Google+ Estórias Do Mundo: fevereiro 2013

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quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

A Dúvida Que Me Corrói



Sou um homem de poucas dúvidas na minha vida. Sempre tive muita certeza daquilo que eu era ou o que queria. Mas ultimamente eu tenho pensado muito em duas opções para minha vida que são antagônicas. Tenho ouvido na verdade muitos conselhos que afirmam categoricamente que eu estou errado, e são críticas de pessoas tão distintas uma das outras que eu começo a duvidar se estou certo. E tudo culminou, no sábado passado, quando sentei novamente em frente aquele pedaço de tecido onde meu amigo jogou as pedras das runas e, para falar da minha vida amorosa, aconselhou: "abra-se, pegue, mas não se apegue". 
Eu fiquei abalado com isso. Se quando até os deuses nórdicos me mandam sair por ai pegando e que eu não me apegue a ninguém que passe por mim, minhas crenças de que estava fazendo o melhor para mim ficaram um tanto abaladas. Que fique claro, eu não fico com as pessoas atualmente porque eu não dou em cima como eu dava antes, de chegar para conversar numa balada e tal, vê-se inclusive que nas poucas vezes que fiz isso ano passado, normalmente, eu fiquei com os meninos que eu cobiçava, mas o resultado final, em todos os casos, foi o mesmo, mesmo dando em cima e pedindo o telefone depois, as pessoas não se interessavam por nada mais além daquilo que já havíamos tido, principalmente após eu afirmar categoricamente que eu só fazia sexo depois de estar namorando. Como as pessoas se interessavam apenas por um beijo na balada ou uma noite de sexo com um semi-desconhecido, nenhuma delas voltou a falar comigo (temos a exceção do Fernando no qual eu omiti a parte sobre o sexo, mas aí fizemos sexo mesmo sem estar namorando e ele sumiu, como todos os outros, afinal era o único interesse dele).
Mal consigo escrever sobre este assunto dado minha confusão aqui. Eu, em resumo, não sei se devo manter minha política atual de não me envolver com ninguém. Evitar beijos e sexo com semi-desconhecidos. Ou se devo recriar o Heitor Renard, e fazer sexo com pessoas por aí sem fazer nenhuma conexão com elas além da física. O primeiro me faz mal, de fato, porque me afasta das pessoas, é uma realidade mesmo, diminui as minhas possibilidades de encontrar alguém, contudo a segunda opção é, no mínimo, repugnante para mim hoje em dia. Não critico ninguém que se relaciona com pessoas somente sexualmente, não é falso puritanismo, mas, até pouco tempo atrás, eu tinha crises de pânico só de me ver numa situação parecida como uma sauna ou o dark room, eu ficava apavorado. Hoje eu controlo esse sentimento, consigo entrar numa boate ou ir a uma casa de praia e ver todas as pessoas se pegando sem sair correndo do lugar imediatamente com falta de ar, no entanto, como o sexo com o Fernando provou, eu me senti muito mal por ter feito sexo com alguém que eu nunca mais verei de novo. Não deixei de ficar com homens porque eu deixei de acreditar que poderia encontrar alguém no meio da multidão que fosse capaz de gostar de mim, isso aconteceu depois, eu deixei de ficar com homens porque aqueles relacionamentos fracassados me magoaram profundamente. Vale a pena me apresentar de novo neste jogo mesmo sabendo que o resultado continuará sendo o mesmo: ninguém vai querer ficar comigo (afinal as próprias runas já avisaram que eu não devo me apegar)? Vale a pensa aceitar as esmolas como se fosse a única coisa que eu mereço?
Não sei nenhuma dessas respostas. Não sei o que fazer. Eu queria muito que alguém surgisse e me arrancasse desse círculo infinito, mas quais são as chances disso? Estou aqui, igual a Alice, não sei qual o melhor caminho a tomar.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

O Que Todo Cidadão Gay Precisa Saber



Vamos falar de política? Marina Silva e Heloísa Helena estão agora fundando um partido novo que tem como nome provisório Rede Sustentabilidade, no entanto, além de lançar uma nova moda para o nome dos partidos políticos brasileiros vejo nas duas um mais do mesmo entre os políticos brasileiros que sinceramente não me anima a votar. Para quem não lembra, ambas foram candidatas a presidência em 2006, Marina Silva repetiu o feito em 2010. As duas são egressas do PT e saíram em épocas diferentes, Heloísa Helena ainda durante o governo Lula (em 2003) em protesto ao que chamaram de "políticas econômicas neoclássicas" e Marina Silva (em 2009) desgostosa em relação ao desenvolvimento sustentável do país. Marina se uniu ao Partido Verde, então; Heloísa Helena ajudou a fundar o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL).
Quando ambas se candidataram em 2006 eu pesquisei melhor sobre elas para ver o que elas prometiam em suas plataformas políticas. Afinal, como historiador que sou, é-me impossível votar em tucanos, havia algumas possibilidades de esquerda: Dilma com o PT, Marina com o PV e Heloísa com o PSOL. A primeira vista parecia uma excelente situação para qualquer pessoa que estava cansado de ver o governo brasileiro nas mãos constantes da oligarquia cafeeicultora paulista, contudo a análise mais superficial fez com que Dilma se tornasse, não a melhor opção, mas a única opção. 
Marina Silva foi a primeira que os movimentos LGBTs procuraram em busca de que ela tomasse alguma posição clara sobre políticas específicas para esta minoria. Ela fugiu da raia. Lembro perfeitamente de como militantes gays praticamente armavam tocaias para surpreendê-las e arrancarem afirmações, até que alguém conseguiu empurrar uma bandeira do arco-íris e Marina Silva afastou de si como se tocada pelo próprio demônio. A máscara então caiu. Evangélica, a candidata do Partido Verde estava muito mais preocupada com a salvação de sua alma ou com os votos de uma parcela extremamente conservadora da população para assumir qualquer compromisso com a comunidade gay. Marina, no entanto, foi obrigada a tomar uma posição que fosse e ela saiu com a bendita ideia de um pebliscito: a proposta de Marina Silva era que os direitos reinvindicados pela militância gay como proteção contra ataques de natureza homofóbica e discriminação de qualquer tipo; casamento civil igualitário e todos os direitos que advém do casamento, sendo, especificamente, a adoção de crianças por casais gays, fossem todos decididos por meio de uma votação "democrática". 
O problema da democracia é que ela não é o governo do certo, é o governo da maioria. Vamos criar uma suposição aqui: digamos que Silas Malafaia ou Marcelo Crivella conseguissem passar uma lei que propusesse um plebicito no qual todos os gays do país seriam deportados. Digamos! Isso, de fato, não é algo certo ou correto, expulsar alguém do seu próprio país, no entanto se o pleito tivesse um resultado positivo a proposta ela seria cumprida com a força da lei. E, como os gays, as pessoas que seriam prejudicadas diretamente, são uma minoria, e também são minoria os heterossexuais que apoiam cidadãos gays, o resultado final deste sufrágio seria, provavelmente, a aprovação com ampla maioria. Nestas situações, cabe ao Estado, não expôr a minoria a os leões democráticos, e sim protegê-la para que ela possa ter direitos iguais apesar de ser menor. 
Já Heloísa Helena deu mais sorte. Como a ex-ministra Marina era uma candidata mais forte, a militância gay correu para ela; mas ao ver que esta tinha as raízes dentro da neopentecostalismo, voltou-se para a terceira opção de esquerda, a professora, senadora de Alagoas, Heloísa. Contudo a bomba do aborto explodiu, jogada por Serra, tentando desestabilizar a campanha de Dilma. O assunto então esfriou e a pauta se voltou ao movimento feminista e a legalização do aborto. Em entrevista ao Jornal da Globo, em 31/08/2006, Heloísa Helena foi perguntada sobre o aborto e respondeu que era contra, dizendo: "Se alguém acha que ser de esquerda ou ser feminista é ser favorável ao aborto, então não me incluam, os aborteiros do país, na estrutura da esquerda". Isto apesar do programa do PSOL ser claramente a favor do descriminalização do aborto, programa este que Heloísa Helena ajudou a montar, afinal ela é uma dos seus fundadores. Sobre as políticas gays, no entanto, não houve nenhum registro, nenhuma manifestação positiva ou negativa, da parte da senadora, porém muitos disseram que ela era favorável porque também no programa do partido diz: "Combate à homofobia e à discrimianção e repressão policial e social motivadas pela opção (sic) sexual dos indivíduos". Evangélica, no entanto, motivo pelo qual a fazia ser contra as regras do partido sobre o aborto, ficou difícil para mim acreditar que ela também, por causa de sua posição religiosa, também não pudesse esquecer este trecho do programa partidário.
Agora em 2013, então, Marina Silva e Heloísa Helena abandonam seus respectivos partidos para fundar uma nova sigla. A Rede Sustentabilidade nasce num momento em que elas novamente se vêm em conflito com os partidos. Marina Silva viu sua imagem manchada pelos vereadores eleitos e a prefeita de Natal, Micarla de Souza, do PV. Marina exigiu sua expulsão do partido, não aceita pelos outros colegas, pouco tempo depois a própria Marina pediu seu desligamento a chapa. Heloísa Helena viu o PSOL, partido a qual fundou, se tornando o maior defensor da causa gay através da imagem de Jean Wyllys. A Rede Sustentabilidade começou com a proposta audaciosa de não aceitar nenhum inscrito no partido que tivesse sua ficha suja, isto é, que respondesse a algum processo na justiça; esta ideia já foi a primeira a cair. Vendido como a nova política brasileira, o Rede Sustentabilidade, contudo, não passa de um novo nome para o modelo ultrapassado que já vimos. Gente conservadora que finge ser de esquerda, igual ao meu pai. Não confio nenhum pouco nessas duas senhoras, mas agora você pode dizer que tudo isso é apenas daddy issues.








terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

China: O Pêssego Mordido




Na literatura chinesa existem poucas referências homoeróticas em comparação, por exemplo, com as tradições gregas ou japonesas, as poucas alusões que existem são sempre feitas fazendo uma relação/comparação com a Idade de Ouro imperial, a Dinastia Han. Um dessas referências que são constantemente relembrados e reatualizados pela poesia e literatura é o Yútáo ou "a sobra do pêssego/pêssego mordido". A história é citada pela primeira vez na obra legalista do filósofo chinês Han Fei. 
Han Fei Zi viveu entre 280 e 233 a.C., era membro da aristocracia chinesa, membro da família real do Estado de Han, primo do imperador, e sintetizou as teorias de filósofos confucionistas Li Si, Gongsun Yang, Shen Dao e Shen Buhai para constituir a doutrina do legalismo, mas sua grande influência é, sem dúvida, do taoismo. Esta doutrina pregava que as pessoas são naturalmente más e sempre agem para evitar uma punição e para obter ganhos, esta seria a natureza humana, sendo assim, a lei deveria punir severamente qualquer ação indesejada, enquanto ao mesmo tempo recompensar aquelas pessoas que a seguem. Segundo Han Fei, o governante que seguisse o legalismo seria capaz de controlar o estado através de três conceitos: sua posição de poder, shi; certas técnicas, shu, e as leis, .  
Diz ele:

Nos tempos antigos, Mizi Xia tornou-se o favorito [chang] do governante de Wei e vivia com ele no palácio. Contudo, de acordo com as leis do estado de Wei, qualquer pessoa que secretamente fizesse uso do transporte do governador seria punido com os pés amputados. Quando a mãe de Mizi Xia caiu doente, alguém entrou no palácio durante a noite para contar-lhe isto, ele então forjou uma ordem do governador e tomou o carro do governador e foi encontrar sua mãe. Quando o governador descobriu o que aconteceu, não fez nada, apenas o elogiou dizendo: "Que grande filho! Para ver sua mãe doente esqueceu de todo o perigo de ter seus pés cortados!" Outro dia, Mizi Xia estava passeando em um pomar e, mordendo um pêssego e encontrando-o doce, desistiu de comer a fruta e deu-lhe ao seu governante para que ele pudesse desfrutar da doçura do fruto. "Como é sincero seu amor por mim!", exclamou o governante, "Você esqueceu o seu próprio apetite apenas para me dar coisas boas para comer!". Porém, mais tarde, quando o amor do governante por Mizi Xia esfriou e ele desapareceu dos seus olhos, ele foi acusado de uma série de crimes contra seu senhor. "Depois de tudo", disse o governante, "uma vez ele roubou o meu carro e outra vez me deu um pêssego meio comido para comer!". Mizi Xia não estava agindo diferente do que sempre agira, comportamento que havia sido elogiado nos primeiros dias e mais tarde apareciam como acusações porque o amor do príncipe havia se tornado ódio.
Se você ganhar o amor do governante, a sua sabedoria será apreciada, e ele vai apreciar os seus favores, mas se ele te odeia, não somente sua sabedoria será rejeitada, mas você será considerado um criminoso e empurrado de lado. O animal chamado dragão pode ser domado e treinado ao ponto de você montar em suas costas. Mas o lado inferior da sua garganta tem escamas com um pé de diâmetro que pode se enrolar para trás a partir do corpo, e o risco de que ele venha a escová-las contra você é sempre grande e sempre certeza de morte. O governante de homens também tem sempre as suas escamas eriçadas. 

A referência de Han Fei, no entanto, em momento algum discute a moralidade do relacionamento entre Mizi Xia e o governador de Wei, ele apenas usa a relação de ambos como exemplo para tratar da maldade intrínseca ao governador que só era amenizada pelo amor que ele sentia por Mizi Xia. É, de fato, o contrário. O exemplo serve para tratar da maldade e da falta de compromisso com a moralidade que o governador possuí por ser um homem como qualquer outro, Han Fei afirma que somente enquanto o governador estava interessado em obter vantagens amorosas do jovem Mizi Xia, ele evitava tratá-lo mal, contudo quando o amor do governador pelo favorito se esvaiu, toda a boa vontade para com ele também se desfez. Ele conclui com um conselho para Mizi Xia e para todo aquele ou aquela que é amado por um homem poderoso: saiba que todo homem é sempre um dragão pronto para envenená-lo quando lhe convier. 

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Carnaval Hipster




I

Após sair do trabalho, todos da agência em que eu trabalho se fantasiaram e saíram para um baile de máscaras na rua que abre o carnaval de Natal. Eu me maquiei como um pierrot com um lápis de olho emprestado. Houve um esquenta em um café onde duas rodadas de tequila passaram pela mesa. Tocava-se frevo e marchinhas antigas e novas. Cervejas em lata eram compradas, cigarros acesos num isqueiro amarelo, alguém apareceu com um lenço embebido em éter. Lembrava um baile de minha infância quando eu não conseguia enxergar mais do que a cintura das pessoas e com isso me perdia de meus pais. Jornalistas cobrindo a festa para colunas sociais tiravam fotos do meu grupo formado por jornalistas, publicitários e artistas. Meu nome fora perguntado por um fotógrafo de pele morena e anotando num caderno de capa cor-de-vinho. E eu lembrei que fiquei, na foto, a direita, então meu nome aparecerá primeiro.

II

Conversava com o Tutz no bloco Poetas, Carecas, Bruxas e Lobisomens pelas ruas do bairro de Ponta Negra. A praia nos observava lá de baixo, porque o bairro fica acima das antigas dunas que dominavam a paisagem. Caminhávamos ouvindo as mesmas três marchinhas de carnaval que aquela banda de metais sabia tocar. As amigas do Tutz estavam a frente de nós. Eu bebia uma long neck e ele fumava nervosamente um Lucky Srike. Ele se dedicou uns instantes a amiga dele enquanto eu reparava que um Urso me olhava ensaiando um sorriso, mas quando sorri-lhe de volta, ele me olhou dos pés a cabeça e virou-se. Eu tomei um gole da minha cerveja e o Tutz voltou com um sorriso no rosto. "Ela acha que somos namorados", eu perguntei quem, e ele apontou a namorada da irmã da amiga dele. Eu sorri, ele também. "Acho que Natal toda já está achando, afinal, somos sempre vistos juntos. As pessoas falam!". Ele concordou que era bem provável. "Afinal ela não foi a primeira a dizer isso, não é?", concluí e pensei: "Pior que você seria um maravilhoso namorado, Tutz, pena que você não pensa a mesma coisa de mim!".

III

Eu estava esperando o ônibus para ir encontrar um amigo. Ia primeiro para a casa dele, sairíamos depois. Mas para chegar a casa dele eu teria que pegar dois ônibus, porém com a possibilidade da integração não seria um problema. O relógio marcava pouco depois das 21h e eu esperava o primeiro ônibus que demorava. Foi quando eu vi um rapaz se aproximando. Ele parecia um pouco bêbado, era magro e mais baixo do que eu. Eu me aproximei do banco  do abrigo de ônibus e ele falou alto: "Não vou te assaltar não! Pode ficar tranquilo". E foi se aproximando de mim. Ele não deu três passos e sua voz mudou de tom. "Passa o celular senão eu atiro!", e me olhou sério, eu esperei a arma que ele dizia estar dentro da bermuda de surfista que ele usava, mas dava para ver que não tinha nada lá. "Não!", respondi, e saí caminhando, me afastando dele sem olhar para trás, para um ponto de ônibus que ficava do lado de um bar. O ônibus não demorou. E pulei dentro dele com um verdadeiro alívio no peito. Desci perto do Midway, um shopping frequentado pela classe média da cidade e caminhei para outro ponto de ônibus que me levaria a casa do meu amigo, foi eu me aproximando do ponto do ônibus e um mendigo se aproximando também. Estava sujo, descalço, carregando um saco de mangas, me perguntou se eu estava indo para casa e eu disse que não, ele perguntou se eu não queria comprar-lhe as mangas, eu falei que não e agradeci. "Mas 'cê não 'tá afim de um rolé não, cara?". Eu me surpreendi, ele lançava um sorriso com dentes podres. "Se você me conseguir algum dinheiro... a gente pode sair junto...". E eu disse que não, foi quando meu ônibus finalmente chegou. Que carnaval!

IV

Eu estava no computador me curando da ressaca após um churrasco na casa do namorado de um amigo, o mesmo com o qual eu passara o meu carnaval ano passado, quando o ex-namorado de um outro amigo me chamou no chat do Facebook. Ele estava triste porque era Dia de São Valentim e ele não tinha ninguém. Ele falou que era difícil encontrar em Natal alguém com todas as características que ele gostava: gostar das músicas que ele gosta, gostar de frequentar os lugares que ele gosta, não se incomodar com o fato dele fumar maconha e ser inteligente e bonito. "Você nunca conheceu ninguém que te interessou?", perguntei. E ele contou três estórias, de pequenos relacionamentos que não terminaram em namoro porque, no fim, enquanto as pessoas batalhavam para o namoro simplesmente começar, ele se ocupava em procurar aquele elemento que não se encaixava no namorado perfeito que ele construíra. Terminou a conversa contando que  tinha um outro menino dando em cima dele naquele momento, mas ele não parecia ser do jeito que ele gostava. Eu pedi licença para ele porque era tarde e eu tinha que ir dormir. Deitei na minha cama e e olhei para o teto no escuro e não conseguia parar de pensar na diferença entre a vida do meu amigo e a minha. Enquanto ele, obviamente, escolhia demais e, por isso, estava sozinho, a minha única opção de ficar com alguém envolvia dinheiro. Um aperto comprimiu meu coração. E eu chorei até dormir.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

A Virada (capítulo final)




Naquela segunda-feira, durante o horário de almoço do trabalho, mandei uma mensagem pelo WhatsApp para o Artie. Conversamos por um bom tempo. Flertes inofensivos, na verdade. Elogios dele de lá, cantadas minhas do outro lado. Foi quando o convidei para nos encontrarmos de novo, ele falou que até o início do ano ele estava ocupado demais, mas que após o Reveillon nós poderíamos nos encontrar novamente sim. 
Voltando ao trabalho, recebi o convite para passar a festa de Ano Novo na casa de uma amiga. O Fernando estava on-line na hora e eu pensei em convida-lo. Seria bom, pela primeira vez, passar um Reveillon acompanhado. Eu fiz o convite para o Fernando, sabendo, no entanto, que passar aquela festa comigo e meus amigos era, com certeza, admitir um relacionamento que ele já havia me dito que não estava interessado em ter. Ele não negou o convite de imediato. Disse que já tinha um compromisso, mas que não tinha nada certo, que ele ia ver, e qualquer coisa me avisaria. Este convite foi reforçado algumas vezes, mas ele só recusou de fato no último dia de dezembro.
Neste dia que ele recusou, ele fez uma postagem no Facebook que explicou tudo o que estava acontecendo. Ele postou: "Deixa eu te fazer feliz. Deixa?". Eu comentei que o amor estava no ar e ele me chamou no bate-papo. Primeiro negou que havia alguém, eu insisti e foi fácil ele admitir. "Olha, Foxx, eu não menti para você. Eu não estou aberto para um relacionamento, com ninguém...". Foi quando eu completei a frase dele: "Com ninguém em Natal, não é? Já em São Paulo...". Ele demorou a responder, mas admitiu, admitiu que tinha medo de sofrer e de se machucar, e eu assumi o único papel que me cabe em todos os relacionamentos que eu já tive: o amigo. 
Dei conselhos a Fernando sobre namoros. Minha filosofia de vida aplica-se diretamente a isso: a única coisa que te faz sofrer é o medo de sofrer, e foi o que eu disse a ele, que se ele entrasse nesse relacionamento sem o desejo de ser eterno, ele não sofreria. Contei-lhe que eu nunca sofri por amor, eu sofri por estar sozinho, mas nunca por ter amado alguém, porque eu nunca esperei que meu amor durasse para sempre ou que meu amor precisasse ser correspondido, o amor chegou a mim sempre como um sentimento quente e que me fazia bem. Ele pareceu convencido e contou-me os planos dele: em maio voltaria a São Paulo e lá tentaria com o amigo por quem ele estava apaixonado.
Foi a minha deixa para desistir dele. E começar meu arrependimento por ter feito sexo com ele. Era óbvio, sempre foi claro, disso nem posso reclamar porque ele nunca fingiu. Mas the ugly truth é que se alguém não está interessado em relacionamentos isso é sempre uma mentira, um eufemismo para dizer que ele não está interessado em um relacionamento com você, especificamente, porque se ele quisesse algo além de sexo comigo, ele teria transformado esses cinco meses que restam nos mais intensos da vida dele. Talvez eu pudesse me recusar a viver isso apenas por cinco meses, mas se ele estivesse interessado ele tentaria viver aquilo pelo tempo que pudesse. 
Passei, por fim, meu Reveillon solteiro, cercado por amigos com seus namorados. Bebendo cervejas e espumante, e fumando um cigarro atrás do outro. Quando os fogos explodiram, e eles trocaram seus beijos, eu ganhei selinhos de pura pena, e pensei que era hora mesmo de desistir dessas tentativas sem futuro. Afinal a mesma verdade que servia para o Fernando também funcionaria para o Artie, se ele estivesse realmente interessado em mim arranjaria um tempo para me encontrar, um almoço ou um sanduíche numa lanchonete, afinal a girl need to eat. Brindemos ao Ano Novo! No dia seguinte, o Fernando mudou o status de relacionamento no Facebook dele: em um relacionamento enrolado.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

"Problema Seu"



Eu me preparava para sair de casa par ao trabalho. Era pouco mais de 7h da manhã. E minha mãe reclavam da cozinha que teria que ir para loja dela a pé, naquele dia. Eu cruzo a cozinha neste instante, ia deixar uma calça jeans no cesto de roupa suja. Ela então reclama comigo:
- Se você tivesse tirado sua carteira de motorista poderia ir me deixar agora na loja. Podia já ter o seu carro até, que a gente tinha comprado um para você.
Eu agradeci a oferta, mas respondi:
- Eu preferia ter uma casa, minha, para morar, não um carro.
- Ah, mas isso eu nunca vou te dar não. Filho meu não sai de casa p'ra morar sozinho. Você só vai sair de casa quando tiver uma família.
Eu ri e comentei:
- Então eu nunca vou sair daqui, não é?
Ela me olhou em silêncio, enquanto eu voltava para o quarto para calçar o tênis. Ela então me seguiu e continuou a conversa:
- Você só sai daqui quanto tiver uma família, uma boa esposa cristã.
Eu parei por um segundo. Olhei para minha mãe imaginando se ela tinha esquecido nossa conversa anterior, na qual eu saí do armário. Eu imaginava se aquilo tudo era um processo consciente ou não de negação. Também pensei, rapidamente, se valia a pena ou não contribuir com a fantasia dela ou fazer um outro manifesto, um outro came out. Escolhi a segunda opção.
- Ah, uma esposa é que eu não vou conseguir mesmo! Ou você esqueceu que sou gay?
Ela congelou.
- Você é mesmo gay?
Perguntou com deboche.
- Sou. Por que você não acredita? Não falei na outra vez?
- Achei que você só queria nos magoar dizendo aquilo.
Eu estava surpreso com aquele comentário.
- Não! Claro que não! Eu falei a verdade!
Ela se encheu de ironia, novamente, seu método clássico de defesa.
- Quer dizer então que você beija homens?
Calmamente eu respondi:
- Sim.
Ela, horrorizada, se tornou mais irônica:
- Então você come homens?
Eu me abaixei para amarar o cadarço do tênis, sentado na cama, e respondi como se não significasse nada:
- Sim, também!
Eu a vi entrando em desespero. Perdendo a compostura. Veio a terceira pergunta:
- Então... quer dizer que você dá a bunda?
Eu gargalhei com a escolha de palavras.
- Dou sim, sempre!
- Então eu posso sair falando para todo mundo que você é gay?
- Se desejar, fique totalmente a vontade.
Foi quando minha mãe explodiu em preconceitos.
- Isso não é coisa de Deus, Foxx.
- Mainha, Deus me fez assim, exatamente assim desde pequeno, e Deus não comete erros. 
Agradeci a Lady Gaga em pensamento, e ela engoliu seco e começou a chantagem.
- Você me faz tão infeliz...
- Eu te faço? Não! Você se fez infeliz. O problema é seu. Não tenho culpa se você não consegue aceitar o seu filho do jeito que ele é. Se isso te causa sofrimento, a culpa não é minha, é sua. Trate-se!
- Você quem deveria se tratar...
- Quem está infeliz com o fato de eu ser gay não é você? Então, o ditado não diz que quem está incomodado que se mude? Então, mude!
Ela permaneceu em silêncio, e eu, calçado, saí do quarto. Fui beber água antes de pegar minha bolsa-carteiro e ir pegar meu ônibus em direção a Tirol. Ela falou então da porta, eu ouvi a porta da rua se abrir, devia estar saindo para a loja.
- Foxx, você me faz tão infeliz. Saiba disso: você faz sua mãe muito infeliz.
Eu gritei da cozinha, não sei se ela escutou:
- Problema seu!

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Pérsia: Arimã e o Nascimento do Mal




Arimã, o Angra Mainyu ("espírito destruidor") do Avesta, é o espírito maligno na doutrina dualista do Zoroastrismo, ele se opõe a Ahura-Mazda, o senhor sábio, símbolo da luz. Sua natureza essencial é expressa em seu principal epíteto: druj, "o mentiroso" e ele representa a ganância, a ira e a inveja. Para ajudá-lo em atacar a luz, a boa criação de Ahura-Mazda, Arimã criou uma horda de demônios que incorporam inveja e todas as características negativas dos seres humanos. Ele era responsável por todo caos e sofrimento ao realizar seu ataque ao mundo, os crentes esperam ver Arimã ser derrotado na final do tempo por Ahura-Mazda. Confinado a seu próprio reino, seus demônios devorariam então uns aos outros, e sua própria existência seria encerrada.
Arimã criou as serpentes dos rios, os gafanhotos que trazem morte as plantações, as formigas, o roubo, a descrença, as lágrimas e as lamentações, o orgulho e a bruxaria e o próprio inverno, além de 99.999 doenças. Entre as criações de Arimã também teríamos o "pecado para o qual não há expiação", as relações homoeróticas. No mito de Arimã, quando ele tentou destruir o mundo, ele teria feito sexo anal consigo mesmo e desta relação homoerótica aconteceu uma explosão de poder do mal e que resultou no nascimento de uma série de grandes demônios (daevas), estes são sete: Aka Manah, Sauru (ou Shiva), Taurvi, Zairitisha, Naonhaithya (Nasataya), Aeshma e Indra.  A interpretação desta passagem tem sido no sentido de que as relações homoeróticas seriam uma forma de culto ao demônio e, portanto, pecaminoso.
Contudo essa interpretação clássica esquece de notar que, no caso do Zoroastrismo, o que era definido como culto ao demônio era o culto aos outros deuses de outras nações. É bom lembrar que os daevas que em persa significa demônios em hindu significam deuses, essa oposição linguística da mesma palavra é a chave de como devemos interpretar a forma como os persas definem sua aceitação com as relações homoeróticas. Outra chave é a presença dos deuses hindus Shiva, grande deus da destruição e renascimento; Nasataya, um dos gêmeos Ashwins Kumaras, que representavam o nascer e o pôr do sol, e Indra, senhor da guerra e do paraíso na Índia, entre os grandes demônios persas.
A questão aqui vai além da tradução de daevas para demônios ou deuses, mas para a definição do que é permitido ou não para um fiel de Ahura-Mazda. Contudo, estes mitos não fazem parte dos textos sagrados, mas sim parte da tradição oral que foi agregada a religião reformada por Zoroastro. Ela faz parte, na verdade, de uma tradição popular o que coloca uma interessante questão sobre a sociedade persa: a existência  na mesma sociedade da aceitação da existência dos eunucos entre as altas classes, eunucos esses que eram provavelmente recrutados dentro dessa mesma classe; e a conotação de pecado dada pelas classes populares às relações homoeróticas.


sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Ninguém Namora os Fofos



-  Ei, fiz a foto do meu buxinho, como te prometi. Mas o cel não enviou, deu erro. Fiz no dia seguinte, conforme combinado, mas não funcionou.
Ele puxou conversa pelo bate papo do Facebook. Fazia referência a elogios que eu fiz de uma foto que ele havia postado apenas de sunga. Lindo, como sempre na foto, eu elogiei.
- Papo!
Respondi e continuei.
- Você não tem buxinho nada. Ai agora inventou essa de que a foto não veio para não dar o braço a torcer.
Brinquei.
- Tenho, seu moço! E a foto ‘tá no meu celular, garanto.
- Menino, mentir é feio. Deus castiga.
- Ligo já a câmera para você ver. Deixa só eu carregar a bateria do celular aqui.
- Já ‘tá arranjando outra desculpa... você é lindo, menino, deixa de coisa.
- Você não vai me fazer postar p’ra geral ver, né?
- Você não tem buxo em canto nenhum.
- Só esse homi.
- Só eu? Nem vem, deve ter até fã-clube gritando embaixo da sua janela ai.
- Deixa de onda! Até parece...
- Moço, você não vai me convencer que você sofre para encontrar gente...
- Não, eu sofro para encontrar gente decente igual a você né?
Fui pego de surpresa pelo elogio dele. Mas recuperei-me em cima do cavalo e continuei o galope.
- Decente igual a mim? Ora, se sou tão decente porque você vive me dando fora?
Ele com certeza não esperava essa resposta e demorou um tanto para responder.
- Eu sofro para achar gente decente dentro do padrão que eu curto...
- Ah, pronto, agora sim está explicado.
Comentei rindo do outro lado do computador.
- Decente igual a mim, mas não no meu padrão.
Ele tentou concertar:
- Isso, isso, eu não fico com amigos...
- Principalmente aqueles que você considera feios.
E eu gargalhei
- Mas não se preocupe, como o senhor é lindo sempre haverá gente interessada, basta escolher.
- Não é bem assim, você não é feio.
Ele falou
- Você é fofo.
Eu agradeci o elogio, mas isso é uma verdade: ninguém namora os fofos.