Google+ Estórias Do Mundo: Tem Gosto Pra Tudo

sexta-feira, 25 de abril de 2014

Tem Gosto Pra Tudo

Uma das grandes mentiras que se conta por aí é que cada um tem o seu próprio gosto, que temos um gosto "pessoal" o qual é único e que não é compartilhado por outras pessoas, este gosto é uma das características inclusive que nos torna seres individualizados. Tais gostos inclusive separam as pessoas em categorias irreconciliáveis como pagodeiros e roqueiros, ou heterossexuais e homossexuais, em barbies e ursos. Fantasias do ego. Mas eu quero falar aqui de um tipo em especial de gosto: aquilo que cada um acha bonito. E já parto do príncipio dizendo que beleza não é um gosto pessoal, somos influenciados. Ver beleza em alguém ou em algo não é pessoal, gosto é uma questão de tempo. E não que você, com o tempo, com a convivência vai passar a achar alguém bonito. Não! Beleza é uma questão respondida por toda a sociedade e não por um só indivíduo.
Em outras palavras, sabe quando alguém diz que gosto é algo único. Isso é uma mentira, ilusão, enganação! Grupos sociais, tribos, classes sociais têm o mesmo gosto. Pessoas que frequentam os mesmo ambientes, que têm a mesma bagagem cultural, que participam das mesmas atividades possuem o mesmo gosto. Porque pessoas influenciam pessoas. Não somos ilhas. Não somos criaturas isoladas. Esse tal gosto pessoal é construído através de outros seres humanos com os quais temos contato e absorvemos deles seus padrões, seus preconceitos, suas formas de entender, pensar e interpretar o mundo.
Como o processo funciona? São muitos exemplos que eu posso dar. Pensemos na pintura para começar: até princípios do século XX, para um quadro ser considerado bonito ele deveria ser pintado retratando a realidade fielmente, até que os impressionistas resolveram transmitir através de suas pinceladas como eles se sentiam, transformaram tinta em poesia e logo Dali e Picasso tornaram-se possíveis e seus quadros que seriam horríveis em padrões antigos de beleza, tornaram-se obras de arte. Obras primas do talento humano. Porque todo  o mundo foi influenciado pelos impressionistas franceses (Monet, para citar um), o conceito de beleza foi alterado para sempre.
Outro exemplo são nossas atuais deusas da beleza, as modelos. Na década de 1950, quando a profissão surgiu, elas eram mulheres com curvas, gordinhas até, pin ups. Marylin Monroe com 1,67, pesava 63 quilos e tinha as medidas de 93 centímetros de busto, 51 centímetros de cintura e 91 de quadril, o IMC de Norma Jean seria 22, isto é, normal; hoje, o padrão de beleza elegeu Gisele Bundchen como musa em seus 1,79 e 54 quilos, com 86 de busto, 59 centímetros de cintura e 87 de quadris e impressionantes 16 pontos de IMC, o que corresponde na tabela do Índice de Massa Corporal à desnutrição. Mas o mais diferente no corpo de Marylin e no de Gisele é que as medidas da atriz americana que se suicidou por ser bonita demais lhe garantiam curvas, as medidas da modelo gaúcha lhe dão, no máximo, uma ondulação. Em determinado momento da década de 1990, a indústria da moda saiu das mulheres curvilíneas, passando pelas atléticas modelos da década de 1980 (Xuxa é um exemplo) e terminamos com garotas de 14 anos, altas demais para a idade e com graves problemas nutricionais. Elegemos refugiadas somalis como as mulheres mais bonitas do mundo. E até essa eleição nenhuma mulher medicamente desnutrida seria considerada bonita por quem quer que fosse, mas as coisas mudam. Jennifer Lawrence, a Mística de X-Men, deu uma entrevista recentemente dizendo que é, em Hollywood, considerada uma atriz gordinha. Ela disse que não precisa se alimentar mal, pular refeições para se sentir bonita, mas que sente a pressão para que isso aconteça em todos os lugares que frequenta.
Da mesma forma, no mundo gay, padrões de beleza são construídos, remodelados, reforçados e implodidos todos os dias, mas todo mundo age como se sempre tivesse sido cool, por exemplo, usar barba. Essa modinha não tem cinco anos e nós vemos meninos repetindo por aí que homem que é homem tem que usar barba (também esses meninos descobriram o mundo há no máximo cinco anos também). Mas já falei disso aqui. E isso não é diferente, também, dos homens musculosos que superpovoaram a década de 1990 e foram substituídos gradualmente por jovens modeletes de corpos definidos da cintura para cima e pernas magras (e não ache que isto é preguiça de malhar, mas um padrão estético que se perpetua). Enquanto a magreza andrógina da década de 1980 fora esquecida, estigmatizada pela AIDS, esse novo padrão emergiu das páginas da Advocate e da Out. Também já falei disso aqui.
Por isso, eu digo, toda vez que você considerar alguém bonito, melhor!, toda vez que você considerar alguém feio pense duas vezes. É você quem está fazendo isso ou você é somente mais um membro do rebanho? Este exercício é útil para filtar o que vem de fora, filtrar o controle que o mundo capitalita tem sobre nossas necessidades diárias, é um combate contra o consumismo. Por que, concordam comigo?, não é nada legal consumir pessoas. Não deveríamos procurar pessoas para nos relacionarmos baseado em anúncios publicitários, pessoas não são coisas. Está na hora de julgar o livro além da capa. 

21 comentários:

  1. Devo ser um alienígena e inteiramente aculturado, pois meus gostos dificilmente batem com os da imensa maioria ... isto vale para princípios e conceitos estéticos, musicais, cinematográficos, teatrais e principalmente sexuais ... mas deixa quieto ...
    Que bom isto ... Faço parte de uma mínima minoria individualizada ... Graças ...

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    1. É, Paulo, é basicamente isso mesmo, você sem dúvida faz parte de uma minoria se tem gostos tão distintos, mas pelas fotos que você posta no Tumblr, seus gostos são mesmo tão distintos assim?

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  2. Como nunca pensei profundamente sobre o assunto, vai uma primeira impressão ou duas:

    1) Não sei se ter um gosto "coletivo" é uma coisa tão ruim. Ruim apenas se for algo que seguirmos sem maiores considerações, como você coloca no final.

    2) Para o que é bonito (não só em termos de pessoas/homens) também não sigo o que a maioria parece ditar. E talvez isso se dê porque nunca estive plenamente inserido em nenhuma comunidade? Sempre mais fácil ter uma opinião mais própria quando não se segue nenhuma tribo, acho.

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    1. Eu acho impossível não compartilhar o gosto com o grupo do qual você faz partr, Edu, sua família compartilha o gosto pelo tempero da sua mãe, seus amigos te fazem conhecer uma banda que eles escutam, sempre somos influenciados, mas como você disse, se isso acontecer sem o mínimo de consciência é que está o problema.
      E, Edu, dizendo isso eu afirmo que você com certeza esteve inserido em tribos, sua família e seus amigos, seu casamento, seu gosto advém deles, agradeça a eles serem pessoas diferentes da maioria que seu gosto é também diferente.

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    2. Bom, o que eu quis dizer é que só tive amigos gays bem depois de ter casado. E sempre gostei dos tiozões antes mesmo de qualquer contato com a coisa. Mas claro, concordo que é praticamente impossível alguém afirmar que seus gostos são exclusivamente seus se incluirmos na conversa outros assuntos, principalmente. Acabo de ler este texto, que achei bastante relacionado: http://papodehomem.com.br/qual-e-o-valor-do-outro/

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  3. Ter um gosto é baseado em experiencia! Como hoje em dia as experiencias estão cada vez mais ralas e massificadas, então o modismo toma conta das mentes. E quando tomamos consciência disso, se torna um prazer ver a Beleza que existe onde não a víamos!
    É um exercício ir além e nos torna mais humanos, ao meu ver!

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  4. que coisa! nunca tinha pensado nesta questão da beleza como influencia do meio, mas vc tem razao!

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  5. Eu acho que estamos no tema dos padrões e de como eles interferem em nossa individualidade. Parece claro que, de fato, eles interferem. E, como você bem o disse, não são apenas os padrões dos grupos a que pertencemos, mas também à época em que vivemos. Porém, acima desses padrões, eu nunca esqueço que somos, cada um de nós, únicos no mundo. E quanto mais conscientes estamos de nós mesmos, mais particularizados seremos. Gostei muito (novidade, né! rs) da sua reflexão.

    Abração

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    1. A palabra-chave é essa, Adriano, consciência. Nós somos programados o tempo todo para gostar de tal tipo de música, comer tal tipo de comida, usar tal tipo de roupa, etc., se tomarmos consciência que estas programações existem podemos combatê-las dentro de nós.

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  6. Pessoas não são coisas! #fato
    O complicado é gente manter isso em mente... hehe! Hugzones!

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  7. Só uma palavra: Gênio!
    Muito obrigado pelo texto maravilhoso. Bjs

    Robson / SJCampos

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    1. Valei-me! Gênio?
      Não exagera, Robson! Não exagera!

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  8. Concordo desesperadamente contigo. Atualmente vivemos os horrores dos padrões de beleza, e precisamos engolir dia após dia gente querendo nos fazer acreditar o que é bonito e o que é feio.
    Somos tão influenciados por uma cultura que chega a doer; às vezes pego-me refletindo sobre isso, pego-me cometendo atrocidades verbais que é vergonhoso. Acredito que precisamos reconhecer nossos erros; a denominação de feio e bonito - que você apresenta lindamente no texto - é apenas o começo para novas reflexões.

    ~~Foxx, você recebeu meu e-mail?

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  9. Meu lindo, que tapa delicioso na cara de todos nos. Gays. Heteros. Magros. Gordos. Porque é verdade. Somos apenas resultado dos padrões a nós impostos pela sociedade. Estou de volta.

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    1. Que bom que você gostou. Fico feliz!
      E que bom que você está de volta!!

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  10. gosto é igual umbigo, cada um tem o seu. o importante é respeitar.

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    1. ou você não leu, Railer, ou você discorda totalmente do que eu escrevi, porque isso foi exatamente o que eu disse que é uma mentira (no texto).

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  11. Então, Foxx, mas tem muita gente que não sabe ler, e quando sabe não gosta, e quando lê não vai além da capa, no máximo as orelhas. E quando lê tem que ser um livro indicado pelo rebanho...

    Saber apreciar a beleza no outro não é uma coisa que se aprenda coletivamente, infelizmente.

    E aprendizado individual está cada dia mais difícil...

    Ouso dizer que não existe beleza ou feiúra, existem pessoas, obras e lugares, e minha percepção deles todos, a minha maneira de sentir e imaginá-los.

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" Gosto de ouvir. Aprendi muita coisa por ouvir cuidadosamente."

Ernest Hemmingway