Google+ Estórias Do Mundo: Preconceito Bipolar

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Preconceito Bipolar

, em Natal - RN, Brasil
Tem coisas neste nosso mundo gay que eu não entendo como ainda acontecem. A gente está ai, quase na segunda década do século XXI, e eu ainda tenho que escrever texto sobre o preconceito que homens gays tem dos bissexuais. Sabe?, para mim, é simplesmente absurdo, tanto quanto a homofobia internalizada e o preconceito contra efeminados, os motivos são tão óbvios que devíamos estar focando em combater o porque disto existir e não gastar tanta energia repetindo discursos comprados. Último dia 23 foi o Dia da Visibilidade Bissexual, o dia foi criado em 1999, por três ativistas dos direitos bissexuais nos Estados Unidos, eles alertavam que depois de Stonewall, a comunidade gay e lésbica havia crescido em força e visibilidade política, enquanto o mesmo não havia acontecido, na mesma proporção, com a comunidade bissexual. Em muitos modos eles ainda continuavam invisíveis sobretudo porque quando vê-se um casal andando de mãos dadas tacha-se logo que os membros são ou héteros ou gays, dependendo do gênero que percebe-se das pessoas, nunca imagina-se que algumas daquelas pessoas possa ser bissexual. O evento foi concebido como uma resposta ao preconceito e a marginalização que pessoas bissexuais sofrem tanto das comunidades hetero como gay.
Repete-se, sobretudo no mundo gay, que os bissexuais são pessoas indecisas. Que não decidiram e que precisam fazer isto. A origem deste preconceito é bem clara, na verdade. Muitos meninos gays adentram na vida homossexual assumindo uma imagem bissexual porque acreditam que assim, entrando aos poucos, digamos, eles são menos gays. Acreditam eles que por mais que se envolvam com homens, na verdade eles gostam mesmo é de mulher, e conseguem, nesta fase de transição, aceitar o rótulo de bissexuais, afinal estes são ainda homens de verdade porque esta terrível categoria (e isso é deliciosamente irônico) é sempre aquela definida por causa das mulheres que existem em sua vida. O preconceito gay se baseia neste personagem: o homem gay cheio de preconceito contra si mesmo que assume o rótulo de bissexual para ser menos gay. Este problema existe, é real!, e precisamos lidar com ele ao discutir o preconceito homossexual com este grupo com o qual dividimos nossa sigla política. Para boa parte da população gay, todo homem bissexual é na verdade um homossexual que está enganando sobretudo a si mesmo. 
Mas a realidade é muito mais complexa. Não existem somente estes dois blocos antagônicos de sexualidade, a heterossexualidade e a homossexualidade. Citando a escala Kinsey, entre os dois estava exatamente a bissexualidade. Existem pessoas sim que se interessam por ambos os gêneros e que não estão mentindo para si. Existem homens e mulheres que se sentem atraídos tanto pelo seu mesmo gênero quanto ao seu oposto. Eles existem e cabe a nós aceitá-los, mas também cabe a nós criar um ambiente livre de homofobia que não faça com que um homem gay se sinta mais confortável definindo-se como bissexual do que como gay, que ele se sinta mais seguro mantendo uma relação com mulheres somente para não sentir-se um não-homem. É necessário para combater o preconceito contra bissexuais combater a definição de homem, raiz da homofobia, que define este ente como aquele que tem relações sexuais com mulheres. Quanto mais distanciarmos a definição masculina desta relação sexual com o gênero oposto (o que também causaria uma bem-vinda redefinição do que é ser gay para além do ato sexual)  e também afastarmos a imagem negativa dos gays e lésbicas, os jovens não precisarão utilizar o rótulo bissexual para suportar a sua transição de saída do armário. 
Toda a questão se resume, principalmente quando pensamos na invisibilidade bissexual (questão que eu não imaginava que existia, mas faz muito sentido), a uma definição que é absolutamente necessária para que abracemos a diversidade sexual humana com toda a sua gama de possibilidades. Desde já temos que ter a consciência que o fato de um homem fazer sexo com outro homem, namorá-lo ou mesmo amá-lo não o faz necessariamente gay, como o fato de um homem fazer sexo com uma mulher, namorá-la ou amá-la não a faz heterossexual, porque ser gay, ser hetero ou ser bissexual precisam ser definidos para além da relação que a pessoa tem com outras pessoas, isto é, para além de um rótulo externo, para serem definidos, em contrapartida, para as identidades que construímos interiormente. Somos gays, heteros ou bissexuais porque nos identificamos assim, esta identidade sexual, como a identidade de gênero, não podem ser construídas através de símbolos externos. Tendo esta consciência é preciso adotar o exercício de somente definir pessoas depois de conhecê-las realmente, o problema do preconceito é que ele sempre pressupõe coisas antes de realmente perguntar e isto sempre causará problemas. Precisamos de parar de ter preguiça para conhecer as pessoas no lugar de jogá-las dentro de nossas gavetinhas de gays, heteros ou bissexuais, somos mais do que isso, felizmente!








20 comentários:

  1. O problema esta na necessidade do Homem em se rotular. Acho que muito do preconceito relativamente a sexualidade nem existiria se nao houvesse a necessidade de se rotular fulano e beltrano como gay hetero ou bi e atribuir a qualquer um desses rótulos conotações negativas ou positivas, porque é apenas mais uma característica que não determina por si so a personalidade do indivíduo nem o seu valor enquanto ser humano. Acredito que haja pessoas bissexuais sim, mas temos muitos mais casos de pessoas - não só homens como vc refere aqui, também muitas lesbicas fazem o mesmo e - que usam essa identidade sexual como uma aproximação à norma quando na realidade sao apenas homossexuais. Quando esses indivíduos se aceitam sexualmente tendem a descartar a existência da bissexualidade como sexualidade efetiva, vendo a mais como uma fase de escape. Veja o exemplo dos g0ys que foi introduzindo ao público ha relativamente pouco tempo. Homens que gostam de homens mas nao tem sexo com homens e se casam Com mulher. Todo o gay salta automaticamente pro discurso de "ah isso é tudo frescura, são tudo gay" -inicialmente eu me revoltei imenso com todo o conceito ate analisar melhor as coisas ' não tentando sequer encarar a possibilidade de que a sexualidade é mais complexa do que duas caixinhas basicas, hetero ou gay, facções opostas di espectro. Isso acontece maioritariamente pq ha um certo ressentimento. Pq para sermos aceites enquanto indivíduos gays, Com a urgência cada x maior em definir sexualmente todo o mundo, esses tipos de identidade sexual mais "invisível" sao usados como "capa" por quem ainda esta tentando se encontrar. E quando se assume muitas xs desenvolve um desdem pra com elas, da mesma maneira que ex gordo ganha odio por roupa xxl. Não sei se tou fazendo sentido mas vejo as coisas assim xD.

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    1. Concordo com quase tudo, Miguel, menos o que vc fala sobre os g0y, a questão ai é de outro espectro. Os g0y não aceitam a identidade gay e não aceitam a sexualidade homoerótica que a sociedade os impôs, eu acredito que eles são louváveis por desconstruírem o universo homoerótico sempre associado a um sexo permissivo e a uma cultura homogênea, eu os considero muito interessantes; contudo, ao mesmo tempo, existe um discurso machista também, entranhada na raiz do conceito, que afirma que os g0y são verdadeiramente homens e os gays não são, é o mesmo discurso que fundou o primeiro subgrupo gay: os ursos, depois os discretos, agora os g0y, afinal a questão do ser efeminado é sempre uma situação que incomoda a grande maioria dos homens que se interessam por outros homens, seu machismo desencadeia uma homofobia que eles precisam construir uma nova identidade para viver sua sexualidade porque não querem ser a "bichinha" que acreditam que ser gay significa ser. As pessoas se assustaram muito com os g0y, dizendo que eles eram isso ou aquilo, mas para mim eles são apenas mais um grupo repetindo o mais do mesmo, o mesmo discurso contra o ser efeminado que reforça a ideia de que o único homem que existe é o heterossexual.

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    2. vivemos numa sociedade com fortes raízes machistas, e essas raízes se estendem em todos os ramos da árvore, por isso acabam por afetar também a questão da sexualidade.
      Também poderíamos entrar em toda outra discussão sobre isso ao abordar as "bichinhas" - aqui falo apenas daquele extremo completamente oposto a toda esta filosofia dos g0ys e bears e o diabo ao quatro, aqueles que se maquilham, vestem roupa feminina e adotam expressões e atitutes mais "ousadas" que atraem muito a atenção quer dentro ou fora da comunidade gay - que a meu ver em muitos casos formam essa personalidade para se demarcar completamente de toda a opressão do papel masculino que vêm sentindo ao longo da vida, como se deixassem de representar um papel para passar a representar outro. mas acho que já seria demasiado fora do tópico original :P

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    3. Miguel, vc é foda!
      pode falar o que quiser, querido, o que quiser, comentários inteligentes como o seu podem ser dentro ou fora do tópico que sempre valem a pena de serem lidos. Obrigado por pensar conosco aqui.

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  2. Não sou bissexual, não sou hétero e não sou goy ... sou gay mesmo no q concerne ao enfoque da afetividade ... no campo da sexualidade eu nunca transei com uma mulher, mas isto foi por conta de um travamento psicológico mesmo pois não vejo nenhuma dificuldade em se ter prazer sexual em práticas eróticas tanto com parceiros do mesmo sexo qto com de sexos diferentes ...
    Sua análise é perfeita sobre o tema e o comentário do Miguel primoroso ... no fritar dos bolinhos caímos na velha questão cada macaco no seu galho e q cada um cuide de sua vida como melhor lhe aprouver ...

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    1. Que bom que vc gostou, Paulo, e o Miguel tem trazido discussões ótimas para o blog, é sempre muito bom!

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  3. Eu só sei que sou de Gêmeos... :0

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    1. er... não entendi...
      kkkkk

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    2. Vem cá que eu te explico pessoalmente... com "marteladas" - se precisar... hahahaha! Boa semana, gatucho!

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  4. Na minha opinião, ninguém merece rótulos. Todos deveríamos ser livres de amarmos quem quiséssemos - homens, mulheres - sem sermos logo alvos de um nome que supostamente nos define. O amor é mais que isso, e a sexualidade também :)

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    1. viver sem rótulos é uma utopia que nosso cérebro humano não é capaz de construir, A, desde que o racionalismo iluminista tomou conta de nós. Nós funcionamos com base em categorias, rotulamos e definimos coisas para viver e reconhecer o mundo desde que Descartes escreveu seu Método. É culpa da ciência e do pensamento cientifico esta forma de compartimentalizar, separar, catalogar tudo e todos, enquanto pensarmos como "seres racionais" que nos orgulhamos de ser sempre teremos rótulos para colocar nas coisas, é assim que a Razão trabalha.

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  5. Huuuuummmm... Quando eu escrevo sobre isso, sinto uma necessidade de ser mais raso pra galera conseguir acompanhar meu raciocínio, pq haja falta de vontade de compreender o outro!

    Mas assim... Bissexuais se interessam por MAIS de um gênero. Lembrando que homem e mulher são só alguns do pólos das várias possibilidades de gêneros. Assim como existem os homossexuais, os heterossexuais, os assexuais, os bissexuais e mais um monte de rótulos que, na verdade, revelam que a sexualidade é como o arco-íris: dizemos que ele tem sete cores para simplificar o nosso entendimento, mas tem muitos tons ali que a gente não consegue nomear direito pq são intermediários (ou por falta de uma percepção mais aguçada da nossa parte).

    Pra finalizar: eu discordo COMPLETAMENTE do Miguel R: nós PRECISAMOS sim de rotular fulano ou beltrano. É nossa forma como entendemos o mundo! Só consigo "compreender" aquilo que eu posso nomear. E o que o mundo precisa é de mais compreensão! Quando ignoramos algo, corremos o risco de agir guiados pelo medo do desconhecido ou de "machucar alguém inocentemente", acreditando que estávamos fazendo um bem (pois não conhecíamos suas reais necessidades).

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    1. Olha, Cara Comum, tem muita gente que se vc conversar de forma rasa desconsidera seus argumentos exatamente por causa dessa falta de profundidade, e num lugar como o que criamos (eu e vc) em nossos blogs, quem vem nos ler não espera uma discussão rasa, espera exatamente conteúdo, portanto, quando resolver falar de novo sobre isso, pode rechear mais porque quem te ler tem vontade de compreender o outro sim.
      Como eu respondi para A, de fato vivemos num mundo que necessita dos rótulos, graças a bendita ciência, é assim que nós aprendemos a reconhecer o mundo ao nosso redor; eu entendo a lógica do Miguel, o que precisamos não é de mais compreensão, mas sim modificar esta formula de entender o mundo, obviamente isto é mais utópico do que pedir o que vc pede, é mais fácil dar uma resposta mais prática do que tentar mudar a sociedade como um todo, mas a origem do problema está na forma cartesiana de entender o mundo (e dentro dele a sexualidade), e é isso que precisa mudar. Mas, vamos lá, um passo de cada vez.

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    2. Então pegando nas suas próprias palavras e no seu próprio exemplo, o que eu subentendo, é que se você tem que compreender uma coisa para aceitar ela?

      Quer dizer que os tons das cores que os seus olhos não conseguem ver no arco íris e que não foram ainda categorizadas, não existem até você as conseguir nomear e compreender?
      Então você precisa de compreender que fulano ou beltrano são gay bi ou whatever, e talvez seja necessário pra vc categorizar mais no sentido de perceber o que motiva a pessoa a ser como é, okay faz sentido nesse âmbito, mas só nesse âmbito mesmo, pq d resto nem deveria ser necessária a aceitação de quem quer que seja, nem a justificação de quem o é, porque é uma coisa tão intrinseca a cada um como.... sei lá, cor de olho, e não vejo ninguém precisar de entender que o vizinho do lado tem olho azul para ele ser aceite como um individuo de olho azul.

      É como o foxx diz, tudo um pouco na base da utopia. Acho que no fim de contas olhamos os dois para o mesmo resultado, mas interpretamos a equação de formas totalmente opostas.
      Agree to disagree Cara Comum.

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    3. Amando vocês discutindo aqui. É tão bom ver que um texto meu gerou esta discussão, esta reflexão, é muito bom!

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  6. Excelente. Q mania da gente querer julgar o q é diferente da gente. Se ele é bi, tudo bem, Aliás, é mais inteligente pq tem o dobro de opções.

    Abraços

    Alê
    http://nossoconfessionariopublico.blogspot.com.br/

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  7. O magistral comentário do Miguel R aniquila qualquer coisa nova que eu pudesse querer acrescentar. Já disse tudo, e eu subscrevo. Difícil viver sem nomear e conceituar, mas na vida privada, pelo menos, a gente pode tentar se libertar deles. Eu sou gay, não tenho dúvidas disso, mas também tenho um lado lésbico. Fazer o quê? Ser e viver. Quem não gostar, comece pagando minhas contas e depois a gente conversa.

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  8. Eu estou tentando parar de me preocupar com a forma como os outros se definem nessa questão, para mim tanto faz, procuro saber de mim e isso já está bem difícil.
    Teve um tempo em que pensei que "usava" a bissexualidade como forma de ser "menos" gay, mas depois que vi que garotas também me atraíam, embora de forma diferente, fiquei mais confuso ainda.

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    1. Se vc precisa se definir, tudo bem. Mas,com certeza, não deve se definir porque alguém precisa de um conceito seu, não é?
      Legal vc contar sua experiência, o que prova que meu raciocínio não estava errado.

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" Gosto de ouvir. Aprendi muita coisa por ouvir cuidadosamente."

Ernest Hemmingway