Google+ Estórias Do Mundo: Dois

domingo, 12 de outubro de 2014

Dois

A Rua das Virgens, na Ribeira, estava lotada naquela noite de sexta-feira, apesar das nuvens cinzas cobrirem o céu escuro. Mas não parecia que choveria, era somente uma noite nublada. Essas de outono bem comuns. Após a igreja, eu fui para assistir o show de Du Souto com seu samba-jazz-xote-hip hop no Buraco da Catita e seu publico habitual rondava o local. O Centro Cultural Buraco da Catita congrega os natalenses que se consideram a elite pensante da cidade, discutem política e falam sobre arte sentados em suas mesas de madeira bebendo cerveja. Sim, apesar do nome pomposo, não passa de um bar que ocupa uma das ruelas do bairro. Gosto do lugar, do ambiente, e das pessoas que o frequentam: são em sua maioria pessoas inteligentes, artistas, produtores de cinema, músicos, atores, uma parte das pessoas que frequentam a região do porto, a tribo mais madura eu diria. Destoam deles somente aquelas meninas adeptas do hippie chic e estudantes de publicidade heterossexuais musculosos e tatuados. Ah, e alguns caras usando polos com números imensos nas costas, pagando bebida para três garotinhas (falsamente) loiras das quais ele tem esperança de comer pelo menos uma, mas ela só vai dar quando tiver um anel do seu dedo. Eu estava com amigos dançarinos e atores que me definem como artista plástico quando me apresentam a alguém (os quais sempre me envolvem em seus projetos e eu sempre aceito).
Sentamos numa mesa afastada, quando o show acabou, em frente a um albergue e um ateliê de pintura, éramos um grupo grande (que não parava de aumentar) que conversava sobre sexo e relacionamentos, sobre Dilma e Aécio, sobre Almodóvar e revistas em quadrinhos. Uma destas pessoas novas era um rapaz de barba. Ele era másculo, mais alto que eu, com uma barriguinha, nada de corpo saradinho de academia, mas não era gordo. Ele sentou-se ao meu lado e ninguém se deu ao trabalho de nos apresentar, mas isso não nos impedia de conversar normalmente, mas ele me olhava de uma forma diferente. Havia interesse no olhar dele. Era óbvio! Foi quando alguém sugeriu irmos a outro bar. "Lá é mais barato", comentaram. E todos levantaram, o rapaz de barba também, e antes de nos afastarmos da mesa, ele me parou. "Eu queria um beijo seu". Eu sorri. E apesar de lembrar que nem sabia o nome dele, dei-lhe o beijo. Ele me olhava quase implorando, parecia que eu era um cara que ele sempre quis beijar. Foi um único beijo, rápido, e depois nos juntamos aos outros. Ele no entanto se afastou de mim. Eu esperava que ele iniciasse uma conversa, que pretendesse ficar comigo durante o resto da noit e, mas, apesar do olhar ser o mesmo, ele se comportou de forma completamente estranha. Caminhando ele parecia envergonhado, ao chegar no bar sentou-se do outro lado, eu nem vi em que momento ele foi embora, mas dei de ombros. Era apenas madrugada.
Continuamos sentados no bar que da para a praça do teatro, cercados por prédios antigos que devem ser assombrados principalmente por antigas prostitutas do cais, eu sempre paro para admirá-los, são todos lindos, apesar da falta de conservação por parte da prefeitura. O bairro, todo tombado pelo patrimônio histórico do Estado, nunca teve nenhum projeto de restauração dos prédios, é terrível ver como eles correm risco, se eu pudesse, compraria todos e cuidaria deles. Foi perdido em meio a estes pensamentos que percebi que havia chegado ao bar um garoto que havia me adicionado no Facebook mais cedo naquele dia. Ele conhecia um dos meus amigos, o Diretor-de-Teatro, e sentou na mesa dizendo: "Eu te adicionei no Facebook hoje", eu disse que sabia. Ele era lindo, ruivo, com um sorriso fácil e safado, sempre erguendo a sobrancelha esquerda. E foi com este sorriso no rosto que ele se aproximou e me beijou. Bem alto, com pernas grossas e uma bunda linda sob o jeans escuro, ele com certeza não tinha mais que 25 anos. Ao contrário do outro, sentou ao meu lado, e entre piadas e conversas passamos o resto da madrugada ali, entre cervejas e cigarros, com meus amigos. Era, pelo menos, 4h da manhã quando nos recolhemos para nossas casas. Cada um para sua, infelizmente.



PS: Estarei mudando o número de postagens agora para somente uma, semanalmente. Não tenho assunto para postar mais frequentemente, afinal sei que ninguém aqui está interessado em me ver falando sobre meus dias solitários, tentarei manter esta quantidade de posts, se nem isso eu conseguir, talvez seja hora de encerrar o blog.

27 comentários:

  1. Eu sigo-te, por vezes não tenho o que dizer

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  2. A simplicidade de nossos dias relatada assim me agrada muito ...

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    1. pena que estes dias são extremamente raros na minha vida hoje em dia, Paulo, não da pra contar muito sobre eu lavando o tapete ou cuidando do meu jardim, não é?

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    2. Ah, até que dá! Cê é um escritor talentoso... :-)

      P.S.: Manda um email, uai... educaxa no gmail ponto com.

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    3. Será que eu consigo falar sobre esse tipo de coisa e tornar interessante, Edu? Enviarei um e-mail sim.

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  3. Será que você beijou ele tão mal ou o cara ficou com vergonha de pedir pra beijar você? Rs.
    Acho que ele ficou com vergonha.

    Toda vez que leio "ruivo", sinto falta do meu cabelo vermelho.

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    1. Eu fiquei pensando a mesma coisa, Lucas, será que beijei tão mal? Ou que ele esperava que eu tomasse uma atitude e tipo ficasse de namoradinho com ele na noite? Não sei, não sei o que ele pensou nessa hora, mas ele continuou me olhando do mesmo jeito, pena que não leio mentes.
      Adoro um ruivo.

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  4. Ei, Foxx, para com essa conversinha... Nada de parar! Nem que seja poucas vezes, mas escreva se puder. Não se prenda à obrigação de ter de escrever. Vambora meter o pau no Aécio, comentar o seu jardim e falar de Almodóvar (amo o/ ).

    E sobre o texto, amei, principalmente a parte do prédio assombrado pelas prostitutas. Adoro esses mais cotidianos, os da HomoHistória (que já faz tempo que não leio) e os mais safados.

    Abraços.

    B.H.

    P.S.: ne me quitte pas, foxx, ne me quitte pas...

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    1. ah, BH...
      eu vou escrever sobre o nada? meu cotidiano é tão sem graça, sem novidades, que eu vou falar sobre o quê? este é o problema, mas vou relaxar sim em relação a se não tiver o que escrever, eu não escrevo.
      sobre o HomoHistória, como os dois ultimos textos demonstram claramente, é com certeza o tipo de texto que as pessoas menos gostam de ler aqui.
      Tentarei não ir, BH, mas não posso prometer nada.

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  5. "Cada um pra sua"?!?!? Não. Assim não pode! Não foi assim que te ensinei, Foxxete! Hehehe! Agora..."Buraco da Catita" é al-go... adoro esses nomes "exóticos" e me gustaria tomar umas maRditas por lá!
    Em tempo: hora de encerrar o blog?!? Era só o que me faltava! Olha que vou aí e te dou uma surra de piroc... ops, digo, de Havaiana molhada, guri! Humpft! ;)

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    1. Hehehe
      O Buraco da Catita é um lugar interessante mesmo, Fred, com um público que vc ia adorar tenho certeza também. O dia que vc aparecer pelas bandas de cá, nos marcamos umas cervejas lá.
      E sobre o blog, como eu já disse, não tenho muito que escrever aqui, talvez seja a melhor opção. Mas eu ainda estou avaliando, eu reduzi agora o numero de postagens, vamos ver se agora eu consigo postar, senão, o jeito vai ser diminuir mais ainda, até não publicar mais, se for o caso, ou só publicar sobre História, o que ninguém gosta, e será o mesmo que matar o blog.

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    2. Tá marcado desde já essa cerveja! Quero adentrar todos os "buracos interessantes" de Natal! If you know what I mean... hehehehehehehe! E vamos com calma nessa idéia de fechar o Estórias... se tu te for vai sobrar quem dos "dinossauros de Blogsville"?!? Braccini e eu?!? ;)

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    3. Ah, com certeza, te levo para conhecer todos os melhores lugares de Natal.
      =)
      Pois é, os novinhos não querem ler o que eu tenho a dizer, né Fred? Eles têm esperança que nunca viverão aquilo que passo. Os mais velhos também não tem mais paciência porque não acreditam no que eu conto. A verdade é essa, por isso tenho que limitar os assuntos que falo aqui e isto vai acabar fechando o blog.

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  6. se for a hora de parar, pare.

    mas continue vivendo essa vida sem graça de beijar desconhecidos.

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    1. 'gradicido por sua ironia, Antônio.
      Combinaremos assim então: somente quando eu beijar desconhecidos eu virei aqui escrever, vamos ver quantas postagens anuais eu terei.

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  7. Uma noite boa ! Com certeza ! Mesmo cada um indo pra sua própria casa !

    Pena que não fomos pra Natal na viagem ... leio vc escrever de lugares interessantes que seria interessante conhecer ...

    Abraço !

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    1. Ah, eu fiquei muito triste de você não poder aparecer por aqui, Marcos, foi uma pena!
      Espero que um dia vc tenha a oportunidade de voltar e eu possa te mostrar um pouco da cidade.

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  8. Foxx, eu passo pelo mesmo dilema que você. O Fred me cobra postagens, mas eu não tenho sobre o que escrever e não quero parecer repetitivo. Então escrevo vez em nunca...Mas não pare. Nós gostamos tanto deste espaço, há tanto tempo, que com certeza sentiríamos muita, muita falta! Forte abraço.

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    1. Own, querido, que lindo isso que vc falou sobre sentir falta...

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  9. Foxx, você faz literatura de que muito gosto, com personagens que fazem parte da vida de muita gente, mas nunca podemos ler em lugar algum. Continue.
    Abraços

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    1. Mas, Alex, o problema é que não existem mais personagens na minha vida, só eu, e eu falarei sobre o quê? Minhas opiniões políticas e meu ativismo gay? Meus conhecimentos históricos? Alguém está interessado em saber o que eu penso? Eu sei, como vc mesmo disse, que com certeza eu tenho público interessado em como vivo, todos curiosos para saber se um dia eu encontrarei um namorado, mas isto não é mais algo que eu possa compartilhar porque não é mais algo que eu vivo. Vou tentar, por enquanto, escrever sobre minhas opiniões políticas e História, provavelmente este blog vai perder todos os seus leitores porque ninguém gosta de ler sobre estes assuntos "chatos". Será que no fim é a mesma coisa? Parar de escrever ou escrever só sobre coisas intelectuais é fechar o blog de qualquer jeito? Não sei, vou tentar agora e ver no que dá.

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  10. Você faz ambas as coisas, "assuntos chatos" e literatura com a mesma maestria.
    Não acho que o que você escreve contando sobre a sua vida desperte apenas interesse tipo "leitores de Caras". Você fala de sentimentos e jeito de ver a vida, de falar sobre a nossa vida. Inclusive falar sobre a solidão, pois ela faz parte da vida.
    Quanto aos leitores, ora os leitores... Escreva o que você achar que deve. E quem quiser que leia. Assim deve ser.
    Abração..

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  11. Dois é um número bom! rsrsrsrs


    E acredito que estamos na mesma vibe de publicações no blog...

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    1. foi uma noite de lucro, claro.
      kkkkk

      sim, estamos mesmo? eu não tenho o que falar, vc cancelou até a série sobre eleições que tava fazendo. não acho que seja a mesma vibe, desconfio que vc só está sem muita vontade, eu tenho vontade, não tenho é assunto.

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  12. Eu havia esquecido o quanto sua escrita é boa Foxx :)

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    1. que bom que vc gosta do blog, Rafa, fico feliz.

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" Gosto de ouvir. Aprendi muita coisa por ouvir cuidadosamente."

Ernest Hemmingway