Google+ Estórias Do Mundo: As Almas de São Bartolomeu - Capítulo IV

quarta-feira, 5 de outubro de 2016

As Almas de São Bartolomeu - Capítulo IV

, em Natal, RN, Brasil
               




          Rosa Maria era uma bela mulata com certeza. E Inácio acreditara que estava apaixonado por ela. Tinha certeza no alto dos seus quinze anos de experiência. Mas não podia voltar ao lupanar. Aquela idade, sem dinheiro, nem passar pela porta ele conseguia. Tereza não permitia! Ele tentava relembrar aquela noite quase sempre, o prazer que sentiu era uma experiência que ele conseguia acessar com facilidade, era muito real. Mas todas as vezes que Inácio contou-me aquela história. Todas as vezes que ele tentava lembrar, Rosa Maria era uma presença forte, mas o mulato desconhecido do outro cubiclo era o que fazia com que sua excitação alcançasse o clímax. Inácio não entendia porque isso acontecia, talvez porque sua fixação por Rosa Maria era tanta que não lhe deixava ver o que ele realmente procurava.
            Não era incomum o rapaz fugir no meio da noite para ir espiar as janelas do lupanar. Dizia para si que procurava Rosa Maria e raramente conseguia ver o sorriso sem dentes dela ou ela no colo de algum cliente. O mais comum que ele conseguia enxergar eram as outras das raparigas que trabalhavam na casa de Tereza, com seus clientes, os quais ele sempre tentava enxergar com mais detalhes. Sem saber porque sempre se decepcionava após conferir quem era freguês.
            Decepções e poluções noturnas eram passadas sem nenhuma parcimônia. Inácio crescia irritado e arredio. Jandira percebera a diferença no filho e ralhou Marcolino.
    Fizeram algo com ele, omi! E foi naquele lugar!
            Inácio parou de cantar as canções da igreja e não frequentou mais a missa de São Miguel, para tristeza da mãe. Agora ele aprendera a pitar um cigarro de palha e cantar baixinho canções de cabaréque ouvia da janela. Fazia isso do outro lado do terreiro, ao fundo da casa, embaixo de um umbuzeiro. Tornara-se menino-rapaz agora.
            Logo arranjou lida também. Trabalhava na roça do velho José Pedro. Plantava a mandioca, regava as plantas com água que carregava na cabeça da lagoa, arrancava o capim e as flores da Lundia que teimavam em crescer e destruía os ninhos das tocandiras. Trabalhava dia e noite esperando receber o ordenado, poucas patacas que, da primeira vez que recebeu, descobriu que teria que esperar pelo menos mais três meses para poder voltar a casa de Tereza.
            Mas um dia juntou o dinheiro e voltou. Entrou arrumado com roupa de domingo e perfumado, com um cravo que roubou do jardim da igreja na lapela, com o cabelo muito bem penteado, entrou com ar garboso na casa de Tereza. Ela riu do outro lado da sala quando o viu chegar. Devia pensar quem aquele moleque pensava que era, mas se aproximou e com simpatia falou-lhe:
            - Seja bem vindo, seu Inácio. Que posso oferecer-lhe?
            O olhar nervoso de Inácio entregava-lhe a curiosidade. Ele procurava pelo salão Rosa Maria. Mas ele não consegui pronunciar-lhe o nome. Na verdade ele mal conseguiu pronunciar qualquer palavra. Tereza, mulher experiente, apenas o guiou até uma mesa e fê-lo sentar.
            - Bebe alguma coisa?
            Ofereceu ela.
            Ele assentiu com um movimento de cabeça e ela chamou uma das garotas que lhe trouxe um vinho de catuaba. O copo chegou-lhe a mesa cheio e ele tomou de um gole e pediu outro. Tereza riu. Dizendo:
- Cuide bem do senhor Inácio, cabrita.
Ele ignorou a piada e continuava a olhar o salão por debaixo de suas sobrancelhas esperando Rosa Maria. No entanto ela demorou a aparecer, ele já tinha bebido pelo menos seis ou sete copos de vinho quando a mulata adentrou o salão. Sorria para todos, senhora do lugar.  Inúmeros homens avançaram para convidando-a para sentar, mas ela encontrou Tereza no meio do caminho que cochichou algo entre sorrisos em seu ouvido e ela o viu sentado lá. Quando Rosa Maria sorriu, Inácio sentiu seu coração congelar por dentro. Um frio tomou-lhe as entranhas e eles quis fugir, mas as pernas não lhe obedeceram. Ele entendeu que era o amor que lhe fazia ficar, eu acho que era o vinho.  E tudo piorou quando ele viu que ela caminhava até ele. Não diretamente. Ela parou em várias mesas antes de chegar ao local que ele estava sentado. Sentou-se ao lado dele:
- Que bom revê-lo.
Foram as primeiras palavras que disse. Inácio não teve coragem de olhar-lhe nos olhos, apenas levantou-lhe o copo de vinho, como se brindasse a sua presença. Rosa, sorrindo, continuou a falar:
- Espero que depois de pagar por todo o vinho que você tomou, sobre algum dinheiro para nos encontrarmos mais tarde.
Disse isso e levantou-se.

Inácio ficou paralisado. Olhou a bolsa que tinha trazido com o salário de três meses, sobraram-lhe patacas e uma tontura tomou-lhe as vistas. Ele levantou-se de súbito e mirou a porta de saída com dificuldade. Não foi fácil caminhar até lá. Mais difícil ainda foi chegar até em casa, bêbado, e com lágrimas nos olhos.

Um comentário:

  1. Uma trama que aguçou minha curiosidade. Espero o proximo capitulo.

    abraços

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" Gosto de ouvir. Aprendi muita coisa por ouvir cuidadosamente."

Ernest Hemmingway