Google+ Estórias Do Mundo: 2014

Páginas

domingo, 28 de dezembro de 2014

Presença de Anitta





No início de dezembro, a funkeira Anitta e  a roqueira Pitty foram ao programa Altas Horas discutir sobre a notícia que 48% dos jovens acreditam que seja errado uma mulher sair sem o namorado. A discussão ficou polarizada: Anitta defendendo que as mulheres conseguiram os mesmos direitos (civis) e que agora querem tomar o lugar dos homens, se comportando como eles e impedindo que os "instintos masculinos" de proteger a mulher possam ser exercidos; e Pitty falando que estamos longe de conseguir direitos porque se alguém ainda pensa que um mulher não tem o direito de sair sozinha, as mulheres não tem, portanto, nenhuma igualdade com os homens. Eu, obviamente, apoio Pitty na discussão, porém eu entendo o lugar de onde Anitta fala.
Paulo Freire, o pedagogo, diz que o mais difícil em modificar uma sociedade é fazer o oprimido entender que o discurso do opressor não é verdadeiro. No caso, fazer Anitta reconhecer que ela está repetindo o discurso machista como se fosse dela. Que ela está repetindo o machismo e não nota. Que ela está tão imersa num mundo machista que ela passou a considerar natural, passou a considerar que este é o mundo real, as imposições que sua vida de oprimida faz contra ela. O controle do seu corpo feito por outros, o controle de suas ações ditado por outros, o controle de sua sexualidade definido de fora são realidades tão esmagadoras para Anitta que ela não consegue ver além. Te entendo, Anitta, vem cá para eu te dar um abraço.
Mas o que isso é interessante para gente? Não é muito diferente com inúmeros homens gays. Nós absorvemos o discurso de opressão também, isto é, a homofobia e a repetimos em nossa vida diária. Vejamos exemplos: todos lembram de Clodovil, não é? Clodovil nunca, em sua vida, assumiu ser gay, ele considerava isto algo de foro íntimo e sentia-se extremamente envergonhado quando era colocado contra a parede. Clodovil também afirmou em uma entrevista ter certeza que iria para o inferno e torturava-se costumeiramente por isso. Ele absorveu o discurso dos outros sobre ele e ninguém precisava lembrá-lo sobre seu pecado infame, o próprio Clodovil martirizava-se. Caso extremo? Mas bastante comum. 
Mas existem outros exemplos mais simples também. Como quando definimos um modelo de homem. Que ser homem significa ter barba, ser másculo, ter voz grave, etc. Nós repetimos um modelo de homem que nem é o do homem heterossexual já que vários homens heterossexuais são imberbes, podem ser mais delicados, podem ter vozes agudas, ou seja, criamos um modelo de homem que não é atingido por ninguém, nem os homossexuais, nem os heterossexuais, e forçamos as pessoas a seguirem este modelo, como também forçamos nosso cérebro a entender que este modelo é um padrão de beleza e, daí, surge a aversão representada pelo "não sou e não curto afeminados" dos aplicativos sociais. 
Nós absorvemos o discurso que nos oprime, a homofobia, e a aplicamos em nossa vida como se ela fosse real. O discurso do opressor torna-se aquele que define para você sua realidade. Se você não sabe se você absorveu a homofobia, façamos o seguinte teste:

1) O que é homofobia?
a) atacar uma pessoa, motivado pelo preconceito em relação a ser gay.
b) o preconceito em relação a gays, lésbicas, bissexuais e transexuais.
c) a mesma coisa que machismo, só que para homens.

2) O que você considera um ataque homofóbico?
a) agressão física.
b) repressão/agressão verbal.
c) repressão/agressão verbal e agressão física.

3) O que é um homem?
a) o contrário da mulher.
b) uma criatura geneticamente definida por genes XY.
c) uma construção cultural.

Se você não marcou a terceira resposta em todas as perguntas acima, camarada, temo lhe informar que você foi dominado. E está na hora, tal qual a Anitta, de você começar a observar o mundo fora da sua caixinha. Sugiro uma viagem ou fazer uns amigos bem diferentes dos quais você tem convivido ou, quem sabe, seguir algumas dicas do Ken Hanes no seu Guia Prático para a Vida Gay. O livro é ótimo, pequeninho, e ele dá umas dicas bem interessantes, são 463 ao todo, eu escolhi algumas que podem ajudar nesta situação, como:

5. Convide um ativista da campanha de prevenção da Aids para almoçar com você.
17. No momento em que nossa cultura estabelece como ato de desobediência civil o fato de alguém confessar-se publicamente gay, ser gay é uma atitude política. Aceite, pelo menos por enquanto, a ideia de que seu comportamento sexual é uma espécie de militância.
18. Não deboche de drag queens, dos travestis e dos gays exageradamente frescos. Pense onde estaríamos sem eles.
85. Se você for vítima de agressão física, ou mesmo de insultos, reúna testemunhas, chame seu advogado, e mova um processo contra o agressor.
91. Quando passar por algum lugar onde um gay está sendo humilhado ou agredido, não finja que não viu nada, não banque o indiferente. Se não puder ajudá-lo pessoalmente, vá buscar ajuda, chame a polícia, faça qualquer coisa.
138. Os direitos gays são seus direitos. Faça tudo que estiver ao seu alcance para ampliá-los e reforçá-los. Apoie a causa.
142. Saiba que, ao iludir as pessoas, tentando passar por heterossexual, estará sinalizando para o mundo que não é uma boa coisa ser gay.
170. Não confunda masculino com macho.
189. Se você acha os outros gays muito chatos, olhe-se no espelho. Procure descobrir as coisas de que você não gosta em si mesmo e está vendo neles.
268. Não esconda de crianças que você é gay.
334. Procure enturmar-se com pessoas de várias idades, com estilos de vida diferentes do seu. Pessoas diferentes de você podem enriquecer sua vida.
416. Nunca use as expressões "comportamento de homem" e "homem de verdade". É pura homofobia. 

domingo, 21 de dezembro de 2014

Cores de Natal

Estou voltando do ensaio de um dos coros que participo. Eu vinha caminhando, tranquilo de minha vida, cantando Cores do Vento, de Pocahontas. Se pensa que esta terra lhe pertence, você tem muito o que aprender. Caminho para casa quando passo pela esquina da rua em que moro. Pois cada planta pedra ou criatura, está viva e tem alma, é um ser. Do outro lado da rua, estão sentados, na calçada, quatro garotos de no máximo 17 anos. Se vê que só gente é seu semelhante  e que os outros não tem o seu valor. Magrinhos, alguns muito bonitos, dois precisamente. Um branquinho de olhos grandes e assustados, rosto bonito, bem magro; e um negrinho, de corpo roliço, bunda perfeita e coxas grossas, este está sem camisa, mostrando a barriga e a cintura estreita que só destaca a bunda quando ele anda pela rua de paralelipípedos. Mas se seguir pegadas de um estranho, mil surpresas vai achar ao seu redor. Eles sempre estão por lá, ou na outra esquina um quarteirão acima, sob a marquise de uma padaria. Quando passo perto, isto é, do outro lado da rua, Já ouviu um lobo uivando para a lua azul?, escuto baixinho:
- 50!
Eu entendi, e ri por dentro, Será que já viu um lince sorrir?, obviamente entendi. Mas eu olho para eles e um dos garotos, talvez o mais feio, um negrinho de pele achocolatada, segura o pau, É capaz de ouvir as vozes da montanha?, repetindo:
- 50!
E com as cores do vento colorir.
Continuei caminhando para casa, Correndo pelas trilhas da floresta, havia uma família fazendo uma festinha algumas casas a frente, Provando das frutinhas o sabor, no alpendre em frente da casa, havia uma churrasqueira, Rolando em meio a tanta riqueza, e eles bebiam cerveja conversando animadamente, Nunca vai calcular o seu valor
Eles gritaram quando eu estava ali na frente.
- 50!!
Não vai mais o lobo uivar para a lua azul
Eu parei na frente do portão da vila que moro, e fui procurar a chave para poder entrar que insistia em sumir dentro da mochila. Já não importa mais a nossa cor. E eles gritaram novamente, sem se importar com mais alguém ouvir na rua. 
- 50!!!
Vamos cantar com as belas vozes da montanha.
Eu abri o portão e entrei, sem parar de cantar. 
Você só vai conseguir, desta terra usufruir, se com as cores do vento colorir.


domingo, 14 de dezembro de 2014

"Que delicinha!"


Venho caminhando a noite. Voltando de um jantar de trabalho regado a muito vinho do Porto, em que eu não comi nada, mas foram muitas taças de vinho. É uma quarta-feira e observo dois garotos caminhando de encontro a mim. Eu estou pensando que preciso de uma casa maior e mais confortável quando observo os dois por um segundo paralisado no tempo, eu estava em uma esquina, prestes a virar a direita, eles estavam do outro lado da rua, para atravessar para o lugar que eu estava. Não deviam ter mais de 20 anos, usavam camisetas polo e bermudas jeans, calçavam chinelos, pareciam irmãos ou primos, havia uma semelhança. Eram brancos, bonitos, inclusive, cabelos cortados baixinhos, o mesmo e exato corte, um deles falava ao telefone. Mas os vi e simplesmente retornei as minhas preocupações mundanas, e fiz a conversão a direita. Foi quando ouvi:
- Que delicinha!
E virei para trás, o que falava ao telefone não estava mais lá, vi apenas um deles, já saindo do meu campo de visão, escondidos por trás da parede, com um sorriso no rosto. E eu lembrei de Marina Abramovic. A dançarina fez uma performance que dizia para os visitantes que não se moveria por seis horas, não importa o que fizessem com ela. Ao mesmo tempo colocou a disposição, em uma mesa ao seu lado, 72 objetos que poderiam ser usados em seu corpo. Eram flores, poás, facas e até uma arma carregada, entre outras coisas. Os visitantes poderiam usar os objetos como desejassem, não havia limites. Inicialmente os visitantes eram pacíficos e tímidos, mas ao perceberem que ela realmente não reagiria, a agressão surgiu. Suas roupas foram rasgadas, ela foi cortada, enfiaram os espinhos das rosas pelo seu corpo, até a arma foi apontada para sua cabeça (sim, ela estava carregada). Ao fim da performance, Abramovic levantou-se e aí aconteceu o que eu considero mais importante e mais chocante nesta experiência artística (que se chama Rhythm 0): as pessoas que a feriram fugiram dela.
Sempre que se analisa a história do Rhythm 0, se observa a desumanização que a dançarina sofre quando se coloca a mercê dos visitantes, como rapidamente as pessoas se tornam sádicas infligindo-lhe dor, eu nunca observei por este ângulo. Eu noto é como as pessoas são covardes porque só demonstram seu sadismo quando o outro não pode defender-se. No instante que Abramovic levanta-se, aqueles que decidiram expressar-se, através do corpo dela, com violência fogem apavorados, pois temem serem responsabilizados por seus atos. É, pelo menos aqui em Natal, como estes garotinhos agem. Estas piadinhas são comuns e elas só acontecem nestas situações de que o autor se vê protegido de qualquer tipo de enfrentamento comigo e, por causa dessa impossibilidade de enfrentamento, eu muitas vezes fico em dúvida: eles são homofóbicos ou é uma cantada? Analisemos. 
Alguém pode parar agora e dizer: "Mas eles não foram homofóbicos, eles fizeram um elogio!". Será? Um elogio é feito diante de alguém, para que alguém escute, aquela foi uma cantadinha machista, como quando gritam gostosa na rua para uma mulher. O objetivo de gritar "gostosa" para uma mulher não é elogiá-la, mas reforçar o papel de homem-pegador e de mulher-objeto-do-desejo dentro das relações sociais. Quando o homem grita, sempre ao lado de seus confrades, ele reforça seu papel de macho-alfa no meio do seu bando, garantindo assim privilégios diante dos amigos, e também reforça entre os membros femininos do grupo que seu lugar é o de objeto a ser admirado por aqueles que detém o poder. Admirado e devorado (não é a toa que a expressão é "gostosa" e não "linda"). O mesmo acontece aí. Eles gritam para mim "delicinha", que não é diferente de "gostosa", e ainda ocorre na feliz coincidência que o gênero da palavra não deixa de me colocar no papel de mulher-objeto e deles como homens-dominantes. Disfarçado de elogio, a dominação ocorre.
Mas e se foi um elogio mesmo? Por que, diabos!, alguém faz um elogio a outro e não fica para receber os louros? Que espécie de fetiche é esse em que a pessoa sai pelas ruas a noite chamando as outras pessoas que encontra na rua de deliciosas e se esconde depois? Qual a utilidade de uma cantada que termina sem, no mínimo, o telefone do seu objeto de desejo? Qual o objetivo, pergunto curioso? Até porque eu não sei como reagir. Meu impulso foi responder:
- Vocês dois também são deliciosos!
Eu bem que achei naquele segundo que os observei. Mas minha prudência me fez calar. Porque se eles estão sendo homofóbicos, responder com o mesmo elogio seria colocá-los na posição de mulher-objeto no qual eles haviam me posto antes. Esta é a maior dificuldade que os homens héteros tem ao se verem assediados por um homem gay, eles de repente se vêem no lugar de objeto em que colocam as mulheres, no lugar de coisa, de criatura sem autonomia, de ser inferior. E aí eles poderiam se irritar e eu apanhar ali... quer dizer... eles dois apanharem muito de mim porque, gato, eu não apanho de homem nenhum nessa vida. #ProntoFalei. Não quero ter sangue de menininhos héteros na minha mão não. Ou eu devia mesmo ter respondido? 






domingo, 7 de dezembro de 2014

Ódio Praieiro

A praia da Pipa fica a, mais ou menos, duas horas ao sul de Natal, a precisamente 90,4 km de distância da capital, e é um pequeno distrito de Tibau do Sul que já foi vila de pescadores e agora reúne turistas europeus, hippies anacrônicos de toda a América Latina e uma atmosfera de resort mediterrâneo ou do filme Mamma Mia com a Meryl Streep (você escolhe a referência). As praias paradisíacas emolduradas por falésias coloridas, Mata Atlântica e saltos de golfinhos tem um único grande defeito: ela é, sem sombra de dúvida, a região mais antipática aos gays de todo o Rio Grande do Norte. É como uma ilha de heterossexualidade, o seu último reduto, no Estado dos índios bravios.
Avisei a Ronnie sobre isso, mas ele não acreditou. Ronnie é um amigo mineiro que agora vive na Bahia e me visitava por causa de um congresso, chegamos juntos a praia em uma noite de quarta-feira, era, de fato, um dia péssimo, mas ele queria aproveitar o que dava já que retornaria a terra de todos os santos ainda no fim da semana. Mas, apesar de ser quarta, havia muitos turistas, tanto brasileiros (ouvimos muito o sotaque paulista e carioca) e estrangeiros, muitas belezas também, dos tipos importados e nativos, mas nenhuma paquera ou olhares. Ronnie se decepcionou, mas como eu disse, parece que em Pipa é necessário deixar sua homossexualidade lá na entrada do vilarejo.
"Sério que eles não fazem?", ele perguntava. Eu contei-lhe que anos atrás tentaram abrir uma boate gay por ali e entre pichações com palavras de ódio e ordens para que deixassem a praia, um incêndio criminoso cujos autores nunca foram encontrados destruiu a boate na noite da inauguração. Eu conhecia as donas, na época, e elas fugiram apavoradas. E, sinceramente, seria um imenso acréscimo a noite de Pipa que, atualmente, não passa de uma rua estreita, com bares de música ao vivo, restaurantes de comida italiana  e creperias (nunca vi tantos concentrados em um espaço tão pequeno) e alguns poucos de comida regional. Conta-se de uma mítica boate, Calango's (sim, com apóstrofe, Natal sofreu uma praga que impregnou todos os nomes de casas noturnas e motéis com esta moda), que nunca saiu da década de 1980. E só. Não há muito o que fazer por lá.
Claro que durante o dia sempre podemos aproveitar a praia. Aproveitar as belas paisagens naturais, o mar intensamente verde e o sol que brilha sem trégua e, por trás dos nossos óculos escuros, observar os corpos dos surfistas tostando ao sol, dos nativos que nos servem cerveja barata nos bares com os pés na areia e camisetas coladas (obviamente nós escolhíamos os bares pela beleza dos garçons) e os turistas europeus que desfilam seus corpos em sungas minúsculas (Deus abençoe os italianos!). Também é possível aproveitar as aulas oferecidas por alguns dos nativos de surfe, standing up surfing e capoeira, curtir as pousadas e albergues ou aproveitar uma rede, inúmeras latas de cerveja e uma roda de amigos numa casa de praia. Você só não pode ser abertamente gay. Ai não pode.

domingo, 30 de novembro de 2014

O Ritual do Macho Man

Era tarde da noite já, eu voltava da igreja, havia pego o primeiro ônibus que me deixava mais ou menos perto de casa, isto é, uns 10 minutos de caminhada entre o ponto e a porta de minha residência por impaciência de esperar mais e, por isso, passei diante de um bar, como já havia feito milhares de outras vezes antes, mas desta vez, eu notei que um dos garçons reparou em mim. Ele era magro e alto, tinha uma bela bunda que se destacava dentro da bermuda jeans que eles usavam. Sim, ali naquele bar de esquina que ocupava parte da avenida com suas mesas, os garçons serviam os clientes de bermudas e chinelos. Ele tinha uns olhos verdes cor-de-mar, mas do mar de Natal, um verde pálido porque todas as cores aqui são meio pálidas, afinal o branco da luz do sol suprime tudo.
Eu, como não fujo de olhares, sustentei até ele baixar os olhos. Passei ao lado dele e ele estava de cabeça baixa, vencido no seu jogo de macho, mas percebo agora que não segui meus próprios conselhos para pegar hétero: fazer o papel da virgem constrangida que baixa os olhos e tem a face coberta pelo rubor da ingenuidade (eu, na verdade, nunca faço isso e depois reclamo que ninguém chega em mim, quando é que eu dou oportunidade para alguém? Se me interesso e a pessoa corresponde pelo menos com um sorriso, eu não fico esperando o outro agir, mas voltando...). Por curiosidade, dois paços a frente dele eu olhei para trás e ele me acompanhava e riu neste momento, comentando com o colega que estava próximo dele algo, mas somente quando viu que eu estava distante o bastante para não conseguir ouvir. Eles então riram juntos e o deboche seguiu-se de um assovio. E outro, e outro.
Caminhando, sem olhar para trás, eu fiquei pensando na lógica maluca dessas pessoas. Pelo menos comigo, homens não se sentem seguros a me insultar sozinhos, e muito menos para mim. Deve ser algo que faz parte do ritual de socialização do homem heterossexual (nunca participei dessas coisas, então, não sei se é): fazer uma piada para seus confrades sobre aqueles outros que estão, hierarquicamente, abaixo deles, no caso gays, mas também mulheres. Eu sempre penso que a piada não tem, de fato, o objetivo de ferir seu alvo, somente de reforçar os laços entre aqueles homens e o seu lugar como um igual dentro do grupo. Não que a piada deixe de ser homofóbica porque não tem o objetivo de atingir o homossexual, ela continua sendo porque seu núcleo é de que existe em homens mais homens e outros menos homens, cabendo ao primeiro o controle sobre o segundo tipo.
Por outro lado, a piada que eles resolvem fazer é flertar comigo. A visível timidez dele (ele baixou os olhos) é superada no instante em que ele consegue um amigo, coisinha típica de machos adolescentes, e aliado a um amigo ele pode assoviar para mim para todo o bar ver, para todo o bar ouvir. O comportamento é obviamente fundado em mais machismo. No conceito de que homem de verdade deve estar sempre sexualmente disposto e, aqui no Nordeste, isto inclui também "não negar fogo" caso uma bicha (moi!) se insinue. E não importa para eles se eu somente havia passado a caminho da minha casa, o mesmo imaginário que faz de todo homem heterossexual um garanhão disposto ao sexo faz de todo homem homossexual um promíscuo disponível para se tornar objeto (neste sistema todo homossexual é necessariamente passivo e quer ser dominado por um macho heterossexual). Como mulheres, nós existimos para sermos objeto de prazer do "homem de verdade", mas enquanto a elas cabe o dever de negar, em defesa de sua honra, até que o homem de verdade a seduza, aos homens gays, por definição homens sem honra, é inconcebível que recusem ao sexo independente de quem seja seu parceiro.
É uma lógica doente, sinceramente. Estes homens acreditam-se detentores de poder sobre o corpo tanto de mulheres quanto de homens gays, mas como reagir a isso? Nós, as vitimas? Ah, e antes que alguém diga que ele na verdade estava interessado, que era uma cantada: primeiro, você está sofrendo de Síndrome de Estocolmo, aquela em que os sequestrados/torturados desenvolvem sentimentos pelos criminosos que os agridem, por isso você não enxerga o machismo que te banha todos os dias; segundo, se ele tivesse somente interessado em mim, qual a necessidade do amigo participar do seu flerte? Ele apenas repetiu um ritual para reforçar os laços com os outros machos do bando que acontecerá novamente toda vez que algum viado ou qualquer mulher (que não seja ligada a ele por parentesco de primeiro grau, isto é, avós, mães e irmãs) passar na frente do bar; terceiro, bora largar esse romantismo?

domingo, 23 de novembro de 2014

Street View

Saio as 11 horas da manhã de uma reunião de trabalho que começou três horas antes e caminho até à sombra do abrigo do ponto de ônibus para esperar minha condução, sob o sol escaldante que já brilha no céu de Natal anunciando um verão que será como todos os outros: quente. A parada do coletivo fica ao lado da Vila Naval, um condomínio militar com suas cadas padronizadas, pintadas de azul e branco. Dois jovens usando uma regata e um short curto, nas mesmas cores das paredes e portas das residências, exibindo braços musculosos e pernas torneadas, faziam reparos numa parede não muito distante. Eram aspirantes a marinheiros, acho. Eu me perdi em pensamentos de como seria crescer gay dentro daquele ambiente (com aqueles homens circulando por ali com aquelas roupas minúsculas) somente para me encontrar quando vejo alguém, do outro lado da rua, balançando um imenso pacote que ele guardava dentro da bermuda.
Assustado, me recuperei a tempo de perceber o que estava acontecendo. Era provavelmente um morador de rua, nem bonito, nem feio, mas bastante sujo. Ele ainda estava distante quando começou a pegar no próprio pênis, masturbando-o por cima do tecido da bermuda surf wear que usava enquanto me encarava, mas somente quando ele estava mais próximo, do outro lado da avenida larga, que eu pude notar o volume imenso que ele carregava. Devo ter arqueado as sobrancelhas neste momento, de susto!, mas ele, como um gato, deve ter interpretado aquilo como aprovação, como elogio ao tamanho imenso do pau dele, foi aí que ele sorriu para mim e piscou um olho. Eu virei rapidamente o rosto, olhando em direção de onde viria meu ônibus, esperando que ele seguisse o seu caminho e pensando: esse tipo sempre nota a minha presença né? 

domingo, 16 de novembro de 2014

Creta: Entre Patos e Flores



Para pensar o mundo micênico é importante lembrar de uma informação importantíssima: estamos numa sociedade matriarcal. O poder ele não passa de rei para filho, ele passa de rainha para filha, é casando-se com a princesa que um homem se torna rei. Bettany Huges, em seu Helen of Troy, e Judith Starkson lembram que são as mulheres nas epopeias homéricas que são cobiçadas porque é através delas que o poder pode ser conseguido. Helena de Esparta, Cassandra de Tróia, Clitemnestra de Micenas, Penélope de Ítaca são cortejadas porque é ganhando esta esposa que se ganha o trono das cidades de onde elas são rainhas ou princesas. Explica-se que mesmo que um filho da rainha assuma o trono, ela continua sendo rainha até a sua morte, porque somente sua filha poderia substituí-la de fato. Pensando assim não é surpreendente uma guerra imensa entre Esparta e Tróia pela posse de Helena (o tema da Ilíada), esta guerra é uma guerra sobre a posse do direito de reinar na Lacedemônia e toda a região do Peloponeso controlada pelos espartanos. 
E elas também não tem um papel meramente ritual, como algumas pessoas poderiam afirmar. Como a Odisseia deixa claro, na ausência de Odisseu (Ulisses) em Ítaca, por causa da guerra, Penélope gerencia o oikos (ao pé da letra, casa, mas também podemos traduzir como a economia) do reino. Clitemnestra, explicam sobretudo as peças clássicas, também conduz Micenas com o afastamento de Agamêmnom por causa da guerra. Mas, também é verdade, que com o início da Idade do Ferro (por volta de 800 a.C.) o poder que estava nas mãos das mulheres migra para mãos masculinas, mas existe m duas remanescências desta época longínqua: Hera e Leto/Ártemis. 
Zeus casa-se com sua irmã, Hera, porque somente assim ele pode herdar o trono. O epiteto frequente da rainha dos deuses, "olhos bovinos", sugerem que a deusa está relacionada com a terra em que Zeus nasceu, Creta cultuava os touros e vacas, porém em Olímpia o templo de Hera, Heraion, é mais antigo que qualquer templo dedicado a um deus masculino. Afirma Mary Lefkowitz que é somente após a decadência da civilização creto-micênica que Zeus torna-se um deus mais importante que Hera. É tendo este contexto em mente que podemos falar das relações homoeróticas que as mulheres creto-micênicas possuíam.
A primeira questão é que, explica Paul Rebak, nenhum vestígio arqueológico desta civilização já encontrado (seja cerâmica, escultura, textos, etc) descrevem/mostram cenas sexuais, ao contrário do que se vê no Egito, Mesopotâmia ou mesmo a Grécia séculos depois. Entre os cretenses, micênicos e egeus existe um código moral que não permite que o sexo seja tratado de forma tão aberta, nem se tratando de homens, nem de mulheres, Por isso ao pensarmos um afresco pintado entre 1700 e 1400 a.C., precisamos abrir nossa mente para procurar pistas sobre a sexualidade feminina, nada será explícito! O prédio em que se encontra o afresco Xeste 3 foi preservado por uma erupção vulcânica em 1625 a.C., sendo um dos raros exemplares de pintura cretense já que a maioria que chegou até nós não passam de pequenos pedaços. O tempo não foi generoso. Obviamente, quando o prédio foi encontrado, as discussões dos historiadores e arqueólogos não cogitaram nenhum teor sexual nas figuras primeiro por causa dos preconceitos dos mesmos, mas também por causa de uma inabilidade dos historiadores até a década de 1960 de lidarem com o imaginário em representações pictográficas, pelo menos até Rebak escrever seu ensaio dentro do Among Women: From de Homosocial to the homoerotic in the Ancient World.

Esquema dos afrescos de Xeste 3

Como os egípcios, a pintura cretense estabeleceu um padrão para pintar homens e mulheres, homens eram vermelhos; mulheres, um pálido amarelo. Uma estilização pictórica. As pinturas são ricas em estilos de penteados, vestidos, joias, diferenciação de idades, inclusive o tema do afresco é a passagem do tempo e a vida de uma mulher, desde seu nascimento até sua morte, mostrando cada fase da sua vida, sua primeira menstruação, seu trabalho, sua adoração aos deuses (no caso é Ártemis), etc. Por causa destes inúmeros temas, este afresco foi estudado por vários pesquisadores preocupados desde questões como moda, direitos políticos das mulheres, ou crises alimentares com baixo consumo de vitamina A, mas todos fechavam os olhos para as possibilidades de estudar-se sexualidades homoeróticas.  
Historiadores, no entanto, concordam que os ritos de passagem femininos estão descritos ali, cinco estágios para ser mais exato: a infância, marcada pelo cabelo raspado ao fim; a adolescência dedicada a serviço da deusa; depois o rosto coberto por um véu (neste caso para as mulheres que desejam se tornar sacerdotisas); a mudança de roupa já como uma mulher adulta e, por fim, o casamento e sentar-se junto ao marido na hydria. Contudo, nada realmente sexual aparece nestas cenas, afinal como dissemos antes não é de costume cretense mostrar neste assunto, é portanto necessário entender os símbolos que aparecem na pintura. Paul Rebak comenta dois: os patos e paisagens floridas.
William Percy, em Pederasty and Pedagogy in Archaic Greece, afirma que a arte micênica dominava os símbolos sexuais. Cobras, touros, vespas são símbolos do sexo masculino/entre homens; já Rebak explica em seu Imag(in)ing a Women's World in Bronze Age Greece que os patos são associados a sexualidade feminina, eles aparecem decorando o pescoço de Ártemis, e também em revoada quando temos uma cena em que doze garotas aparecem juntas dançando para a deusa; o mesmo acontece com paisagens cobertas de prados floridos, esta situação edílica só aparece quando mulheres estão sozinhas na imagem. Sem nenhum homem. 


domingo, 9 de novembro de 2014

"Covardes, Estupradores e Ladrões"

Estava lendo Masculinidades, o livro organizado por Mônica Schpun, e um dos textos escritos pela antropóloga paulista, professora da UnB, Lia Machado, Masculinidades e violências: gênero e mal-estar na sociedade contemporânea, me fez pensar. O texto fala sobre estupros e violência doméstica através de entrevistas com os próprios estupradores e os agressores, eles explicam porque cometeram tais atos e ela explica o raciocínio machista que faz com que estes homens pensem que não cometeram crime nenhum pois, segundo eles, toda mulher estuprada queria fazer sexo e toda mulher agredida precisava aprender uma lição. Lia, se ela me permite a intimidade de chamá-la pelo primeiro nome, é adepta (como eu) da corrente histórico-sociológica que admite que o gênero são construções simbólicas que podem ser datadas no tempo, no espaço e, sobretudo, nas culturas. Ela chama isto de "construtivismo de gênero", e para citá-la (que faz bem): "os gêneros são construídos cultural e historicamente, podendo, assim, variar em número, em identidades e diferenças, ou até mesmo desaparecerem". Como eu já repeti aqui várias vezes. Homens e mulheres, masculino e feminino não são categorias naturais, elas são construções históricas que advém da revolução burguesa do século XIX e início do XX, isto é, esta coisa que nós consideramos natural foi inventada há mais ou menos 150 anos, seu vaso sanitário, aquele que você usa no banheiro, é mais natural já que foi inventado há pelo menos 3 mil anos atrás. 
Falando com os estupradores, a lógica de raciocínio destes homens me fez lembrar daquela que coloca os gays ativos numa posição superior aos gays passivos (inclusive de agora em diante eu irei me referir a este tipo de preconceito como "a lógica do estuprador", vocês também estão livres para usarem minha nova expressão). No imaginário do erotismo ocidental, como sabemos, o lugar do masculino na relação é pensando como aquele que se apodera quando penetra, este é o sujeito da relação sexual e, portanto, ATIVO; enquanto aquele ou aquela que é penetrado/a é identificado como um objeto do prazer do primeiro, um PASSIVO. É importante perceber que o sujeito ativo da relação sexual é o único que cabe ter prazer, mulheres e homens que se colocam numa relação passivamente não podem sentir prazer porque objetos não sentem prazer. Quando, e vemos isto sobremaneira com relação a mulheres, este objeto sexual exige seu próprio prazer, ele é combatido porque não cabe ao feminino gozar. 
É sintomático as palavras que nós escolhemos para separar nossas preferências sexuais. Em inglês são usados com frequência os termos top (de cima) e bottom (de baixo), com uma clara referência as posições na cama, o mesmo se dá em finlandês (päällä e alla), mas os termos pitcher (pegador) e catcher (pegado) também existem; como em português, no francês, alemão, turco, italiano, servo-croata, polônes e russo, os ativos e passivos reinam; também matendo o mesmo sentido de aquele que penetra sendo o que tem o controle da ação: em grego, energeticos (o que age) e patheticos (o que recebe a ação) e em chinês, gong (o que ataca) e shou (o que se submete). Como exceções, porque toda regra tem a sua, o japonês faz metáforas, tachi (longa espada) e  neko (carrinho de mão); o árabe compara a correntes elétricas, mojib (positivo) e salib (negativo), e que fique claro que isto não é um julgamento moral, são as mesmas palavras usadas para distinguir os polos de uma pilha, por exemplo, e o espanhol que apesar de também conhecer o activo e pasivo, usa com bastante frequência soplanuca (sopra nuca) e muerdealmohadas (morde fronha/almofada).  
Não é interessante de como estamos inundados por este machismo e nem nos damos conta dele? Nós mesmos que somos gays escolhemos as palavras para nos definir e caímos no esquema que divide nossa sociedade a partir da dicotomia masculino e feminino. Nós criamos um homem, o ativo, e uma mulher, o passivo, e esperamos de cada um deles comportamentos masculinos e femininos. Quer exemplos? Todos se surpreendem ao encontrar uma drag queen ativa, todos acreditam que porque tal menino é mais delicado e efeminado ele necessariamente é passivo, todos aguardam que porque aquele cara não tem trejeitos ele vai ser o ativaço na cama. Nós que poderíamos romper com tudo isso, que foi nos dado por Deus o dom de superar todas estas questões machistas na sociedade e viver relacionamentos realmente livres de padrões impostos socialmente, acabamos por reproduzir o sistema heterossexual no seio de nossas relações.
Lia Machado conclui sua fala com os estupradores assim: "O ato do estupro parece sintetizar a confusão entre a ideia de masculino como parecendo advir do único corpo sexuado que se apodera do corpo do outro, parecendo ter o falo, isto é, a potência e a força, e a ideia de masculino como parecendo ser a lei, já que neste ato sexual suprime-se a mulher três vezes: enquanto corpo sexuado que pode se apoderar de outro corpo, enquanto sujeito desejante e enquanto sujeito social que participa da confecção da lei". Extrapolo facilmente isto para o mundo gay. Considerar que o ATIVO tem alguma situação social superior a sua contraparte, considerar que a este cabe potência e força, repetir para ele e exigir dele os modelos de conduta do homem heterossexual é considerar que o homem gay PASSIVO: 1) não tem o poder de dominar um outro homem, e o que quero dizer com isso é que ele não tem um namorado, o marido não é dele, ele não tem nada, ele pertence a outra pessoa, vive para a outra pessoa, depende do outro para ter sua própria existência; 2) não é um ser sexuado, isto é, ele não tem desejo, nem prazer sexual, ele apenas serve ao seu homem como objeto para dar-lhe prazer, um problema grande também sobre isso é a fantasia sobre o pênis e o orgasmo masculino, a questão de acreditar-se que o único tipo de prazer sexual que você pode ter é se houver ejaculação, isto é, repetir o ultrapassado modelo heteronormativo (a Sandy já disse, é possível ter prazer no sexo anal); e, 3) por fim, o gay passivo não é um sujeito social, estes sujeitos não têm o direito de existir, ele deve ser apagado da nossa sociedade o máximo possível inclusive naquilo que nós julgamos como denunciador de passividade, no caso, ser efeminado, em outras palavras, tudo bem você ser gay, tudo bem você adorar dar o cu, mas ninguém precisa saber. 
Os homens gays repetem lógicas doentias quando, como eu disse, Deus nos deu a chance de vivermos livres delas e de mostrarmos ao mundo o quanto podemos ser felizes se nos libertarmos das imposições que a sociedade criou séculos atrás e disfarçou de natureza para nos ludibriar. Este é nosso papel na sociedade, afinal de contas: quebrar paradigmas! A família não é somente homem e mulher, um relacionamento não é um homem controlando e uma mulher obedecendo, um filho não é somente uma criatura com seus próprios genes e, às vezes, nem da própria espécie, roupa masculina não é só bermuda cargo, camiseta e tênis esportivo, existimos desde sempre mostrando que o mundo está repleto de possibilidades e, no último século, que mudar não faz mal, por isso não podemos reproduzir os erros deles. Nós somos melhores, não somos?

domingo, 2 de novembro de 2014

Creta: A Taça dos Dois Amantes






É bem comum encontrar entre os vestígios arqueológicos cretenses alguns que fazem referência aos seus rituais homoeróticos. Por exemplo, em um rústico campo dedicado a Hermes e Afrodite, aproximadamente 60 quilômetros a leste de Hagia Triada, no Monte Dikte, aonde ficariam as cavernas nos quais Zeus havia sido criado, há 1200 m acima do nível do mar, escavações lideradas por Angeliki Lembessi descobriu inúmeros objetos de bronze oferecidos as deidades, junto a restos de sacrifícios animais, sobretudo touros.
Entre estes objetos de bronze encontra-se uma taça onde estão representados dois homens que data do período minoico (antes de 1100 a.C.), hoje, guardada no Louvre, através da datação do carbono, chegou-se a uma data aproximada dos séculos VIII ou VII a.C. Ela consiste de um casal masculino sendo que um deles é barbado e o outro não, o imberbe possui um longo e flutuante cabelo cheio de cachos em sua fronte. Bruce L. Gerig afirma que várias interpretações foram oferecidas para este par, por exemplo, que representam um deus e um sacerdote, um rei e um comandante, ou crianças representando dignitários, isto é, que durante muito tempo os arqueólogos e historiadores fugiram de enxergar as relações homoeróticas que encontravam em seu caminho por causa do próprio preconceito, mas os outros inúmeros achados começaram a deixá-los sem saída.
Como esta outra peça encontrada: o mais velho traz consigo um arco de chifre, e agarra o mais jovem pelo braço e chama-o para perto. O mais jovem carrega uma cabra morta sobre os seus ombros, provavelmente um animal sacrificial. Eles estão olhando fixamente um para o outro, com as pernas e os pés se tocando, e os órgãos genitais do mais jovem estão expostos. Outra peça de bronze, datada de 750 a.C., e hoje sob a guarda do Museu Heraklion, mostra dois jovens de capacete, nus, um mais velho que o outro. Ambos exibindo seus pênis eretos ficam um do lado do outro de mãos dadas. No entanto, outro peça de bronze datada do século VII a.C. mostra um rapaz, nu, exceto por uma capa decorativa longa e sandálias, segurando um arco e aljava. Esses objetos parecem pertencer à mesma tradição refletida na Taça Chieftain, encontrado em 1903, no clube de jantar masculino do palácio de Hagia Triada, e datado do Primeiro Período Minóico (1.650 a.C. - 1500 a.C.). Ela é esculpido em serpentinito e retrata dois jovens imberbes, um mais velho que o outro (perceptível pela diferença de altura e no penteado), vestidos com saiotes e botas de cano alto e uso de jóias. O mais velho apresenta-se com uma espada e o mais novo com uma lança, enquanto no verso das copo outros jovens (amigos do amante, provavelmente) trazendo três pedaços de couros de boi, provavelmente para fazer um escudo. Na taça, o  mais velho ainda dá ao mais novo uma espada e um javali.
Gerig nos lembra do rito iniciático que os garotos cretenses passavam para prepará-los para a vida adulta (relatado por Ephoris, historiador do século IV a.C., e preservada por Estrabão, século I a.C.). Eles eram separados em agelae (rebanhos) nos quais eram treinados para se tornarem soldados. No entanto quando um rapaz mais velho, chamado philetor (amante), apaixonava-se por um jovem mais novo por causa de sua beleza, coragem e boas maneiras, ele capturava seu escolhido, chamado parasthatheis (aquele que fica ao lado, parceiro), com o consentimento dos pais e ajuda dos amigos. Este então era levado para o andreion local (clube onde homens comiam juntos), do qual ele se tornava membro por toda sua vida, o pretendente dava-lhe presentes e, depois de dois meses que passavam o tempo caçando e em festas, levava-o de volta para a casa dos pais (acompanhado por alguns amigos do rapaz). Diante dos pais, o amado afirmaria se estava ou não feliz com a forma que seu amante o havia tratado, e se estava, apresentava-se diante dos jovens com os trajes militares que o philetor havia lhe dado, um boi e uma taça, além dos outros presentes caros que havia recebido. Depois disso o jovem passava-se a se chamar kleinos (famoso), passava a usar as roupas de adulto, davam-lhe assento especial nos bailes e corridas e outras honrarias. Todos os jovens kleinos casavam-se na mesma cerimônia com as esposas que seus pais haviam conseguido para eles. 
Gerig afirma que esta tradição apresenta todos os elementos comuns a um rito de passagem: iniciação para um grupo seleto, reclusão durante um tempo, um membro mais velho da comunidade ensina jovens certas habilidades especiais, retorno para a sociedade aonde o iniciado recebe um novo status. As peças documentam que esta tradição de Creta continuou ao longo de muitos séculos, e que as ofertas posteriores deixadas por pares de amantes neste santuário tornaram-se mais elaborados e eroticamente explícitos. Contudo, existe um problema: elas são ex-votos, isto é, peças que eram oferecidas ao santuário do deus em agradecimento a algo que se havia conseguido, no caso, o amante. Os mais velhos deveriam agradecer aos deuses por terem conseguido o amor daqueles por quem haviam se apaixonado através destes presentes sob risco de atraírem para si o ódio da deusa, inicialmente Leto, depois Afrodite, que fatalmente levaria seu amado para longe dos seus braços. Estas peças provam que não era somente um ritual em que os membros participavam somente por obrigação social, estas eram relações apaixonadas entre homens, dentre os quais alguns que temiam perder seus jovens amantes por causa de caprichos divinos. 



domingo, 26 de outubro de 2014

Chistes Jocosos

Sabe o que é mais difícil de combater em relação a homofobia? As piadas! Os ataques físicos e morais, o preconceito segregacionista, o discurso de ódio disfarçado de liberdade de expressão, todos eles são fáceis de serem combatidos porque são quase palpáveis, mas o humor, ah, o humor, este por ser baseado em ironia e sarcasmo, figuras de linguagem que dizem aquilo que expressamente não quiseram dizer, este é difícil de combater porque seu autor sempre argumenta: "eu não disse isso!", e realmente não disse. Vejamos exemplos:
Danilo Gentili já tem sido um artista dos comentários preconceituosos, ele já agrediu negros, judeus, gordos, nordestinos, cubanos e homossexuais. O mesmo acontece há anos no Zorra Total, no humor do falecido Chico Anísio, e não era diferente dos Trapalhões ou da Praça É Nossa. Preconceito contra nordestinos não era o mote de inúmeros quadros destes programas? Negros e pobres não são ridicularizados constantemente? Ser gay não é desculpa para ser humilhado (lembrem-se de Vera Verão)? E lembrando o texto da lei: Lei Federal nº 7.716/1989, Artigo 20: "Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional".  
Estes programas tem sido criticados constantemente por causa de seus personagens caricatos e não é de agora, Mas nunca por homens de nossa elite (heterossexual, branca e morando no Sul-Sudeste), estes riem das piadas, mas negros, nordestinos, gays tem a percepção de o quanto aquilo é ofensivo porque aquilo ofende. Outras pessoas alcançam, no entanto, o sentido negativo das piadas sobre negros e nordestinos, elas conseguem se colocar no lugar do outro, mas o público gay não despertar a mesma empatia, e por quê?
Primeiro, a inexistência no texto da lei da expressão "orientação sexual ou de gênero"e não torna crime incitar homofobia (e, por acaso, também não é crime discriminar mulheres), e é exatamente por causa disso que ninguém percebe sua existência. Pessoas fazem piadas de cunho homofóbico e não a reconhecem como tal porque INCITAR e INDUZIR não são crimes, para as pessoas apenas a discriminação clara ou a agressão física direta podem ser considerados homofobia. Olha o que aconteceu esta semana:
Eu acompanho o site Omelete há alguns anos. É um site sobre quadrinhos, cinema e mundo geek (que por sinal é um dos ambientes mais homofóbicos que eu conheço, os geeks, não o Omelete), eles tem um canal e um programa no Youtube, OmeleteTV. E, num dos últimos programas, eles encerram o programa dizendo que "se você gosta de peitinho, ou se você tem peitinho, assine o canal", critiquei-os via Twitter, e eles tentaram argumentar que já fizeram programas sobre a presença gay nos quadrinhos, que eles são contra a homofobia, etc., mas a prática são piadas como esta (O mesmo apresentador também criticou Espartacus por causa da presença do nu masculino na série tanto quanto existe nu feminino, enquanto elogia Gotham por causa do affair lésbico no passado das personagens Montoya e Barbara, isto é, homem nu não pode, mas mulheres se pegando sim). 
Não duvido que o pessoal do site realmente não enxergue isto como homofobia, mas o que eles não entendem é que ele estava claramente convidando somente homens heterossexuais e mulheres para assinar o canal, como isso não é a exclusão de um público dado sua orientação sexual?  Eles não enxergam, e acredito que nenhum homem heterossexual veria nesta frase discriminação afinal ele foi incluído, somente quem ficou de fora percebe o que aconteceu, mas não devo acusar os membros do Omelete de homofobia, no máximo de falta de empatia, como homens brancos, heterossexuais que vivem em São Paulo é difícil se colocar no lugar do outro.

domingo, 19 de outubro de 2014

Creta: O Ombro de Marfim




Zeus e Apolo não são os únicos deuses creto-micênicos que tem relacionamentos homoeróticos. Possêidon era um deus cretense, como atesta seu papel no mito do Minotauro, era deus dos mares, dos cavalos, dos terremotos, mas em Creta também era deus das tempestades e dos raios, atributo que mais tarde foram dados a Zeus quando a religião se expandiu por toda a Hélade. Na Ilíada, de Homero, ele é o grande deus dos mares já, mas ele também controla as tempestades marinhas e provoca desmoronamentos com seu tridente construído pelos Ciclopes. Os navegantes oravam a ele por ventos favoráveis e viagens seguras, sacrificavam a ele cavalos, mas seu humor imprevisível tornava a água e os terremotos suas armas para expor sua irritação com os humanos, mas também apoiou os gregos grandemente durante o poema sobre a Guerra de Tróia, porém sua vingança contra Odisseu, porque este não prestou-lhe os devidos agradecimentos ao fim dos anos de batalha, levou o rei de Ítaca a ficar perdido no mar por vinte anos, tema da Odisseia. 
Segundo seu mito, ele é filho de Cronos, o tempo, e Reia, a vida. E como seus irmãos, fora engolido pelo pai ao nascer, até que Zeus que por causa de um subterfúgio da própria mãe, pode fazê-lo vomitar as crianças. Segundo Pseudo-Apolodoro, a ordem dos filhos é Héstia, o fogo; Deméter, a terra cultivada; Hera, as mulheres e o casamento; Hades, o senhor dos mortos; e, por último, o rei dos mares. Após seu pai tê-lo vomitado e ser deposto pelo irmão mais novo, Possêidon foi criado entre os Telquines, demônios marinhos, com rostos de cachorro, pele negra e nadadeiras nos pés e sua primeira esposa foi uma deles, Hália. Com esta esposa, ele teve inúmeros filhos de temperamento violento e explosivo, de tal forma que teve que enterra-los para proteger o mundo, foi assim que as ilhas gregas nasceram, cada uma delas é um filho do deus do mar que está aprisionado, mas também teve com ela a linda Rodes, que casa-se com o sol, Hélios. Teve também outros filhos monstruosos, o ciclope Polifemo com Teosa que tentou devorar Odisseu; o gigante Crisaor, que é derrotado por Herácles, com a Medusa; os gigantes Oto e Efialtes nascem de seu caso com Ifimedia.
Uma história interessante sobre Possêidon é que ele seduziu a própria irmã, Deméter, quando esta procurava desesperada a filha, Perséfone, que havia sido sequestrada por Hades. A deusa concedeu seus favores ao irmão em nome de informações sobre o paradeiro da filha, porém, após terem tido sexo, o deus marinho não tinha nada para contar-lhe. Fruto desta união, Deméter teve filhos gêmeos, Despina e Árion, que abandonou logo ao nascer porque não estava interessada em crianças pois ainda vasculhava o mundo buscando sua filha querida. Despina cresceu revoltada com o abandono, tanto da mãe como do pai. E adulta, deusa do frio e do inverno, congela as terras que a mãe cultiva e o mar que o pai ama. 
Casou-se, por fim, com Anfitrite, nereida, filha do Oceano e Tétis, com quem teve um filho, Tritão, o deus dos abismos oceânicos e o grande pastor dos animais marinhos. Mas não sem antes conhecer o amor de um homem. Quem nos conta é uma ode de Píndaro, do século V a.C.:

 Ode Olimpíca, 1 40 ff 
"Ele [Poseidon] apoderou-se-lhe [Pelops], o seu coração louco de desejo, e vos trouxe montado em sua gloriosa carruagem ao alto salão de Zeus quem todos os homens honra, onde mais tarde veio Ganimedes, também, por um amor como, para Zeus."

Pélops era filho do rei da Lídia, na Ásia, Tântalo e Dione. O rei, para testar a onisciência dos deuses, das quais ele zombava, ele matou o próprio filho e cortou-lhe em pedaços e ofereceu-os aos olímpicos como um ensopado. Ele queria com isso provar que eles não eram capazes de saber tudo. No entanto, nenhum deus serviu-se do ensopado, somente Deméter, que estava deprimida por causa da rapto da sua filha, que comeu um pedaço do ombro do jovem, mas ao reconhecer o gosto a deusa, irritada, lançou Tântalo ao Tártaro, condenando-o a viver eternamente em um belo jardim no qual toda vez que ele tentasse aplacar sua sede a água fugiria dele, e quando ele tentasse aplacar sua fome, os ramos das árvores fugiriam ao seu alcance. Os deuses então reviveram o príncipe e recolocaram no pedaço mordido por Deméter, um pedaço de marfim. Belíssimo como ele era, Pelops atraiu o amor de Posseidon que o levou para viver consigo, em seu palácio embaixo do mar.
O mito de Pelops, como o de Ganimedes, evocam a mesma tradição creto-micênica: o rapto dos jovens por seus amantes mais velhos. Contudo o mito de Pelops avisa que ele retorna a vida entre os homens e se enamora de Hipodâmia, filha do rei de Olímpia, Enomau, que tinha matado todos os pretendentes anteriores da filha porque um oráculo havia predito que ele seria morto pelo genro. Enomau fazia todos os pretendentes disputarem com ele uma corrida de biga, cujo perdedor era sempre executado. Sabendo que os cavalos de Enomau famosos por sua velocidade, foi ao deus dos cavalos, seu antigo amante, que o príncipe pediu ajuda. O mito diz que em memória dos regalos de Afrodite que vivera com o rapaz, Possêidon concedeu-lhe cavalos alados que permitiram que ele derrotasse o sogro. Casado com Hipodâmia, Pélops tem dois filhos, Atreu e Crisipo, cujos quais participam da fundação das duas principais histórias gregas que nos chegaram hoje: Atreu é pai de Agamêmnom e Menelau, os grandes reis da Ilíada; e Crisipo é sequestrado por Laio, dando início ao ciclo de Édipo.
O interessante deste mito é perceber que os dons concedidos pelo amante divino tornam Pelops mais indicado para tornar-se um marido aceitável para Hipodâmia, cujo nome significa a senhora dos cavalos. Esta era uma regra comum no mundo cretense, as armaduras, armas, cavalos, galos, taças etc, que eram dados aos jovens por seus amantes, tais presentes (que eram obrigatórios) eram responsabilidade daqueles mais velhos e importantes na vida adulta que os jovens teriam após retornarem a casa de sua família. O sentido iniciático da relação homoerótica ainda se torna mais poderosa quando é somente após deitar-se com um homem mais velho que o jovem se torna adulto de fato e pode então contrair núpcias sendo agora, autorizado, a ter relações também com jovens assumindo as mesmas responsabilidades que seu anterior amante teve com ele.







.

domingo, 12 de outubro de 2014

Dois

A Rua das Virgens, na Ribeira, estava lotada naquela noite de sexta-feira, apesar das nuvens cinzas cobrirem o céu escuro. Mas não parecia que choveria, era somente uma noite nublada. Essas de outono bem comuns. Após a igreja, eu fui para assistir o show de Du Souto com seu samba-jazz-xote-hip hop no Buraco da Catita e seu publico habitual rondava o local. O Centro Cultural Buraco da Catita congrega os natalenses que se consideram a elite pensante da cidade, discutem política e falam sobre arte sentados em suas mesas de madeira bebendo cerveja. Sim, apesar do nome pomposo, não passa de um bar que ocupa uma das ruelas do bairro. Gosto do lugar, do ambiente, e das pessoas que o frequentam: são em sua maioria pessoas inteligentes, artistas, produtores de cinema, músicos, atores, uma parte das pessoas que frequentam a região do porto, a tribo mais madura eu diria. Destoam deles somente aquelas meninas adeptas do hippie chic e estudantes de publicidade heterossexuais musculosos e tatuados. Ah, e alguns caras usando polos com números imensos nas costas, pagando bebida para três garotinhas (falsamente) loiras das quais ele tem esperança de comer pelo menos uma, mas ela só vai dar quando tiver um anel do seu dedo. Eu estava com amigos dançarinos e atores que me definem como artista plástico quando me apresentam a alguém (os quais sempre me envolvem em seus projetos e eu sempre aceito).
Sentamos numa mesa afastada, quando o show acabou, em frente a um albergue e um ateliê de pintura, éramos um grupo grande (que não parava de aumentar) que conversava sobre sexo e relacionamentos, sobre Dilma e Aécio, sobre Almodóvar e revistas em quadrinhos. Uma destas pessoas novas era um rapaz de barba. Ele era másculo, mais alto que eu, com uma barriguinha, nada de corpo saradinho de academia, mas não era gordo. Ele sentou-se ao meu lado e ninguém se deu ao trabalho de nos apresentar, mas isso não nos impedia de conversar normalmente, mas ele me olhava de uma forma diferente. Havia interesse no olhar dele. Era óbvio! Foi quando alguém sugeriu irmos a outro bar. "Lá é mais barato", comentaram. E todos levantaram, o rapaz de barba também, e antes de nos afastarmos da mesa, ele me parou. "Eu queria um beijo seu". Eu sorri. E apesar de lembrar que nem sabia o nome dele, dei-lhe o beijo. Ele me olhava quase implorando, parecia que eu era um cara que ele sempre quis beijar. Foi um único beijo, rápido, e depois nos juntamos aos outros. Ele no entanto se afastou de mim. Eu esperava que ele iniciasse uma conversa, que pretendesse ficar comigo durante o resto da noit e, mas, apesar do olhar ser o mesmo, ele se comportou de forma completamente estranha. Caminhando ele parecia envergonhado, ao chegar no bar sentou-se do outro lado, eu nem vi em que momento ele foi embora, mas dei de ombros. Era apenas madrugada.
Continuamos sentados no bar que da para a praça do teatro, cercados por prédios antigos que devem ser assombrados principalmente por antigas prostitutas do cais, eu sempre paro para admirá-los, são todos lindos, apesar da falta de conservação por parte da prefeitura. O bairro, todo tombado pelo patrimônio histórico do Estado, nunca teve nenhum projeto de restauração dos prédios, é terrível ver como eles correm risco, se eu pudesse, compraria todos e cuidaria deles. Foi perdido em meio a estes pensamentos que percebi que havia chegado ao bar um garoto que havia me adicionado no Facebook mais cedo naquele dia. Ele conhecia um dos meus amigos, o Diretor-de-Teatro, e sentou na mesa dizendo: "Eu te adicionei no Facebook hoje", eu disse que sabia. Ele era lindo, ruivo, com um sorriso fácil e safado, sempre erguendo a sobrancelha esquerda. E foi com este sorriso no rosto que ele se aproximou e me beijou. Bem alto, com pernas grossas e uma bunda linda sob o jeans escuro, ele com certeza não tinha mais que 25 anos. Ao contrário do outro, sentou ao meu lado, e entre piadas e conversas passamos o resto da madrugada ali, entre cervejas e cigarros, com meus amigos. Era, pelo menos, 4h da manhã quando nos recolhemos para nossas casas. Cada um para sua, infelizmente.



PS: Estarei mudando o número de postagens agora para somente uma, semanalmente. Não tenho assunto para postar mais frequentemente, afinal sei que ninguém aqui está interessado em me ver falando sobre meus dias solitários, tentarei manter esta quantidade de posts, se nem isso eu conseguir, talvez seja hora de encerrar o blog.

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Creta: A Masculinidade da Amendoeira

Agdístis é um deus antigo, de origem anatólia, da Frígia para ser mais exato, que foi introduzido cedo na Grécia. Ele era hermafrodita, o que comprova sua origem oriental, pois a existência de deuses com dois sexos não é comum dentro do pensamento religioso nem creto-micênico nem grego. No entanto, seu mito, aquele que chegou a nós, é uma versão tardia. É Pausânias, do século I d.C.; e Ésiquios de Alexandria, do século V d.C., que nos permitiram ter acesso ao conto que fala sobre o amor do deus hermafrodita pelo jovem e belo pastor Atis, inclusive competindo com a grande deusa Cibele.
Conta Pausânias em seu Descrição da Grécia (VII, 17, § 5):

Mas a visão atual sobre Átis é diferente, a lenda local sobre ele ser eunuco. Zeus, diz-se, deixou cair em seu sono  sua semente sobre a terra, (Ésíquios de Alexandria conta outra versão que Zeus teria se apaixonado por Gaia, a terra, e apesar dela não ceder aos seus avanços, ele masturbou-se e lançou sua semente ao chão, engravidando a deusa) que no decorrer do tempo transformou-se em um demônio, (daimon, espírito divino) com dois órgãos sexuais, masculino e feminino. Eles chamam o daimon Agdistis. Mas os deuses, temendo Agdistis, cortaram-lhe o órgão masculino. Do seu órgrão cresceu uma árvore de amêndoa com sua fruta madura, a filha do rio Sangarius, dizem eles, tomou do fruto e o deitou no seu seio, que ao mesmo tempo desapareceu, e ela estava com a criança . Um menino nasceu, e exposto, mas foi cuidado por um bode. Como ele cresceu sua beleza era mais do que humano, e Agdistis se apaixonou por ele. Quando ele cresceu, Átis foi enviado por seus parentes para Pessinos, para que pudesse casar com a filha do rei. Quando o hino a Himeneu era cantado, Agdistis apareceu, e Átis enlouqueceu e cortou os próprios órgãos genitais, assim como ele também quem estava dando a ele sua filha em casamento. Mas Agdistis se arrependeu do que havia feito a Átis, e convenceu Zeus a conceder que o corpo de Átis não deveriam apodrecer e nem desaparecer. Estas são as formas mais populares da lenda de Átis. "

Strabo acrescenta, no entanto, em seu Geografia (3.12-13) que em alguns lugares da Frígia, Agdístis era considerado uma deusa, idêntica a Reia e a Cibele e não um homem que havia sido emasculado. Vejam abaixo:

12 Mas quanto aos Berecintos / uma tribo de Frígios e os Frígios em geral, e os dos Troianos que vivem em torno do Ida, eles também mantêm honras à Reia e adoram-na com orgias, chamando-a de mãe dos deuses e Agdistis, a grande deusa frígia, e também, a partir da lugares onde ela é adorada, Idaea e Dindymene e Sipylene e Pessinuntis e Cybele e Cybebe. 2 Os gregos usam o mesmo nome "Curetes" para os ministros da deusa, não tomando o nome, no entanto, a partir da mesma mítica história, mas considerá-los como um conjunto diferente os "Curetes," ajudantes por assim dizer, análoga à sátiros; e mesmo eles também chamam Coribantes. 
13 Os poetas são testemunhas como eu tenho sugerido. Por exemplo, quando Píndaro, no ditirambo que começa com estas palavras: "Em mais cedo vezes lá marcharam", menciona os hinos cantados em honra de Dionísio, ambos os antigos e os mais recentes, e em seguida, passando a partir destes, diz: "Para executar o prelúdio em honra de Reia, grande mãe, o giro".

A mesma informação é dada em outro trecho (12.5.3) do mesmo livro: 

3. Pessinus é o maior dos empórios naquela parte do mundo, contendo um templo da Mãe dos deuses, que é um objeto de grande veneração. Chamam-lhe Agdistis. Os sacerdotes estavam em tempos antigos com grande poder ali, e colhiam os frutos de um grande sacerdócio, mas atualmente, suas prerrogativas foram muito reduzido, embora o empório ainda perdure na cidade. O recinto sagrado foi construído pelo rei Attalic de uma maneira digna de um lugar sagrado, com um santuário e também com pórticos de branco mármore. Os romanos fizeram o famoso templo quando, de acordo com os oráculos da Sibila, que enviado para a estátua da deusa lá, da mesma forma que fez no caso do de Asclépio em Epidauro, Existe também uma montanha situado acima da cidade, Dindymum, depois que o país foi Dindymene nomeado, assim como Cybele foi nomeado após Cybela. 

Os Curetes ou Coribantes, os sacerdotes tanto de Cibele quanto de Agdístis eram eunucos e o mito de Atis explica isto. Quando Pausânias narra que na presença do deus os homens foram tomados pela loucura e se castraram (Átis e seu sogro), demonstra os ritos em que homens dedicavam sua masculinidade as deusas Cibele, Reia e também ao deus-deusa Agdístis. Ritos comuns na Ásia Menor, mas também Fenícia e Mesopotâmia. Os ritos dos Curetes e Coribantes envolviam música, aos sons de címbalos castanholas e flautas e tambores, eles se apresentavam sempre completamente armados então a dança envolvia lanças que se entrechocavam com escudos de bronze, dançavam em círculos até entrarem em transe, era neste momento que os que iam se iniciar para a deusa ou o deus-deusa castravam-se sentados em uma cadeira no centro do círculo.  Adivinhos, a dança destes sacerdotes (e Zeus é cognominado o "maior dos Curetes") é um rito de fertilidade bem atestado por inúmeros autores antigos, acreditava-se que o sangue que escorre dos homens emasculados, que era recolhido embaixo da cadeira, era capaz de fazer com que terras inférteis possam voltar a produzir. Era também parte dos ritos de Agdístis os rituais orgiásticos em que os fieis faziam sexo com os sacerdotes e sacerdotisas do deus para que através desta hierogamia (casamento com o sagrado) os desejos pudessem ser realizados. 

terça-feira, 30 de setembro de 2014

Sobre Experiências, Traições e Afins

Eu tenho uma curiosidade imensa daqui do meu lado da vida, de onde observo vocês, sabe? O que significa ser traído? Porque eu observo as pessoas e todas temem a traição de uma forma tão intensa, algumas pessoas chegam perto das raias da fobia, porque se esquivam de relacionamentos, de contatos com outras pessoas, ou mantendo relacionamentos superficiais, temendo que um dia possam vir a ser traídas. É um pavor que eu não entendo. De fato, não entendo. Eu sei que o argumento vai aparecer aqui então deixem-me dizer que onde falo, de onde estas questões surgem. Em primeiro lugar, todos sabem que minha experiência com namoros é praticamente nula, somente um que durou seis meses com o Tato (oi, Tato), portanto eu não tenho ideia do que é sentir-se traído e principalmente do sofrimento que isto pode causar em alguém. Minha falta de experiência com o assunto é real e por isso apelo a vocês para que me expliquem, eu não estou brincando, é uma dúvida real. Então, por favor, não respondam que se eu tivesse um namorado eu ia entender. Eu não tenho, e talvez por isso eu não entenda, talvez! Afinal exista a possibilidade que a minha concepção sobre traição seja real, apesar de nunca testada empiricamente.
Minha concepção de vida, filosófica, política, acadêmica formada através dos livros que li (porque, repito, minha experiência com tudo isso é puramente intelectual) em que eu não considero que a posse sobre alguém seja basilar ao amor, isto é, nunca acreditei em minha vida que para eu me sentir amado ou para que eu amasse alguém, eu teria que ser fiel e pertencer somente a uma pessoa. Em teoria, eu seria facilmente adepto do poliamor, nunca fui uma pessoa ciumenta, nunca acreditei que a base de um relacionamento saudável seja a fidelidade e sim a lealdade, e qual a diferença entre os dois? Fidelidade é você nunca se relacionar com outras pessoas, lealdade é você nunca enganar a outra pessoa, você pode ser fiel e nunca ter sido leal (por exemplo, mentindo sobre o trabalho, sobre a condição econômica, etc) e você pode não ser fiel, mas ser completamente leal (como em relacionamentos abertos). Obviamente, eu nunca pus nada disso a prova, afinal meu namoro a distância com o Tato (Belo Horizonte/MG - Cabo Frio/RJ) não é o melhor exemplo dado as inúmeras idiossincrasias que um relacionamento via MSN tem per si
Lembro também dos grandes traidores que eu conheci em minha vida, meu irmão mais velho e agora o Le Garçon Blond, (citarei apenas dois exemplos, mas não que eu não conheça outros mais), estes são sempre assombrados pelo fantasma da traição. Toda conversa sobre relacionamento com o Le Garçon sempre termina com ele falando sobre fidelidade e ele demonstrando que não confia em ninguém. Meu irmão mais velho perseguia suas namoradas e queria saber onde elas estavam o tempo todo porque ninguém poderia enganá-lo. Mas ambos traem continuamente as pessoas com quem se relacionam. É outra dúvida: pela minha experiência intelectual parece haver uma ligação entre aqueles que mais traem e aqueles que mais tem medo de ser traídos, isto procede ou minha amostragem está viciada? Eu inclusive conheço dois casos de pessoas que sempre traíram e temiam absurdamente serem traídos que ao casarem-se e finalmente dedicarem-se realmente a uma vida fiel perderam o medo de serem traídos também. Então, esta lógica faz sentido?
Estas perguntas são porque eu vejo este medo irracional das pessoas e eu fico aqui pensando comigo: por quê? Dói tanto assim que a pessoa prefere se privar de tudo o de bom que um relacionamento traz (companheirismo, amizade, sexo, amor, felicidade) por causa de uma possibilidade que pode vir a não se realizar? Ou estas pessoas tem um concepção de amor errada (afinal amar algumas pessoas eu já amei mesmo, uma única vez correspondido de 3), elas sentem que a precisam possuir a pessoa e é este sentimento que quando é rompido dói tanto, como quando uma criança mimada não tem aquilo que quer? É o ego magoado que dói tanto? Uma vez me disseram que se eu tivesse vivido estes amores que tive em sua completude, isto é, se o namoro com o Tato não tivesse sido a distância, ou se o Anjo em Belo Horizonte ou se o Menino Bonito aqui em Natal tivessem correspondido aos meus sentimentos eu não pensaria deste jeito. Será? Fico com minhas dúvidas, será que vocês podem ajudar-me?

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Preconceito Bipolar

Tem coisas neste nosso mundo gay que eu não entendo como ainda acontecem. A gente está ai, quase na segunda década do século XXI, e eu ainda tenho que escrever texto sobre o preconceito que homens gays tem dos bissexuais. Sabe?, para mim, é simplesmente absurdo, tanto quanto a homofobia internalizada e o preconceito contra efeminados, os motivos são tão óbvios que devíamos estar focando em combater o porque disto existir e não gastar tanta energia repetindo discursos comprados. Último dia 23 foi o Dia da Visibilidade Bissexual, o dia foi criado em 1999, por três ativistas dos direitos bissexuais nos Estados Unidos, eles alertavam que depois de Stonewall, a comunidade gay e lésbica havia crescido em força e visibilidade política, enquanto o mesmo não havia acontecido, na mesma proporção, com a comunidade bissexual. Em muitos modos eles ainda continuavam invisíveis sobretudo porque quando vê-se um casal andando de mãos dadas tacha-se logo que os membros são ou héteros ou gays, dependendo do gênero que percebe-se das pessoas, nunca imagina-se que algumas daquelas pessoas possa ser bissexual. O evento foi concebido como uma resposta ao preconceito e a marginalização que pessoas bissexuais sofrem tanto das comunidades hetero como gay.
Repete-se, sobretudo no mundo gay, que os bissexuais são pessoas indecisas. Que não decidiram e que precisam fazer isto. A origem deste preconceito é bem clara, na verdade. Muitos meninos gays adentram na vida homossexual assumindo uma imagem bissexual porque acreditam que assim, entrando aos poucos, digamos, eles são menos gays. Acreditam eles que por mais que se envolvam com homens, na verdade eles gostam mesmo é de mulher, e conseguem, nesta fase de transição, aceitar o rótulo de bissexuais, afinal estes são ainda homens de verdade porque esta terrível categoria (e isso é deliciosamente irônico) é sempre aquela definida por causa das mulheres que existem em sua vida. O preconceito gay se baseia neste personagem: o homem gay cheio de preconceito contra si mesmo que assume o rótulo de bissexual para ser menos gay. Este problema existe, é real!, e precisamos lidar com ele ao discutir o preconceito homossexual com este grupo com o qual dividimos nossa sigla política. Para boa parte da população gay, todo homem bissexual é na verdade um homossexual que está enganando sobretudo a si mesmo. 
Mas a realidade é muito mais complexa. Não existem somente estes dois blocos antagônicos de sexualidade, a heterossexualidade e a homossexualidade. Citando a escala Kinsey, entre os dois estava exatamente a bissexualidade. Existem pessoas sim que se interessam por ambos os gêneros e que não estão mentindo para si. Existem homens e mulheres que se sentem atraídos tanto pelo seu mesmo gênero quanto ao seu oposto. Eles existem e cabe a nós aceitá-los, mas também cabe a nós criar um ambiente livre de homofobia que não faça com que um homem gay se sinta mais confortável definindo-se como bissexual do que como gay, que ele se sinta mais seguro mantendo uma relação com mulheres somente para não sentir-se um não-homem. É necessário para combater o preconceito contra bissexuais combater a definição de homem, raiz da homofobia, que define este ente como aquele que tem relações sexuais com mulheres. Quanto mais distanciarmos a definição masculina desta relação sexual com o gênero oposto (o que também causaria uma bem-vinda redefinição do que é ser gay para além do ato sexual)  e também afastarmos a imagem negativa dos gays e lésbicas, os jovens não precisarão utilizar o rótulo bissexual para suportar a sua transição de saída do armário. 
Toda a questão se resume, principalmente quando pensamos na invisibilidade bissexual (questão que eu não imaginava que existia, mas faz muito sentido), a uma definição que é absolutamente necessária para que abracemos a diversidade sexual humana com toda a sua gama de possibilidades. Desde já temos que ter a consciência que o fato de um homem fazer sexo com outro homem, namorá-lo ou mesmo amá-lo não o faz necessariamente gay, como o fato de um homem fazer sexo com uma mulher, namorá-la ou amá-la não a faz heterossexual, porque ser gay, ser hetero ou ser bissexual precisam ser definidos para além da relação que a pessoa tem com outras pessoas, isto é, para além de um rótulo externo, para serem definidos, em contrapartida, para as identidades que construímos interiormente. Somos gays, heteros ou bissexuais porque nos identificamos assim, esta identidade sexual, como a identidade de gênero, não podem ser construídas através de símbolos externos. Tendo esta consciência é preciso adotar o exercício de somente definir pessoas depois de conhecê-las realmente, o problema do preconceito é que ele sempre pressupõe coisas antes de realmente perguntar e isto sempre causará problemas. Precisamos de parar de ter preguiça para conhecer as pessoas no lugar de jogá-las dentro de nossas gavetinhas de gays, heteros ou bissexuais, somos mais do que isso, felizmente!








terça-feira, 23 de setembro de 2014

Le Garçon Blond (prendre trois)



Foxx: Ah, por falar em sexo, tô comendo Le Garçon quando ele tem vontade de sexo. Funciona assim: ele me liga quando dá vontade, dá e depois vai embora.
Rodrigão: (risos) Aquele que o namorado fez um escândalo? 
Foxx: Sim, aquele.
Rodrigão: Para quem não queria mais saber de homem, 'tá comendo bem você hein?
Foxx: Ah, eu estava na secura, precisava de alguém para descarregar esta energia. 
Rodrigão: (risos) Acho que você está certíssimo! Descarrege mesmo! Encha o cara da sua energia.
Foxx: Eu não o procuro, sabe? Quando ele quer, ele vem, e não existe nenhum envolvimento meu com ele.
Rodrigão: De fato, uma forma boa de você não se envolver é deixar que ele te procure... mas e o namorado dele?
Foxx: Até onde eu saiba, sobre o namorado, eu acho que terminou depois do escândalo, porém eu sei que ele está conversando com mais cinco outros caras, porque ele acha que eu não vejo as mensagens que ele responde chamando os caras de "amor" na minha frente pelo WhatsApp... ele, de fato, se acha o grande cafajeste do mundo. O bichinho ainda tem tanto o que aprender nessa vida.
Rodrigão: Ele é novinho...
Foxx: É, tem 19 anos apenas. 
Rodrigão: É uma criança... Mas e daí? Deixa ele ser jovem, deixa ele ter 19 anos, nada como ser desejado por um garotão que tem uma bundinha linda.
Foxx: A mais gostosa! E sim, eu concordo, que ele é uma criança, mas não vejo problema nenhum nisso não.
Rodrigão: Ele é um ordinário, mas que mau tem para você né? Ele que vem atrás! 
Foxx: Ah, Rodrigão, eu não vejo problema nenhum! Porque meu único objetivo com este relacionamento é apenas gozar na bunda dele mesmo. 
Rodrigão: Sim, sim, esse é o objetivo. Então coma, farte-se e pronto.
Foxx: Se eu não me iludo com a ideia de que ele pode vir a gostar de mim, não há como haver problema. Só haveria sofrimento se eu ainda sonhasse que é possível alguém vir a me amar, quando eu não pressuponho que isto possa acontecer, eu nunca sofro. Mesmo se eu me apaixonar, não espero, em hipótese alguma que ele venha a nutrir algum sentimento por mim. Eu sirvo apenas para matar a carência e o tesão dele quando surgem, ele cumpre para mim basicamente o mesmo sentido.
Rodrigão: É que ele é um moleque, também não é? Não é um cara apaixonante.
Foxx: Não, Rodrigão, eu que não sou.



sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Creta: Os Amores Perdidos

Um dos poemas mais importantes dedicados a Apolo é o Hino Homérico. Os hinos constituem de uma coletânea reunida durante a época helenística de 33 poemas, escritos em hexâmetros e dirigidos a um deus. Segundo Luiz Cabral, a maioria é proveniente do século VII a.C., mas alguns são mais recentes. Seu autores denominavam-se aedos, cantores, que dedicavam-se a atividade nômade de cantar os poemas pelas diversas cidades gregas, participando de competições musicais no contexto das festas religiosas. Como funcionava entre os aedos, havia um modelo de hino que compreendia uma fórmula inicial (a invocação ao deus e a declaração de quem é o poeta), seguido por um mito curto ou extenso e uma fórmula final (com a despedida e o kairé, adeus, ao deus). É importante também saber, e os estudiosos sobre os Hinos Homéricos demoraram para entender isto: estes poemas foram escritos para serem cantados; são canções que eram apresentados ao vivo para uma plateia formada por nobres guerreiros e suas famílias. Isto é de extrema importância para entendê-los.
Na primeira parte do Hino, o aedo descreve o nascimento de Apolo em Delos até sua apoteose em Delfos. Começa com o deus já adulto, entrando no Olimpo, como arqueiro sublime, que inspira temor a todos. Leto, sua mãe, é quem o recebe e o conduz para seu lugar entre os imortais, enquanto é recepcionado pelo rei dos deuses, Zeus. Depois o cantor descreve suas circunstâncias do nascimento divino, conta que Leto, filha do titã Ceos, foi amada por Zeus e grávida foi perseguida pela rainha dos deuses, Hera. Conta da peregrinação da deusa para parir as crianças gêmeas, Apolo e Ártemis, do abrigo na ilha Ortígia, do juramento em nome do Rio Estige de consagrar a ilha em nome de sua filha, e depois em Delos em que a deusa promete consagrar a ilha ao deus. Conta do parto de nove dias e nove noites para o nascimento de Apolo, da assistência das deusas Dione, Reia, Icneia, Têmis e Anfitrite e também da jovem Ártemis, até a chegada da deusa dos partos, Ilítia, que Hera havia proibido de sair do Olimpo para acudi-la. O poeta também canta que ele fora então banhado pelas deusas, envolto em faixas e ornado com uma coroa de ouro, e antes de mamar, tomou o néctar e comeu a ambrosia das mãos de Têmis, ganhando assim sua imortalidade. Conta o hino que ele imediatamente tornou-se adulto, libertou-se de suas faixas, e bradou reivindicando o seu arco, e declarou-se porta-voz da vontade de Zeus, refulgindo sua luz.
A segunda parte do hino, ou Sequência Pítica, Apolo está no Olimpo, tocando sua lira e presidindo o coro das Musas. Canta-se também como ele percorre a Terra, fundando seu culto, tentando estabelecer um oráculo em Telfusa, outro nas encostas do monte Parnaso, na cidade de Delfos, também a morte do monstro Tífon e da serpente Píton. Em seguida, começa a procurar seus primeiros sacerdotes, disfarçado de delfim, capturou um navio vindo de Cnossos, em Creta, e levou-os para seu templo em Delfos, onde impôs-lhes obediência, prescrevendo os rituais que deveriam ser realizados e ensinando-lhes seus oráculos. Profetizando: "Outros homens, depois desses, como líderes tereis./ E com a força deles, obedientes heis de ser" (v. 542-543). Por ter se revelado a eles como delfim, era invocado aqui sob o epiteto de Apolo Delfínio. Explica Luiz Cabral que esta referência é o testemunho de uma conquista insular da Grécia, da invasão dos cretenses no continente.
O Hino ao deus que representa o modelo do ideal grego é de uma imensa complexidade, afirma Luiz Cabral que inúmeros detalhes são enigmáticos e a data e o objetivo da composição ainda são motivos de controvérsia. O poema afirma-se como obra do homem cego de Quios, isto é, Homero ("Moças, qual é para vós o mais doce dos aedos/ que sói aqui vos visitar, e qual mais vos delicia?/ Vós todas, unânimes, respondei com distinção:/ 'É o homem cego, que habita a pétrea Quios;/ pois são seus cantos sempre os mais exímios'.",  verso 169-173), o que o historiógrafo grego Tucídides e o poeta Aristófanes confirmam, mas acredita-se que sua fixação definitiva de obra do rapsodo Cinetos de Quios, escrito entre 504-501 a.C., publicando-a em Siracusa como se o texto fosse de sua própria autoria. A canção apolínea é a mais antiga da coletânea, e sua primeira parte, chamada de Hino Délio, costuma ser considerada a primeira a ter sido composta, ainda no século VIII a.C..   
Neste poema, o poeta não se esquiva de relatar os amores que o deus pítio teve com homens que Luiz Cabral, o maior especialista brasileiro no tema, chama de "identificação com os jovens". Ele canta: 


"Entre elas, Ares e o vigilante Argifonte
dançam, enquanto o Puro Apolo a lira pulsa,
com passadas altas, gráceis, se movendo; à sua volta,
flâmeo fulgor: fulgem-lhe os pés e a túnica impecável.
Leto de tranças áureas e Zeus sagaz
alegram o nobre coração ao contemplarem
o caro filho a dançar entre os deuses imortais.
Como hei de celebrar-te, a ti, que louvam tantos hinos?
Devo cantar-te em tuas conquistas, em teus amores,
como vieste a cortejar a Azântida donzela:
junto com Ísquis, filho do teossímil Elato, hábil equite?
ou junto com Forbas, da tribo de Tríops, ou com Erecteu?
ou com Leucipo, ou com a esposa de Leucipo...
(...)"
v. 200-214.

Infelizmente falta uma parte do poema, que complementa esta lista. É possível que o texto tenha sido censurada por algum leitor cristão séculos depois, chocado com o que ele poderia entender como licenciosidade. Não sabemos, mas é comum em textos antigos encontrarmos ele cheio de lacunas, não seria também impossível que o papiro somente tenha estragado exatamente nesta parte, afinal não sobram muitas cópias para que possamos compará-las. Existem inúmeros poemas gregos que nos restam apenas duas ou três linhas por causa disso. Salvaram-se então três amantes do deus no Hino: Forbas, Erecteu e Leucipo.
Mas é necessário explicar os nomes que aparecem nesta lista: "como vieste a cortejar a Azântida donzela:/ junto com Ísquis, filho do teossímil Elato, hábil equite?", fala sobre a história de Corônis, em que ela, temerosa que o deus a abandonasse quando ele começasse a envelhecer, casou-se com Ísquis causando o ciúme mortal do deus; "ou junto com Forbas, da tribo de Tríops," fala sobre o mito do filho de Triopas e Hiscila, herói da ilha de Rodes: quando o povo da ilha de Rodes foi vitima de uma praga de serpentes (em algumas versões, de dragões), um oráculo avisou que eles procurassem a ajuda de um homem chamado Forbas; este, amado por Apolo, havia recebido o dom de combater as serpentes e limpou toda a cidade, recebendo veneração da ilha pelos ródios como herói. Após sua morte, o deus para render-lhe homenagem elevou-o aos céus na forma da constelação de Serpentário ou Ophiuchus, tornando-o imortal. 
As duas últimas citações comportam-se de forma distinta porque não chegaram a nós os mitos aos quais elas fazem referências. Este é um problema comum a história, nem tudo do passado chega até nós. Vejam: sobre "ou com Erecteu?", fala sobre um dos primeiros reis de Atenas, filho de Pandion e Zeuxipe, neto de Erictônio, o filho de Hefestos e Gaia, a própria terra. Apesar desta citação, não chegou a nós também nenhuma referência sobre algum caso amoroso entre o príncipe ateniense e o deus, existe uma relação entre Creúsa, filha de Erecteu, que é possuída por Apolo e tem um filho, Íon, porém a expressão "he ama" que aparece tanto para a donzela cortejada como com Forbas, repete que a relação deveria ser com o próprio rei ateniense não com a filha deste. Em "ou com Leucipo, ou com a esposa de Leucipo...", a expressão se repete, apesar de haverem cinco heróis com este nome, não nos restou nenhum mito que conta sobre uma relação entre Apolo, um herói e sua esposa. Infelizmente, estas duas belas histórias foram perdidas.



    terça-feira, 16 de setembro de 2014

    Contra-producente

    Estávamos no Casa Nova, era uma sexta a noite e nos encontrávamos cercados da fina flor da sociedade gay natalense. Já falei deste bar antes. Caro, em que os viados desta exercitam o esporte que mais gostam: exibir o quão bem sucedidos são. Deve ser falta de auto-estima precisar tanto despertar inveja nos outros. Seu sucesso só existe se outros o cobiçam.  Eu com certeza devo soar muito diferente de todos eles ao ter consciência de meus fracassos. Eu estava acompanhado de um amigo que conheci em Belo Horizonte, ele estava aqui a trabalho e nos encontramos ali para conversar.
    - Esse aí é o meu tipo.
    Apontou meu amigo. Era um cara maduro, por volta de 40 anos, imaginamos. Com o corpo musculoso, mas não olhava para nós. De fato, muito bonito. E ele perguntou:
    - Qual o seu tipo, Foxx?
    - Ah, eu lá tenho tipo! Se gostou de mim, eu gosto dele. Sou bem eclético para dizer a verdade. Porém, é mais comum eu ficar com garotinhos, meninos novinhos entre 18 e 25 anos, é o tipo de homem que normalmente se interessa por mim. Eu não tenho vergonha de admitir...
    Ele bebia cerveja interessado no que eu dizia. Eu continuava.
    - Eu fico com os homens que querem ficar comigo. Eu tenho um tesão bem grande, por exemplo, por loiros, mas a maioria de homens que eu fiquei são negros. Inclusive, meu único namorado. 
    - Pois eu gosto de caras mais velhos, e também com barba, esse rosto másculo me deixa excitado.
    falou meu amigo mineiro sorrindo para o cara na outra mesa. 
    - E você sabe que seu tipo atrai normalmente homens mais velhos não é?
    - É?
    - Sim, você tem cara de garotinho!
    - Ah, mas eu uso barba exatamente para aparentar ser mais velho.
    - Não 'tá funcionando, amigo! 
    - Não?
    Rimos juntos. 
    - Não! E assim... obviamente não é todo homem maduro que gosta de garotinhos... mas os que gostam de homens mais velhos não vão olhar para você. Não com essa cara de 19 anos que você tem. Sinceramente, acho que você tem que investir neste nicho: homens mais velhos que gostam de garotos mais novos. Investir em ser esse garoto mais novo, já que você foi abençoado com este presente da eterna juventude. 
    Ele sorriu para mim. Eu continuei falando:
    - Outra coisa: usar barba é totalmente contra-producente!
    Ele riu alto e tomou um gole de cerveja.

    sexta-feira, 12 de setembro de 2014

    Le Garçon Blond (pendre deux)

    Sabendo que ele tinha namorado, continuei conversando com ele. Ele sempre me dizia coisas como que queria encontrar alguém para namorar, que era um rapaz sério e eu fingia que acreditava nele. Dava corda apenas. E ele falava, notei que este era o jogo dele. Ele gostava de me fazer sonhar com ele, gostava de me fazer acreditar que ele era o cara perfeito. Ele conversava sempre comigo no fim da noite, aparecia sempre domingo, ou seja, era nos momentos que ele estava carente por algum motivo que ele queria ouvir que eu estava interessado nele, que o desejava, que o achava bonito. Mas o problema destes cafajestinhos é que eles acham-se inteligentes demais e acabam por cometer pequenos erros. E, um dia, eu recebo uma mensagem pelo Whatsapp: "Ei, você é um antigo namorado do Garçon? Pois saiba que nós agora estamos namorado, eu pediria que você deixasse de mandar mensagens para ele". Eu gargalhei sozinho, ao ler. Recortei nossas mensagens mais antigas, na qual ele fala que era solteiro. E enviei para o tal namorado. Enfatizando a data e dizendo: "O que ele me contou é que era solteiro". Ele respondeu dizendo que não acreditava. Sou muito paciente, para dizer a verdade, e escrevi: "Olha, meu amigo, você tem todo o direito de não acreditar, mas quem está sendo traído aqui não sou eu, ok?". E mandei mensagem para ele. "Seu namorado acabou de mandar uma mensagem reclamando de eu escrever mensagens para você. Você achou mesmo que poderia nos enganar? kkkkkk". Ele, obviamente, não teve coragem de responder.
    Pelo menos não por duas semanas. No Facebook, pelo menos, o namoro havia acabado. Foi a primeira coisa que eu olhei antes de sequer responder sua mensagem pelo WhatsApp. "Menino, o que foi aquilo do seu namorado?". Ele começou a mentir. "Ele não era meu namorado, é um maluco que acho que gosta de mim, ele pediu me celular emprestado e viu nossas mensagens e ligou para você". Eu, simplesmente, não acreditava que ele estava mentindo com tanta cara de pau. Ele demorou duas semanas para inventar essa desculpa? Não falei sobre a rede social, era uma excelente fonte de informações, que ele poderia controlar se eu comentasse. Eu imaginei que ele deveria estar solteiro agora, mas seu comportamento não mudava em nada. Continuava falando sobre ser um homem sério, que estava procurando um relacionamento para casar, e me convidou para sair. Na verdade, sabendo que eu morava sozinho, convidou-se para fazer-me uma visita em um sábado a tarde. Disse-lhe então: "É sério que você não tem namorado? Eu não fico com caras que tem namorados, entende?". Ele jurou. "Cara, sou solteiro sim. Não tenho namorado!". Eu sabia que era mentira, mas resolvi aceitar. "Tá, aparece ai, que horas você quer vir?".