É lugar-comum a associação entre homocultura e divas pop e homens malhados, mas isso também tem uma história. Como falamos anteriormente aqui, a criação da homocultura tem por base o amor livre hippie, a reestruturação familiar de cunho feminista e a contestação de gênero punk; no entanto, a partir da década de 1980, o capitalismo americano descobriu um público com o qual ele não estava acostumado. Surgiu o pink money. Outra questão foi a explosão da AIDS. Falemos de cada um separadamente.
As feras do sistema capitalista perceberam que estavam perdendo dinheiro deixando esse grupo fora do próprio sistema. No entanto, as necessidades exigidas por este grupo não se enquadravam no sistema, na verdade, perigosamente iam de encontro a ele, portanto era necessário homogeneiza-los. A família e o gênero são questões caras ao capitalismo para simplesmente serem desmanchadas e reconstruídas. Foi então que alguém inteligentíssimo, devo admitir, resolveu conceder a gays e lésbicas a oportunidade de participarem do sistema capitalista, ganhando alguns direitos, se integrando como cidadãos, sob a alcunha de diversidade. Para, contudo, ser cidadão no capitalismo é necessário que esse público pudesse consumir, então o mercado surge com empreendimentos GLS. Empreendimentos voltados para este público. Artistas se tornam GLS, alguns a revelia como Cher, outros abraçam a causa como Madonna; cidades se tornam GLS como São Francisco, Ibiza e o Rio; programas de tv, peças de teatro, arte; se criam produtos para serem consumidos por esta fatia do público; festas, músicas, bebidas, comidas, mesmo o sexo, durante toda a década de 1980 e 1990 se ampliam os objetos de consumo para este público emergente. A cultura - definida agora como pop - é empurrada garganta a baixo da comunidade gay nivelando-os todos como iguais, podendo então o mercado agir com mais tranquilidade.
Como o surgimento e explosão da AIDS participam disso? A AIDS cancela a tentativa de amor livre, a liberação sexual hippie, uma das bases da homocultura que a população homossexual pretendia propor, encontra um obstáculo intransponível. Mas o mercado capitalista não deixou de preparar uma saída. Em 1990, as revistas gays americanas, sobretudo a Out, lançadas recentemente, começam a propor um padrão estético masculino muito distinto da década anterior, que passou a ser conhecido como espartano. Homens musculosos, fortes, depilados e, principalmente, com aparência de saudável, se tornam agora objeto de culto e de desejo; o cinema e a moda reforçam o conceito, e um (novo) padrão de beleza é criado para uma cultura, vendendo-lhe roupas, perfumes, remédios para emagrecer, shakes de proteína para ficar mais fortes, surgem as academias de musculação, e um novo homem gay é agora exigido e também um novo modelo de amor. Este é o novo objeto a ser conquistado e agora, basta ter este homem, para que o homem gay se torne completo.
A homocultura é então domada pelo capitalismo e o gay yupie é o novo modelo a ser seguido. Yupie é a sigla para Young Urban Professional, que descreve o profissional entre 20 e 35 anos que, basicamente, trabalha com negócios, medicina ou entretenimento. O jovem promissor, que estudou, que tem uma bela carreira pela frente e vai se tornar um homem rico e poderoso com a maturidade. A homocultura, então, agora domada não precisa mais reconstruir a sociedade, apenas integrar-se a ela; não exige mais visibilidade e aceitação, contenta-se com um respeito que beira a invisibilidade; o homem gay e a mulher lésbica modelo são aquelas que não aparentam ser gay ou lésbica, são exatamente aqueles que não atrapalham a convivência na sociedade de massa exigindo a sua individualidade. O homem gay e a mulher lésbica yupie são o fruto de um sistema que vende a própria alma para manter-se ativo, e que agora espera que eles se tornem saudáveis competidores no mercado de trabalho e intensos consumidores de seus produtos.
O Brasil, no entanto, não tem, históricamente, nenhuma cultura gay de contestação. Relembrando nossa história, a homocultura chega ao país após a abertura política com o fim da Ditadura. Militar A contestação social que se irradiava entre os americanos, não fazia sentido em um país em que não havia nem direitos políticos garantidos mesmo para a população heterossexual. Quando então, a homocultura já massificada pelo capitalismo invade as nossas terras tupiniquins, ela encontra um ambiente em que as disparidades sociais e políticas da população brasileira a distorcem ainda mais. A homocultura capitalista acaba por criar uma oportunidade de elevação social com que faz com que muitos homossexuais de classes mais baixas tentem repeti-la para garantir uma posição social superior dentro do nicho homossexual. Ela se torna alavanca social. A contestação - que uma elite pensante tenta introduzir, mas é mal vista sob a alcunha de "militante" - acaba se tornando papo vazio entre um grupo social que está mais preocupado em garantir seu status como indivíduo do que como grupo, exatamente como o gênio capitalista que organizou tudo isso planejara. O pop é o ópio gay.
Eu acho que a assimilação do gay pelo capitalismo é um avanço e tanto, realmente não tenho uma visão negativa a este respeito.
ResponderExcluirPesquisei este tema para o meu doutorado, só uma coisa a acrescentar ao texto: na verdade essa questão de homocultura, guetos, divas e cultura gay é mais antiga do que você escreveu, e surge lá na Europa, mais precisamente em Viena e Berlim, mais de cem anos atrás (na virada dos anos 1900), nos cabarés, e um pouco depois em Paris. Foi ali que surgiram as dragqueens, shows de travestismo, o culto às divas e até o modelo de clube gay que temos hoje. Com a Segunda Guerra, muitos fugiram para os EUA e levaram consigo o modelo, que acabou sendo espalhado pelo resto do mundo.
o pop é o ópio de todo mundo!
ResponderExcluirnão só dos gays.
ainda bem que divas nao fazem parte do meu set list.. se é que vc me entende!
bjo Foxx
O grande problema gay é q ele está sempre se achando diferente [preconceito contra si próprio] e com isto tenta assumir uma postura de contestação. Só q ele não tem esta competência e acaba é copiando para si mesmo o modelo hétero q ele tanto despreza ...
ResponderExcluirQto ao fato do gay ser assumido pelo capitalismo, concordo com o DPNN ... isto é positivo ... se algo vai mudar no contexto social em relação a nós, isto só virá a partir do jogo de interesse do capital neste nicho de consumo ... não existe e nem existirá nunca a concessão pela concessão ... vamos respeitá-los pq são gente tb ... vamos respeitá-los pq isto nos interessa agora ... eles têm grana, eles consomem, eles dão lucro ... tudo no mundo funcionou, funciona e funcionará sempre assim ...
bjux
;-)
Muito interessante e esclarecedor o seu post. Ele resume em si muita coisa da cultura conhecida como "pop". Muito obrigado por sua valorosa contribuição para o blogroll.
ResponderExcluirMais uma coisa que chega no Brasil sem o embasamento e/ou histórico dos locais de origem, e vira uma bagunça total.
ResponderExcluirUm beijo primo!
Me senti tão estúpido ao ler seu post agora... Ou um pleno drogado, mas enfim... hehehehehe...
ResponderExcluirBeijo!
Porra, que incrível! INCRÍVEL! Muito interessante, isso, gostei mesmo. Até, quando falou sobre o "cara inteligentíssimo que teve a manha de organizar a porra toda" lembrei logo da Igreja, nos tempos de controle sobre os "pagãos", como a comemoração do Natal e Halloween. Né?
ResponderExcluirO pop é o ópio gay!
ResponderExcluirEssa é histórica!
Hugzz!
é, o capitalismo deturpando a homocultura...
ResponderExcluir=S
bjs do voy
NUNCA... NADA virá de graça ou sem nenhum interesse embutido! Capitalismo é isso... é a lei da oferta e da demanda!
ResponderExcluir***
;-D
e quem inventou o dark room?
ResponderExcluirMuito legal o texto... O que eu acho injusto é que, sozinho e sem orientação, um homossexual isolado não tem como fugir desse contexto, aliás, isso vai um pouco além, porque esta questão no Pop não se resume apenas ao mundo Gay. O capitalismo é uma realidade da qual um inividuo isolado nao pode se desvencilhar... Isso me deixa frustado, sabia? Eu tento fugir dessas referencias, mas muitas vezes não consigo, não sei se inconcientemente ou se estou me enganando mesmo... Mas o seu texto me fez refletir muito, de verdade...
ResponderExcluirBeijinho Foxx... Até o próximo post
Mais um ótimo texto para reflexão.
ResponderExcluirEu não matei Joana D'Arc. E nem a Vaca Jersey! Hehehe!
ResponderExcluirBom, que existe uma apropriação da homocultura pelo capitalismo, concordo. Mas tem muito mais que isso, eu acho... Abração!
ResponderExcluirFoxx, BV é a abreviação de praia de Boa Viagem. Uma praia bastante badalada do centro do Recife. Toda vez que eu vejo que seu Blog é de BH eu só fco imaginando o teu sotaque...Acho um dos sotaques mais bonitos do Brasil. Estava na Bolívia e encontrei um mineiro de BH que fez de minha viagem digamos...mais interessante. Rsrrsrssrrs.
ResponderExcluireu gostei bastante do "Vamos falar um pouco de história I e II". =)
ResponderExcluirQuerido, ainda não estou recebendo pelo Merchandising, mas quem sabe um dia né? Seria bem vindo um pro-labore ... rs
ResponderExcluirbjux
;-)
BELICISSIMO TEXTO! Li do inicio ao fim e confesso que fiquei muto surpreso com o que vi, pois nunca tinha parado para analisar a temática LGBTT sobre esse foco.
ResponderExcluirRealmente, o mercado gay teve significativas mudanças ao longo do tempo, tudo para agregar essa massa entre os consumidores, pilares fundamentais para o capitalismo.
Por isso que não gosto quando dizem que os homossexuais são "minorias". Que minoria é essa que cada vez mais cresce e já tem até mercado apropriado para atendê-los?
Todos sabem que a maioria dos homossexuais são ávidos consumidores e que não exitam em comprar tudo o que há do bom e do melhor.
Quanto a cultura pop, acredito ser o reflexo desse novo modelo de vida. Como você bem falou, são homens malhadas ao estilo clássico, discrição entre os novos gays para adentrar no mercado de trabalho, mudanças para a inserção de uma massa que já é antiga mas que vive e sem transforma a todo instante.
PARABÉNS pelo post!
bjoxxxxxxxxxxxxxxxxx
Olá querido! Obrigado por me add lá no msn. A gente se fala por lá!
ResponderExcluirAssim, não sou muito de entrar no MSN, mas vire e mexe tô por lá... rsrs
Beijo!
Bom texto.
ResponderExcluirSó não é compatível que você ainda se esconda atrás de uma raposa, não é mesmo?
Achava que você era um adolescente, mas descobri pelo seu twitter que já está quase na casa dos trinta!
Chegou a hora (já passou na verdade...) de tirar essa máscara, rapaz! Ou sua inteligência ficará para sempre eclipsada pela covardia.
Você pode ser bem mais do que uma simpática raposa.
Belo texto... recentemente estudei um pouco isto por causa do interesse pelo ano de 68, mas alguns pontos de seu texto foram novidade e extremamente elucidadores.
ResponderExcluirE tbm adorei a frase "O pop é o ópio gay.", por mais que ache que o pop é o ópio de todo o mundo ocidental, pelo menos.
Xêrooo!
Sinceramente, concordei com cada palavra e achei esse tema muito interessante. Consegui encontrar um exemplo no meu convívio para cada situação que você expôs, e mais exemplos ainda no fim, quando você diz cita "grupo social que está mais preocupado em garantir seu status como indivíduo". O Consumismo inconsciente é um dos piores problemas que afetam nossa sociedade como um todo, e acredito que mais especificamente os gays.
ResponderExcluirBela aula de história! Pena que muita gente não se interesse e seja tão alheia (egoista) ao mundo...
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