Google+ Estórias Do Mundo: abril 2013

terça-feira, 30 de abril de 2013

China: Os Estuprados Por Dragões

, em Natal - RN, Brasil






A maior parte dos mitos chineses que falam sobre experiências homoeróticas têm personagens jovens ou meninos, uma exceção é o conto O Fazendeiro e o Dragão. Apenas dragões consistentemente tem relações sexuais com homens mais velhos. No conto, um agricultor de 60 anos de idade chamado Ma passeava ao longo de um campo, quando, de repente, ouviu trovões, o céu ficou cinza e uma tempestade começou a se formar. Ele sentiu um mal pressentimento e um arrepio nas costas e pensou que os céus estavam irados com ele, ele então se abaixou, ajoelhado, com a  cabeça colada ao chão, e ficou imóvel, tentando esconder-se. Em vez da ira do céu, no entanto, foi um dragão que voava por ali e resolvera pousar. Chegando ao chão, o dragão encontrou Ma deitado, com as nádegas para cima. Excitado, o dragão resolveu que possuiria Ma ali mesmo. Ele penetrou-lhe, com violência, enquanto mordia-lhe a cabeça. Depois de terminado, o dragão subiu aos céus envolvido com trovões e relâmpagos, o fazendeiro foi deixado sozinho no chão, com todo o corpo coberto com o líquido fedorento deixado pelo dragão. Inicialmente, o agricultor não ousou mencionar a ninguém o que havia lhe acontecido, porém os ferimentos causados pelo pênis do dragão e as mordidas do animal começaram a doer muito, ele então teve que procurar um médico e revelar o que lhe acontecera.
 Os dragões são bestas mitológicas descritas pela combinação de diversos animais: olho de tigre, corpo e pescoço de serpente coberto por escamas de peixe, patas de águia, chifres de veado, orelhas de boi, bigodes de carpa, cabeça de camelo, apesar que os dragões também possuíam a capacidade para mudar de forma, tornar-se invisível e até brilham no escuro. Embora muito raras, existem variações do dragão chinês "padrão": algumas esculturas e estátuas de dragões foram encontradas com asas brotando por trás de suas pernas da frente, enquanto outros foram apresentados como tendo o corpo de uma carpa, barriga de uma tartaruga, e a cabeça de um cavalo. Muitas representações mostram também o dragão com uma pérola flamejante sob seu queixo, outro símbolo de boa sorte e prosperidade.
Os dragões são animais sagrados que participaram com Pan Ku, o deus criador, da criação do mundo. Eles representam a energia que destrói, mas também permite o nascimento. Eles aparecem comumente como um símbolo auspicioso. A origem exata do dragão na cultura chinesa permanece indefinida, embora suas primeiras representações possam ser rastreadas até os totens feitos por várias antigas tribos chinesas. Contrariamente à versão européia e medieval, os dragões chineses não cospem fogo, nem foram pensados ​​para ser bestas inteiramente más. Eles eram vistos como sendo sábios e carinhosos, possuindo personalidade e poderes mágicos. Dragões se transformariam em animais ferozes se eles se irritaram.
Estes animais se dividem em quatro espécies: os dragões de fogo, vermelhos, que protegem os elementos naturais, inclusive, o vento, o fogo, o céu e um raio, e tem uma personalidade extrovertida e facilmente procuram brigas; os dragões da terra, verdes, responsáveis por vigiar os tesouros da terra, as plantações e as montanhas, estes são bondosos e sempre tentam ajudar os outros; os dragões de metal, que são dourados, e guardam os metais e pedras preciosas, estes são sovinas, egoístas e não costumam se preocupar com os sentimentos alheios; e os dragões de água, que são azuis e guardam a chuva, cachoeiras, poços e mares, e toda a água, são os mais sábios. Dawn R. Cole afirma que essa preponderância dos dragões de água sobre os outros é porque a água era de importância primordial para a sobrevivência na China Antiga, por isso era entre eles que haviam os quatro grandes governantes: o Dragão do Mar Leste, o Dragão do Mar Sul, o Dragão do Mar Oeste e o Dragão do Mar Norte, que governavam o mundo.
O dragão é, então, para os chineses a personificação do yang, o princípio masculino. E Allan J. Stover diz: "Os símbolos são uma introdução ao pensamento sem palavras, e formam uma linguagem de analogia pelo qual podemos explorar a interioridade do universo". Ele também afirma que cada símbolo tem o seu significado inerente, mas este é sempre um significado geral, o símbolo somente adquire um significado específico quando está em utilização dentro de um certo processo cultural, como o mito. Em outras palavras, podemos dizer que o sentido de masculino que o dragão possuí é seu significado geral, contudo dentro do mito em que ele sodomiza um velho, o dragão ganha um significado específico.
A primeira questão a se colocar sobre o mito do velho Ma e o dragão é a situação de estupro/violência em que se dá o contato homoerótico, o dragão não seduz do fazendeiro, ele apenas toma-o, goza e parte; não existe carinho da besta pelo senhor, não existe nenhum amor, apenas um impulso sexual que precisa ser obedecido. Este é o princípio masculino personificado pelo dragão, sem a presença do yin, a potência feminina, o dragão toma aquilo que sente vontade sem levar em consideração o outro. O dragão, completamente macho, é incapaz de se colocar no lugar do outro, de demonstrar empatia por aqueles que estão em seu entorno, tal dom, tal característica receptiva/passiva é parte de nossa natureza yin, natureza esta que o dragão não possui.
A segunda questão é a vergonha que impede o velho Ma de procurar ajuda imediata para os ferimentos que o dragão lhe causaram, a dor precisa se tornar insuportável para o velho contar a alguém que havia sido sodomizado por um dragão. O estupro per si pode ser o motivo, mas uma leitura apressada poderia dizer que o fazendeiro teria vergonha da relação homoerótica, porém se procurarmos a literatura que fala sobre a reação das mulheres que eram vítimas de estupro na China Antiga veremos que elas muitas vezes cometiam suicídio dado a vergonha que representava terem sido violadas por um homem estranho. A situação de Ma é a mesma, a vergonha pelo estupro é sem dúvida a tônica que o impede de pedir ajuda, pois o coloca numa situação enfraquecida e completamente passiva/feminina/yin, que ofende sua masculinidade de forma muito pior que a própria relação homoerótica.

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Passarela

, em Natal - RN, Brasil


Era noite. Meu relógio já marcava quase 23h e eu precisava chegar em casa. Era sexta-feira, de uma semana complicada, de muita coisa para fazer, de um fim de semana que prometia também não ter nada de descanso. Eu esperei por horas o ônibus em um ponto, eu já havia lido cinco capítulos de Vida Secreta dos Grandes Autores, que me acompanhava por aquela semana, e o 63 não resolvera passar. Desisti e resolvi cruzar a avenida através de uma passarela, para ver se do outro lado, eu tinha alguma chance de pegar outro ônibus. Caminhei apressado, preocupado em não perder o ônibus que porventura passasse pelo outro lado. 
Foi quando eu subia pela passarela, que eu o vi se aproximando. Corpo músculoso, carregando uma mochila nas costas, o bíceps contraído forte, o peitoral largo e a barba por fazer. Passei por ele e não deixei de olhar para trás, sempre vejo se a bunda é tão bonita quanto o resto do corpo, e era, mas me surpreendi quando vi que ele também estava olhando para mim. Foi um susto, praticamente. Ele descia as rampas da passarela e eu subindo me afastava, mas ele continuava a me olhar sempre. E eu continuava achando estranho. Foi quando de repente ele parou. E voltou. Subiu correndo a passarela, e eu, que estava no meio dela, não sabia o que fazer. Parava e esperava? Mas e se ele não estivesse voltando por mim? Enquanto eu não sabia o que fazer, ele continuava subindo e correndo. Ele não demorou para me alcançar.
"Oi, boa noite!", ele se aproximou dizendo. Eu respondi, e o vi de perto. Muito mais bonito do que aqueles segundos em que nos cruzamos permitiu ver. Tinha uns olhos grandes, negros, e uma barba bem cuidada, parecia macia, como os cabelos curtos e castanhos bem escuros que usava raspado. Era quase nada mais baixo que eu. A camisa de manga longa, branca, brigava com os músculos dele que pareciam querer explodi-la. "Você é professor, não é?", ele me perguntou e respondi que sim, no mesmo momento eu tentei puxar a memória todos os meus ex-alunos, mas ele não me lembrava ninguém, rapidamente eu cheguei a conclusão que se ele era uma das crianças que eu dei aula quando era professor de história, com certeza, muita academia o havia deixado impossível de ser reconhecido por mim. "Você é de Pau dos Ferros?", eu estranhei. "Não! Não sou, sou daqui de Natal mesmo!". Ele coçou a cabeça, e perguntou se eu era professor de sociologia ou algo do tipo. "Não, sou de história!". Ele tocou meu ombro nesse momento. "Ah, desculpa, eu achei que você era outra pessoa... um professor meu que estou procurando há muito tempo", falou isso e já ia se afastar, quando eu contra-argumentei: "Você correu isso tudo somente porque eu parecia um professor antigo seu?". Ele respondeu que sim. "Foi isso mesmo, cara!". Eu não acreditei, e você?

terça-feira, 23 de abril de 2013

Gelo Fino

, em Natal - RN, Brasil



Não, eu sei que todos se irritarão com este comentário, mas não estou feliz. Estou bem melhor, sem dúvida. Mas feliz ainda não dá para dizer porque parece ainda que caminho sobre gelo fino. As coisas têm melhorado. Conhecer o Mr. Creepie tem sido interessante, é realmente surpreendente ver alguém tão dedicado a demonstrar interesse por mim, é estranho todo o excesso dele, principalmente porque todo mundo sempre me ensinou que isso é interesse demais para alguém que me conhece tão pouco, mas não vou negar que me faz um bem danado ver que alguém nutre algum sentimento por mim. Eu estava há tanto tempo acostumado a ser considerado ou o passatempo para sexo ou o amigo assexuado que é refrescante, a palavra é bem essa mesmo, é refrescante esta situação nova. É como um sopro de ar novo na minha vida sentimental toda, e não por acaso, ao mesmo tempo que isso tem acontecido, outras pessoas também começaram a aparecer, principalmente através do Facebook em que nunca na estória deste país fui tão cutucado por pessoas completamente estranhas e, na maioria dos casos, bem interessantes. Outro dia um menino até me parou na rua e não foi para me convidar para fazer sexo em uma rua escura. É chocante ver tudo isso acontecer. Alguma coisa mudou.
Ao mesmo tempo, também, consegui sair de casa. Ainda não fiz minha mudança completa, mas o apartamento já está alugado. Estarei dividindo o apartamento com uma amiga do templo que frequento. Já levei para o apartamento metade das minhas coisas (principalmente livros), falta as outras que estou levando aos poucos, além de que estou comprando coisas para minha casa, escolhendo bobagens como copos e panelas e poder fazer isso me dá uma sensação ótima. Estou pesquisando, por exemplo, caixas plásticas para guardar minhas revistas em quadrinhos (quero aquelas de frutas, vazadas, sabem?), e o procurar isso para a minha casa é extremamente prazeiroso. São essas pequenas coisas que sempre me fizeram falta. Quando eu falava aqui que eu me sentia infeliz é porque eu não tinha essas coisas: eu não tinha um convite para almoçar com alguém durante a semana, eu não passava diante de lojas e comprava uma conha para sorvete vermelha porque combina com minha cozinha. Repito, as coisas têm melhorado. Estou bem melhor, sem dúvida. Mas não estou feliz, eu prefiro esperar para anunciar a minha felicidade quando ela estiver mais sedimentada, quando ela não possa ainda se desfazer como pó de um dia para o outro, porque ainda parece que caminho sobre gelo fino. Em resumo, eu tenho ainda medo que essas conquistas sejam apenas uma ilusão e que derretam na minha mão como gelo sob o calor escaldante de Natal.


sexta-feira, 19 de abril de 2013

China: Os Amantes dos Xian

, em Natal - RN, Brasil


Existem várias histórias populares chineses sobre encontros homoeróticos. Entre elas podemos citar as mitos dos Xian. Os Xian são espíritos-animais que muitas vezes escolhem como parceiros sexuais homens, velhos, jovens ou meninos. Alguns mitos mostram-nos pedindo permissão ao Senhor das Fadas para ficarem com seus amantes por algum tempo, o que poderia ser por anos, por exemplo, passando muito tempo afastado do reino das fadas. Eles raramente recebiam esta permissão, contudo isso não os impedia de manter seus casos com humanos, porém quando o rei os descobria exigia que eles voltassem ao reino, com isso abandonando seus amantes, dando a esses contos sempre finais melancólicos. Um exemplo é o conto: "A Raposa e o Estudioso".
Neste conto um acadêmico, sem atração pelas mulheres, vivia sozinho em uma casa grande. Em uma noite, um homem vestido de preto entrou na sua casa e o convidou para sexo. O homem vestido de preto era, em outra encarnação, o marido daquele estudioso, que era sua esposa. Eles se amavam profundamente e juraram amor além daquela vida. Mas seus votos foram feitos durante uma guerra, e a bela esposa (agora o estudioso) fora capturado pelos rebeldes, contudo, para evitar o estupro, ela suicidou-se para manter-se fiel a seu marido. O marido, no entanto, seguiu os rebeldes para salva-la e, para isso, ele teve que abandonar o exército do rei.
Por causa da castidade da esposa, que estava disposta a matar-se para preservá-la, ela foi autorizada pelo imperador do mundo inferior a reencarnar como homem, mas o marido, que seguiu os rebeldes e não mostrou lealdade ao rei foi obrigado a reencarnar como raposa. Apesar disso, a raposa queria manter seu relacionamento com sua esposa ainda nesta nova vida, então ele praticou alquimia e tornou-se homem, o que lhe permitiria buscar a sua esposa entre as cidades humanas. 
Depois de ouvir o homem vestido de preto (na verdade, a raposa), o estudioso vagamente lembrou-se de sua vida passada. O estudioso então perguntou a raposa como eles poderiam manter qualquer relacionamento sexual agora se ambos eram do sexo masculino. A raposa sorriu e respondeu: "Isto não deve ser nenhum problema, desde que nós nos amamos, nada mais importa. Não importa se somos dois homens ou um homem e uma mulher, ainda poderíamos amar um ao outro". O estudioso então concordou e abriu sua roupa e eles compartilharam momentos íntimos com o homem-raposa.
A raposa passou a vir a casa do homem a cada dois dias, sempre marcando com sua garra uma coluna na entrada da casa. Uma noite, porém, a raposa disse ao estudioso: "Esta é a nossa última noite juntos. Amanhã você pode verificar quanto tempo nos amamos em um dos pilares desta casa". Na manhã seguinte, o estudioso acordou e verificou os pilares, em um havia 365 marcas, a raposa tinha conseguido manter seu relacionamento com sua ex-mulher, agora um homem, por mais de um ano, o tempo que o feitiço usado por ela permitia.
Outro conto de teor homoerótico que envolve espíritos-animais é o Fazendeiro e o Porco. Neste mito havia um fazendeiro a região do Amarelo que tinha um porco que ele criou desde filhote, sempre o tratando com muito carinho, porém o fazendeiro vendeu o porco para um açougueiro. Após o animal ser abatido, sua alma não pode descansar e foi para o imperador do mundo inferior e reclamou do agricultor. O porco disse: "Eu não posso reclamar de ter encarnado como porco, nem de ter sido massacrado porque este era o meu destino, mas o meu senhor teve carinho comigo, ele não deveria ter me enviado para o açougueiro por dinheiro". O imperador decidiu que o porco estava certo e permitiu que ele se vingasse do agricultor. O porco mordeu então o agricultor em suas nádegas, em um sonho, e quando o fazendeiro acordou ele sentiu uma intensa coceira no anus fazendo com que ele precisasse desesperadamente de alguém para sodomizá-lo, a fim de parar a coceira.
No entanto, quanto mais sexo ele fazia, mais crescia a coceira e ele não conseguia encontrar nada nem ninguém que a fizesse parar, tentou inclusive estacas de bambu para a tarefa. Até que um dia, o fazendeiro estava bêbado e seu anus começou a coçar, ele entrou então no açougue e pegou uma faca afiada, usada para matar os porcos, e tentou usar a lâmina para parar a coceira, ele se cortou e sangrou até a morte. 
Em ambos os contos, princípios budistas como a reencarnação e a retribuição cármica são representados pelas relações entre homens e animais. Segundo os ensinamentos budistas, há um ciclo de mortes e renascimentos nos quais a consciência do indivíduo se expande progressivamente chamado de Moksha que pode (e deve) ser transcendido por meio da prática do Nobre Caminho Óctuplo, isto é, uma prática que acelaria o processo de consciência do indivíduo sobre seu corpo, mente e espírito e envolve, primeiro, a compreensão correta das Quatro Nobres Verdades de maneira a entender as coisas como elas realmente são e por isso querer se libertar e ajudar outros a fazerem o mesmo; em segundo lugar o pensamento correto, desenvolvendo qualidades de bondade amorosa; em terceiro lugar a fala correta, abstendo-se de mentir ou usar palavras ásperas; em quarto, a ação correta, promovendo a vida e a generosidade; em quinto lugar, o meio de vida correto, compreendendo o próprio corpo e olhando os outros com compaixão e igualdade; em sexto, esforço correto para se autodisciplinar obtendo a quietude da mente; em sétimo, a atenção correta, tomando consciência de todas as ações do corpo, da língua e da mente; e por fim a concentração correta, em que a mente chega ao estado contemplativo que precede o nirvana.




terça-feira, 16 de abril de 2013

O Apartamento



- Foxx - falou minha mãe entrando no meu quarto pela manhã, eu acabara de tomar café da manhã e voltara ao quarto para pegar minha bolsa e ir trabalhar - então você decidiu mesmo, não é?
Eu havia deixado um bilhete pedindo que ela me devolvesse parte do dinheiro que eu deixei, guardado, para uma eventualidade, com ela. No bilhete eu explicava que era para pagar o calção do apartamento que eu ia alugar. Ela chegou com o dinheiro na mão. Eu não respondi a sua pergunta.
- Você decidiu mesmo que vai sair de casa? Você acha que tem dinheiro para se sustentar? Que esse salário mínimo que você ganha dá para se manter?
Eu tentei responder, mas eu sabia que ela estava certa, que seria sim muito difícil. Mantive-me calado. Ela, no entanto, continuava a falar.
- Você não paga água, nem luz, aqui. Muito menos precisa pagar aluguel. Mas você decidiu não foi?
Eu só confirmei com um aceno de cabeça.
- Você escolheu não foi?
Eu quis responder que eu escolhi o menor sofrimento. Para mim, para eles. Porque dentro daquela casa, eu não conseguiria manter o amor que sinto pelos meus pais, porque eu me afastava a cada tentativa deles de me curar usando a Bíblia, empreitada que se tornara extremamente comum, afinal todo dia que eu chegava em casa havia um trecho da Escritura transcrito por minha mãe numa folha de papel branco sobre a minha escrivaninha. Eu me tornara a alma que ela estava destinada a salvar, e sabia que agora quando perguntava se eu havia escolhido ela queria dizer que eu estava trocando minha família pelo pecado.
Ela continuou:
- Eu quero que você saiba que você está dando outra cabeçada. Cometendo um outro erro, como foi ir para Belo Horizonte. Mas não tem problema, quando você voltar, as portas estarão abertas para você. Estaremos aqui. Esperando para o momento que você precisar... e vai precisar.
Todas essas palavras me soaram como uma maldição, mas eu não respondi. Ela me entregou o dinheiro e saiu do quarto, eu peguei minha bolsa e sai de casa, estava a meio caminho da saída quando ouvi ela falar, chorosa.
- Você sabe o quanto está me fazendo sofrer com isso, não sabe? E outra coisa: cuidado com a AIDS!
Caminhei então para o ponto de ônibus, com meus óculos escuros no rosto.



sexta-feira, 12 de abril de 2013

Macaé

Eu estava saindo do trabalho no final da tarde, já havia virado a esquina da rua em que fica o prédio de escritórios onde fica a agência de comunicação no qual sou gerente, gestor de mídias e designer, quando o meu telefone começou a tocar Mika cantando em francês. Olhei o visor e ele mostrava a foto do Facebook do Gato de Cheshire, atendi.
- Oi, meu querido.
- Oi, Foxx, tudo bom? Liguei para saber como foi o encontro, já faz uma semana não?
Eu havia comentado com o Gato e com o Cara Comum pelo Skype, pedindo conselhos sobre como me comportar em um encontro, já que os últimos que eu havia relatado aqui, o Gato havia me criticado por causa das coisas que eu havia falado e dito. Ele me fez uma lista, de coisas a não fazer e de coisas para não dizer neste encontro em que eu ia conhecer pessoalmente um menino que havia me mandando mensagem através do site de relacionamento Ursos.com.br, que congrega os ursos e seus admiradores (chamados por lá de caçadores), ele era um dos caçadores, e havíamos conversado através do Skype e marcado para o dia seguinte um encontro.
- Bem, o encontro foi na casa dele, como eu te disse, cheguei lá por volta das 19:30h e tomamos vinho, conversando sobre coisas banais.
- E só?, perguntou o Gato, afoito por mais detalhes.
- Não, na verdade tem uns detalhes bem interessantes. Ele fez tudo o que você disse para eu não fazer.
O Gato riu do outro lado do telefone e me pediu maiores esclarecimentos.
- Bem, amigo, no primeiro encontro falávamos sobre dificuldades em encontrar relacionamentos, eu fazia exatamente como você me disse para fazer: "quando falar de relacionamentos, falar num sentido geral, sem parecer que está se referindo a pessoa", ele então respondeu que com ele com certeza as coisas seriam diferentes, e pegou um anel que estava sobre a mesa onde ficava o computador dele e colocou no meu dedo.
- Como é que é?, assustou-se o Gato.
- Isso mesmo. Mas eu entendi que foi apenas um gesto galante, de quem quer conquistar...
- Em resumo, você não saiu correndo.
- Claro que não, seria, no mínimo, hipócrita da minha parte se, depois de tudo que defendo, eu fugisse de alguém que finalmente demonstra algum interesse por mim.
- Sim, você tem razão. Mas depois deste encontro: houve outros?
- Sim, houve um segundo. Desta vez eu voltei a casa dele. Jantamos e ficamos juntos por lá. Eu acabei dormindo com ele. E, depois disso, ele mandou uma mensagem dizendo que meu cheiro estava na cama, entre os lençóis, e que ficaria rapidamente mal acostumado com minha presença na vida dele.
- Isso por mensagem no celular?
- Exato! Quando cheguei no trabalho, que fui direto da casa dele, chegou a mensagem.
- Ok! - comentou o Gato com um tom de cautela - e teve mais alguma coisa? Vocês se encontraram de novo depois?
- Bem, ele está fazendo o curso de astrologia em que estou dando aula...
- Curso?
- É, eu estou ministrando um curso de astrologia cármica. E ele está fazendo o curso.
- Ele soube do curso por você? Perguntou o Gato.
- Sim, soube por mim. 
- E este curso só tem você como ministrante? Inquiriu o Gato.
- Sim, somente eu.
- Ok. O Gato respondera num tom de bastante preocupação, e concluiu com uma pergunta: - Ele faz o quê da vida?
- Ele estuda design. Trabalha com design de moda. 
- Então ele não trabalha com nada que envolva astrologia... concluiu o Gato.
- Não, com moda.
- Ok. Continue, por favor. Pediu o Gato.
- Aí, ontem, ele me mandou uma mensagem no celular, e depois outra no Facebook, a primeira dizia que ele havia descoberto meu blog e estava lendo, e agora ele entendia a minha hesitação em nosso relacionamento. Depois no Facebook mandou uma mensagem em que, trocando em miúdos, dizia: "Se você permitir que eu te faça feliz, mudarei toda sua estória". 
O Gato ficou em silêncio por alguns instantes digerindo as informações. Até que uma pergunta seca emergiu do telefone:
- Como ele descobriu o seu blog?
- Ele não quis me contar. Disse que era melhor que o FBI quando quer descobrir algo. 
O Gato riu nervoso.
- Amigo, eu... é raro algo me deixar com medo, mas... eu 'tô com medo.
- Is it creep, isn't? Mas ao mesmo tempo é alguém que realmente demonstra algum interesse por mim, coisa que é completamente rara de acontecer...
- Amigo, - o Gato me interrompeu - não! Você não pode aceitar isso apenas porque... - ele então parou por um segundo, dava para ver que ele estava pensando naquele exato momento em como continuar a frase -... pensando bem, no seu caso, realmente, você não pode esnobar não. Sua vida é cagada demais para você se dar a esse luxo. Agora, conhece a música Macaé da Clarice Falcão?




terça-feira, 9 de abril de 2013

Implicações Diárias

, em Natal - RN, Brasil


1. Havia acabado de chegar em casa. Passara o dia entre anúncios de jornais e sites imobiliários procurando algo que eu pudesse pagar. Anotei três telefones para ligar e ver os lugares. Encontro com minha mãe sentada na mesa da cozinha lendo a Bíblia.
- Eu te amo, viu Foxx?
Eu não respondo e ela insiste, repetindo o que disse antes. Eu bebo um copo d'água e conto-lhe:
- Estou procurando lugar para morar, viu? Se Deus quiser até o fim da semana, eu já estarei fora daqui.
Ela me olha como se eu fosse uma criança fazendo birra e responde:
- Você não vai sair de casa. Só sairá daqui quando casar e constituir família - e reforçou o tom - com uma boa moça.
- Eu sou gay, mainha, aceitei isso.
- Você só vai sair de casa quando se curar disso - e num tom maternal - vou te ajudar a se curar disso.
E eu sai, desistindo de argumentar.

2. Acordo para ir ao trabalho, acho que minha mãe espreitava o som do chuveiro porque foi apenas eu fechar a água, deu tempo apenas de vestir uma cueca, ela invadiu o quarto.
- Foxx, eu só queria dizer que te amo.
- Não, não ama.
Neguei.
- Amo sim.
Ela afirmou.
- Amar significa necessariamente aceitar a pessoa como ela é. Com todas as suas características, amar alguém pela metade não é amor.
Ela pensou um pouco, eu me vestia, enquanto isso.
- Foxx, as coisas não podem ser assim como você quer. Nem tudo pode ser do jeito que você deseja que seja.
- Eu desejo ser aceito como sou pela minha família.
- Eu nunca vou aceitar você desse jeito! - ela afirmou e, para minha surpresa, concluiu - Pare de ser tão mimado!

3. Era noite, eu havia chegado do templo que frequento, minha mãe assistia a Canção Nova na TV e me falou:
- Sente aqui no meu colo!
Eu estranhei aquele pedido e fiquei parado olhando para ela. Minha mãe repetiu o convite. 
- Sente aqui no meu colo.
- Não tenho mais idade para isso, - e sentei no sofá lhe perguntando - O que você deseja?
- Quero te pedir desculpas por tudo o que eu te disse essa semana. Mãe e filho não podem ficar assim.
Estranhei e perguntei:
- Desculpas? Você está realmente arrependida do fundo do seu coração? Você considera que o que disse para mim foi errado?
Ela não respondeu, apenas retrucou.
- você deve aceitar minhas desculpas, da mesma forma que eu desculpei você.
- Eu te pedi desculpas?
- Eu desculpo você por ser gay.
- Eu não te pedi desculpas por isso!! Nem hoje, nem nunca vou pedir!!! Não aceito suas desculpas, minha senhora, muito obrigado!!
E levantei e entrei no meu quarto, fechado a porta a chave atrás de mim.

sexta-feira, 5 de abril de 2013

Embora

, em Natal - RN, Brasil


- Foxx, venha até aqui!!
Gritou minha mãe da cozinha, eu estava no quarto, lendo alguma coisa e levantei e fui encontra-la. Cheguei e ela estava segurando uma camiseta minha. Uma camiseta que eu tinha mandado fazer com base numa estampa do Homotoon. Ela olhava para a camiseta, indignada.
- Eu não quero essa espécie de coisa dentro da minha casa.
- Que coisa?
- Essa! - e mostrou a camiseta - Essa coisa de homossexuais! 
Eu ri e fiz uma piada.
- Então, mainha, neste caso você não me quer na sua casa.
Ela não entendeu, ou fingiu não entender, mas conforme eu a explicava o rosto dela se transformava na mais profunda surpresa.
- Eu sou gay, mainha, sempre serei e sempre vou ser; se você faz tanta questão de me manter dentro da sua casa, entao você precisa me aceitar assim.
Ela se irritou.
- Nunca vou aceitar! 
- Então você não me ama, porque o amor precisa, sobretudo, de aceitação.
- Amo, mas não amo seu pecado. Isso é um pecado, meu filho.
- Não, não é. Deus me fez assim, eu nasci assim, e pecado é considerar que Deus comete erros. Isso sim é um pecado.
Ela ficou um segundo sem resposta, mas recuperou-se.
- Então você é doente, meu filho.
Eu contive uma gargalhada. 
- Não, não sou, minha mãe. Eu sou saudável como qualquer um...
Ela então me interrompe.
- Porque então você não muda...
- Ah, minha doce mãe, se eu pudesse... juro a você que se eu pudesse eu mudaria, porque me pouparia de tantos problemas, como por exemplo ouvir a minha mãe dizer que não me quer dentro da casa dela...
- Basta você querer mudar que você muda...
- Mas não dá para mudar, mulher! Ora... acredite em mim! É impossível!!
- Por que é impossível?
- Porque é, simplesmente. Não existe ex-gay, ninguém deixa de ser gay, é simplesmente impossível!
- A gente pode te arranjar um tratamento e você...
Dessa vez fui eu que a interrompi.
- Não!!!
- Por quê não?
- Porque isso não funciona.
- Funciona...
Eu me irritei naquele momento e falei:
- Mas eu não vou!
- Por quê não? 
Ela insistia.
- Porque eu não quero! Pronto! É isso que você quer ouvir? Eu não quero deixar de ser gay por nada nesse mundo. 
- Por quê? Você não é feliz! Sempre diz isso!
- Ah, minha mãe, mas eu não sou infeliz porque eu sou gay. Eu sou infeliz porque meu trabalho paga pouco e porque ninguém quer me namorar... mas o fato de eu ser gay não é nenhum problema para mim. Eu adoro!
- Adora?
- Sim, me sinto livre. Liberto! Porque eu me aceitei anos atrás, como sou, como sempre fui, agora você pode me aceitar, você é capaz de fazer o mesmo?
Ela pensou por um momento e respondeu categorica:
- Eu nunca poderei aceitar que meu filho é gay. É uma vergonha. Um desgosto! Tanto que eu lutei, me esforcei, trabalhei para te dar roupa, comida e educação, para agora você virar viado?
Eu respirei fundo e pedi ajuda a todos os anjos, santos e Maria, mãe de Jesus.
- Mainha, eu agradeço tudo o que você fez por mim. Eu sei o quanto foi sofrido porque vocês sempre tiveram que batalhar muito para nos dá o mínimo de conforto. Eu agradeço sinceramente. Mas eu só posso ficar na sua casa, continuar na sua casa, se você me aceitar como sou.
Aquela conversa se dava na cozinha. Meu irmão caçula ouvia tudo da sala contigua aquele espaço, fingindo que nada estava acontecendo, porque como todos os meus irmãos agem, como a discussão não os afeta, não existe motivos para intervir. Meu pai, no entanto, ouvia tudo do quarto e falou de lá.
- Você está chatageando sua mãe!
Ela complementou.
- Você está me colocando contra a parede.
- Não, não estou, só estou dizendo que não posso ficar numa casa em que as pessoas se envergonham de mim.
Meu pai então gritou do outro lado da parede que dava para o quarto.
- Pois então vá embora mesmo! Mas vá para bem longe e não volte nunca mais!

terça-feira, 2 de abril de 2013

China: O País das Mulheres

, em Natal - RN, Brasil


Na tradição cultural chinesa confucionista, a mulher era considerada um ser inferior ao homem. Segundo os Anacletos de Confúcio, sua inferioridade chegava ao ponto de além de não precisarem de nenhum esmero em sua educação, ela não precisava nem ser batizada, sendo as meninas comumente chamadas apenas como "Filha Número 1", "Filha Número 2" e assim por diante. Criada para o casamento, a mulher chinesa deveria obedecer seu marido e dar-lhes filhos. A primeira mulher a desafiar esse status quo foi a imperatriz Wu, que introduzindo o budismo na China, por volta de 200 d.C., rompeu com as tradições confucionistas que mantinham a submissão das mulheres. Durante seu período de reinado, ela ordenou que os historiadores escrevessem biografias sobre grandes mulheres da China, e repetia que o governante ideal do império é aquele que governa como uma mãe que administra os dotes de seus filhos.
Apesar disso, uma lenda sempre conviveu com esta situação de submissão patriarcal: o País das Mulheres. Este situava-se no sul do Tibete, ou numa ilha isolada no Pacífico. Ele, acreditava-se, estava inacessível para uma viagem normal, explicava-se que a água ao redor da ilha não permitia que os barcos flutuasse e eles sempre afundavam. Apenas viajantes ocasionais chegavam vivos as praias ou fronteiras do país e estes contaram que ele era habitado apenas por mulheres. Sua comunidade seria completamente funcional, sem a presença de homens e, portanto, também as relações sexuais aconteciam somente entre mulheres. Elas ficavam grávidas ou por dormir ao ar livre, e neste caso seriam engravidadas pelo vento sul que sopraria através de seus corpos, ou por tomar banhos em piscinas de água. Às vezes, no entanto, tinham meninos, estes quando nasciam acabavam por morrer antes da idade de três anos.
Contudo este mito pode ter um fundo de verdade, as mulheres da tribo Mosuo. O livro do argentino Ricardo Coler, O Reino das Mulheres, fala sobre este último reduto do matriarcado que se localiza ainda hoje na fronteira chinesa com o Tibete. Entre os Mosuo, por volta de 25 mil pessoas, as filhas são mais desejadas que os meninos, o lar é tutelado por uma matriarca que, arduamente, organizam as finanças do lar, criam seus filhos, que vivem com elas. Elas tem a liberdade para ter inúmeros parceiros, inclusive ao mesmo tempo, e raramente os parceiros vivem com as mulheres em suas casas. Segundo Coler, um dos aspectos mais interessantes é o que ele chama de "casamentos erráticos". Estes casamentos tem como única base a validação do afeto entre o noivo e a noiva, quando este afeto acaba, o casamento pode ser facilmente desfeito, eles referem-se um ao outro como "amigos". Como o casal nunca viveu junto, não existe partilha de bens ou simplesmente a ideia de custódia dos filhos, pois ambos pertencem somente a mulher. Na tribo Mosuo não existe uma palavra para dizer pai, a propriedade é transferida da mãe para a filha, e os filhos são tratados como habitantes da casa, apenas. Estes, mesmo depois de casados, continuam vivendo nas casas maternas, os encontros entre os noivos se dão sempre na casa da mulher. Em sua sociedade a prostituição e o estupro são conceitos desconhecidos.
Acrescenta Jacques Gauthier que a amizade feminina é muito importante nesta sociedade. Ela também conta que as meninas aos 13 anos passam por uma iniciação em que ganham seu próprio quarto e com isso tem o direito de receber amantes em seu quarto, os quais são escolhidos normalmente por ela, mas às vezes são os homens quem tomam o primeiro passo. Os filhos gerados destas uniões na verdade não costumam conhecer o pai, a única presença masculina na vida destas crianças é dos tios que vivem na casa da mãe. São poucos os casos de relacionamentos que são chamados de "abertos", porque todos sabem do relacionamento do homem e da mulher, já que normalmente os encontros sexuais são fortuitos e sem a pretensão de casamento, este amante fixo, no entanto, não exige fidelidade, a mulher pode ter outros amantes, porém o fixo tem primazia sobre os outros.
O governo chinês, desde a Revolução Comunista de Mao Tse Tung, tem tentado mudar o modo de vida dos Mosuos. Se pretende que eles assumam a vida familiar burguesa, isto é, mononuclear, com a casa somente para o casal e seus filhos legítimos, expulsando da casa essa familia ampliada que envolve todos os tios e tias. Tais tentativas no entanto tem fracassado grandemente, e eles têm mantido seus costumes ancestrais.