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sexta-feira, 25 de julho de 2014

Creta: Os Companheiros de Troia



Existem dois Sarpédon. O primeiro é um herói cretense, um dos três filhos de Zeus e Europa, irmão de Minos e Radamanto. Ele entrou em litígio pelo trono da ilha com o seu irmão Minos e pelo amor do jovem Mileto pelo qual ambos estavam apaixonados. Mileto, no entanto, escolheu o irmão, ele magoado deixou a ilha e emigrou para a Ásia Menor, onde fundou a cidade de Mileto em homenagem ao homem que estava apaixonado. Em outra versão, Mileto havia escolhido o príncipe cretense e teria fugido com ele da ira do irmão e, juntos, haviam fundado a nova colônia grega na Ásia.
Diz Pseudo-Apolodoro em seu Bibliotheca (III, 1, §2):

"Agora Astério, príncipe dos cretenses, casado Europa trouxe suas crianças. Mas quando eles estavam crescidos, eles brigavam entre si; porque amaram um menino chamado Mileto, filho de Apolo e Ária, filha de Cleochus. Como o menino era mais amigável para Sarpédon, Minos foi para a guerra e venceu o irmão, e os outros fugiram. Mileto desembarcou em Caria e ali fundou uma cidade que chamou de Mileto depois de si mesmo; e Sarpedon aliou-se com Cilix, que estava em guerra com os Lídios, e tendo estipulado para uma parte do país, tornou-se rei de Lícia. E Zeus concedeu-lhe a viver três gerações. Mas alguns dizem que eles amavam Atymnius, filho de Zeus e Cassiopeia, e que era sobre ele que eles brigaram".

O segundo Sarpédon aparece na Ilíada de Homero. Também filho de Zeus e Laodamia. Segundo Diodoro Sículo, todavia, este seria neto do primeiro, filho de Evandro e Laodamia. As versões dos mitos são comuns porque o mundo grego era fragmentado nas pequenas cidades-estado chamadas polis que tinha, em cada uma, uma versão para os mitos. Este desempenha um papel importante na guerra de Tróia, particularmente no ataque troianos aos acampamentos aqueus junto aos navios. Ele morre quando Pátroclo, primo/amante de Aquiles, ataca os troianos vestindo a armadura do seu amado, embora a contragosto de Zeus que devotava especial admiração pelo filho e ameaçou até subtraí-lo dos desígnios das Moiras, isto é, interferir em seu destino. O mito de Sarpédon conta sobre a impossibilidade de mesmo os deuses interferirem no que o destino havia designado para os homens, mesmo este sendo um dos seus amados filhos.
É durante a morte do herói que seu relacionamento com Glauco aparece. Glauco é primo de Sarpédon também. Filho de Hipóloco, o qual é irmão da mãe de Sarpédon, Laodamia. Participou da guerra de Tróia ao lado do primo comandando os Lícios e, como o trecho abaixo faz ver, eram também amantes. Canta Homero:

"Como um leão que acomete a manada e que mata
um touro fulvo e forte em meio a bois tardonhos,
e o touro muge e morre entre as presas da fera,
assim o capitão dos Lícios porta-escudos
estertora, abatido por Pátroclo, e grita
pelo companheiro (phílon d'onomnen hetaíron): 'Ó forte entre os fortes, Glauco,
demonstra como és bom de lança e um leão na guerra;
se és mesmo valoroso, a guerra atroz te apraz!
Aos hegêmones Lícios, por toda a parte, insta
que circunlutem por Sarpédon e com bronze
vem também defender-me. (...)´
Enquanto fala, chega o fim: a morte eclipsa
seus olhos e narinas. Pátroclo, pé sobre
o peito morto, arranca a lança e o pericárdio;
a um só tempo a psiquê e o acúmen lhe desprende.
Os Mirmidões refreiam os corcéis resfolgantes,
que intentam fugir, vendo as bigas sem seus reis.
Se apoderou de Glauco a agrura da agonia,
ouvindo a voz do amigo (hetároisin): dói-lhe o coração
não poder protegê-lo; a mão premia-lhe o braço,
ferido pela flecha de Teucro (...)"
(Ilíada, Canto XVI, v. 487-511)

O elemento mais interessante da relação entre Sarpédon e Glauco, e sim o juramento que o príncipe lício cobra do seu primo quando este cai vítima da lâmina de Pátroclo. Homens gregos que tinham seus amantes junto a si no campo-de-batalha faziam o voto de protegê-lo sob qualquer circunstância. Toda coragem de um guerreiro podia ser medida quando este precisava defender o seu amante/hetároisin. Glauco não pode proteger Sarpédon, porque ele também está ferido, ele então evoca o deus Apolo para que este insufle o coração dos Lícios com coragem para que estes se aproximem e protejam o seu príncipe, mas a dor de não poder proteger o seu companheiro dói-lhe mais do que a flecha que atravessa-lhe o braço. Segundo diz-nos Homero, o corpo do herói é protegido, não antes de sua armadura ser roubada, o que causa uma profunda tristeza a Zeus, que lança sobre os gregos uma imensa tempestade que os afasta da batalha, permitindo Glauco se aproximar e chorar a morte do amigo. Zeus então envia os irmãos gêmeos, Tânatos, a morte, e Hipnos, o sono, para resgatar o corpo do seu amado filho.

18 comentários:

  1. E hoje em dia os exércitos ainda relutam sobre a homossexualidade de seus soldados.... aff...

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    1. De fato, esse povo precisa urgentemente estudar mais história.

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  2. Sempre adorei mitologia, mas tinha conhecimento dos personagens principais, e alguns nomes me são totalmente desconhecidos...aí fico com duas sensações enquanto leio, primeiro que Zeus era o Mister Catra do Olimpo, fazia filho com tudo mundo...e segundo, eu vou lendo esses nomes desconhecidos pra mim e fico pensando na Leci Brandão quando narrava carnaval....falava do povo que aparecia como íntimos dela...rs rs rs...e a gente ali assistindo não fazíamos a menor ideia de quem eram...sei que vc escreve com sabedoria e conhecimento, mas não pude deixar de fazer esse comentário...rs...abração.

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    1. kkkkk
      sim, Zeus teve muitos filhos, mas também pense bem, são filhos durante uma eternidade, desde a criação do homem, ele teve muito tempo livre e sem tv.
      sobre nomes desconhecidos, a nossa escola só fala dos principais deuses e heróis, quando fala, então é normal você não conhecer outros personagens como Sarpédon, aparecerão outros ainda mais obscuros, tenha certeza.
      E que bom que vc fez este comentário, normalmente as pessoas nem comentam nada. Obrigado.

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  3. Adoro mitologia, mesmo não sendo um especial apreciador da Antiguidade Clássica. Venero a Idade Moderna, sobretudo (nem a Idade Média exerce sobre mim um grande fascínio). :)

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    1. É, a Idade Moderna também era fascinada pela mitologia grega, Mark, você não está muito distante deles, você deveria ler minha tese sobre as apropriações e usos da mitologia grega durante a Idade Moderna.

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    2. Sim, eu sei. O Renascimento inspirou-se na Antiguidade Clássica. Aliás, os renascentistas amavam tudo o que dizia respeito às culturas grega e romana.

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  4. Interessante como o amor influi em tudo, seja na paz, seja na guerra !

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  5. "Homens gregos que tinham seus amantes junto a si no campo-de-batalha faziam o voto de protegê-lo sob qualquer circunstância" <3.

    Que suruba, como você consegue decorar o nome de todos eles?

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    1. suruba? pq? se cada um deles estava com o seu próprio amante?

      eu não decoro estes nomes, Lucas, eu já li tanto sobre estes assuntos que a genealogia é coisa mais simples do mundo pra mim.Você aprende, é como se fossem parte da família já.

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  6. Amigo, as vezes eu me perco porque a linguagem é diferente do que estou acostumado. E, também, porque são muitos nomes e filiações. De qualquer jeito, eu peguei a idéia geral da história. E, mais uma vez, gostei. Obrigado pela paciência.

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    1. Qual foi o problema com a linguagem, Menino? Conte-me para que outras pessoas não sintam o mesmo problema, eu quero que vcs entendam o texto, se a linguagem está difícil é meu dever fazê-la mais simples.
      E sobre os nomes e filiações, com o tempo, vc começa a entender tudo...

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    2. Minha confusão é essa. Zaqueu, filho de Tersi e Amadi, irmão de Zephor e Cledir, que teve Zoro e Astra. E assim vai a história mitológica, tão preocupada com a árvore, que se esquece do mais importante, a história.

      A linguagem indireta também me tira um pouco do sério. Inversões passam a ser um problema na linguagem quando passam a ser constantes. E esses textos sempre trabalham com inversões.

      De qualquer jeito, eu tento ler. Devagar. Absorvendo aos poucos. Obrigado pela preocupação, de qualquer jeito.

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    3. Ah, meu gato, estou meio impossibilitado de ajudar. Kkkkkkk
      A árvore genealógica é importante para os mitos gregos porque a forma de pensar genealógica é uma importante característica do racionalismo grego.
      Sobre as inversões, estamos lendo poesia, querido. E também estou citando documentos antigos, não posso alterá-los não é? Peço desculpas e sua paciência ao lê-los.

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  7. Eu que agradeço a paciência. Ehheheheh. Beijão.

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" Gosto de ouvir. Aprendi muita coisa por ouvir cuidadosamente."

Ernest Hemmingway