Google+ Estórias Do Mundo: março 2015

domingo, 29 de março de 2015

"Entre Peles"

, em Natal - RN, Brasil
- Desculpa, não deu p'ra ir na exposição. 
Falou meu amigo que eu havia convidado uma semana antes para ir a uma exposição no bar Mahalila, o novo ponto de encontro underground da cidade, no dia seguinte através do Whatsapp. Se é que Natal tem um lugar underground, até porque este termo é fora de moda, agora se fala "alternativo".
- Tudo bem, mas você perdeu. Foi lindo!
- Como foi?
- Era uma exposição de fotografias misturado com poesias. Poesia visual, é o que eles chamam. Depois teve um sarau. E era um público de meninos lindos e inteligentes. Eles estavam por todo lado. Mas como fui sozinho, fiquei por pouco tempo. Cheguei umas 18h e as 20h eu já estava em casa, de banho tomado e vestindo pijamas. Fiquei com vergonha de ser a única pessoa desacompanhada lá.
Ele respondeu seis minutos depois.
- Ai, amigo, que coisa! Não tem nada de embaraçoso estar sozinho.
Eu respondi:
- Ah, p'ra mim tem sim! Eu queria conversar sobre a exposição e não havia com quem. Poemas lindos, fotos maravilhosas, e eu não tinha com quem falar. E eu também não ia sentar numa mesa, sozinho, e pedir uma cerveja que é alcoolismo demais na vida da pessoa.
- Não concordo com você. Interrompeu meu amigo.
- Bem, eu fiquei encostado numa parede tentando sorrir para não parecer deprimente, fingindo ser cool e que não preciso de ninguém para me divertir. Que sou aquela pessoa moderna que vai a qualquer lugar sozinho porque não precisa da companhia de outras pessoas. Aí eu lembrei quando era mais novo, tinha 21 anos, e eu ia para balada sozinho porque não tinha amigos gays e eu sentia a mesa coisa, tentava não parecer deprimente, mas com um hora e meia eu já queria estar em casa, foi reviver aquele tempo.
Ele discordou.
- No caso de ir a balada sozinho, até concordo, também passei por isso, mas da exposição não. Você apenas não conseguiu aproveitar um bom momento por estar sozinho. E isso eu não acho lógico. Você foi para ver a exposição e não aproveitou porque se sentiu envergonhado por estar sozinho. É um sentimento horrível, Foxx, não apreciar sua própria companhia.
Eu fiquei bastante confuso neste momento e tentei contra-argumentar.
- Eu convivo comigo mesmo, amigo. Eu moro só, trabalho sozinho e, portanto, quando eu saio meu objetivo é tirar férias de mim mesmo. Férias dos meus pensamentos. Acho que ninguém entende isso porque todo mundo convive com outras pessoas, e eu só me relaciono via Whatsapp.
Ele respondeu:
- Justamente por esse motivo você devia aprender a se aproveitar mais ao invés de não gostar de estar sozinho.
- Acho que você não entendeu. Eu vivo muito bem com meus livros, meu quadrinhos, meus filmes, meus programas de tv, minhas plantas e meu gato. Vivo sim. Mas eu não quero viver somente comigo. Principalmente quando eu saio de casa. Até porque é chato quando todas as discussões terminam com você concordando consigo mesmo.




domingo, 22 de março de 2015

"Eu Vejo Pessoas Bonitas"

Às vezes eu me sinto o Haley Joel Osment em o Sexto Sentido.

- Eu vejo pessoas bonitas!
- Com que frequência?
- O tempo todo!

Todo mundo que eu vejo tem algo bonito. Simplesmente não sei como alguém pode olhar para outra pessoa e dizer que não há nada ali agradável ao seu olhar. Seja um suave brilho nos olhos, a bonita definição dos ombros, a bela proporção das pernas, a deliciosa curva da bunda, a macia força das coxas, a fofa simetria das orelhas. Como alguém pode olhar para outra pessoa e não encontrar ali nada de bonito?
Não que eu seja cego para os defeitos. Eu posso vê-los também e ser bastante detalhista. Eu sou capaz de reconhecer que aqueles olhos são muito juntos, que os ombros são largos demais, as pernas de fulano poderiam ser pelo menos cinco centímetros maiores, que um outro não passou na fila para receber bunda quando Deus fez-lhe o corpo, que alguém tem uma perna dividida canela-joelho-canel. E nem vamos falar com essa mania das pessoas de usarem barba de mendigo, aparem isso, por favor!, e não é raspar, é aparar de vez em quando, e uma dica é que se quando você come algo suja sua barba, ela está grande demais. E sandália com meia: não, não, não!!!
Culpo minhas habilidades com desenho por isso. "O desenho não é a forma, é maneira de ver a forma", já dizia Degas. Desenhar te deixa consciente de duas coisas: o que é um corpo perfeito e o que faz uma pessoa bonita. Perfeição é uma coisa na verdade simples de obter, mesmo ela não existindo no mundo real, basta seguir a chamada Proporção Áurea ou Número de Ouro, uma regra que foi popularizada pelo Renascimento. 7,5:2 é a chave para um corpo humano perfeito, Juntando a isto a simetria e teremos a perfeição divina.
Porém, apesar do Número de Ouro ser a chave da perfeição, ele não é a chave da beleza. Por um motivo muito simples: o belo não se encontra na perfeição. Ironicamente, apesar da indústria de cosméticos dizer-nos o contrário, é o defeito que torna alguém bonito, porque a beleza se encontra naquilo que é único e são nossos defeitos, nossas experiencias cravadas em cicatrizes, rugas e cabelos brancos, nossos olhos ligeiramente assimétricos, orelhas de tamanhos diferentes, narizes grandes demais, uma boca um pouco torta para esquerda, que tornam nosso rosto lindo e inimitável. Um ombro mais estreito, pernas mais longas, um abdômen mais largo, um quadril mais amplo, uma altura menor tornam cada um de nós especial, um indivíduo sem comparação na face da Terra e, portanto, um indivíduo lindo.
Por isso, eu olho em minha volta, aonde eu estiver, e posso encontrar alguém bonito. Porque minha definição de beleza não encontra eco na perfeição. Aqueles perfeitos no máximo arrancam de mim uma admiração técnica, como se eu observasse um desenho perfeitamente executado, mas que falta emoção. Haverá um elogio sim, mas em seguida darei de ombros e farei um beicinho de desdém. E por quê? Porque sinceramente acho muito mais bonito um menino de orelhas grandes, peito definido e braços magrinhos que sorriu para mim iluminando todo o ponto de ônibus onde ele estava esperando o dele e eu passei dentro do meu. Ele não era perfeito, mas tenham certeza, fazia tempo que eu não via um menino tão lindo nesta cidade.

domingo, 15 de março de 2015

Paixão Nacional

Então neste domingo inúmeros brasileiros saíram às ruas dizendo que protestariam contra a corrupção e a má gerência da Petrobrás, mas na verdade somente falaram contra o governo Dilma Rousseff e o quarto mandato do Partido dos Trabalhadores, apesar das afirmações contrárias de muitos que defendiam as manifestações em redes sociais. Eu, sinceramente, não entendi a lógica que impulsionava eleitores de direita de tomar o passeio público e os de esquerda de permanecerem em suas casas, a única explicação para mim é enxergá-los como times de futebol.
Não fazia sentido alguém que fez campanha e votou em Aécio Neves nas eleições de outubro se enrolar agora em uma bandeira brasileira e pintar-se como os Caras Pintadas patrocinados pela Globo nos anos Collor para criticar o governo petista. A sra. Rousseff adotou as propostas defendidas pelo candidato tucano e eles, agora, protestavam contra o projeto que votaram seis meses atrás. Outros, todavia, diziam que não era contra o novo plano econômico petista e sim contra a corrupção exposta no caso Petrobrás. Se isto é verdade, porque nenhuma crítica ao Partido Progressista (PP), cujos deputados e senadores estão quase todos envolvidos no escândalo, foi vista? Por que nenhuma crítica ao PMDB também envolvido? Por que nenhuma citação ao envolvimento de Aécio Neves e Antônio Anastasia? Por que somente o PT que aparece com, se não me engano, com apenas dois dos seus parlamentares é criticado e por que também a figura da senhora presidenta, como ela gosta de ser chamada, não obstante ela não ter sido citada de forma alguma, é associada ao processo?
Ao mesmo tempo, a presidente não é criticada por seus correligionários de forma alguma. Dilma, no entanto, os traiu. Como ela vendeu os votos LGBT em troca de garantir a governabilidade no mandato passado, agora ela abandou as promessas feitas aos trabalhadores durante sua campanha em outubro e vende seus direitos a quem possa pagar melhor (isto é uma metáfora, que fique claro, não estou acusando a presidente de corrupção, apenas de traição). Nenhum petista levantou-se contra Dilma sentindo-se traído (como eu me senti no mandato passado, e não faço agora porque apensar de ter votado nela eu sabia que ela se comportaria do mesmo jeito independente do que estava prometendo). Nenhum membro do partido da presidente fez a legítima crítica que precisa ser feita às novas regras trabalhistas e ao pacote econômico, aos cortes nas universidades públicas e a falta de diálogo com a classe média que tem criado o sentimento anti-petista tão grande que vemos pelas cidades mais populosas do país.
Como torcedores de times de futebol, os petistas traídos continuam apoiando Dilma e os tucanos beneficiados pelos novos programas do governo continuam detestando o governo. Os sentimentos dos dois grupos independem dos fatos. São apenas torcedores de times de futebol que exultam somente as belas jogadas de seus próprios times e xingam, sem pensar duas vezes, toda vez que o adversário toma a bola. Se é assim, eu faço uma proposta que resolverá para sempre o problema político brasileiro: por que não colocamos na direção da nação o presidente do clube que vencer o campeonato brasileiro de futebol? Afinal o Tribunal Superior Desportivo julga tudo em menos de três dias; a CBF mantém um controle efetivo sobre qualquer denúncia, nunca saberíamos de nada; e, por fim, poderíamos torcer contra sem nenhum peso na consciência quando nosso time não vencesse, porque uma vez torcida adversária sempre torcida adversária.

domingo, 8 de março de 2015

Gosto Não Se Discute?

Sempre que ouvimos ou lemos o mantra sagrado do machismo entre o meio gay, "não sou e nem curto afeminados", o argumento de que cada um tem o direito de direcionar seu desejo ao que melhor lhe convém sempre aparece. Contudo, eu me questiono: temos mesmo este direito? E, não pergunto se temos em teoria, mas se na prática somos realmente capazes de exercer tal direito ou somos, simplesmente, incapazes de tal feito.
É inegável que vivemos em um mundo machista e, portanto misógino e homofóbico. Todo adulto é um ser que foi criado em um ambiente que foi inundado de mais ou menos situações de preconceito que formaram seu caráter, sua forma de enxergar o mundo, seus medos e traumas e, apesar das pessoas fingirem que não aconteceu, também seus gostos. É durante sua formação como homem ou mulher adulto que um indivíduo aprende a gostar de legumes, ter medo de mariposas, votar no PSDB ou defender minorias, isso todos concordam, porém quando nos voltamos a formação do desejo amoroso/sexual esquecemos que ele também é moldado da mesma forma, e acreditamos piamente que ele advém de alguma ligação de almas inefável e impossível de ser analisada racionalmente (a maldita química).
Estamos acostumados a ter relacionamentos e amores impensados. Sobre os quais não dedicamos nenhum momento de reflexão e depois ficamos surpresos por não sabermos controlar uma paixão ou sofrer demais ao fim do relacionamento. Se alguém não sabe os mecanismos do seu próprio desejo como espera poder controlá-lo ao fim de um namoro? E um dos elementos que não questionamos é de onde vem a aversão aos efeminados.
Cada um precisa perguntar de onde vem sua própria aversão, mas alguns lugares comuns podem ser facilmente encontrados: 1) tem aquele cara profundamente no armário que teme ser visto com homens gays efeminados (ele também foge dos assumidos em geral) porque pode ser arrancado das sombras em que ele se esconde por associação (me diga com quem andas e te direi quem és); 2) tem aquele homem que vê o efeminado de si no outro, o que ele reprime poderosamente por medo de ser tratado diferente, a visão da liberdade daquele ser o ofende profundamente e, como reflexo, ele desenvolve a ofensa em forma de ojeriza; 3) tem aquele que criado sobre a sombra de um ideal de homem que não existe, educado para se tornar este exemplo de masculinidade e virilidade, experiência no qual ele próprio falhou por ser impossível, direcionou, inconscientemente, seu desejo para este personagem fictício e, agora, como quem procura entre pessoas reais um super-herói de quadrinhos, ele rejeita aqueles que não cabem no seu sonho de homem que ele deseja ser e incapaz disso o procura em outros. 
Estes são alguns exemplos entre tantos outros. Mas, a pergunta que não quer calar, alguém pode desfazer estas programações? Na minha opinião a resposta é sim. Todos podemos e devemos desconstruir as programações que recebemos durante a nossa formação, basta para isso questionar nossos próprios desejos. Perguntar por que sinto isto, por que desejo aquilo, seja um objeto material, seja uma pessoa, nos garante que o desejo que está brotando em nós é nosso e não que foi plantado por outra pessoa ou mesmo pela máquina capitalista, isto é, o cinema, TV, a publicidade em geral, a moda. Entender que todos nós somos suscetíveis a este sistema que empurra-nos goela abaixo desejos é o primeiro passo para ser livre dele. O primeiro passo para ter a verdadeira liberdade, para gostar daquilo que gosto e não do que me foi ensinado a gostar, é questionar de onde os desejos vêm. Aviso que em um nível avançado você será capaz inclusive de escolher quando e a quem amar, mas tudo começa com o primeiro passo: tornar-se consciente de onde começa você e onde termina o mundo a sua volta (as fronteiras não são tão óbvias quanto parecem).

domingo, 1 de março de 2015

Meu Problema

, em Natal - RN, Brasil
Era uma tarde de quinta-feira, o carnaval acabara de passar, primeiro dia da Quaresma católica, e eu o esperava para almoçar na praça de alimentação de um shopping. Eu não ia trabalhar naquele dia, e aquele menino me convidara para um cinema, eu aceitei. Sempre faço isso, encontro desconhecidos que me convidam para sair. Eu cheguei antes e ele se atrasou, mas eu não vi problema nisso (e talvez aí esteja todo o meu problema, me acompanhem...). Ele chegou pela minha direita e eu o reconheci de imediato. Ele usava um cabelo mal cortado que fazia parecer que ele era careca, mas não era; óculos grandes demais para seu rosto com lentes que escurecem quando expostas a luz, também vestia-se estranho, uma camiseta azul marinho, uma calça social marrom clara e um tênis de corrida. Ele vestia-se mal e apresentava-se de forma, no mínimo, desleixada. Novamente, apesar de notar um problema (de fato eu notei), eu falei para mim mesmo que devia ignorar e ir em frente. (eu sempre penso: eu devo tratá-lo como gostaria de ser tratado, não é? Então não posso julgar alguém por sua aparência). Eu almocei um Subway, eu estava desejando, ele pegou um quase nada de comida em um restaurante à peso, arroz-de-leite, salmão e uma batata, deixou metade do peixe no prato e boa parte da batata, aquela comida ia para o lixo (eu me senti profundamente incomodado, mas achei melhor não dizer nada, achei que devia dar a ele uma chance, como gostaria que ele desse uma a mim, e sim, eu julgo pessoas porque jogam comida fora em um mundo em que tanta gente passa fome). Subimos para o cinema, "Temos que ir para não atrasar", ele falou.
Compramos ingressos para O Jogo da Imitação, sobre a vida do matemático e inventor dos computadores, Alan Turing. Ótimo filme por sinal. Sentamos, obviamente, lado a lado e ele pegou na minha mão e puxou-me para um beijo. As luzes nem haviam apagado ainda, os poucos espectadores entravam na sala, e nós eramos dois adolescentes se beijando na sala (sim, me incomodou bastante, mas, apesar de tudo, eu pensei, porquê não?). Foi um beijo cheio de dentes. Ele abria a boca demais, quase engolindo a minha, seus dentes chegavam a raspar na minha barba, acho que ele quase cortou minha bochecha. Eu sussurrei-lhe: "Calma!", ele riu, mas não mudou em nada seu comportamento. Parece que aumentou o fogo, na verdade.
Ele quis pegar em lugares demais ali no cinema quando as luzes apagaram. Eu tirei sua mão. Repeti com paciência: "Calma!". Ele voltou com o beijo afobado que demonstrava toda sua inexperiência (era sem sombra de dúvida um beijo de alguém que não costumava beijar outros homens, mas ele tinha 23 anos, o que eu achei estranho). Tentou novamente tocar-me em lugares bem ao sul. As pessoas ao nosso redor, não eram muitas na sala devido ao horário, mas bastante perto de nós, não o intimidavam em nada, mas eu não sou mais um adolescente que tem que aproveitar estas oportunidades na vida. Eu não queria aquela exibição em uma sala de cinema. Se ele quisesse vir a minha casa, tudo bem, mas não ali. Pedi-lhe novamente: "Calma!". Ele desistiu.
E acho que ali ele viu um problema. Senti-lhe ofendido. Eu não estava no mesmo clima dele, óbvio, de beijos destreinados e tesão adolescente, queria ver o filme do lado de alguém legal apenas, e ele era bem legal. Inteligente, com um sorriso lindo e um corpo gostosinho por debaixo daquela roupa brega (Deus me perdoe, mas era sim!). Mas ao contrário de mim que estava aberto a passar por cima de todos os problemas que eu encontrasse na minha frente (e foram muitos), o primeiro que eu impus a ele, ele desistiu. A prova foi que ele não respondeu nenhuma das mensagens que eu enviei para ele nos dias após o cinema. Mas ele está certo. Quem cometeu um erro fui eu, quem é o problema sou eu. E meu problema é passar por cima do que me incomoda nas pessoas que eu conheço na esperança de, com o tempo, encontrar nelas as qualidades que eu sei que elas possuem, infelizmente nenhuma pessoa está disposta a fazer o mesmo por mim.