Google+ Estórias Do Mundo: dezembro 2010

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Tarde Demais

Foxx: Exato, Bruno, você me conhece há quase 6 anos e sabe que esse discurso de que eu vou ficar sozinho, de que eu tenho é que desistir de homem, que não adianta nada tentar é novidade. Você bem sabe que eu saía e ficava com pessoas...
Bruno: Sim, e, de repente, mudou!
Foxx: Sim, porque, como você mesmo disse, "nada pode ser visto só de uma maneira por tanto tempo".Eu preciso de uma mudança na minha vida, não posso continuar dando murro em ponta de faca. Forever and ever!
Bruno: Foxx, antes você não via a vida como um mar de rosas, claro!  Mas você se permitia.Você se permitia encontrar pessoas, pessoas novas, e tinha esperanças de que alguma vez um desses encontros aleatórias poderia resultar em algumas coisa.
Foxx: Sim, é verdade! E o que eu ganhei com isso? Adiantou de alguma coisa? Não! Não adiantou de nada. Não ganhei nada com isso, somente estórias para rechear um livro de contos eróticos.
Bruno: Jura?! Pensa bem...
Foxx: Sim, juro!
Bruno: ...
Foxx: Não valeu a pena!
Bruno: Eu, definitivamente, não penso assim.
Foxx: E como você pensa? O que eu ganhei com isso? Além de experiência sexual, é claro?
Bruno: Contato com gente nova e oportunidades não construídas que deveriam te dar forças para você tentar outras vezes, já que, afinal de contas, são a prova concreta que as pessoas podem te querer.
Foxx: Não! Elas são a prova concreta que as pessoas podem querer me usar, me usar para sexo, me usar para gastar meu dinheiro, me usar para passar o tempo, mas sempre me usar. Nenhuma dessas pessoas nunca me quis, Bruno. Eles queriam qualquer um, se não fosse eu que estivesse lá, tinha sido outro, qualquer outro. Eu, só por coincidência, estava lá. Se alguma delas me quisesse, a mim, teria me procurado uma segunda vez.É por isso, que a partir do dia 1º, estou desistindo de uma vez por todas de homens. Nunca mais me darei ao trabalho de ter um relacionamento com outro homem. Está decidido! Mesmo que, no dia 2 de janeiro, o homem q eu sempre sonhei se jogue de joelhos aos meus pés, ele ouvirá um: "Não, desculpa, você chegou tarde demais".

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Cultura, Homocultura, Subcultura

Falar sobre subcultura é caminhar na corda bamba. Isto porque para alguns o conceito é rizível, para outros é o centro de explicações complexas sobre o comportamento de grupos sociais. Mas, apesar disso, todos concordam com sua definição. Uma subcultura é um tipo de cultura que se constrói sob uma cultura oficial, isto é, é uma forma de ler a realidade utilizando símbolos da cultura oficial, porém dando a eles significados próprios que só são entendidos pelo grupo no qual a subcultura foi gestada. Para alguns ela não é possível porque dentro de grupos sociais a cultura é compartilhada por todos igualmente. Um exemplo daqueles que pensam desta maneira são os marxistas clássicos. Estes não aceitam a ideia de subcultura porque dado a oposição burguesia x proletariado, e sendo a burguesia nesta situação a única produtora de cultura, revestida com o nome de ideologia. Sendo assim não existe espaço para outras subculturas e, muito menos, outras ideologias. Para este entendimento do processo social, a cultura só existe no mundo burguês e é repetida pelo proletariado, o único outro grupo social, o que garante a dominação do segundo pelo primeiro.
Os novos marxistas, para não compararmos alhos com bugalhos, do grupo renovado por E. P. Thompson, historiador inglês, já garantem que a produção cultural também é tarefa dos grupos que não estão no topo da pirâmide social. O proletariado também é capaz de produzir cultura e cultura contestadora capaz de absorver, apropriar-se, resignificar e modificar elementos da cultura burguesa ou, ultrapassando a discussão marxista, da elite dominante. Aqui, a capacidade do outro grupo reler a cultura dita oficial sobre seus próprios termos cria a possibilidade da construção de subculturas associadas a grupos sociais. E, como a sociologia e a antropologia vêm mostrando, associado a grupos cada vez menores. 
Dito isto, podemos falar em subcultura gay? Sim e não! Sim, porque é inegável a construção de uma homocultura a partir da década de 1930 na Europa e, em seguida, no Pós-Guerra americano, neste último intensamente influenciada pela contra-cultura (ler mais sobre isso aqui e aqui). Contudo temos que dizer não se pensarmos que a homocultura é um bloco único. A homocultura não é, mais, uma subcultura coesa. Afinal, se uma subcultura nasce exatamente da contestação de uma cultura hegemônica - no caso, heteronormativa - é natural que, ao tornar-se hegemônica dentro do grupo social ao qual ela se liga, haja, rapidamente, reações de contestação criando subculturas dentro da subcultura. 
É da própria contestação da hegemônia homocultural que surgem as variações da cultura gay como os Ursos (é inegável a aversão ursina ao padrão estético que se tornou hegemônico no mundo gay); os HSH ("Homens que fazem Sexo com Homens" que negam até o próprio título de homossexual ou gay); os "Sou Gay, Mas Não Sou Efeminado" (que se manifestam vivamente contra o que eles chamam de estereótipo da cultura gay); também podemos citar o grupo yupie (que criou símbolos de status associados com o poder aquisitivo, como baladas caras, moda, perfumes e jóias, integrando-se ao mercado); ou o grupo cristão (católico e evangélico que mantém suas vidas dentro de padrões que são aceitos pelos grupos religiosos que se filiam), poderíamos citar vários outros grupos, porém a ideia é que apesar destes todos, em grande parte, participarem de uma homocultura comum, eles reagem a ela construindo novas formas de ler a sociedade do qual fazem parte a partir de novos símbolos.

domingo, 19 de dezembro de 2010

Freudiano

Bruno: F, quando você veio aqui, me perguntou porque você sofria com o fato de estar sozinho, afinal, palavras dela, você é um cara foda!
Foxx: Porque é horrível se sentir sozinho, Bruno, e apesar de todas as minhas qualidades, eu tenho um pavor imenso de ficar sozinho. Eu sempre estive sozinho a minha vida toda, mesmo quando estava cercado por minha família e eu sempre esperei que um dia eu pudesse encontrar alguém pra ficar um pouco do meu lado, não pra sempre, um pouco. E isso nunca aconteceu. Então, no fundo, eu sou ainda aquele mesmo menino chorando porque meu irmão não qria ser visto ao meu lado pq eu sou gay.
Bruno: E mesmo assim você não quer mais tentar.
Foxx: Não, não quero mais tentar. Porque toda vez que alguém me dá um fora, ele repete todos os xingamentos que minha familia fez a mim quando eu estava crescendo. Cada surra que meu pai deu sem eu saber o motivo, cada humilhação que meus irmãos me fizeram passar na rua em que vivemos e na escola em que estudávamos, cada vez que minha mãe me chamou de viadinho. Toda vez que um cara qualquer deixa de ligar p'ra mim ou fica com outro na minha frente, meus pais estão mais certos em terem me maltratado.
Bruno: Jura que você pensa assim?
Foxx: Sim, todos nós temos issues.
Bruno: Cadê aquele discurso contra a homofobia etc, etc, etc?
Foxx: Ele nasceu ai, Bruno, todo o meu discurso é para que ninguém passe pelo q eu passei. Porque ninguém merece se sentir tão sozinho com eu me senti em toda a minha vida, por isso que eu qria, um dia, criar alguma coisa que evitasse q meninos gays se sentissem assim, sozinhos. Lembra que eu falei de um disque-ajuda por exemplo? Se eu tivesse alguém que me abraçasse quando eu fui pequeno e dissesse que vai melhorar, se eu tivesse alguém aqui agora que me abraçasse e dissesse que tudo já acabou. No fundo, eu continuo procurando o mesmo sentimento de aceitação, em outras pessoas, que não encontrei em minha família.


quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Então, Vamos Falar Um Pouco de História... (Parte II)

É lugar-comum a associação entre homocultura e divas pop e homens malhados, mas isso também tem uma história. Como falamos anteriormente aqui, a criação da homocultura tem por base o amor livre hippie, a reestruturação familiar de cunho feminista e a contestação de gênero punk; no entanto, a partir da década de 1980, o capitalismo americano descobriu um público com o qual ele não estava acostumado. Surgiu o pink money. Outra questão foi a explosão da AIDS. Falemos de cada um separadamente. 
As feras do sistema capitalista perceberam que estavam perdendo dinheiro deixando esse grupo fora do próprio sistema. No entanto, as necessidades exigidas por este grupo não se enquadravam no sistema,  na verdade, perigosamente iam de encontro a ele, portanto era necessário homogeneiza-los. A família e o gênero são questões caras ao capitalismo para simplesmente serem desmanchadas e reconstruídas. Foi então que alguém inteligentíssimo, devo admitir, resolveu conceder a gays e lésbicas a oportunidade de participarem do sistema capitalista, ganhando alguns direitos, se integrando como cidadãos, sob a alcunha de diversidade. Para, contudo, ser cidadão no capitalismo é necessário que esse público pudesse consumir, então o mercado surge com empreendimentos GLS. Empreendimentos voltados para este público. Artistas se tornam GLS, alguns a revelia como Cher, outros abraçam a causa como Madonna; cidades se tornam GLS como São Francisco, Ibiza e o Rio; programas de tv, peças de teatro, arte; se criam produtos para serem consumidos por esta fatia do público; festas, músicas, bebidas, comidas, mesmo o sexo, durante toda a década de 1980 e 1990 se ampliam os objetos de consumo para este público emergente. A cultura - definida agora como pop - é empurrada garganta a baixo da comunidade gay nivelando-os todos como iguais, podendo então o mercado agir com mais tranquilidade.
Como o surgimento e explosão da AIDS participam disso? A AIDS cancela a tentativa de amor livre, a liberação sexual hippie, uma das bases da homocultura que a população homossexual pretendia propor, encontra um obstáculo intransponível. Mas o mercado capitalista não deixou de preparar uma saída. Em 1990, as revistas gays americanas, sobretudo a Out, lançadas recentemente, começam a propor um padrão estético masculino muito distinto da década anterior, que passou a ser conhecido como espartano. Homens musculosos, fortes, depilados e, principalmente, com aparência de saudável, se tornam agora objeto de culto e de desejo; o cinema e a moda reforçam o conceito, e um (novo) padrão de beleza é criado para uma cultura, vendendo-lhe roupas, perfumes, remédios para emagrecer, shakes de proteína para ficar mais fortes, surgem as academias de musculação, e um novo homem gay é agora exigido e também um novo modelo de amor. Este é o novo objeto a ser conquistado e agora, basta ter este homem, para que o homem gay se torne completo.
A homocultura é então domada pelo capitalismo e o gay yupie é o novo modelo a ser seguido. Yupie é a sigla para Young Urban Professional, que descreve o profissional entre 20 e 35 anos que, basicamente, trabalha com negócios, medicina ou entretenimento. O jovem promissor, que estudou, que tem uma bela carreira pela frente e vai se tornar um homem rico e poderoso com a maturidade. A homocultura, então, agora domada não precisa mais reconstruir a sociedade, apenas integrar-se a ela; não exige mais visibilidade e aceitação, contenta-se com um respeito que beira a invisibilidade; o homem gay e a mulher lésbica modelo são aquelas que não aparentam ser gay ou lésbica, são exatamente aqueles que não atrapalham a convivência na sociedade de massa exigindo a sua individualidade. O homem gay e a mulher lésbica yupie são o fruto de um sistema que vende a própria alma para manter-se ativo, e que agora espera que eles se tornem saudáveis competidores no mercado de trabalho e intensos consumidores de seus produtos.
O Brasil, no entanto, não tem, históricamente, nenhuma cultura gay de contestação. Relembrando nossa história, a homocultura chega ao país após a abertura política com o fim da Ditadura. Militar A contestação social que se irradiava entre os americanos, não fazia sentido em um país em que não havia nem direitos políticos garantidos mesmo para a população heterossexual. Quando então, a homocultura já massificada pelo capitalismo invade as nossas terras tupiniquins, ela encontra um ambiente em que as disparidades sociais e políticas da população brasileira a distorcem ainda mais. A homocultura capitalista acaba por criar uma oportunidade de elevação social com que faz com que muitos homossexuais de classes mais baixas tentem repeti-la para garantir uma posição social superior dentro do nicho homossexual. Ela se torna alavanca social. A contestação - que uma elite pensante tenta introduzir, mas é mal vista sob a alcunha de "militante" - acaba se tornando papo vazio entre um grupo social que está mais preocupado em garantir seu status como indivíduo do que como grupo, exatamente como o gênio capitalista que organizou tudo isso planejara. O pop é o ópio gay.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Desisti De Você.

, em Belo Horizonte - MG, Brasil
os parenteses indicam pensamentos que não foram verbalizados.



Anjo: Ei, vem cá, vi no seu Facebook que você desistiu. Desistiu de quê?
Foxx: (sério que você me perguntou isso? sério? respondo ou não respondo... ah, foda-se!) É! Desisti de você.
Anjo: Ahnnn? Como assim?
Foxx: Bem, você sabe que eu estava interessado em ter você mais do quê como amigo, não sabe?
Anjo: Olha, Foxx, eu gosto muito de você. Mas não desse jeito. 
Foxx: Eu sei! E não fico chateado com você por isso.
Anjo: Você é uma pessoa incrível, mas a gente não manda nessas coisas do coração.
Foxx: (ah, manda sim!) ... Não se preocupe, lindo, mas como eu dizia, durante a noite eu percebi (quando você se agarrou com o Vini) que de forma alguma você ia, um dia, querer me namorar, então... mas, normal, gosto de sair com você, as conversas com você são sempre ótimas e eu me divirto muito quando estamos juntos, por isso eu não queria que a amizade ficasse abalada.
Anjo: Eu estou surpreso!
Foxx: Com o quê?
Anjo: Ah, normalmente nessas situações, você seria grosso e me xingaria muito...
Foxx: Gente?! Mas claro que não! Você não tem a menor culpa de não corresponder aos sentimentos que eu tenho por você.
Anjo: É! Definitivamente você é alguém realmente especial. Nunca vi alguém ser tão maduro numa situação como essa. Além, é claro, da sua sinceridade. Ninguém costuma ser tão sincero assim, normalmente, as pessoas apenas fingiriam que está tudo bem...
Foxx: (nem por isso você me namoraria) Pois é, meu querido, eu sou assim e espero de verdade que possámos ser amigos.
Anjo: Espera aí... quer dizer que quando você desapareceu foi porque você ficou chateado comigo ficando com o Vini?
Foxx: (exatamente!) Mas claro que não, eu saí p'ra comprar cigarro e, no meio do caminho, uma das meninas que mora comigo me ligou, em prantos, por causa de uma briga com o namorado dela... (obrigado Pat por inventar essa desculpa para mim).
Anjo: E ela está bem agora?
Foxx: Sim, está tudo bem, como diria Churchill, between the dead and wounded, save everyone.

sábado, 11 de dezembro de 2010

Então, Vamos Falar Um Pouco de História... (Parte I)

Falamos sempre de "cultura gay" por aqui e algumas pessoas insistem em negar sua existência, seja para negar sua participação nela, seja por considerá-la segregacional. Bem, se falarmos de história, ela existe e tem data de nascimento. Mas antes, deixa eu explicar o que é essa tão falada "cultura gay".
Homocultura, o termo correto, trata-se de uma cultura criada por um grupo social que tem suas afinidades, aproximações, que frequentam os mesmo ambientes e convivem com os mesmos símbolos, imagens, ideias, padrões, que conversam entre si. Homocultura é um tipo de cultura, no entanto, que se desenvolve a partir da contestação do padrão culturual vigente, isto é, heteronormativo. Em outras palavras, é uma cultura que contesta o modelo heterossexual de vida. Então, basicamente, se você namora, sendo homem, outro homem; se sendo mulher casa-se e constitui família com outra mulher, contestando assim o modelo heterossexual, você está, necessariamente, aceitando a homocultura e a corroborando. Mesmo que não aceite ou participe de todos os elementos, você faz parte deste universo de contestação.
Voltando a história, apesar das relações homoeróticas (entre o mesmo sexo) existirem "desde que o mundo é mundo" (posso, se alguém desejar, mostrar referências na Antiguidade, por exemplo), a homocultura é uma invenção do Pós-guerra. O que quero dizer é que até a década de 1960 (no Brasil, esta data tem que ser alterada para 1980), ter relações com o mesmo sexo não significava adotar uma cultura distinta da cultura "oficial", as relações homoeróticas se davam num espaço bem demarcado da cultura heterossexual. Usando exemplos brasileiros, as relações homoeróticas podiam se dar dentro de um ambiente "controlado": os meninos que fazem troca-troca, a Geni que dá para qualquer um, o Cintura-Fina que se prostituía entre mulheres, Madame Satã cantando nos cabarés da Lapa, havia um lugar demarcado e socialmente aceito para estes personagens circularem. 
Quando a homocultura surge, ela é uma manifestação, uma afirmação, um grito dizendo que ninguém mais vai se contentar com o gueto. Surge dentro dos bares gays e lésbicos americanos. E esse grito se torna tão alto, forte, poderoso, que as autoridades americanas preocupadas com "os bons costumes" iniciam uma onda de confrontos com estes públicos. Voltemos no tempo, imagine-se em um bar gay, em São Francisco, em 1950, a II Guerra acabou, a economia está estagnada, você preocupado em beijar alguém, quando a polícia invade o local e leva todos presos por vadiagem e atentado ao pudor. Demorou para haver reação a esta situação. Somente em 1969, quando a polícia de Nova Iorque invadiu o bar Stonewall Inn, que os homossexuais presentes reagiram, atacaram a polícia e saíram em marcha exigindo que seus direitos fossem respeitados. 
Stonewall foi um marco. Ele criou sobretudo a ideia de orgulho gay. A partir daquele momento os gays e lésbicas desistiram de se esconder, de tentar passar desapercebidos, decidiram que mereciam mostrar sua cara e contestar todo o sistema que estavam inseridos. 
Não é por acaso que isso acontece somente em 1969. A década de 1960 é marcada pela explosão de movimentos contestadores do status quo. O movimento hippie e seu amor livre, o feminismo e, mais tarde, a contra-cultura do movimento punk são as bases do que hoje chamamos de homocultura. Acham que uma coisa não tem nada a ver com a outra? Pois pense de novo. A promiscuidade associdada aos gays é só uma forma de denegrir o questionamento a monogamia heterossexual combatida pelo movimento hippie; a formação de famílias homoafetivas desestabiliza o conceito de família heterossexual centrado na figura do homem, combate feminista; a participação de transgêneros, travestis e drag queens questiona a imagem do que é homem e o que é mulher, questão base do movimento punk
A homocultura tem então estes três pilares: o amor livre, a reestruturação da família e redefinição dos papéis de homens e mulheres na sociedade. Agora, você deve estar perguntando: então de onde saíram as divas pop? A obcessão pelo corpo malhado? O papo vazio sobre moda, cabelo, maquiagem e decoração? Como o texto já está muito grande, essa explicação fica para a parte II.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Sorriso de Anjo

, em Belo Horizonte - MG, Brasil
Chovia fraquinho na rua, e ele esperava embaixo da marquise comigo o ônibus. "Não vou te deixar a essa hora sozinho aqui", me dizia, apesar de meus protestos, "o ônibus não vai demorar nada, você não precisa se preocupar". Mas ele insistiu e eu aceitei a gentileza. Sentamos em um degrau, ali embaixo, enquanto a água lavava o asfalto negro, ele do meu lado e me sorriu com aquele sorriso perfeito. Aquele sorriso dele que ilumina o coração, a alma, a vida de quem está perto. E sentou bem próximo, colou seu braço no meu e eu pensei: "Que se foda! Se eu levar um fora agora, eu desisto e pronto!". E enrosquei meu braço no dele.
Naquele momento, todas as conversas desde que saímos do filme do Woody Allen, no CineClub Savassi, com o primo dele, sobre o tipo físico de homem que o atraía, o que minha barriga (e só ela) me coloca de fora, pipocaram na minha mente naqueles segundos. Nos poucos segundos em que eu puxei meu braço para trás e o encaixei entre o dele e o seu tronco, os poucos segundos que demorei para deslizar até segurar sua mão e colocar meus dedos entre os dele. 
A sensação foi de alívio, no entanto, quando ele sorriu em resposta. E depois de euforia, quando após sorrir, se aproximou e me beijou. Um beijo lento, caloroso, linguas juntas, lábios que se encaixam. Depois eu me levantei, e ele veio junto, o beijo continou agora com nossos corpos colados, o abraço dele em torno do meu corpo, meu dedos cravados nas suas costas. Ele me beijou enquanto chovia na rua, agora tão intensa e fortemente quanto ele me beijava, e as vezes sorria, agora somente para mim. O meu Anjo me beijou novamente. E sorriu para mim.  

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Divirta-se, Foxx*

, em Belo Horizonte - MG, Brasil
Andaluz, clube pequeno cuja música eletrônica ecoa nos ouvidos dos frequentadores enquanto eles treinam um carão sem sentindo que intoxica o ambiente, lugar lotado em que fica difícil caminhar, ver alguém ou ser visto, onde descamisados tímidos, contantemente reprimidos pelos seguranças do local, vagueiam casais héteros moderninhos e meninos que pagam R$ 17,00 de entrada com a mesada da semana. Fim de noite, e o menino - provavelmente um dos que paga com a mesada -, que aquela altura provavelmente já me considera um devasso porque apalpo sua bunda, no meio da pista, por cima e por dentro da calça dele, enquanto trocamos alguns beijos, pergunta se eu lembro do nome dele quando pede meu telefone.
Paro e caço na memória o seu nome, e tenho certeza que nunca fora mencionado, lembro apenas que chegamos, dançamos um com o outro e nos beijamos, mas a idéia de que talvez eu tenha bebido demais e algo me escape da noite não é imediatamente descartado, mas eu tento categoricamente afastar esse raciocínio. "Desculpa", digo, "mas eu não lembro não". Ele me lança um olhar reprovador e toma meu celular e digita seu nome e número, acima do seu ombro eu vejo: M - A -Y - C - O - W. Maycow. MAYCOW! "Eu lembraria se você tivesse dito, eu lembraria!".


*O título é uma homenagem ao querido Jarbas Ribeiro.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Considerações Acerca da Escritura

Outro dia, um comentário no Twitter rendeu uma boa discussão quando resolvi respondê-lo. Em resumo, o @rafz dizia:

"Vocês não se cansam desse linguajar "gay" que vocês usam só pra parecer iguais a todo mundo? Sou contra isso, sou contra. Ora, quando vc quer "direitos iguais", não adianta se mostrar diferente, principalmente na linguagem. Se quero me impor como igual (é essa a intenção, não é?), não vejo porquê me portar como diferente. Não vejo sentido nisso, não vejo. Nem sentido nem graça, sério! O fato é que não consigo conceber essa alteração na língua como algo positivo. Em tese, a questão é: sou um ser humano, como qualquer outro. O que eu faço na cama, diz respeito a mim e a quem está na cama comigo, no caso, outro homem. O que me incomoda é: gente que coloca o fato de ser gay como sua principal característica, só isso!"

 Achei importante trazer isso para o blog porque blogayroz como o Arsênico e o S.A.M que utilizam uma linguagem um tanto mais "gay", com expressões como c'azamiga, miazamiga, gentchy, rycah, phynna, amiguës, beeshans, felizmentchy, fikdik, entre outras, já receberam criticas dado a linguagem que utilizam, então me agarro aqui ao meu livrinho de capaz azul, do literato e linguista francês Roland Barthes, O Grau Zero da Escritura e teço meus comentários.
Explica o francês que a função da escritura não é mais apenas comunicar ou exprimir, mas é impor um além da linguagem que é, ao mesmo tempo, a História e o partido que nela se toma; em outras palavras, desde o século XIX com o Romantismo e a invenção da Literatura como a conhecemos hoje, escrever não é simplesmente comunicar-se e exprimir suas idéias em forma de simbolos gráficos, escrever é assumir para si o rótulo de escritor e como tal é tomar partido dentro de uma série de manifestações políticas no qual estamos inseridos como seres dotados de historicidade, isto é, que vivem dentro de uma sociedade localizada no tempo e no espaço. 
A escritura, a forma com que o escritor torna a linguagem um objeto paupável, é o processo exato em que ele se liga a sociedade e exatamente por isso, se torna incapaz de não ser historicamente condicionada. Diz Barthes que a língua em si (o português, o francês, o italiano, por exemplo) não é o lugar para o engajamento social e político, ela é uma habilidade compartilhada por um grupo humano qualquer, um horizonte que instala ao longe uma certa familiaridade. Contudo, sob o que ele chama de estilo, é que a linguagem é apropriada pelo escritor e a partir dele, o estilo, que se pode manifestar suas escolhas, suas intenções, a própria ordenação de sua forma de pensar. 
Sendo assim, quando o escritor assume o estilo ele se torna um scripteur, situado a meio caminho do militante e do escritor, herdando do primeiro a imagem do homem engajado e do segundo a idéia de que toda obra escrita é um ato, e portanto, pode ser encarado como ato político também. Esta escritura militante e intelectual torna o signo, a palavra, a grafia, o suficiente para o engajamento.  Em palavras do próprio Barthes: "Alcançar uma fala fechada pelo impulso de todos aqueles que não a falam é alardear o próprio movimento de uma escolha, quando não sustentar tal escolha; a escritura torna-se, no caso, uma espécie de assinatura que a pessoa coloca embaixo de uma proclamação coletiva (que, por sinal, não foi redigida por ela). Assim, adotar uma escritura - diríamos melhor -, assumir uma escritura é fazer economia de todas as premissas da escolha, é manifestar como adquiridas as razões de tal escolha" (BARTHES, R. 1953, p. 131). A forma da escritura, das palavras, do estilo, se torna um objeto autônomo pronto a significar uma propriedade coletiva, mas principalmente uma identidade que precisa ser defendida.
Além de Barthes, precisamos acrescentar que esta linguagem, além da ultização de termos no feminino, e bordões que se propagam pela internet, como alok, é mara, entre outros, são partes constitutivas de uma identidade formulada dentro da contra-cultura gay. Contestar a norma culta, contestar as normas heteronormativas, apropriar-se da cultura pop, faz parte do berço punk de onde a cultura gay nasceu e ela não se afastou disso desde a década de 1970, apesar da contestação yupie iniciada na década de 1990.
Se hoje há crítica aos blogs citados acima, e mesmo a comentário do @rafz no meu twitter, isso denota que a cultura gay foi sim partida entre os escritores scripteur, contestadores no melhor sentido punk, e os novos yupies que preferem conviver com a cultura heteronormativa e apenas adaptá-la as suas necessidades, sem grandes contestações ou mudanças. No fim, como disse Barthes, o estilo da escritura é onde cabe a demonstração de escolhas. Escolha então o seu lado, afinal ambos são posicionamentos políticos importantes, e vamos a luta!