Google+ Estórias Do Mundo: Ódio Praieiro

Páginas

domingo, 7 de dezembro de 2014

Ódio Praieiro

A praia da Pipa fica a, mais ou menos, duas horas ao sul de Natal, a precisamente 90,4 km de distância da capital, e é um pequeno distrito de Tibau do Sul que já foi vila de pescadores e agora reúne turistas europeus, hippies anacrônicos de toda a América Latina e uma atmosfera de resort mediterrâneo ou do filme Mamma Mia com a Meryl Streep (você escolhe a referência). As praias paradisíacas emolduradas por falésias coloridas, Mata Atlântica e saltos de golfinhos tem um único grande defeito: ela é, sem sombra de dúvida, a região mais antipática aos gays de todo o Rio Grande do Norte. É como uma ilha de heterossexualidade, o seu último reduto, no Estado dos índios bravios.
Avisei a Ronnie sobre isso, mas ele não acreditou. Ronnie é um amigo mineiro que agora vive na Bahia e me visitava por causa de um congresso, chegamos juntos a praia em uma noite de quarta-feira, era, de fato, um dia péssimo, mas ele queria aproveitar o que dava já que retornaria a terra de todos os santos ainda no fim da semana. Mas, apesar de ser quarta, havia muitos turistas, tanto brasileiros (ouvimos muito o sotaque paulista e carioca) e estrangeiros, muitas belezas também, dos tipos importados e nativos, mas nenhuma paquera ou olhares. Ronnie se decepcionou, mas como eu disse, parece que em Pipa é necessário deixar sua homossexualidade lá na entrada do vilarejo.
"Sério que eles não fazem?", ele perguntava. Eu contei-lhe que anos atrás tentaram abrir uma boate gay por ali e entre pichações com palavras de ódio e ordens para que deixassem a praia, um incêndio criminoso cujos autores nunca foram encontrados destruiu a boate na noite da inauguração. Eu conhecia as donas, na época, e elas fugiram apavoradas. E, sinceramente, seria um imenso acréscimo a noite de Pipa que, atualmente, não passa de uma rua estreita, com bares de música ao vivo, restaurantes de comida italiana  e creperias (nunca vi tantos concentrados em um espaço tão pequeno) e alguns poucos de comida regional. Conta-se de uma mítica boate, Calango's (sim, com apóstrofe, Natal sofreu uma praga que impregnou todos os nomes de casas noturnas e motéis com esta moda), que nunca saiu da década de 1980. E só. Não há muito o que fazer por lá.
Claro que durante o dia sempre podemos aproveitar a praia. Aproveitar as belas paisagens naturais, o mar intensamente verde e o sol que brilha sem trégua e, por trás dos nossos óculos escuros, observar os corpos dos surfistas tostando ao sol, dos nativos que nos servem cerveja barata nos bares com os pés na areia e camisetas coladas (obviamente nós escolhíamos os bares pela beleza dos garçons) e os turistas europeus que desfilam seus corpos em sungas minúsculas (Deus abençoe os italianos!). Também é possível aproveitar as aulas oferecidas por alguns dos nativos de surfe, standing up surfing e capoeira, curtir as pousadas e albergues ou aproveitar uma rede, inúmeras latas de cerveja e uma roda de amigos numa casa de praia. Você só não pode ser abertamente gay. Ai não pode.

10 comentários:

  1. Nossa, bem já fui para esta praia quando era bem adolescente! Bom, naquela época não tinha intenção nenhuma de estar em um ambiente gayfriendly, não tinha maturidade para isso. Mas é bom saber detes detalhes...

    Beijo!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Não sabia que você já tinha vindo ao RN, moço. Tem que voltar, mas sem ir a Pipa.

      Excluir
  2. Neste contexto, BH se salva ... felizmente ...

    Beijão

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. ah, em relação a qualidade de vida da população gay, Paulo, BH é sim uma das melhores cidades do país.

      Excluir
  3. Anotado.
    Homofobia e exibicionismo mal disfarçado...
    Sei não, combinação meio explosiva, ou apenasmente hipócrita...

    Beijos!

    ResponderExcluir
  4. Respostas
    1. Imenso.
      E uma grande burrice por excluir um publico que gasta muito.

      Excluir
  5. Eu me encantei com a descrição da praia, mas não compreendi se é um local declaradamente preconceituoso ou simplesmente não é o mais apropriado para quem curte a vida notura, azaração, etc, característico dos gays. Os nativos e frequentadores repudiam a badalação, o gay ou ambos? Muito tempo não passava por aqui. Adorei a postagem. ;)

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Os nativos colocaram fogo na boate pq ela era gay, Junior, não porque era uma balada.

      Excluir

" Gosto de ouvir. Aprendi muita coisa por ouvir cuidadosamente."

Ernest Hemmingway