Google+ Estórias Do Mundo: "And Dance Again"

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

"And Dance Again"

, em Natal - RN, Brasil


Noite de sábado, eu estava na praia com dois amigos, tomando um açaí com cupuaçu a beira do mar. A lua crescente mal iluminava a areia e o mar após o calçadão de pedras portuguesas, falávamos sentados nas mesas de madeira sobre independência e problemas familiares, em uma mesa mais a frente quatro homens sem camisa, grandes e musculosos, devoravam sanduíches, atrás de nós uma família inteira comia batatas fritas enquanto dois filhotes de gatos andavam por baixo das mesas. Quando já nos preparávamos para ir embora uma mensagem pelo Facebook chega no meu celular. "Vamos a Vogue?", era o meu amigo comissário de bordo, eu topei e ele perguntou aonde eu estava. "Estou em Ponta Negra terminando de tomar um açaí". Ele disse que também estava no mesmo bairro, comendo, e me perguntou se eu não queria ir acompanhá-lo até a casa dele aonde ele se trocaria para podermos ir a boate. Eu olhei no relógio e eram pouco mais de 21h, se eu fosse para casa para depois encontrá-lo era realmente muito trabalho, e eu aceitei. 
Ele me pegou na frente da feirinha de artesanato e fomos conversando. "Ah, também preciso jantar alguma coisa antes de ir para a boate". Eu estranhei. "Mas você não me falou que estava comendo quando me mandou uma mensagem?", ele riu e aí eu entendi. Ele sacou o celular e abriu o Grindr, mostrou um modelo paulista que trabalha como garoto de programa. "Esse foi o menu. Ele veio a trabalho, mas tirou uma folga para se divertir um pouquinho comigo!". Eu gargalhei e comentei que ele sempre pega muito bem. Ele me olhou sério: "Não achei meu pau no lixo não, meu amigo". Chegamos a casa dele rápido, ele preparou um lanche fácil e logo tomou banho, eram 23h quando chegamos a porta da Vogue e uma fila imensa já havia se formado.
"Gente do céu, o que tem hoje aqui?", ele perguntou. Aconteciam na cidade mais outras três festas grandes, duas gays e uma hetero, não esperávamos que a Vogue estivesse tão lotada daquele jeito. Bem, era cedo e ainda não estava, mas ficou. Muito lotada. Ficamos na fila então. Foi quando recebi minha primeira cantada da noite. Ele era baixo, baita mais ou menos do meu queixo, pele quase negra e um braço musculoso e um peitoral grande, apertado dentro de uma camiseta gola v preta. Ele sorriu para mim e eu o cumprimentei com um aceno de cabeça. Foi quando ele me chamou para falar com ele, e eu fui. Ele tinha uma voz grossa, estava bebendo cerveja do lado do carro, havia um amigo sentado no banco com vários anéis nos dedos e uma corrente de prata no pescoço e um menino no banco do motorista bem efeminado, que quando cumprimentei deu-me a mão como uma lady do século XVIII. "Já vai entrar?", ele me perguntou. Eu respondi afirmativamente e o convidei para entrar comigo. Ele falou que não podia entrar até terminar a cerveja que ele e os amigos haviam comprado. Eu então disse-lhe que bastava então ele me procurar lá dentro que eu estaria o esperando. Ele sorriu um sorriso largo e pegou na minha mão carinhosamente, seria o momento para um beijo sem sombra de dúvida, mas ele apenas sorriu e eu não fiz nenhum outro movimento. A fila então se moveu e o amigo dele efeminado falou para eu me apressar senão ia perder meu lugar, notadamente incomodado com a minha presença. Eu então disse-lhe: "Te espero lá então!", e ele somente sorriu.
Entramos na boate antes da meia-noite e eu comprei algumas doses de vodca para mim. Decidi que aquela noite era uma para aproveitar como os russos e honrar meu nome. Foi quando fiz check in no Foursquare, no entanto, que o celular tocou e um casal de amigas lésbicas mandou-me uma mensagem avisando que também estavam indo para a VG. Ri, pensando: "Esta é a utilidade desse troço afinal!". Peguei a primeira dose de vodca e entramos na pista. You shout it loud, but I can't hear a word you say. I'm talking loud not saying much. I'm criticized but all your bullets ricochet. You shoot me down, but I get up! O terceiro ambiente da Vogue é sempre o mais escuro e esfumaçado. As luzes coloridas e o raio laser verde tornam-se praticamente sólidos quando passam pela fumaça do gelo seco. As pessoas dançam sobre um dancefloor que acende e brilha conforme as músicas que tocam. Foi na pista que um loiro agora, de corpo também extremamente musculoso, mas baixo e rosto feio, sorriu para mim enquanto passava puxado por uma amiga. You shoot me down, but I won't fall, I'm titanium. "Hoje vai ser os dias dos cafuçus, pelo jeito", falei para meu amigo, e ele riu. "Tirando a cabeça, ele até que é apresentável", rimos até ele reclamar em seguida que estar naquela boate sem poder beber era um crime, ele não ia ter coragem de ir falar com ninguém. "The sun goes down, the stars come out, and all that counts is here and now".  "Pode deixar que se quiser eu cuido disso para você", ele agradeceu rindo, e veio a segunda dose de vodca.
Logo a pista estava lotada e o ar condicionado começou a dar sinais de que não daria conta daquela quantidade de pessoa. Estava difícil de andar, ainda mais de pegar bebida, muito pior ainda para dançar. "Oppan Gangnam style, Gangnam style". Apesar disso, os que estavam sem camisa já estavam assim desde muito antes. Foi quando as portas laterais da boate, que dão acesso ao lounge e a área que é utilizada para grandes shows foram abertas. As pessoas então puderam se espalhar mais e, mesmo a distância, ouvir tanto a música do ambiente de música eletrônica no lounge, dobrando o espaço; ou ouvir a música do ambiente de música ao vivo que dá para o gramado onde se arma o palco maior. "Like it's the last night of our lives, we'll keep dancing till we die" Morrendo de calor, decidi ver o que estava acontecendo no ambiente de música ao vivo, que também estava lotado tocando uma banda de forró e peguei minha terceira dose de vodca cujas pedras de gelo acabavam sendo um alívio naquele calor infernal. Fiquei pouco tempo ouvindo aquele forró em que homens dançam juntos paquerando com os outros que estão parados. Foi o tempo de fumar um Lucky Strike e sair para o lounge, onde o maior espaço e a melhor ventilação afastava o calor e ainda permitia ver as pessoas que estavam por ali. Bem melhor para paquerar e ser paquerado, mas no meu caso encontrar e ser encontrado.
Alguns amigos estavam ali. "Há quanto tempo não te vejo por aqui, Foxx!?", disse-me uma, "Achei que agora que o senhor é doutor tinha abandonado essas baladas gays!", eu ri e admiti que realmente fazia muito tempo que eu não saia para boates. "We found love in a hopeless place". "Tem que sair sim, sempre, como você espera conhecer alguém em casa?", eu gargalhei dizendo que eu não havia deixado de sair de casa, eu apenas estava preferindo outros tipos de programa, tipo teatro, cinema, bares. "Mas olha, de qualquer forma você precisa parar de ser tão seletivo", falou ela do nada, com certeza influência do álcool, "porque eu só estou sozinha porque fico escolhendo demais, tem sempre um monte de meninas e eu não sei qual escolher, fico procurando a melhor e acabo sozinha, você tem que parar de procurar demais sabe?", nesse momento eu ri muito, não dela, mas de como as pessoas acham que os problemas dos outros são iguais aos seus. "You're a shooting star I see, a vision of ecstasy", e expliquei-lhe inutilmente que não era o meu caso, que eu não escolho demais porque escolher implica ter mais de duas pessoas e eu não posso escolher entre zero e zero. Foi quando ela foi comprar água e eu consegui minha quarta dose de vodca que um menino se aproximou pedindo o fogo para acender seu cigarro. "At first sight I felt the energy of sun rays, I saw the life inside your eyes". 
Baixinho, gordinho e bem feminino, com uma postura estranha de quem não sabia onde colocar os braços. Ele pediu o fogo e puxou papo, ficamos conversando, perguntou se eu era de Natal e falou de Brasília, falou que Brasília era incrível, falou das boates da cidade e das milhares de coisas boas de lá, se ele pretendia ficar comigo, escolheu, sem dúvida, a pior abordagem possível! Gabar-se de vir de São Paulo, do Rio, de Brasília, de Guiné Bissau, quando se está em outra cidade só atrai putas das boates para turistas, convenhamos. No entanto, admito, ele se tornou mais interessante quando o primo dele, também de Brasília, se aproximou. Forte, com costas largas, ele falava arrastado como quem já havia bebido por demais. "Preciso cuidar dele agora, pelo jeito", disse-me o menino, eu desejei-lhe sorte e voltei para a pista.
"I wanna dance, and love, and dance again". Muita gente já beijava ao meu redor. Todos os amigos que eu encontrava estavam já de lábios colados com algum amor que eles acabaram de conhecer e que duraria até a próxima música. Eu cantava e dançava bebendo já minha quinta dose de vodca, esta que fui no bar e o bartender fez questão de fazê-la dupla com um sorriso nos lábios. Eu o agradeci com um sorriso e meu amigo comissário de bordo falou no meu ouvido, ao ver o copo quase transbordando daquele destilado de batatas: "Ah, esse aí 'tá querendo te comer!". Gargalhamos e nos votamos para assistir ao melhor show de drag queens que já vi em terras potiguares. E a madrugada avançava. Eu estava ali, de fato, apenas como observador. Via as pessoas encontrando bocas, namorados de mãos dadas, meninos fazendo carão e mariconas que não sabem que um sorriso e convidar alguém para conversar é sempre melhor que fazer cara de mal. Já na sexta dose de vodca, também dupla, feita pelo mesmo bartender, e num número perdido de cigarros, "The dog days are over, the dog days are out", só me restava dançar até amanhecer por através daquelas portas largas.

22 comentários:

  1. Gentchy... lendo esse post sinto tanta saudadhy dos tempos que eu saía para as baladas sem a intenciÓn de pegar ninguém... mas voltava pra casa com os lábios vermelhos e assados de tanto bayjar. :'( kkkkkkkkkk'

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  2. Oi, meu amigo Foxx. Hoje eu é que estou inaugurando os comentários do post. É legal, pois é uma forma simbólica de dizer que estou sempre por perto, mesmo quando ficamos algum tempo sem conversar. Voltemos ao post. Já achei engraçado os signos gays que nos colocam juntos, numa comunidade onde a gente se encontra pelo Grindr, vamos a boates gays para beijar, beber e ficar bêbado à vontade, conversar com pessoas, cada um à sua maneira. Uns dando uma de Rainha de Sabá, outros, como aquele que falou que Brasília era o máximo. Eu rí muito, pois, nada contra, mas Brasília só é super cool para quem é de lá e conhece todo mundo. Enfim, para mim tem um lado bem bom ir a uma boate, pois há tanto tempo que eu estou "fora do meio", mas, que eu saiba, aquí em Sampa tem lugares fantásticos e eu também preciso colocar o pé na balada, pois ando muito muito acomodado. No seu caso, me passou a idéia de uma noite boa, de uma porre legal e, mesmo sem encontrar um namorado, a energia, a maratona fizeram as vezes de uma longa corrida na praia. Bjux do seu amigo Zé!

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    1. pois é, eu me diverti sim. é bom sair para espairecer as vezes, não é, Zé? o senhor devia tentar ai em São Paulo, vc bem sabe que existem vários lugares ai que são ótimos e que vc vai se divertir bastante.
      e, de fato, ser gay é exatamente saber lidar com esses símbolos que permeiam toda a nossa comunidade.

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  3. Às vezes suas estórias me lembram a música "How soon is now"... xD
    Sabe, eu ja desisti de me preparar para sair pra uma boate esperando pegar alguém... Então, agora, quando saio, eu só espero dançar até o dia amanhecer e mais nada... Pq sair no 0x0 quando se cria expectativa é muito chato... xD

    Um beijo, Foxx... até!

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  4. Fiquei na expectativa do encontro. Tente outra vez, sempre vale à pena.
    Bjux

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    1. querido Elian, nunca vai haver encontro. hehehe. essa perspectiva nem existe pra mim.

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  5. Essa sensação de ser um "mero observador" do que está acontecendo me é muuuuito familiar.

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  6. É bom sais com os amigos só para nos divertirmos. Não gosto nada daquelas saídas com amigos em que cada um acaba enrolado com alguém e que alguém acaba sempre sozinho na pista a dançar.
    E que saudades que tenho do verão...

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  7. Frequentei pouco, mas as cenas me parecem sempre parecidas.
    Não tenho saudades. E isso é bom!
    Essa do garoto dizer que "Brasília era incrível", realmente... tem gosto pra tudo!

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  8. Foxx:

    Nem lembro mais o que é balada, é de cumê? kkkkkkkkkkkk

    Beijo e linda semana.

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    1. Alex e Edilson, tem que sair, gente...
      vcs não vivem dizendo que eu preciso sair e conhecer pessoas, pq o conselho só serve pra mim? hein?

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  9. Não tenho mais vontade, não curto mais.
    Acho que mesmo que fosse solteiro não curtiria.
    Tudo tem sua fase!
    Vc está vinte anos mais novo, solteiro, é outra história...
    Não se trata de separar as coisas, simplesmente acontece.
    Um belo dia vc se dá conta de que não está mais a fim de fazer certas coisas. Simples assim!

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    1. pois é, eu na verdade também tenho deixado de frequentar. Mas não vou dizer que eu não gosto, quando eu vou eu me divirto bastante, mas estar sempre sozinho nesses locais agora me incomoda...

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  10. meu final de semana também foi de balada e só dançando até o chão. Não curto muito ficar em balada, curto mais dançar e me divertir.

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    1. se vc não fica em balada, vc fica onde? queria saber onde essas pessoas que não ficam em boates ficam com outras pessoas. vc conhece as pessoas onde? em que situações? me explica?

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  11. Adoro esse tipo de postagem... a gente se sente perto e testemunha das tuas Foxxices... hehe! E quedê tuas fotos de sunguinha/tanga, HEIN? Bjs!

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  12. Só não gostei da parte "... sem poder beber era um crime, ele não ia ter coragem de ir falar com ninguém." Se não tem coragem de chegar junto sem "aditivos" não é macho (não falo de efeminidades ou não!) suficiente pra mim!

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    1. eu concordo plenamente, Edu, tem q ser homem pra dar em cima mesmo sóbrio. ora, afinal de contas, que bicho é esse pra se ter tanto medo, não é?

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  13. legal que espaireceu e seu texto foi tão presente que em determinado momento achei que estivesse na praia tomando açaí com você. só não fui pra boite contigo porque eu não sei mais nem o que é isso, ok, eu sei, só não tenho vontade...

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    1. gente, tá todo mundo ficando velho e deixando de gostar de balada é isso?

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    2. minha época de baladeiro passou tb.. acho que qndo parei de fazer "sucesso" nas baladas.

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" Gosto de ouvir. Aprendi muita coisa por ouvir cuidadosamente."

Ernest Hemmingway