Google+ Estórias Do Mundo: Entre o Fetiche e o Mundo Real

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Entre o Fetiche e o Mundo Real

, em Natal - RN, Brazil



Esta é Madonna causando escândalo de novo. Aos 55 anos,  a Sra. Cicconne está namorando um garoto (um dançarino) de 26 anos. Isto bastou, obviamente (e fico muito infeliz por usar este advérbio aí), para causar "confusão e gritaria" nas redes sociais. Muitos aplaudindo, outros (e esta a grande maioria) criticando a Rainha do Pop. As críticas se baseavam na premissa de que mulheres não podem/ não têm o direito de namorar homens mais jovens e, muito menos, usá-los como boy toys. Exatamente como homens têm feito desde (principalmente) quando os yuppies ascenderam socialmente em meados da década de 1980. Foram eles que inventaram o homem poderoso que demonstra o quanto venceu na vida através do seu carro, de suas roupas de marca e jovens mulheres que são trocadas quando ultrapassam os 25 anos, ou seja, inventaram Hugh Hefner, dono da Playboy, e suas coelhinhas. Criticavam Madonna sobretudo porque ela já deveria ser uma mulher casada, uma senhora respeitável, e que não devia mais se exibir com garotos por ai que ela joga fora após sugar-lhes a vida.
Discutir o quanto existe de machismo neste discurso é, obviamente, chover no molhado, não é? Além disso o querido @BrunoEtilico já fez isso no Os Entendidos. Agora o que eu me vi questionando é o quanto este discurso sai da boca de homens gays e como eles se veem presos em duas opções radicalmente distintas de comportamento: apoiar aqueles que tem boy toys e execrar os homens mais novos que tem relacionamentos com homens mais velhos.  O primeiro ponto se deve a educação machista que recebemos. Homens são educados a ver beleza na juventude, mulheres são educadas a verem segurança na maturidade. Os homens gays então são educadas e bombardeados o tempo todo com modelos de beleza que envolvem o corpo jovem. Veja as revistas masculinas voltadas ao público gay publicadas no Brasil, desde a Júnior até a GMagazine. É um desfile de corpos jovens e até mesmo na categoria fetiche em que o daddy seria permitido, já que os lolitos são comumente retratados, os homens que aparecem em fotografias como daddies nunca tem mais que 35-40 anos. É o limite gay: um homem só pode ser bonito até seus 35 anos e, somente, para aqueles que tem um certo fetiche. A beleza acaba aos 30. Sendo assim, é natural, que um homem na casa dos 30 anos se interesse por jovens entre 18 e 25 anos. Na verdade, ele é estimulado. 
Claro que não para ter um relacionamento! Porque o jovem, e essa é a ironia, entre 18 e 25 anos é um garoto que ainda tem muito o que aprender com os homens que passaram por entre as pernas dele, mas para divertir-se, ou seja, boy toys, eles são absolutamente perfeitos. Os lolitos são um fetiche comum e socialmente aprovado. Sim, porque existem fetiches que são aprovados e outros que não podem nem ser mencionados. Quantas vezes ouvimos que homens musculosos são perfeitos e pessoas que gostam de homens gordos são reprimidas ao falarem? Quantas vezes é socialmente permitido dizer que se tem fetiche por homens fardados enquanto o travestismo é enquadrado como uma doença mental pela Organização Mundial de Saúde? Mas e quanto os homens que se sentem sexualmente atraídos por homens mais velhos, os daddies?
Ai está um grande problema no mundo gay. Existem inúmeros padrões que não podem ser rompidos (ironicamente num grupo formado a partir da contra-cultura punk). Não se pode ser gordo, não se pode ser efeminado, não se pode envelhecer. Estes são os três pilares da beleza gay inventados pela revista Advocate. De fato, o mais engraçado é que em 1991 uma revista americana definiu que este era o padrão de beleza que os gays deveriam seguir e eles, calados, obedeceram sem pestanejar. Dirão que foi culpa da AIDS, eu digo: "me poupe"!. Nós, gays, somos um grupo que levanta a bandeira da diversidade. Nós dizemos o tempo todo, somente por existir, que modelos não podem ser impostos para as pessoas porque elas não cabem neles, contudo empurramos um padrão de beleza que simplesmente não alcança os membros do nosso grupo. Eu poderia falar horas aqui sobre como é maldoso definir que homens gordos são feios somente por serem feios, como também como é extremamente maligno definir que alguém é feio somente porque é efeminado, mas vamos manter o foco: a idade não torna ninguém feio.
O grande problema que a comunidade gay tem, e isto é um fato, não um preconceito, é que este grupo (talvez por causa dos momentos em que sempre é destratado e sofre preconceito) tem uma grande necessidade de se afirmar. E, uma das formas de se afirmar, sobretudo entre os próprios pares é manter-se dentro daquilo que é aceito no grupo. Muitos malham somente porque os amigos malham, muitos usam a marca da moda, escutam a música da moda, vão aos lugares da moda para serem bem vistos pelo grupo, mas, também, a grande maioria sufoca seus próprios desejos para manter uma imagem dentro do grupo. É comum, entre gays, apesar do desejo de ficar com um homem mais velho, alguém que o conquistou, alguém que despertou seu interesse, alguém por quem ele se sentiu atração, preferir continuar ficando com os mesmos garotos imberbes que seus amigos ficam para não ser criticado. Eu até entendo! Já somos criticados em todos os lugares que chegamos, ainda seremos criticados pelos nossos amigos por causa do namorado/ficante que escolhemos? Muitos preferem o caminho mais fácil. Mas o preconceito cresce.
Não existe, na verdade, nada melhor em namorar/ficar com um homem de mais de 30 anos. Eles, quer dizer, nós não somos nada diferentes de garotos de 18 anos. Na verdade, eu conheço garotos de 18 anos mais maduros que muitos de mais de 30. Contudo, homens com mais de 30 anos não vão parecer com garotos de 18 anos. Nosso corpo muda, o de todos muda. O acúmulo de gordura abdominal é incontrolável, os cabelos e pêlos brancos nascendo pelo corpo são fatídicos, a preguiça de ficar na balada até as 6h da manhã e depois esticar para um after é real. Esta é a Casa dos 30. Você com certeza se divertirá mais com um menino de 18 anos e seu corpo no ápice do vigor humano e, se tiver sorte, este menino de 18 pode assinar a Carta Capital, ler Homero no original e viveu dois anos em um templo budista no Tibet. E, com o extra, de não vir com toda a bagagem que um homem de 30 anos sempre traz consigo. Porém, o pior, é ver que meninos de 18 anos e homens de 30 veem que aqueles que passaram dos 25 anos não são mais atrativos antes de conhecê-los. Primeiro por vergonha dos amigos (em ambos os casos), mas também porque neste mundo torto em que vivemos a capa sempre fala mais sobre o livro do que as linhas que estão escritas nele. Quantas estórias magníficas deixam de ser lidas/escritas/vividas por causa disso. É tão triste.   


PS: Acho que voltarei a postar, mas provavelmente serão textos como este, nada mais da minha vida pessoal. Não é porque eu não queira falar sobre minha vida pessoal, mas porque não existe nada nela digno de nota. 

19 comentários:

  1. “Gays masculinos em geral”, “mundo gay”, “comunidade gay”, tomei a liberdade de tornar essa categorização com significados sinônimos. O nome não importa, mas o conceito (generalizante) que se abriga sobre elas. (...) Aliás, acredito que nem bons sociólogos conseguiriam definir bem o que seria isso!

    Tomo emprestado esse trecho de um comentário em outro blog pra dizer que não acho que exista um "mundo gay" como se diz, no sentido do que se vê em baladas, revistas e mídia em geral, é apenas um retrato de um segmento minoritário da "comunidade homossexual". É como se disséssemos que todas as garotas do mundo têm a Capricho como bíblia. Portanto discordo com você chamar essas preferências minoritárias de "padrão estabelecido".

    Mas entendo o que você quis dizer e só posso comentar que tenho muita pena dessa minoria que se deixa levar por esses conceitos pobres.

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    1. Edu, padrão estabelecido não quer dizer padrão homogêneo. E, graças a Deus, sabemos (nós somos exemplos disso) que nem todo mundo pensa desta forma, porém essa é uma minoria? Eu não acho. Minoria são os que pensam diferente, pq a maioria prefere o conforto do estabelecido.

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  2. "Na verdade, eu conheço garotos de 18 anos mais maduros que muitos de mais de 30."

    É uma grande verdade e é uma das razões pelas quais gosto de me relacionar com rapazes mais novos do que eu. isso e ter um irmão com 10 anos de diferença também deve ajudar. :)

    Acho que o problema do mundo gay é haver demasiadas regras, o pessoal querer fazer de tudo para lutar pelos direitos, mas depois vive "esmiuçando" os restantes...

    As pessoas deviam deixar de ser assim, deviam aprender a ser felizes d jeito que são e deixarem de valorizar tanto o que os outros pensam delas...

    Mas isso sou eu, deve ser por causa disso que sigo sozinho... xD

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    1. É exatamente isso que eu penso, João: "As pessoas deviam deixar de ser assim, deviam aprender a ser felizes d jeito que são e deixarem de valorizar tanto o que os outros pensam delas..."

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  3. boa discussão.

    e se madonna só pega garotos novinhos, assim como suzana vieira e outros, já falei pra algumas amigas não se preocuparem pois talvez o namorado delas ainda nem nasceu. hehehe

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  4. E é um desperdício tão grande, não é????

    Somos a contracultura porra.. Somos visionários, sempre estivemos a frente.. Historicamente estivemos a frente do nosso tempo e veja bem onde viemos parar, nessa caricatura esquisita de uma contemporaneidade estranha...

    Não tem muito tempo que o gay era visto como necessariamente alguém intelectualizado ou que o gueto gay era um lugar que se abrigavam poetas, artistas e boêmios insatisfeitos de toda essa palhaçada que hoje somos protagonistas.

    Não sei onde nos perdermos, mas certamente nos perdemos... Um mundo que faz Serginho Orgastic ícone e do Foxx alguém que se acha desinteressante a ponto de querer parar de falar de si, é um mundo em colapso.

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    1. A gente se perdeu na maldita década de 1990, Gato.
      E, olha, muito obrigado pelas suas palavras, não sei nem o que dizer, vc conseguiu mesmo me deixar sem saber o que falar...

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  5. Meu querido, você está certo no que escreve. Entretanto eu concordo com o comentário do Eduardo, acima. O que “vemos” desse “mundo gay” não representa a forma de viver e de pensar da maioria dos gays. Tudo bem que o que eu chamo de “minoria padronizada” é a que mais aparece, a que mais “acontece”, infelizmente, assim penso eu! Acredito, porém, que com o tempo, com as experiências que a vida proporciona, muitos conseguem enxergar o vazio e o sem sentido de viver por esses padrões.

    Abraços. Bom que você continua com o seu blog!

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    1. Eu acho que vcs (Edu e vc) conheceram um universo gay muito diferente do meu, sabe? No meu universo isto não é uma minoria, Dri, no meu universo esta é quase a totalidade dos homens gays e pela reação das pessoas a notícia sobre a Madonna acredito que este meu universo costuma ser replicado em outras cidades. Sabemos que São Paulo é um verdadeiro outro mundo, as pessoas que eu conheço daí são realmente pessoas absolutamente especiais como vc e o Edu, mas são vocês que são minoria neste mundo. São vcs que são raros.

      PS: se voltei a postar o senhor também tem que continuar viu?

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    2. Pois é - então cê tem que frequentar lugares/pessoas melhores. ;-)

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    3. Eu concordo plenamente, Edu, concordo plenamente.

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  6. Esses dias pensava sobre os "tipos" que muitos estabelecem, não gosto nem de ouvir isso e teu texto me lembrou muito essa situação, que não passa de um julgamento da capa, de vergonha e preconceito vestido de uma inocente preferência. Afinal como estabelecer ligação emocional com uma característica, como a idade, em detrimento da empatia e admiração, por exemplo.

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    1. Penso da mesma forma que vc: as pessoas dizem que não tem preconceito, mas não faz o tipo delas. Como alguém pode definir que um pessoa não faz seu tipo sem nem conhecê-la e achar que isso não se baseia num pré-conceito?

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  7. Eu costumo a falar que todo preconceito funciona como um filtro. As pessoas que passam por ele e conseguem acessar aquilo que os outros rejeitam sem conhecer tendem a ser mais interessantes.

    De toda forma, o preconceito gera uma situação triste para quem o sofre e para quem o perpetua...

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    1. Sim, eu concordo, Leão, é isso mesmo. O preconceito impede que as pessoas conheçam pessoas que são maravilhosas pq elas impedem qualquer aproximação. Preconceito com idade, com efeminados, com negros, com portadores de necessidades especiais, ou seja, os preconceitos com a aparência sempre impedem que o preconceituoso se aproxime e conheça a real pessoa por tras daquela primeira impressão. É sempre uma pena quando issi acontece.

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  8. Na boa Fox! As coisas sá vão melhorar se pararmos de nos preocuparmos tanto com quem as pessoas estão dormindo e se relacionando...

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    1. Ah se o problema fosse só isso, Dad...
      Ah se fosse só isso

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  9. Olá, após ter lido o teu post, e os comentários a que deu origem, e como vivo intensamente todas as nuances, que envolvem os vários comportamentos sociais, retive esta tua frase.
    (Neste mundo torto em que vivemos a capa sempre fala mais sobre o livro do que as linhas que estão escritas nele).
    Lamentavelmente assim é.
    Desde que a sociedade, em grande escala adotou a vida, e o viver de fachada, juntando-lhe o preconceito, temos vindo a assistir a uma doentia obsessão pelo prefeito, que é utópico.
    É a prostituição, do caráter e da personalidade.
    Termino com esta frase minha.

    Deficiência é um pormenor.
    Todo o resto é aquilo que nos negamos a ver.
    Por preconceito, e até mesmo por falta de carater e personalidade.
    Já comi frutos deliciosos, e que a Mãe natura os fez imperfeitos!

    ABRAÇAÇO

    http://diogo-mar.blogspot.com/

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    1. Fiquei com uma dúvida, Diogo: vc fala que a perfeição é uma utopia, isto é, não existe, mas depois vc diz que existem deficiências e imperfeições, isto não é uma contradição? Pra alguém ter defeitos, não precisa, necessariamente haver um modelo-padrão perfeito?

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" Gosto de ouvir. Aprendi muita coisa por ouvir cuidadosamente."

Ernest Hemmingway