Google+ Estórias Do Mundo: Pérsia: As Leis Contra os Demônios

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Pérsia: As Leis Contra os Demônios

, em Natal - RN, Brasil


A palavra Vendidad que batiza este trecho do Avesta é uma corruptela de Vî-Daêvô-Dâta, que quer dizer Dado Contra os Demônios (Daeva). Ele é composto por 22 Fargards, fragmentos dispostos como discussões entre Ahura-Mazda e Zaratustra. O primeiro fargard é o mito da criação dualista, seguido pela descrição de um inverno destrutivo que envolve um dilúvio. O segundo narra a lenda de Yima. O terceiro e do sexto ao décimo-nono trata sobre higiene. O sétimo, décimo, décimo-primeiro, décimo terceiro, e entre o vigésimo e o vigésimo-segundo, trata sobre doenças e feitiços e como lutar contra eles. O quarto e o décimo-quinto fargards discutem a dignidade da riqueza e da caridade, o casamento e comportamentos sociais inaceitáveis como agressão, quebra de contrato, e especificam as penitencias para expiar violações dos mesmos. 
O Vendidad é, portanto, um código de leis eclesiástico, é um livro de leis morais, e não um manual litúrgico, e há um certo grau de relativismo moral aparente nos códigos de conduta, sobretudo porque as diferentes partes do Vendidad variam amplamente em idade. Algumas parte são relativamente recentes, embora a maior parte do texto é muito antiga. O quinto fargard tem um trecho que nos interessa:


31. Ó, Criador do mundo material, tu és santo! Quem é o homem que é um Daeva? Quem é que é um adorador dos Daevas? O que é um amante masculino dos Daevas? O que é um amante do sexo feminino dos Daevas? Quem é uma mulher para o Daeva? Quem é tão mau como um Daeva? Quem em todo o seu ser um Daeva? Quem é que é um Daeva antes de morrer, e se torna um dos Daevas invisíveis após a morte? "Como a mulher é obediente ao seu marido, assim ele é para os Daevas." 


32. Ahura-Mazda respondeu: "O homem que se encontra com homens como homem e se deita com as mulheres, ou como mulher que se deita com outro homem, este homem que é um Daeva. Este  homem é um adorador dos Daevas [daevasnaya], um amante do sexo masculino dos Daevas, um amante do sexo feminino dos Daevas. Este homem é uma mulher para o Daeva, este homem é tão mau como um Daeva, que está em todo o seu ser um Daeva, este é o homem que é um Daeva antes de morrer, e se torna um dos Daevas invisíveis após a morte: assim ele é, se ele tem ficado com a humanidade como homem, ou como mulher". 
O culpado pode ser morto por qualquer um, sem uma ordem do Dastur [um líder religioso]. E somente por esta execução podem ser resgatados deste crime capital.


Os Daevas, que são tardiamente traduzidos como por demônios, mas cuja palavra ironicamente quer dizer "ser de luz brilhante", são, no Gathas, considerados deuses errados, falsos, que deviam ser rejeitados, mas continuavam sendo deuses. No livro escrito por Zaratustra/Zoroastro, os adoradores do daevas eram pessoas que ainda eram incapazes de diferenciar o asha (a verdade) do druj (a falsidade), a qual você conseguiria se fosse convertido a religião de Ahura-Mazda, mas apesar disso os próprios daevas não eram considerados mentirosos (dregvant).
Porém, no desenvolvimento da tradição zoroástrica, sobretudo no folclore, o significado de daevas se tornou ligado a ideia de demônios. Uma curiosidade: a seita persa dos Mahabadians, inclusive, acreditavam que a alma que não tinha falado, nem feito o bem, se tornava um ahriman ou gênios (dabestan), aqueles que ficavam aprisionados em lâmpadas realizando os desejos dos homens até cumprir a parcela de bem que não tinham feito vivos. Outros que se tornavam daevas eram muitas vezes os ímpios, excluídos do céu.
No texto do Vendidad, o significado da palavra está na transição do significado clássico para o sentido folclórico. Mas de qualquer forma o trecho não fala somente dos homens que "como mulher" se deitam com outros homens, isto é, que participam de relações homoeróticas, mas também aqueles que se deitam como homens com as mulheres, participando de relações heteroeróticas, ou seja, qualquer homem que se rende a luxúria, ao prazer sexual, ao morrer se tornará um daeva, a não ser que este seja assassinado, porque assim seu crime será perdoado.
A luxúria no Zoroastrismo é uma das forças que desequilibram o bom desenvolvimento da humanidade, junto com a cobiça e o ódio. Essas forças do mal devem ser contestadas de forma proativa, abraçando uma vida de bons pensamentos, boas palavras e boas ações. No caso da luxúria, exatamente, é manter-se numa vida de castidade em que qualquer sexo, qualquer um, tanto sexo entre um homem de uma mulher quanto o sexo entre dois homens ou duas mulheres,  deve ser evitado sob pena de morte. 

14 comentários:

  1. Muito legal o blog, gostei bastante... Estava no face quando apareceu a pagina decidi visitar, que bom que fiz isso... rs...

    Sou Ricardo do Bate Papo Gay
    www.batepapogay.com.br
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    gaylera05@gaylera.net

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    1. que bom que gostou, Ricardo, espero que volte sempre.

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  2. Como sempre bem informativo e de grande utilidade intelectual :)

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    1. e que partes vc não entendeu, Elian? Pergunte-me que terei o maior prazer em explicar.

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  4. Como sempre bem informativo e de grande utilidade intelectual [2]!!!

    E fico über feliz por teres curtido meu "testículo" lá no TPM.. hehe! Bjos!

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  5. Como sempre bem informativo e de grande utilidade intelectual :) [3]

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  6. A antiga religião de Zoroastro trás uma nova concepção de tempo, não mais cíclica mais linear.
    O tempo cósmico terá um começo e um fim, e é nesse tempo que se realizará o combate contra o mal. A duração temporal é consequência direta do ataque de Arimã. Este tempo tem um sentido escatológico e uma estrutura dramática – uma guerra ininterrupta até a vitória final com a destruição de Arimã e do mal.
    É nesse contexto que está inserido o Vendidad como um código de conduta moral e de purificação, não apenas no campo do comportamento sexual – luxuria – mas de todos os aspectos da vida do homem. E tudo está ligado a um ‘pecado’ maior e primordial : a mentira.
    O entendimento do termo ‘demônio’ também tem sua evolução; em uma literatura mais antiga ele aparece não como a personificação do mal ou como aquilo que inspira o mal, mas como aquele ser - sempre de origem mítica – que acusa. Que acusa o homem perante um juízo maior. Claro que com o tempo e as sucessivas elaborações teológicas o termo ganha outros aspectos e conotações . Bom... achei interessante fazer essa pequena citação.
    Como sempre um post bem informativo e de grande utilidade intelectual  4

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    1. sim, o Zoroastrismo inaugura o tempo linear e a escatologia dramática na religião, vc tem toda razão.
      sobre o conceito de demônio, eu acrescento a ideia grega de daimon (de onde a origem da palavra vem diretamente) que tinha um sentido apenas de espírito mesmo, tipo daimon da água, daimon do vento, e tal...

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  7. Eu tenho pra mim que tu faz a Flora... hahahahaha! Bjos vilanescos pra ti!!!

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  8. engraçado como os textos teóricos sobre homoafetividade acabam, quase que invariavelmente, caindo em questões de tradução

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  9. Tzá, Foxx... mas apesar do rapaz (uma pic 42) ser estranho a questà é: tu catava ou não?!? Hahahahaha! Bjos e bom fds!

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  10. muito interessante!

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" Gosto de ouvir. Aprendi muita coisa por ouvir cuidadosamente."

Ernest Hemmingway