Google+ Estórias Do Mundo: dezembro 2013

terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Ano Bom

, em Natal - RN, Brazil

Janeiro começou com profundas transformações na minha vida. Finalmente eu me assumi, de verdade, para os meus pais. Os únicos que não tinham, ainda, ouvido da minha boca que eu sou gay. Falei, então, com todas as plavras em meio a uma discussão que, como resultado, fez com que eles me expulsassem de casa.  Falei sobre isto aqui e aqui. Então somente me restava procurar um lugar para morar, o que demorei a encontrar, somente em abril eu encontrei, mas chegamos lá.
Em fevereiro eu passei o mês entre repensar meus relacionamentos com homens, decidido que eu estava em manter-me celibatário apesar dos inúmeros conselhos para que eu não fizesse isso, demonstrei minha dúvida com um texto, este, e discutindo sobre política. Através do Twitter, a graciosa Heloísa Helena, ex-candidata a presidência, me destratou mandando-me a merda porque a acusei de ser participante de todas as agressões homofóbicas que aconteciam pelo país ao ser contra o PLC 122 que criminaliza a homofobia. Por causa disso eu dediquei um texto (este aqui) para explicar o que todo cidadão gay precisava saber antes de votar.
Já em março, decidido por causa dos conselhos das runas, do tarô, de vários amigos, eu tentei me abrir mais e conhecer pessoas, tive um Encontrinho (parte 1 e 2), tentei novamente, e obviamente ambos terminaram em nada, nem uma coceirinha boa no coração. Também foi no mês de Marte que Marco Feliciano entrou nas nossas vidas, eu assustado e chocado escrevi sobre ele aqui, e este texto foi o quarto mais lido em 2013. Eu só pensava e ainda penso o quanto este país está caminhando para uma ditadura religiosa nos moldes das teocracias muçulmanas do Oriente Médio.
Abril, no entanto, viu minha vida mudar radicalmente. Primeiro eu conheci o primeiro menino a me pedir em namoro na vida, o Mr. Creepie, foi surpreendente para mim ver alguém que demonstrava estar interessado por mim de fato. A presença dele em minha vida, de fato, modificou toda a forma como eu lidava com minha solidão o que favoreceu que outras pessoas aparecessem em minha vida também. Eu estava despreocupado e nos meses seguintes outros surgiram. Também foi em abril que eu consegui sair de casa, escapando dos problemas diários que eu enfrentava com minha família, eu pude respirar aliviado no meu próprio apartamento.
Em maio eu ainda estava falando sobre o Mr. Creepie, tentei explicar quem ele era para vocês, mas eu estava surpreendido com todas as mudanças que estavam acontecendo em minha vida, era como se Saturno tivesse deixado minha vida, finalmente. Eu recebi meu diploma de professor doutor, eu estava vivendo tranquilamente na minha casa nova, e até vários meninos estavam demonstrando interesse em mim, vários meninos inclusive mais interessantes que o Mr. Creepie, o que o fez ficar muito irritado quando descobriu que eu ficava com outras pessoas exatamente como ele também fazia. No fim do mês eu contei que terminamos tudo (aqui), não derramei nenhuma lágrima por isso.
Eu imaginei que uma nova era estava começando, foi como junho se iniciou, eu pensava que a partir dali os homens não iam simplesmente sair comigo para fazer sexo e depois nunca mais dirigir-me a palavra, eu achei que a partir dali eu teria encontros nos quais eu conheceria as pessoas melhor, elas também me conheceriam melhor, e a partir daí seria possível construir um relacionamento. Foi assim que conheci o Menino Bonito, e foi assim que nosso relacionamento se deu. E eu me apaixonei. Nos meses seguintes que continuamos a nos encontrar, rompendo todos os paradigmas anteriores, eu o conheci melhor e me apaixonei por ele; infelizmente, eu não fui correspondido, mas não vamos colocar o carro na frente dos bois. 
Até porque, enquanto eu estava me apaixonando, o Brasil estava virado de cabeça para baixo. Primeiro a Comissão de Direitos Humanos propôs rever a decisão do Conselho de Psicologia sobre a definição da Homossexualidade como doença. Eles queriam propor uma tentativa de cura dos gays. Este texto foi o mais lido no ano aqui no blog, as pessoas realmente estavam preocupadas com esta ascensão religiosa no Brasil o que se confirmou quando os brasileiros saíram as ruas para reinvindicar direitos como nunca aconteceu em nossa história, tudo por causa de uma #RevoltaDoBusão começada aqui em Natal. 
Mas o fato é que em julho eu estava apenas preocupado com meu Menino Bonito. Foram quatro de nove textos sobre ele, inclusive este aqui, "Uau!", foi um dos mais lidos no ano. Os outros textos eram sobre a minha série Homohistória (2), enquanto os três outros falavam sobre minha vida sem o Menino Bonito, um deles, Puta Velha, também ficou entre um dos mais lidos do ano.
Agosto, no entanto, mês do meu aniversário, foi um mês que passamos afastados. Ele decidira por investir no outro menino com quem ele saía além de mim, afinal não éramos exclusivos, e nos tornamos apenas amigos. Dediquei-me, neste mês então, a falar sobre filosofias e aventuras, amorosas ou não, tudo para evitar pensar sobre aquele que estava dentro do meu coração o tempo todo. Foi no fim de agosto que ele também descobriu o meu blog, e descobriu tudo o que eu falava sobre ele aqui, eu estava exposto, totalmente. 
Porém, setembro não trouxe novidades. Não neste aspecto, já em relação a minha casa. Eu me mudei no início do mês. Por causa de alguns problemas que eu estava tendo com minha roomate, eu juntei minhas coisinhas e fui morar na minha atual casa, uma casa de um quarto apenas, em uma vila, na rua dos meus pais. No entanto, em outubro, como o relacionamento dele não havia dado certo, ele voltara a frequentar a minha casa, porém agora sabia sobre meus sentimentos. Eu achei que agora poderia investir, tentar fazê-lo ver que eu poderia ser o cara a fazê-lo feliz. Não funcionou, o que não me impediu de continuar saindo com outros caras, inclusive pagando por sexo também, e de dedicar-me a mim também, graças a mudanças no trabalho (eu passei a trabalhar em regime de home office), eu pude voltar, neste mês, a academia.
Em novembro outros homens passaram pela minha cama além dele, mas ele resolveu encerrar tudo comigo. Disse que se continuássemos ficando eu nunca deixaria de gostar dele e não havia nenhuma chance dele vir a gostar de mim. Concentrei-me, então, a deixar minha casa um lugar confortável para mim, também viajei para esquecê-lo, tudo para no fim ele deixar de falar comigo. Contudo, meu amor por ele vai ficar guardado com o melhor que me aconteceu em 2013 e eu sou grato por tê-lo conhecido. Muito grato.
Dezembro encerrou o ano comigo sendo despedido, a minha fase como gestor de mídias sociais se encerrou e eu fiquei em dúvidas em relação ao que quero fazer com minha vida de agora em diante, possíbilidades se abriram, mas em qual delas apostar? Qual delas pode me trazer, financeiramente, um bom resultado? Qual delas pode me trazer felicidade? Deixei para resolver isto em janeiro. Este mês também encerrou minha série Homohistória, logo logo publicarei os textos em formato de livro. Já neste mês eu me dediquei basicamente aos corais que participo, inclusive estou bastante íntimo de alguns dos membros, talvez possamos ser bons amigos, e também a Igreja em que congrego, eu, inclusive, fui aceito para o seminário para tornar-me sacerdote. 2013 terminou muito melhor do que começou, com certeza.



Talvez este seja o último texto do Estórias do Mundo, neste caso adeus, ou talvez eu volte em 2014 cheio de novas estórias para contar, neste caso até logo. Eu não sei ainda, depende se ainda há alguma estória minha para contar. Mas feliz ano novo a todos!

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Três Dicas Para 2014

, em Natal - RN, Brazil



O ano de 2014 será ano de eleição. E estamos órfãos, caríssimos! A população LGBT que segundo pesquisas representa pelo menos 10% da população brasileira está orfã nas próximas eleições. Nenhum partido ou candidato, ninguém nas eleições para o executivo, levantará nossa bandeira novamente e, mesmo que faça, a lição deixada por Dilma Rousseff, o PT e a Comissão de Direitos Humanos nos prova que somos moeda de troca, que valemos antes da eleição nossos votos, mas que também seremos facilmente abandonados quando nossos interesses forem de encontro com o de outras bancadas. Votaremos para ser trocados de novo?
Porém como não votar? A democracia é o respeito à vontade da maioria, mas a vontade da maioria que se manifestou. Votar nulo não é um ato de protesto, é deixar nas mãos dos outros a responsabilidade sobre nossa própria vida. Agora, mais do que antes, precisamos nos posicionar de forma muito clara para que os nossos políticos reconheçam que não estamos dispostos a ser enganados de novo. E como faz isso? Dou três dicas:

1) Conscientize-se e informe-se.

Não adianta de nada reclamarmos da política no Brasil e dos políticos que não nos representam, mas não lembramos em quem votamos, não cobramos dos nossos representantes eleitos aquilo que prometeram e não nos informamos sobre o que está acontecendo ao nosso redor, sobretudo, aquilo que nos afeta diretamente. Graças a internet, todavia, temos a possibilidade única de nos informarmos: blogs, sites, páginas no Facebook disponibilizam informação gratuitamente, mas sempre caberá somente a nós parar por alguns minutos no dia e lermos as notícias, pesquisarmos mais informação e juntarmos tudo a partir de nossa própria consciência crítica ou, trocando em miúdos, também precisamos não acreditar em tudo que falam por aí.
Mas, além disso, é preciso fazer um esforço de entender política. Entender quais os grupos estão em disputa. De que lado está o PSDB, de que lado está o PT, saber reconhecer a diferença entre o lado que eles dizem está e onde eles realmente estão. E, mais importante, de que lado você está e/ou pensa que está. Uma questão, inclusive, que a militância gay precisa superar é que como nossa ausência de direitos e cidadania não respeita classe social, o grupo se divide em relação a outras questões que historicamente defendeu, não obstante se reunir sob o propósito de lutar pela defesa dos direitos de todo homem ou mulher homossexual, bissexual ou transexual neste país. Um parêntese talvez precise ser aberto aqui: é bom todo mundo saber que o movimento gay nasceu anarquista e punk, chegou a ser comunista e de esquerda e acomodou-se na década de 1990 aliado da direita e yuppie. Todo este arcabouço unido que levantou nossas reinivindicações de hoje e, felizmente, nos permitiu nossa consciência de diversidade.

2) Posicione-se publicamente. 

Vivemos na época do Twitter, Facebook, Instagram e outras três mil redes sociais. E por causa destas postagens podemos fazer com que pessoas que não vivem o que nós vivemos possam experienciar aquilo que experimentamos. Falamos sobre comida, sobre filmes, sobre programas de tv, compartilhamos nossas opiniões sobre todo o tipo de assunto considerando que quem está do outro lado da tela do computador está interessadíssimo em nossa opinião, porém, estranhamente, não nos manifestamos quando o assunto é política. 
Nós, a população LGBT, é quem precisa estar atenta aquilo que nos afeta. E quando algo surgir, alguma ameaça, que pode nos prejudicar, cabe a nós colocarmos a boca no trombone. A reação, por exemplo, contra o Feliciano só aconteceu porque nós expusemos a pessoa que ele era. Sua situação se tornou um imenso escândalo político do governo Dilma e de todo o Congresso porque nós reclamamos nas mídias sociais. Sem nós não haveria a menor atenção sobre ele (inclusive foi por isso que ele foi escolhido para o cargo; por ser, apesar de racista e homofóbico, politicamente inexpressivo). 
Sendo assim, é hora de todo cidadão LGBT deste país ser um cabo eleitoral ao contrário. É hora de tomarmos para nós a tarefa de expôr os podres de cada um destes políticos que se posicionou contra nós. É hora de retirar deles os votos de nossos conhecidos, amigos e familiares. Se as pesquisas dizem que somos somente 10% da população, tomemos por nossa responsabilidade mudar o voto de cinco, somente cinco pessoas. Multiplique então 5 x 10% e você verá uma revolução.

3) Saia do armário.

Não adianta lutar, comentar, se informar, etc, se o ato político mais importante que um homem gay ou bissexual, uma mulher lésbica ou bissexual pode fazer ainda não se realizou. Foi por causa do movimento yuppie, em que gays a partir de 1980 e 1990 deixaram de lutar contra o sistema e passaram a tentar fazer parte dele, que o ato de assumir-se gay deixou de ser um manifesto libertário para tornar-se algo de foro íntimo. Estes homens e mulheres preocupados em manter seus empregos e viver uma vida sem perseguições afirmavam que isto não era da conta de ninguém. Uma bela mentira, por sinal.
De fato, assumir-se pode trazer inúmeros problemas. Há quem é expulso de casa pela família (check!), os que perdem os amigos, os que são demitidos de seus empregos ou sequer contratados (check!) ou não podem chegar a crescer dentro de empresas, e há também os que acontece tudo isso junto. Foi tentando evitar estes reveses que os jovens americanos pregavam que ser gay era algo que só devia ser mencionado dentro de quatro paredes. Porém, não obstante estes fatos, assumir-se gay é algo que você não faz para você mesmo, mas para os outros. 
Eu lembro sempre de um filme, Wedding Wars, com John Stamos (de Três é Demais) e Eric Dane (de Grey's Anatomy), um daqueles filmes B americanos, daqueles que vão direto para DVD. O filme trata da história de Ben (Dane) que faz um discurso para o governador apoiando uma lei que proibe o casamento gay, Shel (Stamos), irmão de Ben, gay, que planejava o casamento do irmão com a filha do governador suspende a organização do casamento e entra em greve. Ele faz um protesto diante da casa do governador e da noiva, o que causa um comentário negativo de um jornalista que ironiza dizendo que o mundo não precisa de gays porque eles ocupam apenas profissões supérfluas, esse comentário causa uma mobilização de todos os gays de outras profissões, jornalistas e câmeras são os primeiros a entrar em greve no ar; advogados, dentistas, professores e toda espécie de profissionais também entram em greve apoiando o personagem de Stamos. 
A ideia é perfeita, mas impraticável no mundo real porque simplesmente as pessoas teriam medo de assumir-se. O Brasil inclusive passou pelos riscos de exigir uma situação assim. A Comissão de Direitos Humanos estava em vias de decidir que ser gay era uma doença, o melhor protesto que se poderia fazer, com certeza, era que todos os homens gays e mulheres lésbicas deste pais faltassem ao trabalho no dia seguinte alegando estar com um sério caso de homossexualismo. Muitos inclusive deveriam entrar na Previdência Social com suas aposentadorias por invalidez, mas cadê que, argumentando que assumir-se é uma questão íntima, alguém teria a coragem?
Quando nós nos assumimos, quando tomamos para nós a bandeira do arco-íris, nós nos tornamos parte de um grupo político. Não é dizer para o seu amiguinho da escola que você gosta de beijar meninos, assumir-se gay é se posicionar politicamente contra uma série de posicionamentos machistas, sexistas e homofóbicos que regem o universo binário heterossexual em que homens têm um papel e mulheres outros. Além disso, nos tornamos exemplos. Assumir-se gay é assumir-se para o outro também, para a família, para os amigos, para o colega de trabalho, afinal muitas pessoas afirmam por ai que não conhecem nenhum homem gay ou nenhuma mulher lésbica, porém convivem com um em algum lugar e nem desconfiam. Como então esta pessoa vai apoiar os direitos desta minoria se ela não conhece absolutamente ninguém com quem possa relacionar aqueles problemas? Precisamos sair e mostrar a cara, mostrar que somos muitos, e que podemos fazer a diferença sim. Ou juntar as malas e fugir para a Argentina, são as únicas opções.


terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Nova(mente)

, em Natal - RN, Brazil


A Parada do Orgulho Gay de Natal, em sua 15ª edição, não aconteceu novamente. A Prefeitura embargou o evento, impedindo que os trios elétricos saíssem pela Av. Engº Roberto Freire que corta a zona sul da cidade e leva a Ponta Negra, uma das praias que são cartões postais da cidade. Este é o segundo ano que o trajeto não é autorizado pelas secretarias municipais, contudo, os organizadores insistem que devem caminhar de Ponta Negra até concluir percurso sob a árvore de Natal montada anualmente para celebrar o aniversário da cidade e a festa da natividade de Jesus Cristo.
O impasse está então localizado. A Prefeitura não permite que cidadãos que paguem impostos utilizem o espaço público em meio as boas (e ricas) famílias da cidade, atrapalhando, com certeza, o trânsito caótico da região sul da cidade. O mesmo problema, no entanto, não existe para a Macha para Jesus, felizmente. Já o movimento gay não quer retornar para a Praia do Meio. Não quer voltar para aquela região marginalizada e degradada da cidade, em que seu público ficava segregado as classes C, D e E e que decretava que o lugar que os gays de Natal podem ter orgulho de sua sexualidade é nos subúrbios da cidade, em suas zonas de prostituição e no colo de cafuçus que bebem latas de Pitu com Coca-cola.
Ocupar Ponta Negra, sendo assim, e ter seu lugar dentro da programação da festa de aniversário da cidade é, para a militância LGBT, simbolicamente, muito importante. O dia que a parada gay conseguir sair, na verdade, vai marcar definitivamente uma percebepção diferente dos governantes potiguares e, principalmente, natalenses em relação a sua população de gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transgêneros. Este dia histórico marcará o momento em que esta cidade finalmente aceitará com orgulho boa parte dos seus cidadãos que ainda vivem como uma segunda classe.
Mas o movimento gay de Natal também precisa aprender novos truques. Trios elétricos caríssimos, mas nenhum centavao em divulgação? Nada em outdoor ou TV, e uma campanha porca nas mídias sociais? É preciso se preparar todo ano, antes da parada, é preciso arrecadar o apoio, por exemplo, das boates da cidade para arrecadar fundos com festas beneficentes para a parada, com uma excelente assessoria de imprensa é preciso vender reportagens e levantar entrevistas chamando o povo para as ruas. Mas, principalmente, é também preciso atualizar o discurso: não existem mais "simpatizantes" na nossa sigla, até porque exigimos aceitação e respeito, não simpatia pela causa; também não cabe a ninguém em cima de um trio com o microfone na mão dizer que "nós temos que nos dar ao respeito", não cabe, definitivamente, a ninguém de uma militância LGBT levantar qualquer bandeira moralista. Não precisamos nos dar ao respeito para exigir respeito, esta frase machista não pode estar na boca de ninguém ali porque ela somente reforça o preconceito de qualquer heterossexual que escuta este discurso. "Posso bater naquele viadinho porque ele não se dá ao respeito", é o primeiro argumento que você vai escutar da boca de um homofóbico. 
Não que eu acredite que a parada estava mal organizada, sei que todos os problemas que ela teve não foi por culpa dos membros do movimento na cidade, mas é sim preciso, sobretudo, para a parada gay de Natal uma atuação mais profissional dos militantes e para isso é necessário que tenhamos pessoas capacitadas para todos os trabalhos. Jornalistas trabalhando como assessores de imprensa, advogados e gestores de políticas públicas entrando com as requisições para qualquer tipo de autorização para a realização do envento, publicitários lançando campanhas para a divulgação do evento, artistas realizando eventos para levantar fundos para evento. É preciso voluntários e para isso é necessário abrir as portas, é hora da militância natalense se renovar, mas eu mesmo já tentei participar do grupo e, apesar de todos os contatos para participar das reuniões, eu nem consegui descobrir onde ela se realizava. 
Vou esperar a 16ª Parada do Orgulho Gay e ver se a história muda.
Feliz Natal.

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Como Minha Mente Funciona

, em Natal - RN, Brazil


Outro dia, no Twitter, o @uaiNick postou esta notícia aqui que me deixou bastante intrigado. A notícia publicada pela Folha de São Paulo, em seu portal on-line, cuja manchete dizia "Gordinho Saudável é um mito, diz pesquisa", falava que segundo pesquisadores do Hospital Mount Sinai, em Toronto, Canadá, não haveria um nível saudável de obesidade. A pesaquisa consistiu em monitorar o coração de pessoas que, apesar de acima do peso, mantinham níveis de colesterol, pressão arterial e açúcar normais durante dez anos. A afirmação ao final da notícia, assinada pela enfermeira-chefe do hospital e não pelo responsável pela pesquisa, é de que sem controlar o peso, com o tempo, com certeza, o risco de doenças cardiovasculares será gigantesco.
Eu li e parei para pensar. Eles acompanharam "gordinhos saudáveis" por 10 anos. Tempo, dez anos. Porra, esse povo por acaso não envelheceu? E como não existe menção na existência de grupos de controle com magros saudáveis, magros com taxas alteradas e gordos com alterações de colesterol, pressão e açúcar, nós simplesmente não sabemos se qualquer um, magro ou gordo, que se exercite ou não, quando envelhece tem mais chances de ter problemas do coração. Não sou especialista na área, mas acredito, que todos, independente do peso, precisam se cuidar mais na velhice pois todo o corpo fica mais frágil e, portanto, os 10 anos de acompanhamento, não a gordura corporal, seria o fator de risco que prejudicou o resultado final da pesquisa. Porém, na notícia, cuja origem é a BBC, a Folha apenas traduziu a matéria, não é uma preocupação do jornalista (que deveria ser especializado em jornalismo científico) nem dizer qual era a idade do grupo analisado. E, sinceramente, eu estranho quando uma notícia científica esconde parte dos dados, vocês deveriam também.
Aí eu lembrei do Nazismo. Hitler, Alemanhã, II Guerra. Lembrei de Hans Günther e seu Higiene Racial do Povo Alemão, dos médicos Josef Mengele, Sigmund Rascher e Karl Brandt e como a ciência (e a medicina especificamente) foi utilizada para autorizar o extermínio de um povo que era "comprovadamente" inferior. A ciência do início do século XX (e não apenas na Alemanha, mas em todo o mundo, veja, por exemplo, Gilberto Freire, no Brasil, e o nosso mito de democracia racial) havia construído e provado a existência do conceito de raça e autorizava com isso todo o horror nazista, o Holocausto e os campos de concentração. E pensei: qual a diferença?
Respondi então no Twitter para o @uaiNick que aquilo me parecia "ditadura da magreza", e eu me lembrava da Cidade da Penumbra do futuro apocalíptico de Lollita Pille em que você é proibido de ser gordo e/ou infeliz. Eu não conseguia enxergar diferença entre um artigo sobre ciência que omite uma parte importante da pesquisa que se referenciado poderia fazer com que a mesma fosse interpretada de forma oposta. "Gordinho, se você manter seu colesterol, pressão e açúcar em níveis normais, você tem a memsa chance de um ataque cardíaco que uma pessoa magra quando envelhecer". Porém, o objetivo aqui é obviamente outro. Não é tranquilizar a população, mas instigá-la a procurar o pote de ouro no fim do arco-íris. Continue atrás da magreza, continue atrás da saúde! Minha dúvida, entretanto, é a quem esta falácia jornalística poderia beneficiar. A indústria da moda? Não, ela também é usada para perpetuar essa imagem com suas modelos esqueléticas e homens com pernas raquíticas e troncos desproporcionais. A indústria textil? Ela não seria obrigada a mudar os moldes, mas também não poderia vender mais caro as roupas especiais. A indústria farmacêutica? Ela tem o costume de criar doenças para vender novos remédios. Ou será que eu estou vendo conspirações onde elas não existe e apenas os jornalistas da BBC não sabem fazer jornalismo científico de qualidade?

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Fale-me de Poesia

, em Natal (RN), Brazil

Dois meses de academia e eu não percebo diferenças, mas a fita métrica, como as linhas vermelhas acima marcam, vê. Eu não tenho sobre o que falar, por isso o assunto sobre minhas medidas e a academia. Não tenho nenhuma estória para contar. Estou trabalhando como vendedor numa loja de roupas durante este fim de ano, um trabalho temporário que eu nem quero que seja permanente. Não gosto de trabalhar com vendas. Estou cantando muito porque o fim do ano é a época que todo mundo quer ver corais cantando canções de Natal, então, em dois corais, significa o dobro de apresentações. É bastante! Estou me formando no curso técnico de desenho que estou fazendo no Instituto Federal de Ciência e Tecnologia daqui. Farei uma exposição com todos os formandos com meus desenhos e já fui convidado para em maio fazer uma exposição individual. Como eu disse, não tenho estórias para contar. Também hospedei uns amigos na minha casa por um fim-de-semana por causa do Natal em Natal, assisti ao show de Roberta Sá tomando vodca com refrigerante sob a árvore de Natal e voltei sozinho para casa, apesar de um cafuçu ter se oferecido para dormir na minha casa do nada. Lembro que ele me pediu um cigarro que eu não tinha (tenho evitado fumar) e já se ofereceu para dormir comigo. Eu fiquei com medo de ser assaltado. Mas não tenho estórias para contar. Também tenho me dedicado bastante a minha igreja, fui a um retiro e me candidatei para o seminário, se aprovado ao final me tornarei sacerdote do templo. As aulas serão às segundas e sábados. Tenho também feito arte para decorar minhas paredes, tenho desenhado palavras e as colado nas paredes de minha casa, é uma mistura de pintura, desenho e poesia. E, definitivamente, era o tipo de coisa que faltava por aqui.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Carteirinha

, em Natal (RN), Brazil

*Diálogo semi-ficcional (isto é, não aconteceu exatamente assim, mas foi quase).


Puxei uma conversa com um amigo no Facebook:

- Vamos ouvir o cd novo de Beyoncé comigo?, eu disse.
- Nam, tô ouvindo Pearl Jam.
- Valha, assim vou tomar sua carteirinha de viado, brinquei.
- E por acaso todos os viados precisam ser iguais?
- Precisam!, continuei brincando.
- Mas claro que não...
- ...
- Não preciso ficar ouvindo essas divas pop para ser gay...
- Amigo, 'xeu te contar. - fiquei sério naquele instante porque percebi que ele não havia levado a conversa na brincadeira - Não existe carteirinha de viado. Você pode continuar dando o cu a vontade, ninguém vai te impedir não. Inclusive todos podem dar o cu, nem precisa ser viado. Todo homem e mulher pode ter prazer através do ânus, eles não fazem por preconceito, por pura homofobia ao acreditar que isso é coisa de viado. 
Ele ficou em silêncio, e eu concluí falando:
- Aff, sabe nem brincar. 

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Hatti: Os Deuses Protetores

, em Natal - RN, Brasil
Poucas referências religiosas foram legadas para nós pela civilização hitita, os poucos textos que nos chegaram foram tábuas de treinamento de escribas que restaram após a destruição da civilização, recuperadas na capital, Hattusa. Textos sobretudo muito tardios em relação a quando estes foram compostos. São em sua maioria parte da administração do templo como a organização do culto ou relatórios sobre os trabalhos dos adivinhos. O acesso a religião hitita se dá, portanto, através das referências feitas a partir de esculturas feitas em pedra, no qual os deuses aparecem normalmente montados nas costas dos seus animais símbolos. É interessante também registrar que era comum na mitologia hitita o aparecimento de animais como pégasos (cavalos alados), grifos (leões com asas) e quimeras (cabras com peles de serpente), etc.
Sua mitologia era claramente influenciada pelos mitos mesopotâmicos, demonstrando as relações entre estas duas civilizações, porém ela manteve suas características próprias. A cidade de Arina era o maior centro religioso, onde havia um grande templo ao deus solar, Utu ou Istanu, e o deus das tempestades, Tarhun, os grandes protetores do imperador. No entanto, Gary Beckman afirma que era comum encontrar além destes deuses nacionais, versões próprias de cada um dos habitantes, ou versões de grandes centros religiosos como Nerik.
Porém entre a maior parte da população o panteão hitita se configura com Tarhun, o deus da tempestade e do trovão, que é casado com a deusa-mãe, Hannahannah, senhora dos animais. Eles tiveram dois filhos: um homem, Telepinu, deus da agricultura e fertilidade, e Inara, deusa da primavera. O mito de Telepinu inclusive é extremamente parecido com o mito de Adonis. Ele desapareceu da face da Terra e todo o mundo secou e murchou, sua mãe, desesperada, enviou animais por todo o mundo procurando pelo filho, até que uma pequena abelha encontrou o deus. Ele havia sido sequestrado pelo deus do mar e do mundo dos mortos, Aruna, que exigiu que para que ele fosse libertado o jovem deus deveria casar com sua filha, Hatepuna. Aruna era filho da deusa da cura e da magia, Kamrusepa, que é quem define a forma como o sequestro deve ser resolvido, e irmão da deusa dos juramentos e do amor, Ishara, a deusa da constelação de escorpião, cujas estrelas são seus sete filhos, os Sebitti. Também podemos citar como deuses importantes Arma ou Kaskuh, a deusa da lua, ou a deusa dos  pastores, Habantali, ou a deusa dos reis, Hanwasuit; além, é claro de Alalus, o grande deus criador que criou o universo e é substituído por Utu, seu filho como rei do universo, este é substituído pelo seu próprio filho, Kumarbi, que é substituido pelo seu póprio filho, Tarhun.
No século XIII antes de Cristo, preocupada com o sincretismo cada vez maior existente em sua religião, Puduhepa, rainha e sacerdotisa, fez a primeira reforma religiosa hitita. Em uma inscrição ela fala:  "Sol, deus de Arinna, você é meu senhor, você é rei de todas as terras. Na terra de Hatti que assumiu o nome de Utu, deus de Arinna, mas no que diz respeito à terra que fez de cedros (ou seja Arinna) assumiu o nome de Hebat".
Contudo, entre estes deuses existe uma categoria específica chamados de Lamma. Segundo Billie Jean Collins, a palavra significa "poderoso/a" ou "virtuoso/a", e eles têm um papel de protetores contra o que existe de mal na natureza. Os Lamma (lammassu) faziam parte de rituais e cerimônias envolvendo santuários portáteis que poderiam ser uma espécie de carrinho sagrado ou até um objeto sagrado ou mesmo o próprio rei. Gregory McMahon em sua tese de doutorado faz quatro distinções entre os tipos de divindade Lamma:
1) As divindades cujos nomes estão escritos nos textos, como, por exemplo, Inara é referenciada (Inara Lamma = Poderosa Inara);
2) As divindades cujo título é, somente, Lamma;
3) As divindades cujo título é Lamma, mais o nome de uma cidade, o que significa que estes deuses protegem especificamente uma cidade;
4) As divindades cujo título é formado por Lamma mais um epíteto, que pode ser uma outra palavra ou um sufixo cuja origem pode ser hitita, luwita, sumério ou mesmo acadiano. Tal relação, afirma James Rogers, indica que a origem do deus é provavelmente estrangeira e é também Rogers quem encontra 35 usos no Antigo Testamento da mesma fórmula hitita demonstrando que existe influência na composição da Bíblia da mitologia hitita.
Contudo o Lamma que nós procuramos é o Lamma Lulimi, ou o Lamma, o Efeminado, ou o Passivo, ou o Fraco, que é oposto sempre ao Lamma Innarawant, Lamma, o Másculo, o Víril, o Poderoso.  Ilan Peled afirma que a relação etmológica das palavras Lamma e Lulimi não é bem clara. Segundo ele a tradução de Lulimi como efeminado que aconteceu na década de 1930 só ocorreu após a tradução da palavra Inarawant  como "másculo, viril, poderoso", o que resultou que o deus que deveria ser oposto a ele, segundo o ritual Anniwiyani, deveria ser traduzido como efeminado, passivo e fraco. Novas pesquisas, contudo, que associam a palavra Lulimi ao verbo Lulli, prosperar, permitiram que a tradução começasse a ser revista para algo como "próspero, feminino, fértil". A ideia aqui é que o feminino ainda é o que este lamma protege, enquanto o segundo rege o mundo masculino, este deus protetor também protege os homens que são passivos nas relações sexuai, enquanto Innarawant protege aqueles que são ativos, todavia se retira do nome do deus a ideia imediata de que este feminino é por si negativo, ele só é negativo quando está em um homem, um lugar de onde ele não é natural. Cabe a mulher, e somente a mulher, segundo o pensamento hitita ser feminina e fértil. 

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Bang Bang

, em Natal - RN, Brasil



Saímos juntos pela primeira vez numa terça-feira à noite. Nós três cantamos no mesmo coro. Eles cantam no naipe dos baixos, eu não diria que são os únicos baixos gays do planeta, mas com certeza isso é bem raro. Sentamos em um bar de mesas de plástico em torno de um cajueiro em uma rua movimentada de Neópolis. Falávamos sobre música, cerveja, namoros e decoração. Ríamos de besteiras e esquecíamos de problemas. Era bom sair com novas pessoas, eu preciso mesmo refazer meu grupo de amigos já que os antigos se afastaram e os novos são (pela idade mesmo) novos demais. Brindamos a isso: novos amigos.
Estávamos então distraídos quando um homem se levantou na mesa ao lado. "Está acontecendo uma assalto no bar ao lado", disse. Havia um outro bar alguns metros adiante abarrotado de mesas douradas também de plástico. Um motoqueiro apontava uma arma em direção aos clientes. Foi quando o homem que se ergueu sacou também sua arma. O amigo dele que estava sentado ali já havia corrido para o outro bar e gritava para o motoqueiro: "Parado, polícia!". O primeiro tiro foi disparado pelo ladrão. Todos correram do bar que eu estava. Havia, inclusive, um casal com uma criança pequena. Os policiais responderam os tiros. Três ou quatro disparos já havia sido feitos quando percebi que eu havia corrido também e que, por milagre, havia lembrado de pegar minha bolsa que estava no chão.
Via as pessoas correndo sem rumo, eu sabia, no entanto, que tinha que colocar algo entre mim e os disparos que continuavam. Entrei então no banheiro feminino, atrás de mim vieram meus amigos baixo e barítono, um casal (gay) de namorados e uma moça. As balas continuavam lá fora e a porta de madeira foi fechada com o ferrolho de metal. Um dos meninos gays sentou no vaso sanitário e se apegou com Deus em orações, o namorado tentava acalmá-lo com uma mão em seu ombro. Eu vi que havia um cigarro aceso na minha mão que resolvi apagar para não incomodar ninguém.
Os disparos do lado de fora cessaram e um silêncio tenso se instalou. Foi meu amigo baixo que abriu a porta, o menino que rezava, apavorado, pedia que perguntássemos se tudo tinha terminado. Saimos, o baixo me perguntou: "Pedimos a conta?". Eu respondi procurando minha carteira já. "Ainda tem mais da metade da cerveja na garrafa que está na mesa, mas podemos pedir a conta...". O baixo riu então e falou que deveríamos, portanto, terminar a cerveja e se acalmar antes de sair. Sentamos novamente, enchemos nossos copos e comentamos sobre o ocorrido e, logo, a rua estava apinhada de curiosos e três ou quatro viaturas. "Olha, eu acho que não precisamos sair daqui não, hoje, agora, não existe lugar mais seguro em Natal".

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Sentenças

, em Natal - RN, Brasil


Eu estava sentado no batente da porta da sala de um amigo, a porta que dava para o pátio da vila em que ele mora em Ponta Negra. Da janela dele era possível ver o mar verde de Natal até onde ele toca o horizonte. O dono da casa estava sentado à mesa do outro lado da sala, um outro amigo estava sentado no lado oposto aquela távola redonda. Foi este que puxou a conversa:
- Entre vocês, gays, têm algum problema se o namorado ficar com uma mulher?
O dono da casa respondeu:
- Olha, comigo, traição é traição. Pouco importa se com homem ou com mulher. Não muda em nada o fato de que ele me traiu.
Eu respondi em seguida:
- Comigo depende. Depende do contrato da relação. Porque se nós combinamos que não haveria outras pessoas na relação isso deveria ser respeitado, porém, p'ra mim, eu não exigira que um namorado meu não ficasse com nenhuma outra pessoa. Fidelidade e exclusividade para mim não são importantes.
Eles me olhavam curiosos neste ponto. Então eu continuei.
- Eu teria facilmente um relacionamento aberto. O que eu exigira, com certeza, seria lealdade, que, por exemplo, caso acontecesse algo com outra pessoa ela me contasse e não mentisse para mim, porque eu vejo que uma base muito mais interessante para um relacionamento não seria a fidelidade, mas a lealdade. E lealdade é diferente de fidelidade.
- De fato, não é a mesma coisa.
Concordou o dono da casa.
- Cada cabeça uma sentença, não é?
Encerrou o outro.