Google+ Estórias Do Mundo: O Ovo ou a Galinha

domingo, 22 de fevereiro de 2015

O Ovo ou a Galinha

, em Natal - RN, Brasil


Estou sentado na sala dos meus pais. Minha mãe acabou de fazer uma pequena cirurgia e precisa de ajuda com o ferimento e com as tarefas diárias que ela não pode fazer enquanto recupera-se. A televisão está ligada na Sony, meus pais tem a Claro TV que meu irmão assina para eles, mas eles só assistem dois canais, a Canção Nova, minha mãe, e o SportTV, meu pai. Somente quando eu chego por lá que outros canais são visitados e que eles assistem animados, minha mãe gosta da programação da GNT, por exemplo, com aqueles programas de culinária para jovens yuppies, e meu pai gosta do Discovery e The History, mas gosta especialmente de programas sobre decoração e arquitetura do Discovery Home and Health. Mas ambos me criticam quando eu assisto minhas séries, dizem eles ser uma perda de tempo, mas ver a terrível programação infantil do canal católico ou um jogo de futebol que já sabemos o resultado de um time desconhecido parece ser bem importante. Eu respondo: "Assisto TV para me divertir, não para aprender".
Voltemos a Sony. Neste verão, o tema da campanha para reforçar a marca do canal é sensualidade, e em uma de suas chamadas um conjunto de cenas de beijos aparece, entre eles um de o Diário de Bridget Jones e outra de American Pie, ao qual quero me deter. 









São duas coisas que quero me deter, na verdade. As cenas são claramente bem diferentes, e é interessante ver isso, sobretudo na sequência com o Seann William Scott e o Jason Biggs, em que duas meninas se beijam antes, e também na que atua Reneé Zellweger, que o beijo entre duas mulheres pode e deve ser encarado com naturalidade. O Diário de Bridget Jones é voltado para um público feminino que aprende com ele a se comportar na situação em que uma outra mulher tenta beijar você, Bridget reage com calma e tranquilidade. Ela demonstra se sentir lisonjeada, mas que infelizmente ela não sente a mesma atração. Ela pede desculpas, como pediria a um homem que também estivesse interessada nela e o sentimento não fosse recíproco. Na outra ponta, em um filme voltado para garotos adolescentes heterossexuais cujo tema principal é perder a sua virgindade, o beijo entre dois homens é motivo de nojo, e só acontece por causa da possibilidade de participar da fantasia repetida exaustivamente do sexo com lésbicas. O que é ensinado é tenha nojo. Nojo de fazer, nojo de ver, porque aqueles que assistem em cena estão constrangidos, e o motivo para as meninas pedirem o beijo é apenas para humilhá-los também. O que se aprende é que aqueles que beijam homens devem ser humilhados e assisti-los se beijar é constrangedor ou motivo de piada.
De onde vem isso?, é a primeira pergunta, em seguida questionamos: existe uma diferença de preconceito para com lésbicas e para com gays? Na verdade não, mas existe sim uma diferença de lugar social. Os especialistas no assunto costumam explicar que lésbicas, como mulheres que são, foram colocadas pela indústria pornográfica como objetos de desejo. Orgias, menage à trois, fantasias de haréns que colocam o homem, garanhão, exercendo seu poder sobre um sem-número de mulheres ao mesmo tempo e sendo viril o bastante para dar conta de todas elas são temas frequentes dos filmes adultos. É daí que surgiu o prazer visual que homens heterossexuais aprenderam a sentir ao ver duas mulheres fazendo sexo. Eles sentem que serão convidados a qualquer momento para participar daquela situação e trazer seu poder sobre aquelas duas mulheres dando-lhes o falo que faltava aquela relação. A fantasia é de óbvia subjugação das duas, de controlar seu corpo e seu prazer porque somente o homem pode ter prazer através do seu pênis. Já do lado masculino, não preciso explicar de onde vem o nojo, o constrangimento, a humilhação não é?
Ah, mas isso não causa resultado? Ai entra o outro tema da minha postagem. Minha mãe estava sentada em frente a televisão quando a Sony exibiu sua chamada. Eu já tinha visto várias vezes antes, despertando em mim somente o questionamento de porque a relação entre o beijo feminino e masculino são distintas (obrigado Sony, btw), mas ela não havia percebido, foi quando ela reparou dois homens se beijando. A reação foi imediata.
- Que pouca vergonha é essa dentro da minha casa?!?
Eu me assustei. Ela estava alterada.
- Desligue a TV! Mude de canal! Eu não quero nada disso dentro da minha casa!
Eu estava paralisado. De susto.
- Mude de canal imediatamente.
Eu não fiz nada, foi tudo muito rápido, e eu somente entendi o que estava acontecendo minutos depois. Ela bufava. Eu não discuti, mas também não mudei de canal, deixei lá onde estava, e ela, sei lá, esperava uma discussão comigo que não veio. Mas levantei, vi que era hora de dar-lhe o remédio, dei, e disse que precisava ir em casa tomar um banho.
Deixei-a sozinha em casa, mas vejam: ela não viu as mulheres se beijando. Não causou nenhuma reação nela, e minha mãe não assiste, acho eu, filmes pornôs, o que significa que este estrago causado pela indústria de filmes adultos já é tão profundo que alcançou a minha mãe tornando-a insensível ao beijo feminino, mas ainda capaz de demonstrar tanta revolta com um beijo entre homens (se vocês estão preocupados comigo, não fiquem, eu nunca namoro, lembram? Não tem chance dela me ver beijando alguém em hipótese alguma), porém também existe uma outra opção: que essa permissividade com as lésbicas seja anterior à pornografia, que ela já tenha passado para o erotismo heterossexual como um todo porque já existia antes, mas de onde? Historicamente, inclusive, a homossexualidade feminina tem sido bem mais perseguida que a masculina, forçada sobretudo a uma invisibilidade social com o silenciamento de suas protagonistas, o que não aconteceu com os homens que se dedicaram ao amor que não pode ser nomeado, como dizia Oscar Wilde, afinal ele não podia ser nomeado, mas não impediu que o próprio Wilde escrevesse a maior carta de amor da história. É uma questão de o ovo ou a galinha, quem veio primeiro: a permissividade com as lésbicas ou a pornografia?

12 comentários:

  1. num estudo que eu li faz algum tempo, abordavam essa questão do constrangimento da exerção da sexualidade masculina - não no nível de orientação sexual, mesmo na dimensão de ser uma coisa executável.

    No artigo em questão, falava-se de vídeos no youtube. se você digitar "sexy girl" ou algo do género, vai se expor a mulheres das mais diversas idades, fazendo atividades mundanas com cargas sexuais absurdas - tem um video com uns 7 anos de uma moça tocando guitarra com a vagina - e embora tenha imensos comentários negativos, no fim das contas não tem qualquer problema, o vídeo fica lá pra posteridade.
    Se for um cara dançando OU beijando outro cara -coisa bem comum daquelas youtubers teens que vivem chamando atenção, chamar uma amiga e tascar beijo nela no meio de um video - , as reações são bastante mais ativas, tanto de nojo, como de denúncia do próprio video.

    Mesmo nos filmes você vê essa tendência.
    Se um cara tá batendo bronha num filme, vai ser sempre envolto numa aura de comédia. tipo "olha lá que desesperado e ridículo" enquanto que se for uma mulher se masturbando, já é "olha que coisa cheia de classe tão natural e linda, não devemos ter vergonha dos nossos desejos mimimi".

    Lembro de quando conheci meu ultimo ex namorado e tivemos o 2º/3º encontro, e tavamos sentados num banco de jardim, dando as mãos, e as pessoas meio que passavam escandalizadas- chegámos a ser xingados algumas vezes - e uns meses mais tarde, estava com amigos num barzinho, e duas meninas estavam se pegando bem no meio da rua, e ninguém sequer olhava, tipo banalzinho

    Dizia um especialista acerca do assunto, que desde a própria fisionomia dos genitais, o sexo do homem sempre foi encarado num geral como uma coisa mais agressiva, com pujança. Meio... espampanante e excessiva.

    A mulher era o sexo delicado e místico, e o homem era o sexo bruto e exibido. Não sei até que ponto essa informação é válida, mas sempre houve e sempre haverá uma segregação entre géneros.

    Quando pende pra homossexualidade a balança desiquilibra ainda mais, também pela sociedade atual ainda se basear muito no modelo patriarcal.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Que comentário maravilhoso, Miguel.
      Mais dois desses e eu apaixono.
      kkkkk

      Vem ser inteligente assim aqui junto de mim, seu lindo!

      Excluir
    2. concordo, estou speachless, nada a acrescentar!

      Excluir
    3. Começando pela pergunta final: a permissividade com as lésbicas, penso, veio antes. A pornografia, não conheço a história, decorre da sistematização e compartilhamento de informações sobre o lazer, e isso já pressupõe que havia sexo antes, e, portanto, mulheres fazendo sexo para prazer dos homens.

      Mas me parece que seu texto e os comentários convidam a uma outra e fundamental questão: porque gays chocam tanto e lesbian chic não.
      Porque o amor entre homens é uma ameaça aos sistemas sociais que englobam ou inclusíram mais gente: capitalismo e comunismo, todos eles baseados (estou errado?) na predominância masculina, na competitividade entre os homens. Algo como "é a competitividade entre os homens que move o mundo". Se os homens param de competir para se amar, f****.

      Excluir
    4. HHP, depois de um comentário do Miguel fica difícil né?

      Excluir
    5. Alex, sobre as lésbicas a minha questão é se a permissividade foi criada por esse sexo para satisfazer desejos masculinos, ou se os homens foram tão expostos a isso que aprenderam a ser permissivos. Lembrando que todo fetiche não passa de uma moda introduzida em algum momento, foi antes deste fetiche ser introduzido ou depois dele que a permissividade surgiu?
      Sobre os homens gays é por aí mesmo a questão. Também gostaria de saber qual é a lógica de nossa sociedade que explica o fato se homens causarem asco e mulheres tesão .

      Excluir
  2. Daqui há pouco seus pais só vão conseguir assistir Canção Nova mesmo... pq até no SportTV é capaz de verem uns jogadores dando suns beijos nas comemorações.

    Embora a gente queira mais (muito mais!), a verdade é que o mundo se abre, cada vez mais, para a visibilidade das pessoas homossexuais e as pessoas que ainda têm problema com isso vão começar a ver suas opções de "fechar os olhos" cada vez mais reduzidas.

    We are here! We are Queer! Get over it!!!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. E graças a Deus estamos caminhando para isso. E lembro agora isso não é nada diferente da integração com oa negros na década de 1950.

      Excluir
    2. Isso acontece também com a nudez, a feminina é vista com naturalidade
      Abraço, e a masculina é um atentado ao pudor.

      Excluir
    3. Sim, Elian, quando fiz minha exposição de desenhos somente com corpos masculinos, as pessoas ficaram muito incomodadas com os desenhos, coisa que não aconteceria com nus femininos.

      Excluir
  3. Embora as coisas estejam a mudar, aquilo que dizes é verdade.
    Aqui em Portugal, nas grandes cidades já é comum verem-se homens cumprimentando-se com beijos, mas nunca com a mesma naturalidade com que o fazem duas mulheres.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. O jeito é esperar o dia que isso vai mudar né?

      Excluir

" Gosto de ouvir. Aprendi muita coisa por ouvir cuidadosamente."

Ernest Hemmingway