Google+ Estórias Do Mundo: março 2011

sábado, 26 de março de 2011

Garde-manger, parte 2.

, em Belo Horizonte - MG, Brasil
Então ele me convidou, no outro dia, ir jantar com ele. Conhecer sua casa, e ficarmos lá, juntos um tempo. E eu aceitei. Encontramo-nos no Pampulha Mall, próximo a minha casa, a meio caminho da casa dele. Vinha do trabalho, com o uniforme dentro de uma mochila, e perguntou se eu preferia sentar e beber alguma coisa na galeria, ou se eu preferia irmos direto para sua casa. Olhando sua mochila, respondi: "Você deve estar cansado do trabalho não? Que você prefere?". Ele preferiu irmos para casa, jantarmos e vermos tv juntos. "Até porque tudo que eu quero é bom banho quente p'ra poder relaxar do trabalho". E eu ascenti e pegamos o ônibus Céu Azul em direção a casa dele. Descemos na Av. Portugal, região que para mim, na cidade, é totalmente desconhecida. Conversavamos, nesse meio tempo sobre o emprego dele. Garde-manger, responsável pelas saladas e pratos de frios e queijos do restaurante. Ele me explicou como era o trabalho e suas especialidades. "É tudo uma questão de sedução, a salada tem que conquistar muito antes pelo olhar do que pelo outros sentidos". E explicou que seu curso era técnico, mas que no segundo semestre ele ia prestar vestibular para Gastronomia. "A gente tem que estudar mesmo! Faz bem!". Disse-lhe. 
Mal falei sobre meu trabalho, na casa dele, quando após o banho, ele sentou-se entre as minhas pernas e deitou no meu peito, discutimos muito mais Insensato Coração e a idade do Rodrigão do BBB do que minhas discussões filósoficas sobre a censura, Inquisição e o universo intelectual protestante no século XVII. Ele também não demonstrou-se muito interessado, principalmente quando relei minha barba no seu pescoço e a língua na sua orelha. Dali, logo, ele me mostrou o quanto estava excitado e, não obstante, afirmar que não aconteceria nada naquele dia.  Como eu também preferia. Ficamos entre beijos, sarros, e minha barba no pescoço dele e minha língua passeando entre a nuca e a orelha dele. Não saímos do sofá, nem cheguei a conhecer seu quarto. Ele armou o sofá-cama e dormimos os dois ali, de conchinha, abraçados, apesar do calor que fazia na casa dele. Contudo, várias vezes durante a noite, acordei com ele movendo minha mão que deslizara para sua coxa ou bunda. Algo, no meu toque, (estranhei) o incomodava e, por isso, virei para o outro lado.
Ele tinha que acordar cedo. "Tenho que estar as 7h da manhã no restaurante!", avisara-me antes e eu acordei com ele. Juntei minhas coisas, vesti minha calça e lavei o rosto com o sabonete líquido de erva-doce que estava sobre a pia. Pegamos ônibus juntos, mas quando desci, disse-lhe que o ligaria. E liguei. Uma, duas, três vezes, em nenhuma mais ele atendeu. Aí eu parei de ligar.

terça-feira, 22 de março de 2011

Garde-manger, parte 1

, em Belo Horizonte - MG, Brasil
Resolvi naquele dia que sairia para correr mais cedo. Ameaçava chover. Então calcei meus tênis e vesti o short e saí para a Pampulha. Dirigi-me para as imediações do museu de arte, famosa região de pegação e prostituição masculina da cidade. Gosto de correr por ali, além de ser mais calmo, com um movimento menor de carros, me divirto observando, por poucos segundos enquanto passo correndo, os executivos em seus carros abordando garotos de programa, os pais de família que fogem depois do trabalho para uma transa rápida entre as árvores, os jovens esperançosos de amor, mas que não distinguem este do sexo. É divertido observar aqueles outros, que demonstram tanta segurança apalpando os próprios paus e te medindo com o olhar, mas que não estão disponiveis para um relacionamento verdadeiro com ninguém. Eu gosto de correr entre eles, me diverte. 
Contudo, deve ser por causa da posição da Lua, algo diferente tem acontecido comigo desde antes do carnaval. Eu passei correndo e observei um garoto, magro, com alguns músculos aparecendo por sobre a camiseta de algodão, uma bunda bonita e pernas rijas, não grandes e musculosas, mas magras e definidas, ele caminhava com as mãos nos bolsos e sandália nos dedos. Parecia apenas curtir o fim de tarde na orla da lagoa, aquela tarde que ameaçava terminar em chuva. Passei por ele correndo, e ainda olhei para trás, ele notou que eu passei observando, vi seu nariz adunco e o abdômen reto. Não era bonito, mas era gostoso.
Continuei correndo. Eram três quilômetros para terminar ali e ainda voltar. E na volta eu o reencontrei, passei por ele, ele caminhava do mesmo jeito, mãos nos bolsos e sandália no pé. Notei que ele percebera que eu estava olhando para ele, e resolvi parar um pouco, aproveitava e descasava uns minutos, custava nada. Não iria falar com ele, mas quem sabe. Parei. Ele notou e voltou seu caminho. Rápido, sem pensar muito. Eu fingi me alongar um pouco e ele chegou do meu lado e disse: "Oi?". 
Conversamos ali, num dos mirantes que margeiam a lagoa. Por uma hora mais ou menos, logo estava escuro, e a chuva que eu temia ameaçava mais ainda. Falamos sobre nossos empregos, ele chef de cozinha, eu professor, falamos sobre viajens, o Nordeste, o Rio e São Paulo, e BH, falamos sobre relacionamentos. "Então, você é solteiro?", ele me perguntou e eu quis gargalhar, mas apenas respondi: "Sou, e é por isso que estou conversando com você aqui. Se eu namorasse não conversaria com pessoas na rua desse jeito". Ele concordou que não era realmente o correto a se fazer, e pediu meu telefone e prometeu ligar, e com um beijo suave, com gosto de quero-mais nos despedimos. Só para no mesmo dia ele me ligar e falar: "Queria que você tivesse vindo aqui pra minha casa comigo". E eu respondi: "Ora, era só me convidar".

sexta-feira, 18 de março de 2011

ESPECIAL RIO DE JANEIRO: Cor do Trigo

, em Niterói - RJ, Brasil
Um menino bonito, de olhos luminosos, o sorriso largo e cabelos cor de trigo. Foi na Lapa que conheci aquele menino, última noite em terras cariocas, e algum deus benfazejo resolveu me dar um último presente. Ele me beijou naquela rua, após indiretas do Bruno, e poucas tentativas minhas, mas ele me beijou, elogiando minha barba em seu pescoço. No primeiro beijo, ele ainda estava sentado, e eu me inclinei para ele e o beijei, e fui correspondido. Foi só depois que ele levantou-se e me pegou pela cintura demonstrando sua excitação contra o meu quadril. Beijou-me com desejo, mas sobretudo com carinho.
Conversando, ele lamentou que eu estava indo embora. E eu que só tinhamos nos encontrado naquele dia. E  os olhos luminosos e o sorriso aberto e os cabelos cor de trigo emolduraram um pedido simples, bobo qualquer um poderia dizer, mas ele pediu para dormir comigo. Ele disse: "Dorme comigo?", e eu só pude responder sim. Eu seria um completo idiota se dissesse não para aqueles olhos, para aquele sorriso, para o trigo. E sim, dormimos juntos, e fizemos sexo também (um dos melhores da minha vida com certeza, quiçá o melhor), mas também descansei nos braços dele ou deitado sobre seu peito claro onde eu podia ouvir seu coração. Dormi com ele, abraçados, sentindo sua pele, seu cheiro, seu calor e ao acordar, encontrei novamente seu beijo, e feliz consigo lembrar agora que a última boca que eu beijei foi daquele menino de olhos luminosos, sorriso largo e cabelo cor de trigo. Foi um presente, definitivamente um presente. 
Ao me despedir dele, deixando-o de cueca ainda na cama, ficou repetindo na minha cabeça um trecho de Saint-Exúpery: 

"E depois, olha! Vês, lá longe, o campo de trigo? Eu não como pão. O trigo para mim é inútil. Os campos de trigo não me lembram coisa alguma. E isso é triste! Mas tu tens cabelo cor de ouro. E então serás maravilhoso quando me tiverdes cativado. O trigo que é dourado fará lembrar-me de ti. E eu amarei o barulho do vento do trigo...".

terça-feira, 15 de março de 2011

ESPECIAL RIO DE JANEIRO: Romance de Carnaval

, em Rio de Janeiro - RJ, Brasil
Era segunda-feira de carnaval, e eu não aguentava mais a Farme de Amoedo, havia feito dramáticas ameaças de suicídio se voltássemos aqueles quarteirões que dão para a praia de Ipanema. Contudo, como uma criança mimada, eu fui enganado pelo Bruno, Antônio Castro e o Júlio. Eles me levaram ao centro, vimos o desfile dos Caciques de Ramos, mas logo que acompanhamos o bloco e ele se dispersou, eles me arrastaram pelo metrô novamente para a Farme. "Voto vencido!", foi o que argumentei quando o amigo do Candy me perguntou porque eu vim. 
Mas eu já estava lá e nem por isso me fiz de rogado quando um belo menino de olhos orientais, mas pele morena, passava junto com os amigos e se inclinou, sem dizer uma palavra, e me beijou. "É carnaval", repetia o Bruno, junto com "Foxx, safadinho". Paramos a um certo ponto da Farme de Amoedo após a Visconde de Pirajá, no sentido oposto a praia, o Bruno beijava, o Antônio Castro e o Júlio também. Fiquei observando os passantes quando um cara, mais baixo que eu, olhos castanhos quase claros e pele branca, passou a mão na minha barba e sorriu, eu sorri de volta e ele, com cara de safado, começou a se aproximar e me beijou. Beijou devagar e sem pressa, com calma nossos lábios se conheciam, nossas línguas se tocavam, com cuidado o sabor dos dentes se espalhava entre nossas bocas. Enquanto beijávamos ouvi alguém ralhar com ele. Dizia: "Não acredito que é você! Como se atreve a ficar com ele?!". Ergui os olhos assustados e vi o menino que Bruno estava ficando se aproximando dele e o abraçando. Ele então se explicou com pressa, dizendo que aquele era um dos amigos do seu ex-namorado, eu ri, repetindo, "Que mundo pequeno, né?", mas não achei necessário explicar que eu conhecia o rapaz que o Bruno estava beijando do dia anterior, também não achei necessário explicar quem era o menino que o amigo do ex-namorado dele era o meu amigo. Não tinha que explicar nada para ele, não é? 
Ele ficou conversando um pouco, e eu me afastei, dei-lhe um pouco de espaço. Foi neste momento, contou-me o Bruno, que ele encheu-me de elogios. Falou para o amigo que o cara com quem ele estava era perfeito, gostoso, beijo bom, bonito e tudo mais. Foi quando o amigo disse-lhe: "É, eu conheço ele! É amigo do Bruno aqui!". Ele ficou vermelho, mas ao voltar para perto de mim não comentou absolutamente nada, apenas me beijou com mais afinco e pôs a mão na minha bunda. Foi nesse momento que todos decidiram ir para o outro lado da Visconde de Pirajá e todos saíram em fila indiana, ele fez questão de ir atrás de mim, segurando meu ombro como quem marca propriedade e me encoxando quando ficava mais apertado.
Já haviamos conversado e sabíamos que morávamos os dois em Belo Horizonte já, nessas coincidências do destino. Em bairros não muito distantes inclusive. Ele riu da coincidência, e comentou que perdera muito tempo por não ter me conhecido na capital de Minas Gerais. "Podíamos aproveitar bastante!", dizia ele apertando minha nádega, o que respondi com "Sim, poderíamos aproveitar muito!". Ele sorriu, me beijou de novo, e agora alojara sua mão na minha bunda, apertando e cutucando sem o menor pudor. Foi quando ele virou-se e no meu ouvido perguntou: "Então... quando é que você vai me dar?". Eu sorri, sem graça, e tentei pensar numa boa resposta, mas a única que eu consegui foi: "Olha, aqui eu não vou dar p'ra você mesmo, mas se você quiser marcar depois, em Belo Horizonte, será um imenso prazer". Ele não parecia acreditar na minha resposta. "Mesmo? Você vai se fazer de dificil?". Eu segurei a mão dele naquele momento e tirei da minha bunda. "Não, eu não estou me fazendo de difícil, eu só não vou dar p'ra você hoje porque não estou afim! Não hoje, não agora, não assim". Ele se irritou e se afastou. Saiu sem dizer nada e eu fiquei lá, com minha lata de cerveja em uma mão, procurando o isqueiro para acender um Lucky Strike. Pouco depois, o Bruno veio todo sem jeito me comunicar que o pobre mineiro não queria mais ficar comigo e eu só pude responder: "Quem não quer mais sou eu! Next!!".

domingo, 13 de março de 2011

ESPECIAL RIO DE JANEIRO: "Cariocas Não Gostam de Dias Nublados"

, em Rio de Janeiro - RJ, Brasil
Das ruas de Ipanema que começam na Avenida Vieira Souto, a Farme de Amoedo é uma das poucas que não terminam na Lagoa Rodrigo de Freitas, uma falha no tabuleiro de inspiração parisiense causado pelo terreno irregular do Rio de Janeiro, no caso, o Morro do Cantagalo. Mas não é apenas por isso que aquela rua é diferente das outras. Não sei se o que vem antes, se o ovo ou a galinha, mas a Farme fica diante do ponto gay da praia de Ipanema, que ostenta orgulhoso sua bandeira do arco-íris, e,  não obstante, é apenas no carnaval que ela se transforma num grande baile de carnaval gay. Não, ela não se transforma em uma boate, ela se transforma em um grande baile mesmo.
É estranho, porque, num dia comum, você não perceberia nada demais naqueles pouco mais de quinhentos metros. Não existem bares gays ou boates na rua, it's not the Liberty Avenue, bitch!, contudo, de alguma forma mágica, o carnaval de todos os gays cariocas gira em torno da Farme. Existem aqueles que não irão aparecer por lá, fugir de toda maneira, existem aqueles que irão aparecer por lá todos os dias, mas entre os dois extremos, de alguma forma você tem que reagir a Farme. De alguma maneira. 
Eu pisei na Farme quatro dos nove dias da minha estada no Rio, portanto, são quatro dos cinco dias de carnaval, quase todo por ali. Aprendi coisas: que o ponto de maior ferveção ficava no quarteirão entre a Prudente de Morais e a Visconde de Pirajá, sobretudo em frente ao Tô Nem Aí Sushi Bar, onde a música do bar transformado em boate vazava até a rua, alguns funks, Rihanna, Madonna e até marchinhas, apenas em um dia, acredito que na segunda-feira de carnaval, que o fervo se ampliou para os quarteirões vizinhos; que o público, verdadeiramente, varia de dia para dia, e pode haver uma noite em que você se depare apenas com gringos e com a classe alta da cidade ou que os moradores de algum morro desçam para fazer a festa na rua, democraticamente; e que, apesar da chuva, o carnaval está ai para ser pulado, porque choveu muito e, com chuva ou sem chuva, não teve uma variação significativa de pessoas na rua, todos sempre estavam lá;  também tem uma rave rolando na areia da praia, que atrai mais os estrangeiros com seus cabelos loiros e olhos claros, sem entender exatamente o que está acontecendo por ali.
Foi na Farme que o Bruno teve que repetir nos meus ouvidos, algumas vezes, que era carnaval e eu precisava, devia, me divertir. "Você precisa relaxar", dizia ele, "Não é a toa que você está com bruxismo! Relaxa!". E o resultado foi esse: dezessete bocas nos quatro dias (sendo esta a divisão: 2-12-0-3). E, talvez agora, alguma pessoa me pergunte: "mas você sempre diz que ninguém se interessa por você, e agora vem dizer que ficou com dezessete pessoas, como pode?". Então, deixem-me explicar que antes de mais nada eu sou sim um homem bonito, e se eu quiser sair pra uma balada e beijar na boca, será muito dificil eu não conseguir, por dois motivos: minha beleza e minha atitude, sou do tipo que chega nos caras, levando um fora ou não. O que eu reclamo é que, apesar disso, o contato com esses caras nunca vai para frente, fica resumido a somente alguns beijos ou somente sexo, porém, como agora era carnaval e meu objetivo aqui não era, nada mais, do que exatamente um beijo, qual o problema de agir exatamente do jeito que eles desejam? Na minha opinião, nenhum! 
E fiz! De todos, somente a dois perguntei o nome, porque eles se demoraram um pouco mais, mas na maioria dos casos eu os beijava e continuava andando para encontrar o Bruno, o Antonio Castro, o Gui, o Júlio, o Candy ou o Rafael Morello ou para beijar outro, inclusive beijei também enquanto deixava um desses que perguntei o nome, esperando, enquanto eu beijava outro. Não sem ouvir do Bruno: "Foxx, seu danadinho!". Era meu objetivo naquele carnaval, em momento algum, conhecer alguém, era apenas relaxar, descansar desses problemas amorosos que tanto atrapalham minha vida,  beijar na boca, for God's sake, porque afinal de contas namoro de carnaval termina na quarta-feira de cinzas, mas nem sempre isso sai como o planejado.


continua...

quarta-feira, 9 de março de 2011

ESPECIAL RIO DE JANEIRO: "É Carnaval"

, em Niterói - RJ, Brasil
Era quinta-feira, e a praça da Estação da Cantareira, ao lado da UFF estava, como costuma, lotada. Os bares, de estilos diferentes, dos mais tradicionais e "familiares", no sentido daqueles restaurantes que frequentam toda a família, no qual  os pais levam as crianças para comer uma pizza, a baladas alternativas e gays convivem harmoniosamente no quadrilátero. Meninos sarados e musculosos passeiam por ali sem camisa enquanto outros que usam calças skinny multicoloridas sentam nas escadarias e fumam seus cigarros aromatizados, já namorados gays trocam seus carinhos em mesas espalhadas pela rua, interditada aquela hora.
Sentado numa mesa com o Júlio e o Bruno, tomando Antárticas, decidi que aquela estadia no Rio de Janeiro seria diferente e anunciei ali. "Quero que vocês me lembrem que eu estou no Rio de Janeiro, no carnaval, e definitivamente não vai ser aqui que vou encontrar namorado, ok?". Os dois me olharam sem entender e precisei explicar melhor. "Não vou encontrar alguém aqui p'ra começar um namoro a distância. Definitivamente não! Namoros a distância não estão mais no leque de possibilidades". Eles ainda me olhavam com um certo ar de interrogação. "Preciso de umas férias da minha vida, e da ausência que sinto de ter alguém do meu lado, preciso esquecer por alguns dias e, simplesmente, beijar na boca sem culpa ou maiores preocupações". Foi então que o Bruno sorriu e respondeu: "Pode deixar que eu vou lembrar sempre! É carnaval!".



continua...

quarta-feira, 2 de março de 2011

Atípico (Dia II)

, em Belo Horizonte - MG, Brasil
Acordei na sexta-feira exausto. Na minha cabeça, lembranças da noite anterior me causavam mal estar. O Rodrigo, o meu orgulho ferido na boate, a buceta de uma menina que resolveu subir no queijo e erguer o vestido, além das minhas lágrimas, que apesar de eu não lembrar mais delas (graças ao álcool), Antônio me contou. Chorei reclamando que ninguém queria nada comigo, a não ser aqueles momentos passageiros, porque eles querem meus beijos, meu corpo, meu sexo, eles querem, mas por uma hora, duas talvez, no fim sou facilmente substituível. Precisava recuperar as forças, então, naquele momento, então ficamos, eu e Antônio, o dia em casa, deitados no chão da sala, sobre o tapete de tricô, vendo a primeira temporada de Seinfeld, enquanto chovia lá fora, coisa que não acontecia há, provavelmente, dois meses na capital mineira.
No entanto, a noite, havíamos programado desde o início do mês, quando Antônio me contou que dia estaria aqui, que veríamos as peças que encerrariam a Campanha de Popularização do Teatro e da Dança, realizada pela prefeitura de Belo Horizonte, desde início de janeiro. Já havia comprado os ingressos para a peça desta sexta feira, Bom Crioulo, baseada no romance homônimo de Adolfo Caminha, escrito nos idos de 1895, e considerado o primeiro romace homoerótico escrito em terras brasileiras, e também para Bent que só seria encenada no Grande Teatro do Palácio das Artes no domingo.
Obviamente eu ainda não questionara se estes ventos que pareciam estar mudando na minha vida, contudo, ao entrar no átrio lateral do Palácio, buscando a sala em que seria exibida nossa peça e dar de cara com ele, algo me fez desconfiar que havia algo diferente. Ele usava uma calça vermelha e um chapéu, e o Antônio o achou esquisito, talvez realmente fosse, mas ele passou o tempo todo em que estive no átrio me observando. Não aconteceu mais nada que isso. "Eye contact". Mas como eu costumo ser invisível, algo tinha que estar estranho. E estava. 
A prova estaria no ônibus que pegamos, carregando uma pizza para encerrarmos a noite entre pizzas e cervejas, vendo Modern Family e Grey's Anatomy no laptop do Antônio. Entrei e observei um menino, cara de novinho, carregando uma mala, sentado junto a porta traseira do ônibus. Acabei me dirigindo até ele, notei que ele também me observava, e quando cheguei perto, coincidentemente, o homem que estava ao lado dele levantou-se e eu acabei sentando. Quando eu me sentei, discretamente, ele guardou o Ipod que ouvia e falou: "Esse ônibus vai mesmo para a rodoviária, não é?". Eu sorri, surpreso. Pensava: "Como assim alguém está puxando assunto comigo? Comigo?!". Eu respondi afirmativamente. Afirmativamente a pergunta que ele com certeza já sabia a resposta. Contou-me que estava indo para o Rio de Janeiro também. E que era arquiteto. E tinha 24 anos. E sofrera uma acidente recentemente de carro. "Ainda estou todo dolorido", disse. E me sorriu. Por fim, pediu meu telefone antes de descer. E, pela primeira vez na vida, alguém pediu meu telefone e disse que assim que voltasse a Belo Horizonte iria me ligar. E pouco importa se ele lembraria ou não. Eu só conseguia perguntar: "O que porra está acontecendo?".