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domingo, 19 de abril de 2015

Uma Lição

Ela era uma senhora gorda, de sorriso aberto e extremamente simpática. Era professora e tinha cara, falava com facilidade, e eu apostaria que lecionava português. Ela entrou na loja numa tarde nublada acompanhada de um garoto magrelo, calado e sempre olhando por baixo de suas sobrancelhas, algumas pessoas poderiam desconfiar daquele menino que não olhava diretamente para ninguém, as pessoas desconfiam de quem não olha nos seus olhos por muito tempo porque todos se acham grandes especialistas na alma humana, mas quem disse que alguém não pode mentir para você olhando nos seus olhos nunca foi traído por um namorado. Ele, o garoto, não o namorado, usava uma regata e uma bermuda surfwear e sandálias de dedo. Era um menino bonito, inclusive, tinha olhos claros e traços másculos, mais precisava encher seus ossos com um pouquinho de carne. Era um adolescente, com corpo de adolescente, que um dia se tornaria um belo homem.
Ela, a professora, comprava-lhe coisas: camisetas, calças jeans, bermudas e cuecas. Inicialmente, imaginei-os mãe e filho, porém um olhar mais cuidadoso logo destruiria esta teoria. Eles não eram em nada parecidos. As bochechas gorduchas dela não tinham nada a ver com as maçãs ossudas dele. Ela continuava mostrando roupas a ele, que ele escolhia sem levantar os olhos. Aceitava tudo com um constrangimento de quem veio comprar um presente para si mesmo. Ela então explicou: "Ele é meu aluno, sabe?". Eu fiquei atento a estória enquanto mostrava-lhe calças tamanho 38.  "Um bom aluno, um grande menino! Ele tira sempre as melhores notas!". Eu o fitei neste instante, e ele sorria orgulhoso dos elogios. Orgulhava-se de ser um bom aluno. De tirar boas notas. Seus olhos claros brilhavam superando a pobreza de toda a vida que ele levava. Se eu não disse antes, acreditem, era um menino muito pobre. Com certeza morava no pé dos morros de areia que cercam Natal, em algum barraco com vários irmãos e talvez não tivesse mais nenhum outro motivo para sentir orgulho além de ser um bom aluno. A professora repetia: "Meu melhor aluno!".
Ele experimentava duas calças jeans no provador quando ela contando o dinheiro que tinha na carteira, faltava 20 reais para que ela comprasse tudo o que pretendia, independente da calça que o garoto de não mais de 15 anos escolhesse, desabafou: "É um menino tão bom! Mas não tem nada! Nada!". Eu pensei que ela estaria com olhos marejados, mas não estava. "Ele tem a mesma roupa para ir a escola todos os dias, mas mesmo assim nunca falta e estuda mais do que os outros! Eu precisava fazer alguma coisa!". E parou de contar o dinheiro quando o menino saiu com uma das calças. "Onde tem um caixa eletrônico?", me perguntou e eu indiquei a farmácia do outro lado da rua. "Empacote tudo aqui que eu volto já com o resto do dinheiro!".

10 comentários:

  1. Na maioria das vezes, a primeira impressão pode nos enganar muito ... #fato

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  2. Gostei da história, dava para uma short story. :-)

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  3. Será que só eu pensei em algo “diferente”? Melhor nem dizer... pode ser que minha mente não consiga mais enxergar bondade desintencionada.

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    1. não se censure, Adriano. kkkkk
      mas ó, no início eu pensei que tava rolando algo sórdido também, mas quando ela explicou não vi motivos para não acreditar...

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  4. As vezes nos deparamos com histórias assim, delicadas. Cruzamos as vidas de algumas pessoas, apenas observadores ou figurantes em grande importância. Mesmo assim é como achar algo raro. Momentos que não explicamos, apenas podemos sentir.

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    1. pois é, precisamos estar abertos para isso, né, Sam?

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  5. Bacana essa história. Sei bem como é isso...

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" Gosto de ouvir. Aprendi muita coisa por ouvir cuidadosamente."

Ernest Hemmingway