Google+ Estórias Do Mundo: junho 2010

sábado, 26 de junho de 2010

PASSADO: O Fim

Estou encerrando esta coluna aqui no blog. Desde o início do ano, e coincidência ou não, desde o início do meu namoro, não tem mais feito sentido escrever sobre o meu passado. Tem sido uma tarefa hercúlea encontrar estórias para suprir este espaço. Portanto, por vários motivos, decidi que era o momento de fechar este livro.
Primeiramete, quero deixar o passado ir, se esvair, tenho vivido nele por tempo demais, e chegou um momento que ele tem se tornado um terceiro. Uma outra pessoa além de mim que frequenta meus relacionamentos. Está na hora de deixar esta outra pessoa ir, e se ela recusar-se a se afastar que seja assassinada com a mais bela lâmina de prata. O passado é morto como Inês.
Preciso ir em frente, abandonar o sofrimento que me marcou e me construiu, abandonar para que a fecilidade possa brotar no terreno antes pisoteado por tantas e tantas pessoas. Tenho que afastá-las, porque flores não nascem embaixo de botas. Tenho que afastar essas pessoas, suas sombras, suas lembranças, que ameaçam tomar o controle. A vida é minha, não dessas sombras que intentam tomar as rédeas de minha existência.
Não preciso mais das explicações! Não preciso saber que sou carente porque meus pais não me pegavam no colo. Não preciso saber que sou heterofóbico já que fui severamente humilhado durante toda minha infância e adolescência. Não preciso saber porque meus amores me largaram, pois não preciso mais deles. Preciso me abrir para o novo e diferente, para o presente. Somente o presente.

sábado, 19 de junho de 2010

PRESENTE: Homofobia(s) III

, em Belo Horizonte - MG, Brasil
Rodoviária


Eu esperava meu namorado chegar a Belo Horizonte. Era cedo, nem sete horas da manhã ainda, e fazia um frio agradável, mesmo no subsolo do Terminal Rodoviário da capital mineira. Eu estava na entrada, e acendi um cigarro, tragava tranquilamente encostado em uma coluna quando um homem se aproximou. Ele havia descido de um ônibus daqueles, um ônibus qualquer vindo de não sei aonde, trazia uma pequena mochila, nada muito grande ou volumoso, e tinha cara de ser trabalhador braçal, pedreiro talvez. Foi passando por mim e em alto e bom som me repreendeu: "Mas que bichinha!". E continuou seu passo, me deixando lá, sem reação, me perguntando: "Em que momento eu assumi a minha sexualidade neste vagão?".







Boaventura

Caminhava. Saíra do meu prédio e descia a avenida em direção a Universidade Federal de Minas Gerais, quando passei por um cruzamento. Um carro esperava do outro lado da rua. Vi o motorista deter seus olhos em mim, o passageiro também. Mas não os encarei, somente continuei meu passo, estava atrasado, ia para a aula que começava as oito da manhã. Ainda pretendia tomar café da manhã na padaria próxima de casa. Foi quando o carro avançou, eu já havia atravessado o cruzamento, e ouvi atrás de mim: "Ê, bichinha!". E respirei fundo e continuei: "Afinal eu escuto isso mesmo todo dia". E respira, respira, respira.

terça-feira, 15 de junho de 2010

PRESENTE: Maria Gadú e a Heterossexualidade

Tem uma ensaísta e poeta feminista americana, nascida em Baltimore, Adrienne Rich que tem um conceito muito interessante: a heterossexualidade compulsória. E tem a nova queridinha da MPB, a Maria Gadú que disse essa pérola a revista Rolling Stone recentemente: "Ninguém chega em casa falando 'mãe, sou hétero'. Então, porque tem que chegar e dizer 'mãe, sou gay'?". Elas duas se chocaram na minha cabeça. Maria Gadú repete o texto que eu escuto entre muitos gays por aí, e que, de fato, não posso discordar, porém é um discurso vazio se não há uma explicação que somente Adrienne Rich conseguiu me dar. Por que os héteros não precisam assumir-se?
Adrienne Rich explica que a heterossexualidade é uma obrigação social, isto é, que ao nascer nenhum menino ou menina é heterossexual, mas ele é obrigado a se tornar, pois desde pequeno ele é envolto em símbolos e a uma cultura que o tendem a moldar de determinada forma. Ao menino são dados certos brinquedos (bolas e carrinhos), são cobrados certos comportamentos (menino não chora, menino é agressivo, menino é agitado), são reforçados outros tantos (menino tem que ser safado, tem que mostrar coragem, tem que ser extrovertido); a menina outros brinquedos são dados (bonecas e panelas), são cobrados outros comportamentos (emotividade, calma e silêncio) e reforçados outros (castidade, discrição, comunicação). Adrienne Rich diz que então o indivíduo não tem outra possibilidade e simplesmente repete os modelos ao qual foi acostumado, os homens são empurrados às mulheres, as mulheres devem fugir dos homens e a adolescência está configurada.
Contudo, algumas pessoas, por motivos que Adrienne não sabe explicar, não conseguem ser modeladas a seguir a este impulso não-racional, e precisam juntar forças para virar-se na direção contrária. Num processo doloroso que é como ela caracteriza o outing. Segundo ela, a necessidade de assumir-se gay vem daí. Da necessidade do indivíduo de dizer que não faz parte e nem compactua com este mundo ao qual é obrigado a fazer parte. A grande diferença é que a negação desta (hetero)normatividade compulsória, a negação deste normal ao qual os indivíduos são obrigados a aceitar/ser, antes te colocaria a margem da sociedade, em um gueto, e hoje não, graças a direitos conquistados sobre o sangue de militantes.
O heterossexual, então, na explicação de Rich é aquele que não pensou sobre sua identidade. Nunca passou pela cabeça dele: "Porra, sou hétero!". Nunca houve o questionamento, a dúvida, a provação. É uma "decisão" sem "pensamento" (por isso mesmo a idéia de opção sexual não funciona). Já o gay, é exatamente o oposto. Aquele que precisa sair de sua heteronormatividade, porque todos são criados para serem héteros, e decidir qual identidade ele deve assumir, porque ele não consegue e nunca vai conseguir simplesmente aceitar aquilo que todos os outros conseguem ser simplesmente sem pensar, automaticamente, compulsoriamente. Ser gay é assumir uma identidade gay, uma vida distinta daquela que ser heterossexual deveria ser. Ser gay é sair do armário.
Então, respondendo Maria Gadu, "Ninguém chega em casa falando 'mãe, sou hétero'. Então, porque tem que chegar e dizer 'mãe, sou gay'?". Um hétero não precisa contar a ninguém o que todos esperam dele. Um cantor cantando não precisa dizer que é um cantor. Um ator atuando, em um palco, não precisa avisar-lhes que é um ator. Mas quando cantor resolver atuar ele precisa dizer: "Ei, eu sou cantor, mas hoje, deem-me licença porque vou atuar". Essa é bem a diferença. Um gay pode e deve dizer (a quem interessar, possa): "eu sou gay" porque ele não aceitou a regra e abraçou a diferença. E, definitivamente, ser diferente é tão bom. Deixem os normais para lá, porque é bem mais interessante ser diferente.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

PASSADO: Melhores Amigos

Os livros eram meus melhores amigos. E como bons amigos, eles formaram a pessoa que eu sou. Aprendi com eles a ler, a escrever e a ser muita coisa que nunca consegui viver. Foi com eles que sobrevivi a meu ostracismo. Mas tudo isso a trancos e barrancos, pois filho de pais pobres, poucos livros tínhamos em casa, quando criança li e reli mil vezes os contos dos Irmãos Grimm, um dos poucos livros que restavam na estante da sala de casa, entre livros de receita, um exemplar de História Geral de Arnaldo Souto Maior de onde saíra meu nome e Monteiro Lobato, filho do modernismo, que me apresentou em Os Doze Trabalhos de Hércules minha grande paixão: os deuses gregos. Comecei então a frequentar bibliotecas. Li tudo que encontrei pela frente sobre mitologia, em português e em francês, mesmo sem saber francês. Eu tinha doze anos e sentava com Le Bélle Letres e um dicionário e tentava decifrar aquela outra língua, como aprendera a fazer nas aulas de inglês na escola. Também conheci os quadrinhos, outra paixão, e passei a gastar todo o dinheiro que eu tinha com revistas dos X-Men e passagens de ônibus à biblioteca. Nos quadrinhos fui apresentado a belas estórias como Deus Ama, o Homem Mata, e me senti parte de algo. Os X-Men eram mutantes, diferentes, sem culpa de ter nascido assim. Para mim, os X-Men eram, como eu, todos gays.
Os primeiros livros que dediquei-me, no entanto, foram os do Romantismo e do Realismo brasileiro. E muito devo a eles. Minha adolescência foi embalada por José de Alencar, Machado de Assis e seus comparsas. Senhora, de Alencar, me marcou profundamente e me ensinou a manter a tensão e a atenção do leitor até a última página. A Mão e A Luva de Assis me convidaram a poesia em prosa e me fez cair de amores pelos contos. O Ateneu, me ensinou que as vezes os clássicos são decepcionantes. O Cortiço que a literatura podia ser bem sensual. Mas eu não parei por aí: essa leitura ávida me lançou a univesidade e um mundo novo de leituras se abriu para mim.
Livros técnicos, de historiadores de renome, como Ciro Flamarion Cardoso e Michel Foucault me deixaram profundamente devedores deles. Mas Joseph Campbell definitivamente precisa de um lugar especial na minha história literária. Ler Mitologia Primitiva me marcou física e emocionalmente, e moldou o historiador que sou hoje, me fez entender que um mundo é muito maior do que pensamos e que como historiador é minha tarefa política mostrar isso a quem desejar ver. O Queijo e os Vermes e O Massacre de Gatos tornaram-se livros que povoavam a minha imaginação fértil, e me ensinaram que o lugar da poesia na História também existe, principalmente no título. Mas a literatura não me abandonara.
Os romances históricos me fizeram delirar nos primeiros anos de faculdade. Cláudio, Portões de Fogo, Nero, Rei Davi, Ramsés, me fizeram sonhar com tempos que eu não tinha vivido e da qual sentia saudades, escritos por historiadores, estes romances me proporcionaram conhecimento e deleite, mas, sobretudo, me ensinaram a ser sútil quando os temas são duros. Entrementes, a faculdade também me apresentou os verdeiros documentos históricos, os clássicos da literatura ocidental: A Ilíada, A Odisséia, Virgílio e Cícero, os historiadores gregos e romanos, A Vida dos Doze Cézares, a poesia de Safo, a Bíblia, tornaram-se livros de cabeceira, lidos em latim e em grego, porque nada expressa melhor um autor do que a própria língua que ele escreveu. Encantado, corri aos clássicos, para lê-los, tudo culpa de Ítalo Calvino. O Amante de Madame Bovary e Capitães da Areia mexeram com minha libido, Agatha Cristie com meus brios, Dom Quixote e Ulisses, de James Joyce, com minha paciência (até hoje estão inconclusos). Além destes, descobri Oscar Wilde ao me deparar com O Retrato de Dorian Grey, o homoerotismo oculto e a sensualidade aberta me fizeram querer conhecer o resto da obra do maior escritor inglês, na minha modesta opinião, e entre tantos, lágrimas me correram aos olhos e molharam as páginas de De Profundis, e eu descobri o que era amar alguém de verdade.
Mas os clássicos chegam a um ponto que precisam ser superados. Principalmente porque chega um ponto que eles não refletem mais seu espirito. Foi quando o Marcelo Sunshine me apresentou Hell - Paris. Fiquei encantado com aquela escrita vazia, desesperançosa e machucada, com o submundo e as drogas, e o glamour, ah, o glamour! Hell me levou a um caminho diferente de tudo que eu estava lendo e a punk literature caiu no meu gosto. Litium de Patrício Júnior, Mate-me, por favor e Fugalaça da filha de Dias Gomes, Mayra, me levaram a um vórtice que definiu a forma de escrever do meu blog, da minha dissertação de mestrado, dos meus artigos. Frases curtas. Pontos no lugar de vírgulas. Frases fortes no fim de tudo. Exclamações!
Mas nem tudo podia ser tão pesado, não é? Afinal considero a tribo dos blogs que o meu participa daqueles que exalam o glamour que só a vida gay possui. Isso não foi gratuito, é a influência de Meu Reino por um Cashemere, O Diabo Veste Prada e Confissões de uma Shopaholic. Tudo tem explicações, tudo! Mas, tardiamente, só tardiamente, eu conheci o livro que transformaria minha vida e o meu blog: O Pequeno Príncipe de Saint-Exúpery mudou minha forma de olhar para o mundo e para o amor, e eu conheci o meu pequeno príncipe.
Agora, vamos ver o que o futuro nos reserva. Tudo depende de eu conseguir ou não terminar de ler O Evangelho Segundo Jesus Cristo, de Saramago. E está bem difícil.