambiente de pluralidade, excluindo as salas de aula especiais para alunos com necessidades especiais, por exemplo, sobre qual argumento a produção do kit anti-homofobia pode ser considerado pela excelentíssima presidente Dilma Rousseff (em quem votei, mea culpa) algo que o Governo Federal poderia deixar de investir?
Eu não consigo aceitar e nem entender. Não consigo, pelas crianças, pelos meus alunos. Não consigo.
uma análise contundente, principalmente, por ser extraída da relação teoria e prática.
ResponderExcluirEu acho que ao invés de um "Kit Anti-Homofobia" o MEC ou outro órgão competente deveria apresentar um "Kit Sexologia" e, dentro dele, abordar todos os assuntos correlatos.
ResponderExcluirSempre me encanto pela Forma com que você Consegue Expor seus Pensamentos...
ResponderExcluirNunca teria avaliado a situação da forma que foi explanada aqui, e Dessa forma, Não fica só a Minha indgnação pela não aprovação do Meu "modo de vida" mais também pela ignorância... educacional que este veto trará.
Enfim, bjo lindo.
neeeem tenho nada a acrescentar! perfeito em cada ponto, virgula, argumento e essência!!! aplausos...!!
ResponderExcluirbjo
Nem eu.
ResponderExcluirAgora, sim. Confesso q estava esperando uma palavra sua a respeito dos acontecimentos recentes, tão relevantes ao mundo LGBTT. Concordo integralmente com a análise, e tb faço o "mea culpa", votei na dita cuja pensando q, passada a pressão eleitoral do ano passado, a torturada da ditadura e q tanto fala em direitos humanos seria mais sensível a causa gay. Ledo engano. A Presidente preferiu transacionar a auto-estima de milhões de crianças homossexuais pela blindagem do Palocci. Vergonhoso.
ResponderExcluirRealmente, os pontos levantados nunca foram levados em consideração. Uma pena.
ResponderExcluirÓtima reflexão. No momento que ela vetou a publicação desse Kit, ela tornou-se omissa aos diversos casos de homofobia existente no âmbito escolar.
ResponderExcluirE é importante lembrar que o Kit foi analisado e aprovado pela UNESCO, Conselho Federal de Psicologia, MEC e vários especialista da área educacional.
abraços
Linda sua defesa do #EscolaSemHomofobia. :) Incrível o num. de técnicos educacionais q surgiram p/ criticar a efetividade do material.
ResponderExcluirMas também não dá para esperar que quem a gente votou faça tudo que nós esperamos sempre né? Esse foi um tiro tenso pela culatra, mas quem sabe ela não acerta em outros pontos? Ou retome este futuramente? Quem sabe?
ResponderExcluirAgora, se aquela citação é tolice, pode me chamar de rei dos tolos, porque sou ela todinho.
Concordo com cada virgula e letra que vc escreveu... abraços!!
ResponderExcluirPois é... Estamos juntos batendo na mesma tecla das CRIANÇAS...
ResponderExcluirExcelente ponto de vista, mais do que isso, excelente discurso. No meu colégio existia uma matéria que tínhamos a possibilidade de debater não apenas sobre o homossexualismo, mas sobre sexo em si, uso de drogas, DSTs e até mesmo sobre o tão famoso bullying (que na época nem tinha esse termo no Brasil acho). Confesso que achava aquela matéria muito chata, mas vejo hoje como foi importante para a minha formação e a dos outros colegas.
ResponderExcluirBeijo!
Sua análise sobre a questão, abordando o conteúdo e a política em relação à questão é perfeita.
ResponderExcluirMas quem decidiu como decidiu o fez por simples mesquinharia, interesse político imediato. E insuficiente, ocmo se verá em breve.
Eu acho que a coisa é mesquinha, pequena. A Presidenta simplesmente decidiu: vamos ceder aqui pra ganhar o silêncio de alguns e garantir a sobrevida do caipira do Palocci. Quem sabe eles acabam esquecendo, nós ganhamos tempo, e tudo se resolve.
Eu pensei que o caso Erenice já tivesse sido suficiente, mas não foi. E burra, não podemos dizer que ela seja. Então, o que rola? Eu, sinceramente, a julgava um pouco menos submissa, e mais inteligente.
Quando até oposicionistas defendem um cara que já mostrou do que é capaz, é porque tem muita coisa grossa, suja e poderosa por trás disso.
Os dias de Palocci como ministro estão contados, queiram ou não seus pares.
Até lá, que preço o país vai pagar pra tentar evitar a fogueira?
Se ele fosse minimamente decente, já teria ido pra casa.
Mas esperar decência na política por aqui é coisa pra ingênuos...
Para mim, o maior problema continua sendo que aqui no Brasil sempre queremos educar as pessoas por "leis" e não pela educação.
ResponderExcluirO kit é importante e no fundo acho que os deputados estão fazendo muito barulho por nada, as questões estão todo dia às portas das escolas e nesse sentido o judiciário (quem diria) é que tem merecido destaque.
Infelizmente as questões não são levadas com seriedade e hoje qualquer tema é moeda de troca e palanque para esses políticos.
Infelizmente isso tem levado a um acirramento dos ânimos de ambos os lados... e o que deveria ser discutido tem ficado de lado.
Belo texto! Abração!
Brilhante... tenho que antes de parabenizar, agradecer, você com suas palavras objetivas pode esclarecer dúvidas inerentes não só aos anti-kit... mas também as pessoas que eram a favor. Desta forma podemos ter argumentos (ou argumentar) com maior profundidade... Mais uma vez, Obrigado!
ResponderExcluirÉ! Acho que as crianças têm que ter acesso a tudo. Conhecer e entender é o caminho pra aceitar. Sabemosq ue isso não incentiva ninguém a ser gay, e que sexulaidade (ao contrário do que a Presidente disse) tem que ser discutida na escola!
ResponderExcluirBelo post Foxx!
bj
Contundente sua abordagem. Falou o professor. Bacana! Espera pra ver tua "toca" de raposa em Blogsville... hehehehe! HUgz!
ResponderExcluirEu podia ficar aqui horas falando mal do governo do PT e do quanto não me arrependo por não ter votado na dilma. Eu tb podia ficar aqui falando no quanto não me arrependo de ter deixado o Brasil.
ResponderExcluirMas vou só falar que, mais uma vez, encontramos aqui um texto extremamente bem escrito. Você arrasa, minha querida raposinha. Saudades eternas de vc.
Excelente! Ou não é papel da educação num país democrático incitar o respeito às diferenças na sociedade?
ResponderExcluirBj
Perfeito. Realmente a discussão seria técnica, mas quase sempre todas as discussões correm para a via moral e religiosa... Mas caminhemos uma hora isso muda...
ResponderExcluirEu entendo! O PT é e sempre foi igual a todos ... ou melhor ... PIOR, pois é permeado pela hipocrisia ... #FATO
ResponderExcluirmeu amigo, que texto perfeito! irretocável!
ResponderExcluirfaço minhas suas palavras: posso aplaudir? de pe´?
Não posso deixar de concordar, especialmente por você ser educador e saber do que está falando.
ResponderExcluirO que eu não entendo mesmo é essa angústia, esse desespero das pessoas em proibir que se fale, como se se não falando, os homossexuais deixem de existir, as agressões deixem de existir (quer dizer, pra esses políticos religiosos já não existem mesmo), como se o problema fosse discutir o problema. (!!)
Estou extremamente decepcionada com a Dilma, pela sua fragilidade política, por acreditar que ela não seja contra o kit anti-homofobia, mas tenha sido pressionada a proibi-lo, pelas forças que supostamente a mantém no poder. Só que ela se esquece que não é nenhum partido, não é nenhum político que a levou ao poder e a mantém lá. Quem fez isso foi a gente, fomos nós brasileiros.
Mas você falou algo que me deixou em dúvida: o kit foi "proibido", mas se algum professor quiser usar algum material (não necessariamente o do kit) para abordar o tema e falar sobre gênero, sexualidade, homofobia, etc, então ele pode?
Em tempo: o lindo filme "Não quero voltar sozinho", que fazia parte de um programa Cine Educação foi censurado em uma escola do Acre por causa de religiosos que acharam que fazia parte do "kit-gay" (como eles chamam). Ou seja, é capaz de que, se qualquer professor abordar o tema em sala de aula corre o risco de um aluninho lobotomizado pelos pais e pela igreja sair correndo e contar pra alguém, que vai se esforçar para repreender a didática e o próprio professor. Vc não acha?
http://www.lacunafilmes.com.br/sozinho/censura.html