Google+ Estórias Do Mundo: outubro 2012

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terça-feira, 30 de outubro de 2012

Um Deus Travesso

Recebo um convite no Facebook que diz para eu encontrar meus amigos, Andarilho e Peter Pan, no Giramundo naquela sexta-feira. O Giramundo é um bar que fica em Parnamirim, uma cidade dormitório da Grande Natal, onde praticamente todos os meus amigos moram e onde normalmente os encontro para sentar em bares e conversar noite a dentro. Eles nunca vão a Natal, onde trabalham, e eu moro, sempre sou eu que me desloco até eles. É um bar que toca forró e é possível ouvir Suzana Vieira fazendo participação especial no DVD de Desejo de Menina, em que os garçons usam camisas verde-limão apertadas que mostram os braços e peitorais trabalhados em academias ou as barrigas exercitadas em copos de cerveja, que também é frequentado por uma espécie distinta de homens da região de Natal: os vaqueiros. 
Um esporte tradicional no Rio Grande do Norte é a vaquejada que consiste, em um corredor determinado, cavalgar com seu cavalo, pegar o rabo de um boi ou vaca, enrolá-lo no braço e, com um único puxão, derrubar o animal dentro de uma faixa pintada na areia com cal braco. Quem acerta três tentativas dentro da faixa vence a disputa. Os vaqueiros contudo não se vestem como agroboys, vestem-se com a mais fina camisa polo Lacoste e calças jeans Ellus, que combinam com indefectíveis botas de couro, de bico fino e ponta de metal, e apelam para perfumes franceses fortes, sobretudo fragrâncias clássicas como o Azzaro e o Lapidus. 
Foi cercado deste ambiente que cheguei meia hora atrasado. Cheguei e já haviam todos chegado. A reunião havia sido marcada para o Peter Pan apresentar finalmente o seu namorado a todos os outros amigos. Peter não mora mais em Natal. Ele passou em um concurso e está morando no interior do Estado e lá conheceu o novo namorado, o qual, por motivos de trabalho, só pode vir a Natal neste fim de semana para conhecer as pessoas com o qual já tinha falado no telefone várias vezes, por insistência do Peter que o fazia conversar com todos os amigos quando ele ligava e algum deles estava presente. Eu cheguei e ao puxar uma cadeira para saber onde eu sentaria, notei aonde eu estava me metendo. Eram quatro casais, o Andarilho e o namorado, o Peter e o novo namorado, e dois casais de lésbicas, nossas amigas. Eles estavam sempre sentado em pares e eu acabei sentando entre o Andarilho e o namorado e um casal de lésbicas. Obviamente, não chamei atenção para o fato de eu ser o único solteiro na roda. Como sempre. Mas pelo jeito não era meu destino escapar daquilo.
Não demorou muito para que a Fabi, que estava do meu lado, ao olhar para todos na mesa e terminar sorrindo para mim notasse que havia um padrão que eu quebrava ali e não deixou de comentar. "Pois é, Foxx, só falta o senhor arranjar um namorado agora". Eu respirei fundo e sorri amarelo, mas respondi: "Bem que eu queria, Fabi". Ela então lançou aquele discurso preparado de que "quem muito escolhe acaba sozinho", mesclado com "todo mundo tem uma alma gêmea" mais "um dia você vai encontrar seu príncipe encantado". Eu sorri condescendente, mas ela ia continuar o discurso que fatalmente ia terminar dizendo que a culpa era minha de eu estar sozinho, eu então encerrei o assunto: "Bem, infelizmente, ninguém é capaz de se interessar por mim...". Ela ouviu prendendo o ar, surpreendida. "Infelizmente as únicas pessoas capazes de se interessar por mim são garotos de programa!". Ela ia contra-argumentar, o máximo que conseguiu foi: "Isso não pode ser possível!", eu então dei o assunto por encerrado e perguntei mais sobre a vida do novo namorado do meu amigo.
No entanto, chegando em casa, de madrugada, após postar no Twitter: "kd o amor?", um contato, no Facebook, me chamou para conversar e disse-me, muito claramente: "Olha, Foxx, sinceramente, se eu morasse mais perto de você, na mesma cidade, eu com certeza te namoraria. O único motivo que me impede de investir em você é, sem dúvida, a distância". Eu agradeci as palavras. E pensei logo que algum deus travesso resolveu brincar comigo naquele fim de semana. Primeiro ele mostra como, em Natal, eu estou sozinho, sendo o único no grupo de amigos solteiro; depois ele me exibe como outras pessoas, fora de Natal, se interessam por mim. Este deus travesso deve divertir-se em ver o meu sofrimento como um sádico que se diverte torturando um faminto comendo o mais belo manjar diante dele. Ele mostra que lá longe, onde não posso alcançar, o meu sonho seria possível; mas se eu me aproximasse, como quando fui para Belo Horizonte, tudo se desfaria no ar como uma miragem. Este deus travesso gosta de me mostrar o impossível lá longe só para que eu corra atrás e ele mostre novamente mais longe e mais longe, porque ele diverte-se apenas comigo correndo atrás, ele não pretende nunca conceder-me o prêmio, só para que eu continue em seu encalço e ele mantenha seu brinquedinho. É a melhor explicação para minha vida amorosa mesmo: uma maldição de algum deus travesso.

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Especial BH: Bolo de Cenoura e Suco de Abacaxi






(Instruções de leitura: coloca a música para tocar e lê)


Descobri que meu sonho tem gosto de bolo de cenoura com suco de abacaxi. Percebi isso sentado na mesa de jantar do Cara Comum e do seu marido enquanto eles me contavam como se conheceram. Visitei a casa deles numa tarde quente de feriado. Uma casa acolhedora, num condomínio de sobrados geminados. Pequena e com piso de pedra, cheia de livros e discos, com mudas de alecrim que teimam em não crescer, ao contrário do amor que lhe enche as paredes. Vi naquela casa e naqueles dois sentados na minha frente a materialização de um sonho antigo. As piadas e intimidade, os carinhos e os projetos compartilhados, tudo aquilo que estava diante de mim demonstrado por aqueles dois que se amavam era a materialização de um sonho antigo. O mesmo sonho que me deu forças para superar as adversidades da minha vida e continuar esperando encontrá-lo. Eu agora o saboreava. Meu sonho romântico tem gosto simples de bolo de cenoura recém saído do forno e suco de abacaxi.

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Israel: A Simpatia de Ashpenaz por Daniel


 1 No terceiro ano do reinado de Joaquim, rei de Judá, Nabucodonosor, rei da Babilônia, veio a Jerusalém e a sitiou.
 2 E o Senhor entre­gou Joaquim, rei de Judá, nas mãos de Nabucodonosor, e também alguns dos utensílios do templo de Deus. Ele levou os utensílios para o templo do seu deus na terra de Sinear e os colocou na casa do tesouro do seu deus. 
 3 Depois o rei ordenou a Ashpenaz, o chefe dos eunucos da sua corte, que trouxesse alguns dos israelitas da família real e da nobreza:
 4 jovens sem defeito físico, de boa aparência, cultos, inteligentes, que dominassem os vários campos do conhecimento e fossem capacitados para servir no palácio do rei. Ele deveria ensinar-lhes a língua e a literatura dos Caldeus. 
 5 De sua própria mesa, o rei designou-lhes uma porção diária de comida e de vinho. Eles receberiam um treinamento durante três anos, e depois disso passariam a servir o rei.
 6 Entre esses estavam alguns que vieram de Judá: Daniel, Hananias, Misael e Azarias.
 7 O príncipe dos eunucos deu-lhes novos nomes: a Daniel deu o nome de Beltessazar; a Hananias, Sadraque; a Misael, Mesaque; e a Azarias, Abede-Nego.
 8 Daniel, contudo, decidiu não se tornar impuro com a comida e com o vinho do rei, e pediu ao chefe dos oficiais permissão para se abster deles.
 9 E Deus fez com que o homem fosse misericordioso com Daniel e tivesse simpatia por ele (chesed v'rachamim Daniyye'l).

Este versículo nono do Livro de Daniel é objeto de controvérsia até hoje. Sua tradução tem sido questionada e discutida pelos especialistas em hebraico e aramaico sem que se chegue a absolutamente nenhum consenso. Uma corrente defende uma tradução que diria que existe uma relação homoerótica entre Daniel e o eunuco babilônico, outra afirma que como Ezequiel em seu livro (14:14,20) diz que Noé, Jó e Daniel são os únicos homens justos o bastante para não serem atacados se entrassem na cova de leões, pois seguiam diretamente os preceitos da lei do Levítico, portanto, ele, necessariamente, não poderia ter relações homoeróticas e continuar um homem justo. 
Bem, como o segundo argumento é uma falácia homofóbica que pressupõe, antemão, que as leis do Levítico realmente tratam as relações homoeróticas como crime - o que vimos anteriormente que não. Esse argumento também leva em consideração a Bíblia como um texto escrito sem fazer referência ao contexto em que sua escrita se dava. Enquanto o Levítico faz referência a uma tribo nômade que vagava pelo deserto e que provavelmente foi colocado no papel a época do reino de Davi, em que os hebreus estavam em guerra contra os filisteus e cananeus e seus hábitos eram demonizados; o Livro de Daniel, que provavelmente foi escrito somente no século II ou III depois de Cristo, faz referência a uma corte culta, por volta de 640 a.C., que  estava em guerra com os babilônicos e via seus filhos serem levados como cativos e transformados em eunucos na corte do rei Nabucodonosor. 
Outro elemento que também é simplesmente ignorado pelo argumento de que Daniel é justo: Daniel é um eunuco (2Rs 20.17,18; 2Rs 24.1,12-14; Dn 1.3,7) que serviu a três reis (Nabucodonosor, Belsazar e Dario), sendo que logo conquistou o status de governador de província e também primeiro-ministro. Mas ele é um eunuco que fora escolhido pela sua beleza e inteligência aos 17 anos. Ser eunuco, per si, já o tornaria pelas leis do Levítico impuro diante do deus de Israel, pelo menos até o retorno do exílio na Babilônia quando a lei do Levítico foi sumariamente revogada.
O problema da tradução continua. B.A. Robinson afirma que alguns religiosos liberais detectaram a possibilidade de uma relação homoerótica entre Daniel e Ashpenaz por causa das palavras hebraicas chesed v'rachamim utilizadas no versículo 9. A tradução mais comum de chesed é "misericórida", já v'rachamin está em uma forma plural que é utilizado para enfatizar a sua importância e, infelizmente, a palavra tem vários significados, de misericórdia a amor físico. Robinson afirmar que não é razoável crer que Deus fez com que Ashpenaz "fosse misericordioso e tivesse misericórdia" por Daniel. A repetição não faz sentido, segundo o autor americano, consultor do site Religious Tolerance, uma tradução mais razoável seria, portanto, que "Ashpenaz mostrou misericórdia e caiu por amores por Daniel".
Essa tradução porém é inaceitável para a maioria dos estudiosos da Bíblia (católicos e evangélicos) de hoje, contudo a versão inglesa chamada King James, cuja última versão é de 1769 traduz: "Now God had brought Daniel into favor and tender love with the prince of the eunuchs" (KJV), "Agora Deus levou Daniel aos favores e ao terno amor do príncipe dos eunucos". Para Robinson essa parece a tradução mais próxima da verdade e ela foi realizada no século XVIII ainda. Ele ainda questiona se eles poderiam consumar sexualmente a sua relação, sendo ambos eunucos, contudo ser eunuco não significa necessariamente sem pênis, somente sem testículos, questão de fato pouco importante. 
O argumento que tenta proteger Daniel de uma mancha moral que nenhum personagem bíblico pode ter parece não ter sido um problema ainda no século XVIII na tradução do rei James, sobretudo porque a imagem dos eunucos ainda estava muito presente tanto no mundo árabe como na Índia, regiões que os ingleses mantinham importantes entrepostos comerciais e, com isso, provavelmente entendiam melhor o relacionamento que existia entre eunucos nas cortes orientais; mas outro motivo também pode advir da inexistência de uma marca moral sobre o homoerotismo que só seria imposta pela medicalização do século XIX que criou o homossexualismo.


sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Especial BH: Yakisoba

Quando voltei para Natal, eu deixei vários livros na casa do Rajeik na capital mineira. Foram três caixas de livros que eu havia dito que voltaria para buscar quando viesse defender a tese. Quase um ano se passou, e eu voltei. Como as caixas com livros são muito pesadas, é impossível levá-las comigo de avião, o preço não valia a pena, então o jeito era fazer o transporte por terra. Decidi, destarte, após alguma pesquisa, que seria mais fácil usar uma das empresas de ônibus que faz a linha BH-Natal do que usar uma empresa especializada em transporte. Foi a primeira coisa que fiz ao chegar a Belo Horizonte. Saí a tarde para deixar as caixas, acompanhado do Cara Comum, que sabia onde ficava a garagem da empresa de ônibus que, eu já havia pesquisado de Natal, seria a melhor para levar meus livros. Ele veio até a casa do Rajeik e me ajudou a descer com as caixas até o táxi que nos esperava. Conversamos o caminho todo sobre tv, travestis e internet, e ao voltar, de ônibus, decidimos que ele viria para a casa do Rajeik e eu prepararia um yakisoba para ele e o meu anfitrião. Mas antes precisávamos passar em um supermercado e comprar os apetrechos necessários para fazer o prato chinês. No centro da cidade, entramos em um supermercado, eu escolhia legumes, carnes, ele apontava mulheres vestidas como drag queens, e na hora de escolher o molho shoyo paramos ao lado de três funcionários que arrumavam as prateleiras com pacotes de arroz, feijão e macarrão. Eles discutiam alguma coisa animadamente. Eu ouvi apenas: "Quando um homem toca no outro vai dar confusão, cara!", disse um baixinho de moicano no cabelo. O outro retrucava dizendo que não era bem assim. "Homem que é homem não toca o outro não!". Eu então já levava o shoyo para o carrinho quando o baixinho de moicano perguntou ao Cara Comum: "Não é, cara, você não concorda?". O Cara Comum olhava para os empregados sem saber o que responder, eu me aproximei e segurei sua mão e dei-lhe um selinho. "Você não concorda, amor?". Os dois que discutiam enquanto colocavam sacos de feijão e arroz nas prateleiras ficaram imediatamente em silêncio. E nós empurramos o carrinho para o caixa rápido.


Continua no Pote de Ouro, do Cara Comum.

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Especial BH: Professor Doutor

Fui aprovado na defesa com ressalvas. Eu preciso corrigir várias coisas, tipo várias, para ganhar meu título. Ainda não posso ser chamado de doutor, mas é uma questão de tempo. Fiquei bastante nervoso, sobretudo quando as críticas começaram. Agora ainda estou nervoso na verdade, uma pilha, podem esperar uma noite com bruxismo. Estou sentindo um cansaço na verdade que não consigo saber de onde vem. Nem consigo pensar direito inclusive, por isso esta postagem tão curta.

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Especial BH: Mal Entendido

Existe um problema recorrente em todos os meus relacionamentos virtuais (pelo blog, Twitter, MSN, Facebook), e também com algumas pessoas que me conhecem fora do ambiente virtual, nos quais todos fazem uma pequena confusão com o que quero dizer e, tudo, sempre termina com uma acusação de baixa ou total ausência de autoestima ou, simplesmente, pessimismo. Como a palavra impossível sempre faz parte nos meus argumentos de análises futurológicas do que vai me acontecer. Ela é costumeiramente usada muitas vezes. Muitas pessoas entendem que eu não me julgo capaz de conseguir as coisas que desejo (autoestima) ou que simplesmente reúno energias negativas e pensamentos derrotistas que me impedem de tentar realizar o que quero (pessimismo). Ambas as opções estão extremamente enganadas. 
Eu me acusaria de racionalista. Não que isso também não seja um defeito. Eu só enxergo o mundo de forma extremamente racional, onde não cabem acaso, sorte ou fé. Deixem-me exemplificar: o caso clássico da frase "Ninguém se interessa por mim". Essa frase sempre que é dita causa a mesma reação nas pessoas. Elas me elogiam. Dizem minhas qualidades, que sou bonito, inteligente e interessante, como seu eu não soubesse, como se eu não estivesse ciente delas. Eu estou! Nenhum dos meus interlocutores virtuais é capaz de imaginar, no entanto, que o problema não está em mim. Não sou eu que nem chego a me envolver com as pessoas porque me sinto um lixo e não demonstro interesse porque não serei correspondido. Isso nunca me aconteceu! Esta assertiva que utilizo, "Ninguém se interessa por mim", tem sua orgiem na minha experiência amorosa na qual envolve, por volta de 700 homens com os quais me envolvi, destes homens 10 eu tive mais de dois encontros e com apenas 1 eu tive um namoro a distância. Esse é o processo de racionalização de que falo:  do universo de homens que me envolvi, apenas 1,42% se interessou em me encontrar por uma segunda vez, destes eu namorei 0,14% deles. Estes 0,14% são a prova que os homens não se interessam por mim e isso não tem nada a ver com o fato de eu me considerar capaz ou não de conquistar alguém, os fatos demonstram que não importa o meu esforço (e foi bastante, convenhamos, 700 pessoas não batem a sua porta simplesmente) somente 1 delas correspondeu. Isso prova que na grande maioria dos casos os homens não se interessam por mim.
Outro exemplo é relacionado ao trabalho. Aqui me chamam de pessimista porque considero muito difícil melhorar minhas condições financeiras (em pouco tempo). Considero-me hoje um fracassado e que é bem é quase impossível me recuperar agora. E o por quê disso? Porque me formei em História e, ao me formar, passei em décimo lugar em um concurso que pagava de salário R$ 1005,00 quando pedi demissão para poder fazer o doutorado (eles não me liberaram para o doutoramento) que somando com outras escolas que eu ensinava dava um salário líquido de R$ 1605,00. Voltei do doutorado, no entanto, e consegui um emprego com mídias sociais, porque nenhuma escola se interessou pelo meu currículo, que paga (líquido) R$ 750,00 e vale transporte. Esta situação representa uma redução na minha renda de cerca de 53,27% e alguém ainda diz que eu não tenho motivos para reclamar? Que eu deveria enxergar o meu copo meio cheio? Daqui de onde vejo esse emprego é, no máximo, 1/4 do copo cheio.
Também tem aqueles que dizem que sou inteligente e posso tentar um concurso. Posso, de fato! Mas primeiro tem que haver uma vaga, uma vaga em um concurso que a minha formação sirva de alguma coisa. Fazer um concurso para um cargo administrativo agora é o mesmo que jogar fora tudo o que eu estudei até hoje no meu mestrado e doutorado. Ainda não estou preparado para simplesmente rasgar meus diplomas, porque eu não os conquistei para uma simples satisfação pessoal. O título de doutor, por exemplo, não me faz sentir mais inteligente. Eu fiz o curso para ter retorno financeiro. E, de fato, como mostrei anteriormente, eu só tive prejuízos deste investimento e o prognóstico continua nada bom.
E isso não é pessimismo! É fato! Vivemos em um país que não valoriza a educação e, por causa disso, sabemos de antemão que concursos para professor serão raros. Desde que pedi demissão da Prefeitura do Natal, eu tentei cinco concursos, porque em quatro anos somente abriram cinco concursos que eu estava apto a tentar. Estar apto significa que são na área que tenho experiência porque não basta você passar nas provas neste tipo de concurso, seu currículo e sua experiência na área também valem muito. Eu me inscrevi nestes cinco, mas obviamente não passei, e me inscreverei nos próximos até um dia conseguir passar, porém as oportunidades serão raras por causa desta conjuntura que vos apresento.
A avaliação que faço da minha vida não é um eterno rosário de reclamações infundadas como faz parecer quando alguém usa os argumentos de baixa autoestima e pessimismo. São problemas reais avaliados racionalmente, se eu deveria acrescentar um pouco de acaso e fé nessa avaliação?, com certeza deveria. Se eu acreditasse, por exemplo, que o acaso pode romper o padrão de homens que conheço e me apresentar pessoas capazes de se interessar por mim, eu talvez sentisse mais paz. Se eu tivesse fé que o governo brasileiro vai resolver cuidar seriamente da educação e abrir concursos regulares, eu ficaria tranquilo, pois seria apenas uma questão de tempo. Mas o cérebro não deixa, me sinto um tolo ingênuo se repito qualquer uma dessas hipóteses (eu ia escrever fantasias para vocês verem como é grave a situação). É como se todos me dissessem que a + b é igual a c, e eu somo aqui e o resultado sempre sai x


PS: Sim, estou em Belo Horizonte. Vim para a minha defesa da tese do doutorado. Desejem-me sorte.

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Israel: Os Eunucos do Deuteronômio



O Deuteronômio é quinto e último livro do Pentateuco e da Torá, que precede o primeiro dos livros históricos da Bíblia medieval cristã, e seu nome significa "segunda lei", e foi batizado assim pela Septuagina, a primeira versão da Bíblia, demonstrando que o livro é um código de leis que complementa os Dez Mandamentos instituído por Moisés, cuja principal característica é ser um tratado religioso que define as regras para viver o Pacto entre Javé e o povo de Israel. Foi composto por um conjunto de manuscritos de datas diferentes que volta de 640 a 600 a.C, durante o reinado de Josias de Judá, reino ao norte de Israel, ganhou extrema importância dentro da comunidade israelita. Ele, que conta da entrega das Tábuas a Moisés até a chegada as planícies de Moab, é escrito na forma de discursos que utilizam a história de Israel para testar a realidade e a verdade do próprio código, este método é a forma mais comum de escrita do Velho Testamento. 
Uma dessas regras corresponde à uma proibição: "O varão que tenha os testículos esmagados (daka') ou o seu membro viril cortado, não poderá ser admitido na assembléia (qahal) do Senhor" (Deuteronômio 23:1-2). Neste mesmo capítulo, o Deuteronômio também exclui da comunidade israelita, além dos eunucos, os filhos bastardos e os estrangeiros. Para, no entanto, entender o porquê disso é necessário focar no contexto patriarcal no qual ele é escrito. Este trecho do livro fala das qualificações necessárias para se ingressar na assembléia política, religiosa, militar e judicial e, por extensão, a definição do que seria necessário para se tornar um cidadão ativo politicamente nos reinos de Judá e Israel, apesar de se referirem ao período anterior das Doze Tribos. No caso dos eunucos, um homem castrado não poderia se considerar um homem completo e, portanto, seria relocado socialmente para uma posição inferior entre os gêneros, junto com as mulheres. Alguns pesquisadores propõe, contudo, que esta exclusão pretende apartar da assembléia da cidade os sacerdotes de outros deuses que não Javé. 
Esta proibição se torna um problema, todavia, quando Jerusalém caiu nas mãos do rei babilônio, Nabucodonosor II, em 598 a.C., e os homens de Israel se tornam escravos e, muitos destes, são transformados em eunucos nas cortes e haréns da Babilônia. Quando Ciro II, rei da Pérsia, em 537 a.C., invadiu a Babilônia, ele libertou o povo judeu que pode retornar a Jerusalém, e muitos retornaram a cidade eunucos. Pela lei do Deuteronômio então seriam destituídos de sua cidadania e, com isso, da participação política e religiosa na cidade, porém, no livro de Isaías - um dos livros proféticos da Bíblia, escrito entre 700  e 400 a.C. - é instituído um mecanismo de fuga desta regra. Diz o livro: "O estrangeiro que por sua própria vontade se uniu ao Senhor, não deve dizer: Javé me excluirá de seu povo. Tampouco deve dizer o eunuco (saris): Não sou mais que uma árvore seca. Porque assim disse o Senhor: Os eunucos que observem meus sábados, que escolhem o que me agrada e são fiéis ao meu pacto, concederei a eles ver gravado seu nome dentro do meu templo e de minha cidade; isso é melhor que ter filhos e filhas!" (Isaías 56:3-6). A partir de Isaías então se cria um mecanismo que reescreve as leis do Deuteronômio para se adaptar a uma nova realidade existente na vida social judia, demonstrando que o livro sagrado era constantemente adaptado para atender as solicitações sociais de cada período da história dos reinos de Judá e Israel.
Também no Deuterônomio existe um trecho que diz: "A mulher não se vestirá de homem, nem o homem se vestirá de mulher: aquele que o fizer será abominável diante do Senhor, seu Deus" (22:5). Este trecho é por muitos considerado uma proibição do crossdressing, o que particularmente considero uma interpretação extremamente superficial do trecho. Este trecho é apresentado juntamente na parte que aconselha o bom judeu a ajudar um jumento ou boi caído na estrada, que se encontrar uma ave com um ninho numa árvore ou no chão pegaria os ovos, mas libertaria a mãe; também aconselha a não semear várias espécies no mesmo campo, também não usar vestes de tecidos diferentes e a construir um parapeito no teto de sua casa. Os comentadores ligados a queer theory costumam relacionar este trecho a manutenção do papel masculino na sociedade patriarcal israelita, mas também fazem referência aos ritos de fertilidade praticados pelos povos que estavam ao redor de Israel à época do reino de Judá. Novamente para manter a sua própria identidade em comparação com os outros povos, Israel proibia dentro do seu território a realização dos ritos de outras religiões, entre eles, a hierogamia. A hierogamia se trata do casamento ritual do sacerdote com a deusa, para tanto, por exemplo, no rito de Astarté, comum entre os fenícios e filisteus, um sacerdote se travestia com as roupas da deusa e fazia sexo com outro sacerdote em nome dela realizando assim o casamento ritual e, com isso, garantia-se a fecundidade da terra pela boa vontade da deusa. A preocupação israelita ainda é construir uma imagem de si mesmo que se distancie ao máximo dos comportamentos comuns às populações que viviam ao seu redor.

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Liebster

O lindo Hórus me indicou para o Liebster Award e com isso eu tenho que responder algumas perguntas.  Ele as listou, são 11.

1) Qual sua cor favorita?
Isso é uma pergunta dificil, já foi branco, já foi verde, já foi azul, eu vivo mudando de cor favorita, você pode ver pelo meu guarda-roupa, eu acabo comprando sempre as mesmas cores de roupas dependendo daquela fase que estou. Agora eu tenho usado muito cinza.

2) Qual a tua viagem de sonho?
Grécia, sem sombra de dúvida. Sou apaixonado pelo mundo grego desde a adolescência quando descobri a mitologia grega. Na verdade, inclusive, eu só decidi estudar História na faculdade por causa dessa paixão. Então espero um dia visitar a Grécia sim: Atenas, Esparta, Corinto, Cyclades, Creta, Trácia, Tebas. É uma relação tão intensa que eu tenho com essa terra sem nunca ter estado lá que só pode ser lembrança de vidas passadas.

3) Partilha algo engraçado sobre ti.
Uma vez, numa boate, um menino chegou próximo de mim e me ofereceu bebida. Ficamos lá perto e eu conversando com ele, falando, falando, falando, e ele sempre em silêncio apenas ouvindo, até que eu perguntei: "você não vai falar nada?", e ele continuou em silêncio, eu insisti mais, e ele continuava em silêncio, eu notei que as pessoas ao meu redor me olhavam estranho, amigos dele, e eu continuava forçando, até que ele, muito envergonhado tentou falar, "bah, bah, bah" foi o único som que ele emitiu, ele era mudo. E eu estava insistindo para ele falar. Eu queria um buraco para me enfiar naquele momento. Um conhecido que estava do meu lado, disparou a rir, e eu fiquei extremamente sem graça diante do menino, sem saber como agir.

4) Qual a música mais especial para ti? Porquê?
Nossa! Pergunta difícil! São algumas músicas, sobretudo as que eu cantei com meus corais, são meses de trabalho em cima de uma música, você acaba tomando um carinho especial por todas elas. Mas acho que eu deveria citar Carinhoso, de Pixinguinha. "Meu coração, não sei por quê, bate feliz quanto te vê, e os meus olhos ficam sorrindo, e pelas ruas vão te seguindo, mas mesmo assim foges de mim". Essa é a música que eu canto quando estou extremamente triste. Canto só para mim, me acarinhando.


5) Se tivesses uma Máquina do Tempo, onde gostavas de ir? Porquê?
Grécia Antiga, gente! Precisa perguntar porquê?

6) Qual tua maior qualidade?
Acho que sou um excelente amigo, a pessoa que sempre estará disponível para ajudar quem quer que seja, a hora que for. Sou do tipo de pessoa que sempre estende a mão e oferece ajuda, sem pensar em si mesmo, sempre preocupado em ajudar o outro.

7) Qual o teu maior defeito?
A racionalização. Eu vejo o mundo e o esquadrinho dentro de uma visão extremamente racional das coisas. Por falta de experiencias amorosas e emotivas (tanto em namoros como na minha família), eu não aprendi essa perspectiva de amor, emoção e carinho, e acabo enxergando o mundo apenas sobre o prisma da racionalidade matemática e ergonômica.

8) Se pudesses mudar algo na tua vida, o que mudavas?
Meus pais! Se eu não tivesse sido criado como fui, sem amor, sofrendo homofobia de todos os lados, apanhando, com medo, abandonado apesar de estar dentro da casa dos meus pais, eu seria uma pessoa muito mais capaz de enfrentar os problemas da vida adulta que tenho hoje. Eu mudaria isso, apesar de saber que se isso tivesse acontecido eu não seria a mesma pessoa que sou hoje, e eu me adoro!

9) Encontras a lamparina mágica e dela sai um gênio que te concede um desejo. O que pedirias?
O fim dessa dor que me comprime o peito nomeada de solidão. Eu pediria o fim disso da forma que ele julgasse melhor, fosse me arranjando um namorado, fosse me matando, fosse me fazendo aceitar que eu sempre estarei sozinho. Qualquer fim que o gênio desse valeria a pena! Se eu conseguisse tirar esse peso do meu peito eu, finalmente, poderia tentar ser feliz.

10) Qual a maior loucura que fizeste até hoje por amor?
Eu deixei Natal, a cidade em que nasci, onde tinha um emprego concursado e uma vida que começava a se encaminhar, para ir morar em Belo Horizonte a procura de alguém que fosse capaz de gostar de mim, somente para descobrir que não importa o quanto eu tente somente é possível que alguém me queira para sexo.

11) Dá um título para o livro que é a história da tua vida.
"Só".

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Observemos!

Natal tem experimentado uma novidade neste último ano que retornei: o deslocamento das festas gays para região norte da cidade. Para entender o que isso significa é necessário conhecer um pouco da Cidade do Sol. A capital potiguar é dividida em regiões administrativas batizadas com os nomes dos pontos cardeais. A Zona Sul é a mais rica e, portanto, a que reúne os bares mais caros, as boates consideradas melhores, os endereços mais quentes, em resumo, citando Cazuza. Ponta Negra, Neópolis, Candelária e Lagoa Nova reúnem a fina flor da sociedade natalense. Já a Zona Leste é a mais antiga da cidade e se divide em uma região pobre (Rocas, Mãe Luíza), bairros com o metro quadrado caríssimo como Tirol e Petrópolis e uma região que congrega a cena underground da cidade. Bairros como a Ribeira e a Cidade Alta reúnem bares de rock, boates indie, sambas de raiz, bares antigos, sebos, becos batizados com nomes estranhos e cafés modernos nos quais se encontram os intelectuais e pseudo-intelectuais natalenses. A Zona Oeste, no entanto, é bem popular. Com uma população de baixo poder aquisitivo, comparada com a região mais pobre da Zona Leste, e com índices de criminalidade parecidos, senão superiores. É uma região de bairros tradicionais como o Alecrim e a Cidade da Esperança, que tem o maior foco no comércio popular de rua, e regiões residenciais como o Nossa Senhora de Nazaré, Felipe Camarão e Dix-Sept Rosado. 
A Zona Norte localiza-se do outro lado do rio Potenji que corta Natal. Era uma antiga região dormitório da cidade que cresceu basicamente por meio de conjuntos habitacionais com preços populares, contudo, de uma década para cá, essa população ascendeu a classe média e ganhou maior poder aquisitivo. Logo a ZN ganhou sua própria região de comércio, o bairro de Igapó, e começou a atrair para aquela região da cidade cuja malha de transporte coletivo só tem ônibus que saem de lá e levam as empregadas domésticas para a casa dos patrões um investimento intenso para fixar o dinheiro dos moradores lá mesmo. Os moradores da Zona Norte não queriam mais deslocar-se para outras regiões da cidade para gastar o dinheiro deles. Restaurantes e bares, pequenas e grandes lojas começam a abrir por toda a região planejada anteriormente para ser apenas residencial o que culmina com a inauguração do Norte Shopping, seu primeiro grande shopping com cinema, Carrefour, McDonalds, C&A e Colcci do outro lado do rio. 
Os habitantes do Santarém, Pajuçara, Parque das Dunas, Salinas e Redinha não queriam mais se deslocar até o outro lado da cidade, principalmente, para se divertir. A conclusão lógica, sobretudo a noite, seria deslocar-se as opções de lazer noturna para aquela região da cidade; contudo, sobretudo no meio gay, esta opção era encarada com grande preconceito. Algum empresário abrir uma boate na Zona Norte era enfrentar de cara o preconceito que as outras regiões da cidade tem com a ZN. É mais fácil um morador da Zona Sul ou Leste deslocar-se para uma cidade próxima como Macaíba, Parnamirim ou Tibau do Sul, na famosa praia da Pipa, do que ele resolver ir a uma boate que ficasse localizada na Zona Norte. Apesar disso, tenho visto, surpreso, a explosão de festas gays na região.
São festas, não abriu nenhum lugar novo por lá. Elas têm um mesmo padrão: organizadas como uma private, elas se lançam em grupos no Facebook e são organizadas por amigos que alugam uma casa de praia na Redinha ou Santa Rita, o material básico de som e luz e contratam um DJ que está começando. Com nomes em inglês (End of the world, Open Minds), e claramente inspiradas em pool parties, cobram um entrada que varia entre R$ 10,00 e R$ 15,00 que dá direito durante toda a noite a, normalmente, caipirinhas feitas com a cachaça mais barata do mercado, mas que permitem também que você traga sua própria bebida de casa (eles fornecem o gelo), ou seja, com a mínima possibilidade de dar prejuízo aos organizadores. O público é composto basicamente por moradores da Zona Norte, meninos de uma geração que foi nascida e criada na região, de pais que compraram sua primeira casa própria por ali nos conjuntos habitacionais e melhoraram de vida. São meninos jovens, bonitos e estudados, ligados em moda e tecnologia e frequentadores ávidos de academias. Meninos e meninas que também se descobriram gays cedo e lidam com sua sexualidade de uma forma natural. Em todas as festas, existe sempre na entrada um grande recipiente lotado de camisinhas e gel lubrificante e, como as festas se realizam em casas, os quartos são abertos para que os participantes possam utilizá-los. Pequenas orgias acontecem, meninos que fazem sexo com seis ou sete na mesma noite também, alguns que saem com a fama de terem pelo menos dado, beijado ou chupado cada um dos membros da festa são comuns.  
Estas festas são um espaço novo que estes jovens da Zona Norte estão conquistando. Já ouço algumas pessoas no meio gay argumentarem que preferem as festas nas casas de praia do que o ambiente tão batido das boates da cidade "no qual sempre estão as mesmas pessoas". O argumento que me relembra o boom de raves que vivi na minha casa dos vinte anos aqui em Natal. Reconheço também, sobretudo entre os meninos e meninas mais jovens que moram na Zona Sul e Leste tem tido cada vez mais participação nas festas, trazidos sempre por amigos, e que acabam gostando daquele clima de liberdade sexual que paira nestas casas de praia. Falta, de fato, profissionalismo. É tudo ainda muito amador, são apenas meninos brincando de fazer festas para seus amigos, contudo enxergo aí o início de uma mudança para a cidade. A cena gay de Natal está mudando, observemos.