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terça-feira, 28 de agosto de 2012

Israel: Os Cães Cananeus



No Levítico, cuja intenção é a construção de uma identidade hebreia entre uma população que estava exposta o tempo todo a outras etnias como os fenícios, filisteus e cananeus, existe um trecho que diz: "Não darás nenhum de teus filhos para ser sacrificado a Moloc; e não profanarás o nome de teu Deus, Jeová. Não te deitarás com um homem, como se fosse mulher: isto é uma abominação. Não te deitarás com nenhum cão (keleb), para não te contaminares com ele. Uma mulher não se prostituirá como um cão: isso é uma abominação. Não vos contamineis com nenhuma dessas coisas, porque é assim que se contaminaram as nações que vou expulsar diante de vós" (Levítico 18:21-24). 
Este trecho que retiramos como exemplo será aqui dividido em dois: o 18:21-22 e o 18:23-24 por questões didáticas somente. O primeiro que diz: "Não darás nenhum de teus filhos para ser sacrificado a Moloc; e não profanarás o nome de teu Deus, Jeová. Não te deitarás com um homem, como se fosse mulher: isto é uma abominação" (18:21-22) tem uma relação imediata com o sacrifício feito a Moloc. Este é o deus do sol entre os cananeus, de origem fenícia, cujo qual o primeiro filho de todas as famílias era sacrificado. Durante muito tempo, os estudos bíblicos consideravam este sacrifício como um sacrifício de sangue, porém, graças as pesquisas que cruzaram as referências bíblicas com os textos gregos e romanos sobre o culto a Moloc, percebeu-se que sacrificar o filho é torná-lo um sacerdote do deus, cujo culto, envolvia a prostituição sagrada também. Os versículos vistos em conjunto diriam então que uma pessoa não deve sacrificar o próprio filho para ser prostituto sagrado de um deus pagão e que isto é uma abominação.
O segundo trecho, segundo o o pastor presbiteriano John Barclay Burns, reforça a mesma ideia. A segunda parte que separamos diz: "Não te deitarás com nenhum cão (keleb), para não te contaminares com ele. Uma mulher não se prostituirá como um cão: isso é uma abominação. Não vos contamineis com nenhuma dessas coisas, porque é assim que se contaminaram as nações que vou expulsar diante de vós" (18:23-24) chama atenção para a palavra keleb, cão em aramaico, traduzido na maior parte da Bíblias simplesmente como animal, o que faz parecer que é uma proibição a zoofilia, porém se refere exatamente a prostituição masculina comum em toda Canaã, entre povos não-hebreus.  É bom registrar também que o em Deuteronômio se diz: "Não haverá mulher cortesã nem prostituta entre as filhas de Israel; também nenhum filho de Israel se prostituirá. Seja qual for o voto que tiveres feito, não levarás à casa do Senhor, teu Deus, o ganho de uma prostituta nem o salário de um cão (keleb); porque uma e outra coisa são abominadas pelo Senhor, teu Deus" (Deuteronômio 23:17-18), o que comprovaria a teoria do pastor John Burns. O cão seria então um prostituto que teriam, basicamente, o papel passivo na relação sexual, isto é, é penetrado analmente durante o intercurso sexual. 
Bruce L. Gerig afirma que a prostituição masculina, na verdade, é um problema real e persistente em Israel. O problema é citado durante o reinado de Reboão, em Judá, século X a.C. Em Reis, diz-se: "O povo de Judá fez o mal diante do Senhor e com os seus pecados excitaram-lhe o zelo mais do que tinham feito os seus pais. Edificaram para si lugares altos, estelas e ídolos assearás sobre todas as colinas e debaixo de tudo que fosse árvore verde. Até prostitutos sagrados houve na terra. Imitaram todas as abominações dos povos que o Senhor tinha expulsado de diante dos israelistas" (1Reis 14:22-24). Nove reis depois, no século VIII a.C., no reinado de Ezequiel, o livro de Reis reclama do mesmo problema, em que o rei reforma o culto que havia absorvido as características dos cultos dos deuses ao redor, inclusive a prostituição sagrada. "Destruiu os apartamentos das prostitutas e prostitutos que se encontravam no Templo do Senhor, onde as mulheres teciam vestes para Asserá (Astarte, deusa fenícia)" (2Reis 23:7). Em resumo, a conexão é sempre feita entre a prostituição masculina (e as uniões homoeróticas) e as práticas idólatras. É uma questão de identidade, novamente, em que esta população hebraica precisa, desesperadamente, se diferenciar dos grupos étnicos ao seu redor e, para isso, constrói uma religião que se diferenciava em tudo daquelas ao seu redor, começando pelo monoteísmo, seguindo pelas proibições alimentares, sexuais e, sobretudo, de culto.

14 comentários:

  1. mais uma vez dando-nos mais esclarecimentos... muito bom o texto! beijo!

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  2. Adoro aulinha-post do Prof. Foxx... hehehe! Perfect, babe!

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  3. Oi Foxx!

    A base desse capítulo do livro do Levítico é constituída por um decálogo de regras proveniente da época do nomadismo. E esse decálogo deveria orientar a atividade sexual no seio da grande família. E foi elaborado em vários estágios até chegar ao que conhecemos, já não mais em relação à família, mas a comunidade ritual.
    O problema da identidade cultual de Israel frente aos outros povos Cananeus é muito mais antiga do que o período monárquico – onde começam a surgir, por escrito as legislações – vem desde o tempo do nomadismo. A partir de momento que uma ‘tribo’ aderia a Aliança Mosaica,deveria deixar os costumes comuns dos povos vizinhos – entre eles a prostituição sagrada e o sacrifício dos primogênitos. Contudo, Israel recebe influência dessa mesma cultura, embora filtre esses elementos.
    É interessante notar também a associação simbólica que Israel faz dos povos Cananeus e os Cães. Para uma cultura que tem nas suas origens o nomadismo – o apego aos seus pequenos rebanhos - os cães ( chacais, lobos e cães selvagens) ofereciam verdadeira ameaça . Eram geralmente associados à ferocidade e aos malefícios – aqui os malefícios provenientes do culto ‘imoral’ cananeu – a prostituição sagrada, uma abominação para Israel. Essa visão negativa ainda continuará em Israel por muitos séculos. Em alguns pavimentos de antigas sinagogas da região da Síria e da Mesopotâmia, ainda pode se ver os cães colocados entre as bestas selvagens associadas aos demônios e as nações pagãs.
    Já estou falando demais e fugindo do assunto....!!!!
    Mais uma vez um ótimo post!

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    1. não está fugindo nada. tá falando exatamente sobre o assunto. esse elemento sobre a figura do cão é interessantissimo.

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  4. Super interessante a leitura !

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  5. Prato sem carne! Tá na lista, fio! Tá na lista! Hehehe! Hugz!

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  6. Interessantíssimo... Parabéns!

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  7. Tudo para os hebreus parece girar em torno de segregação e diferenciação. Para uma nação que sofreu, durante praticamente toda a sua existência, perseguições, exílios, isso até que é previsível. Só tenho uma dúvida, que foge um pouco ao seu tema: até que ponto o monoteísmo hebraico não foi um elemento absorvido da religião egípcia do tempo de Akhenaton, ou o exílio no Egito ocorreu em outra época?

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    1. Olá, Cesinha, pois então, o monoteísmo hebreu é todo egípcio. Primeiro eles estavam sim no Egito à época de Akhenaton (1364 a.C.), o êxodo só ocorre 114 anos depois, outros elementos como "não usar seu santo nome em vão" e a cabala que explora a magia do nome de Deus são práticas notadamente egípcias; podemos também citar o fato do homem ser criado do barro, como no Egito que ele fora criado da lama do Nilo, são uma série de pontos em comum aqui que eu passaria o dia enumerando para você.

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  8. Devemos entender então Foxx, que, na antiguidade citada no texto, as ligações homoeróticas em outros povos que não os "hebreus" onde estariam sendo proibidas eram práticas comuns e até sagradas? A prostituição masculina seria, é obvio, somente aos sacerdotes dos deuses cultuados? Ou qualquer prostituição poderia ser considerada sagrada, se realizada em nome dos deuses?

    É tudo muito complexo e não tenho cabedal para discutir. Só fico nas dúvidas... rsrsr
    Abraços Foxx

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    1. sim, as praticas homoeróticas entre os povos não hebreus eram muito comuns e algumas vezes sagradas. Já a prostituição, algumas vezes ela era sagrada, outras vezes profana, mas qualquer ação que se faz em nome dos deuses seria (e ainda é para algumas religiões) sagrada, inclusive a prostituição, ela é uma parte muito importante de cultos da fertilidade sobretudo, em que há um casamento entre o fiel e o deus (hierogamia).

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  9. Realmente muito interessante.

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  10. Amo essa sua série histórica. Mal posso esperar pelo próximo "destino" ao qual você nos levará...

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" Gosto de ouvir. Aprendi muita coisa por ouvir cuidadosamente."

Ernest Hemmingway