Google+ Estórias Do Mundo: Presença de Anitta

domingo, 28 de dezembro de 2014

Presença de Anitta

, em Natal - RN, Brasil




No início de dezembro, a funkeira Anitta e  a roqueira Pitty foram ao programa Altas Horas discutir sobre a notícia que 48% dos jovens acreditam que seja errado uma mulher sair sem o namorado. A discussão ficou polarizada: Anitta defendendo que as mulheres conseguiram os mesmos direitos (civis) e que agora querem tomar o lugar dos homens, se comportando como eles e impedindo que os "instintos masculinos" de proteger a mulher possam ser exercidos; e Pitty falando que estamos longe de conseguir direitos porque se alguém ainda pensa que um mulher não tem o direito de sair sozinha, as mulheres não tem, portanto, nenhuma igualdade com os homens. Eu, obviamente, apoio Pitty na discussão, porém eu entendo o lugar de onde Anitta fala.
Paulo Freire, o pedagogo, diz que o mais difícil em modificar uma sociedade é fazer o oprimido entender que o discurso do opressor não é verdadeiro. No caso, fazer Anitta reconhecer que ela está repetindo o discurso machista como se fosse dela. Que ela está repetindo o machismo e não nota. Que ela está tão imersa num mundo machista que ela passou a considerar natural, passou a considerar que este é o mundo real, as imposições que sua vida de oprimida faz contra ela. O controle do seu corpo feito por outros, o controle de suas ações ditado por outros, o controle de sua sexualidade definido de fora são realidades tão esmagadoras para Anitta que ela não consegue ver além. Te entendo, Anitta, vem cá para eu te dar um abraço.
Mas o que isso é interessante para gente? Não é muito diferente com inúmeros homens gays. Nós absorvemos o discurso de opressão também, isto é, a homofobia e a repetimos em nossa vida diária. Vejamos exemplos: todos lembram de Clodovil, não é? Clodovil nunca, em sua vida, assumiu ser gay, ele considerava isto algo de foro íntimo e sentia-se extremamente envergonhado quando era colocado contra a parede. Clodovil também afirmou em uma entrevista ter certeza que iria para o inferno e torturava-se costumeiramente por isso. Ele absorveu o discurso dos outros sobre ele e ninguém precisava lembrá-lo sobre seu pecado infame, o próprio Clodovil martirizava-se. Caso extremo? Mas bastante comum. 
Mas existem outros exemplos mais simples também. Como quando definimos um modelo de homem. Que ser homem significa ter barba, ser másculo, ter voz grave, etc. Nós repetimos um modelo de homem que nem é o do homem heterossexual já que vários homens heterossexuais são imberbes, podem ser mais delicados, podem ter vozes agudas, ou seja, criamos um modelo de homem que não é atingido por ninguém, nem os homossexuais, nem os heterossexuais, e forçamos as pessoas a seguirem este modelo, como também forçamos nosso cérebro a entender que este modelo é um padrão de beleza e, daí, surge a aversão representada pelo "não sou e não curto afeminados" dos aplicativos sociais. 
Nós absorvemos o discurso que nos oprime, a homofobia, e a aplicamos em nossa vida como se ela fosse real. O discurso do opressor torna-se aquele que define para você sua realidade. Se você não sabe se você absorveu a homofobia, façamos o seguinte teste:

1) O que é homofobia?
a) atacar uma pessoa, motivado pelo preconceito em relação a ser gay.
b) o preconceito em relação a gays, lésbicas, bissexuais e transexuais.
c) a mesma coisa que machismo, só que para homens.

2) O que você considera um ataque homofóbico?
a) agressão física.
b) repressão/agressão verbal.
c) repressão/agressão verbal e agressão física.

3) O que é um homem?
a) o contrário da mulher.
b) uma criatura geneticamente definida por genes XY.
c) uma construção cultural.

Se você não marcou a terceira resposta em todas as perguntas acima, camarada, temo lhe informar que você foi dominado. E está na hora, tal qual a Anitta, de você começar a observar o mundo fora da sua caixinha. Sugiro uma viagem ou fazer uns amigos bem diferentes dos quais você tem convivido ou, quem sabe, seguir algumas dicas do Ken Hanes no seu Guia Prático para a Vida Gay. O livro é ótimo, pequeninho, e ele dá umas dicas bem interessantes, são 463 ao todo, eu escolhi algumas que podem ajudar nesta situação, como:

5. Convide um ativista da campanha de prevenção da Aids para almoçar com você.
17. No momento em que nossa cultura estabelece como ato de desobediência civil o fato de alguém confessar-se publicamente gay, ser gay é uma atitude política. Aceite, pelo menos por enquanto, a ideia de que seu comportamento sexual é uma espécie de militância.
18. Não deboche de drag queens, dos travestis e dos gays exageradamente frescos. Pense onde estaríamos sem eles.
85. Se você for vítima de agressão física, ou mesmo de insultos, reúna testemunhas, chame seu advogado, e mova um processo contra o agressor.
91. Quando passar por algum lugar onde um gay está sendo humilhado ou agredido, não finja que não viu nada, não banque o indiferente. Se não puder ajudá-lo pessoalmente, vá buscar ajuda, chame a polícia, faça qualquer coisa.
138. Os direitos gays são seus direitos. Faça tudo que estiver ao seu alcance para ampliá-los e reforçá-los. Apoie a causa.
142. Saiba que, ao iludir as pessoas, tentando passar por heterossexual, estará sinalizando para o mundo que não é uma boa coisa ser gay.
170. Não confunda masculino com macho.
189. Se você acha os outros gays muito chatos, olhe-se no espelho. Procure descobrir as coisas de que você não gosta em si mesmo e está vendo neles.
268. Não esconda de crianças que você é gay.
334. Procure enturmar-se com pessoas de várias idades, com estilos de vida diferentes do seu. Pessoas diferentes de você podem enriquecer sua vida.
416. Nunca use as expressões "comportamento de homem" e "homem de verdade". É pura homofobia. 

6 comentários:

  1. E depois tem gente que ainda se pergunta pq existe tanta gente preconceituosa no mundo.... Se os próprios gays ainda achem como os opressores, como queremos mudar algo?

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    1. Mas aí esta a chave da mudança. Reconhecer que está agindo como o opressor e quem é o opressor é 60% da batalha. Precisamos é conhecer quem nos oprime e assumir, obviamente, nosso papel neste distema opressor também.

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  2. Realmente, é algo cultural, enraizado. Percebo em mim, algumas vezes, alguns comportamentos que não condizem com minha realidade. Talvez por questão de sobrevivência mesmo, talvez por preconceito, talvez por medo. Provavelmente o medo seja o motivo maior: medo de não ser amado, medo de ser abandonado, medo de ser motivo de chacota, medo de ser humilhado, entre outros tantos. Não sou nenhum modelo de super-macho-fodástico-comedor, longe disso. Mas confesso que, entre um medo e outro, entre um olhar reprovador e outro, ainda me pego escondendo uma mão mais quebrada e uma fala mais mole =/

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    1. Talvez medo, ou talvez treinamento mesmo, Paco. Você pode ter sido condicionado a vida toda para conter estes comportamentos que vc citou e agora repete o treino que tevebde forma automática. Eu sugiro que vc rompa com o condicionamento. Quando vc notar que está se contendo faça um gesto ainda maior, com o tempo vc vai libertar-se e seu corpo vai aprender o que é a verdadeira liberdade.

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  3. Prevejo pessoas não enxergando o óbvio e discordando do seu texto em 3, 2, 1...

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    1. Acho que se alguém discordar, nem vai comentar. A condescendência reina por aqui, não é?

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" Gosto de ouvir. Aprendi muita coisa por ouvir cuidadosamente."

Ernest Hemmingway