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sexta-feira, 28 de março de 2014

Brasil, Qual o Teu Negócio?

, em Natal - RN, Brasil


No início do mês de Março o Institito Geledés, uma organização não-governamental, publicou uma pesquisa sobre a violência motivada pelo preconceito no Brasil. Eles levantaram os 10 piores estados para ser negro, mulher e homossexual no Brasil. A pesquisa se deu relacionando os dados de diversos institutos federais como o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA)  e outras ongs como o Grupo Gay da Bahia. O quadro formado é aterrador, porém nada surpreendente. O Norte e Nordeste do Brasil, apesar da imprensa sempre destacar os grandes centros como os locais mais perigosos para as minorias, são sem dúvida os campeões em violência, com exceção do Espírito Santo, que é o estado com mais crimes contra mulheres (a cada 100 mil mulheres, 11 são assassinadas) e o segundo em crimes motivados por racismo (a cada 100 mil negros, 65 morrem por racismo). Existem outros estados como Goias, que aparece nos mapas de racismo e de crimes contra a mulher, o Distrito Federal que amarga um sexto lugar em relação ao racismo, o Rio de Janeiro que está em décimo na mesma listagem, e o Mato Grosso que aparece na listagem como perigoso para mulheres e para homossexuais, mas todos os outros estados pertencem, no entanto, às regiões Norte e Nordeste. Como eu disse, nada surpreendente.
O Nordeste, região mãe do Brasil, é o berço da família tradicional brasileira. Foi aqui que gestamos nosso racismo à brasileira, nossa miscigenação entre senhores de engenho e escravas que evoluiu para o mito de uma democracia racial que, no fundo, sempre esperava que com o passar do tempo a população se tornasse cada vez mais branca; foi aqui que criamos senhorinhas casadoiras que enfeitavam salões com suas aulas de piano e nenhuma formação profissional, nosso machismo que relega as mulheres a um gineceu analfabetizado e a impossibilidade de ascensão profissional com exceção de profissões como enfermagem ou educação infantil, para as bem educadas (observação: todas as minhas tias são enfermeiras ou pedagogas), ou lavadeira, diarista ou puta para as mais pobres; e também é daqui o sistema de dominação machista que instituiu os amigos de pancada que rapidamente ascenderam para o troca-troca infantil, que todo homem nordestino faz porque "menino brinca com menino e menina brinca com menina", o qual se transforma rapidamente, na cabeça deste jovem educado neste tipo de sociedade, para o conceito de "Homem Que Faz Sexo Com Viadinhos", bem comum em todo o universo latino, mas característica importante da sexualidade masculina no Nordeste brasileiro.
Foi este mesmo Nordeste, com estes valores, que colonizou o Norte do país. São três grandes momentos de migração de nordestinos para a Amazônia, primeiro no século XIX, entre 1870 e 1900, por causa da descoberta dos seringais pelos ingleses; depois em 1940, estimulados por Getúlio Vargas e a corrida armamentista americana que também necessitava da borracha brasileira; e, por fim, em 1960, com a política da Ditadura Militar de "Integrar para não entregar" que rasgou a floresta com imensas rodovias, patrocinadas pela Ford americana, sobre sangue e suor nordestino. Estes homens foram para a floresta e deixaram lá os preconceitos que trouxeram consigo de suas terras de origem. A relação simbiótica entre a Amazônia e o Nordeste só é rompida com as recentes migrações, desde 1970, de fazendeiros da região Sul que têm ocupado o Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e alcançaram, acompanhando a ampliação da fronteira agrícola, a floresta tropical.
Contudo, quando falamos da população gay e os crimes cometidos motivados pela homofobia (seja contra gays ou não) se espalham por todo o país de forma democrática (para abusar da ironia). A pesquisa no entanto se detém somente aos assassinatos com motivação homofóbica, e não a qualquer crime de motivação homofóbica (como agressão verbal, discriminação, ameaça ou assédio moral, o que é um imenso problema de metodologia da pesquisa porque eles definiram errado o que é homofobia a priori) e todo o país se comporta igualmente. Segundo os dados da pesquisa, o ranking com os 10 estados mais perigosos para ser gay no Brasil são:

1) Pernambuco, com 34 homicídios em 2013.
2) São Paulo, com 29 homicídios.
3) Minas Gerais, com 25 homicídios.
4) Bahia, com 21 homicídios.
5) Rio de Janeiro, com 20 homicídios.
6) Paraíba, com 18 homicídios.
7) Mato Grosso, com 16 homicídios.
8) Paraná, com 15 homicídios.
9) Rio Grande do Norte, com 15 homicídios.
10) Alagoas, com 14 homicídios. 

Os números parecem pequenos e são se pensarmos que a população de homossexuais em todo o Brasil é, estima-se, de 10% da população, o que daria por volta de 20 milhões (o que corresponde ao estado de Minas Gerais). A perda de 207 em um conjunto de 20 milhões é de 0,001%, contudo não falamos de objetos em um conjunto, mas de pessoas. O problema, de fato, é bem maior entre negros e mulheres no Norte e Nordeste, porém se lembrarmos que mesmo com países como Uganda que estabelecem pena de morte para homossexuais e países como a Rússia que proibiram "propaganda em prol de homossexuais", nós, o Brasil, somos o país que mais mata homossexuais no mundo - entre os 210 países do mundo, 40% dos assassinatos de homossexuais foram realizados no Brasil - isto se torna preocupante. Nós temos sim um problema. A violência brasileira (o crime, o tráfico, os assaltos e até mesmo o trânsito) matam mais do que as guerras civis que acontecem em países como Angola e Sérvia; e os assassinatos de motivação homofóbica no Brasil matam mais do que os países que definem que a homossexualidade é punível com pena de morte. Eu pergunto: o que nós temos de errado?
E não é o que nós temos de errado atacando lésbicas (ah, essa estatística não inclui estupros corretivos), gays e travestis (por falar nisso, eu conheço três que foram assassinados), mas o que nós temos de errado atacando outro ser humano e tirando-lhe a vida? O Brasil tem uma das maiores populações carceirarias do mundo (em 2010 havia cerca de 500 mil detentos, segundo o IBGE) e, ironicamente, em nosso país, somente 8% dos casos de homicídio são solucionados pela Polícia, mesmo com a maior parte dos assassinatos acontecerem entre pessoas que se conhecem (80% dos casos, segundo o Instituto Sou da Paz). Existe uma cultura brasileira, ainda, que resolver seus problemas através da morte do seu adversário é, simplesmente, admissível. Brigas de trânsito, discussões entre vizinhos, disputas entre jovens por namoradas, qualquer coisa é um motivo para sacar uma arma (um vizinho, quando eu era criança, uma vez sacou uma arma para que parássemos de jogar bola na frente da casa dele, o filho caçula dele matou uma desavença com a mesma arma anos mais tarde). Que espécie de país é este? Sempre repito que o Brasil é um país de brincadeira, que em algum momento alguém vai levantar e gritar "É brinks!" e vamos descobrir que nada disso é real, que o dinheiro roubado pelos políticos corruptos está guardado em algum lugar, que os assassinos e as vítimas são atores interpretando papeis, que as obras abandonadas estão funcionando atrás de um tapume com uma pintura super realista. Porque se o Brasil é um país sério, de verdade, gente, vamos fazer as malas e migrar para a Argentina porque o problema aqui é insolúvel! E, estrangeiro, não venha para a Copa, sua vida não vale este risco!

20 comentários:

  1. Tudo isto é profundamente lamentável querido ... mas tudo fruto da ignorância e da falta de uma educação de qualidade nesta terra tupiniquim ... Agora números são só números ... o NE e o CO estão tal e qual o resto do país ...

    :-p

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  2. Muito boa a sua análise! É inacreditável como, em nosso tempo, com tanta informação disponível, ainda tenhamos preconceitos nesse nível letal! Dá mesmo vontade de “se mandar” daqui, né!

    Abração

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    1. Pois é, Adriano, me leva embora daqui logo?

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    2. Acho que você iria gostar de New York... :)

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    3. Eu ia adorar, amigo, mas diante da situação se rolar Montevidéu eu tô topando.

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  3. É preconceito e ignorância mesmo. Eu meio que defendo que haja um tipo de esclarecimento nas escolas, para os pequenos. Alguém falando sobre o assunto. Mas, sabe, acho que nem isso daria conta. Acho que chegamos a um ponto que só se a sociedade nascer de novo. Sei lá.

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  4. Uma excelente reflexão. É um problema muito grave e levará décadas a ser resolvido. Mas quero acreditar que tal será possível...

    Abração

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  5. Muito bom !
    Dados estarrecedores !
    Ah ! E como seria legal se tudo fosse uma grande brincadeira mesmo !
    Mas não é, e na impossibilidade de ir embora daqui, a gente tem é que enfrentar as coisas de frente e tentar não perder a esperança de que alguma coisa pode melhorar ... será ?

    Abraço e boa semana !

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    1. Como enfrentar isso, Marcos? Não é simplesmente lutar por direitos, mas existe uma cultura de violência nesse país que só intervenção divina da jeito. Esperança, da minha parte, já foi pro ralo faz tempo.

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  6. Vamos mover Blogsville pra NY... Chocantes - e assustadores - os dados levantados... Fica quase impossível acreditar que as coisas possam melhorar, né?

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    1. Vomos todos pra NY! Kkkkk vou adorar: Estórias do Mundo, NY Season.

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    2. 'Magina o luxo disso!!! Ligando pra CVC em 3, 2, 1... hahahahaha!

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  7. Às vezes tenho vontade de pegar uma arma e sair matando quem é intolerante, mas aí eu penso o quão intolerante eu seria.
    Talvez seja muita ingenuidade assumir ser mártir em pleno século XXI, mas, como você diz, não vejo outra solução a não ser intervenção divina - no caso de Deus. E, como eu e você sabemos, Deus (de verdade) é amor.

    O melhor combate é amando.
    Te amo pelo que você faz! Muito mesmo, amigo! Você não imagina :)

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    1. Nossa, nem sei o que responder... o que eu faço pra merecer tanto?

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    2. O que você faz? Você é consciente, você é militante, você pensa, você luta, você tem garra e, acima de tudo, você faz tudo isso por amor! Em resumo: por pensar num mundo melhor :) <3

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    3. Ah se eu tivesse conseguido fazer alguma diferença. Será que algum leitor desse blog já percebeu que tinha um preconceito e tentou mudar? Será que eu já toque o coração de alguém? Continuarei lutando, de fato, quem sabe quando finalmente faço algo certo.

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  8. Você foi fundo na sua análise e revelou as verdades que se escondem no Nordeste e suas cidades interioranas. A mídia sempre foca no grande centro, mas nesses lugares recônditos o ser humano também é deformado.

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    1. Que bom que vc gostou do texto, Anderson. Nosso problema é muito mais grave do que as comunidades cariocas ou os ataques na Paulista, estamos nos afundando em uma cultura de violência que permeia toda a sociedade. Precisamos parar e já!

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  9. uau! excelente texto! eu não consigo entender como a bahia, o nordeste, onde as populações negras são muito mais integradas na sociedade possa ter todo este preconceito! e quanto á questaõ gay! .... meu deus! parabens

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    1. Quem disse a você que as populações negras são integradas na Bahia ou no Nordeste? Na Bahia, apenas 6% da população se considerava negra em 2003, criavam novos nomes como moreno, marrom-bombom, etc, para fugir do estigma. E o Nordeste é bem diferente da Bahia, fora Pernambuco, a população negra nos estados o Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Piauí, Sergipe e Alagoas (o verdadeiro Nordeste) é bem reduzida, temos muitos índios, caboclos, nestes estados e é um outro tipo de problema racial, neste caso. Acho que você definitivamente não tinha todas as informações.

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" Gosto de ouvir. Aprendi muita coisa por ouvir cuidadosamente."

Ernest Hemmingway