Google+ Estórias Do Mundo: agosto 2014

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sexta-feira, 29 de agosto de 2014

A Nova Bossa

Não conhecer história é um crime imperdoável, sabe? Imperdoável! Porque ficamos repetindo coisas como se fossem criações nossas. Acreditamos que somos especiais, que somos criativos, que somos livres, quando não somos nada mais do que repetidores de programações que herdamos. Somente tendo consciência que estamos sendo programados, que existe um discurso que se finge de natural e que pretende controlar nosso pensamento, que podemos enxergar que existem algo ali que precisa ser descartado. É olhando para o passado, que podemos ver como nossos antepassados se comportavam diferente que podemos ver que existe algo errado no nosso presente.
São inúmeros os exemplos. Ver a minha coluna sobre Homohistória mostra, por exemplo, que o comportamento sobre as relações entre pessoas do mesmo sexo mudaram consideravelmente através do tempo. Podemos falar também sobre como entendemos a infância o que causa sempre polêmicas por causa de nossa invenção mais recente, a pedofilia. Eu poderia dizer até para vocês que a própria morte tem sua história porque, apesar das pessoas morrerem, a relação com este fato se processou diferentemente dependendo da época. Mas o exemplo que eu queria falar hoje é o nosso atual comportamento em relação ao amor. Antes é bom dizer: o amor ele é um fato, ele existe entre os seres humanos desde antes de aprendermos a registrar o que pensávamos e sentíamos, contudo, a forma como nos relacionamos com este sentimento variou muito desde a pré-história, passando pelas diversas civilizações da Antiguidade, a religiosidade cristã medieval que convivia com a poligamia islâmica, a alteração gritante que a invenção do casamento como sacramento causou e da alteração deste sacramento após a Peste Negra, sem deixar de citar o que o ideal burguês, depois o Romantismo, causaram no mundo ocidental, e mesmo a invenção do Capitalismo, o Imperialismo, as Grandes Guerras, o movimento hippie e a Contra-cultura, sobretudo os punks, anarquistas e o movimento gay, a Bossa Nova. O Amor tem uma história que precisa ser conhecida.
Quer um exemplo fácil? Na época década de 1950 no Brasil o discurso era exatamente o contrário do atual sobre este sentimento tão nobre. O legal, o moderno, o libertário era sofrer por amor. As músicas, a poesia, os boêmios queriam mesmo era contar que conheceram uma pequena, se apaixonaram e sofreram muito. Mas muito mesmo! E isso foi há 60 anos, à época que os pais destes jovens eram crianças. Dá para levantar uma lista de músicas sobre paixões não correspondidas, sobre dor de cotovelo, sobre amores impossíveis, estava na moda. Vinícius, o poetinha, é sem sombra de dúvida o grande destaque deste universo, ele diz: "Quem já passou por esta vida e não viveu, pode ser mais, mas sabe menos do que eu. Porque a vida só se dá pra quem se deu, pra quem amou, pra quem chorou, pra quem sofreu, ai".
Contudo quem conhece a História do Amor? Quem tem menos de 30 anos hoje e lê sobre História sem ser porque vai cair no vestibular? O que eu vejo são jovens gays alienados que repetem (e eu acredito que dizem isso somente porque este é o discurso que está na moda, isto é, para parecerem descolados) que não querem amar, que o amor traz sofrimento, que é muito melhor estar sozinho do que se envolver num relacionamento. Este discurso que (acho) tem origem nesta cultura hipster irritante que vê como ruim qualquer coisa que seja comum a todos e o mainstream é querer ter alguém para esquentar seus pés numa noite fria. 
Eles, estes jovens gays que mal saíram dos cueiros, repetem que sofreram demais em seus primeiros namoros (quando você pergunta detalhadamente é sempre um único namoro anterior ou inúmeros namoricos que não duraram 3 meses) e que agora não querem mais nenhum relacionamento. Interessante é que este discurso nunca é dito por alguém com mais de 30 anos (com poucas exceções na verdade). E também que todos repetem o mesmo exato texto (o que por si só já era para desconfiar não é?). Contudo, no fim, ao conhecer alguém que desperte o mínimo de tesão (porque eles não têm a maturidade para reconhecer a diferença entre tesão, paixão e amor, até porque não experimentaram todos eles) já acreditam que estão eternamente apaixonados,  planejando seu casamento ao som de músicas da Lana Del Rey, só para descobrir que era fogo de palha e sofrer horrores. Afinal de contas, imaturos e desinformados sobre o mundo, a vida, a história e a sociedade em que vivem eles não tem a percepção de que somente repetem um discurso que venderam para eles como moderno, libertário, legal.
Dois discursos para ser exato. Dois discursos que não se encaixam de jeito nenhum. Primeiro, o do amor eterno. Esse vendido por novelas e desenhos de princesas Disney que faz todos acreditarem que o amor é fácil e simples de acontecer, que você vai encontrar o príncipe em uma festa, haverá um único beijo e todos serão felizes para sempre. Nunca haverá nenhuma briga, nenhuma rusga, que o amor para ser verdadeiro tem que ser com alguém perfeito. Este discurso romântico barato alimenta o desejo que é negado constantemente pela nova moda: eu sou autossuficiente. Todos criados dentro de uma geração cujos egos estão a explodir dado como se posicionam como centros do mundo, estes jovens gays, que olham para um mundo que deveria admirá-los como divas e saciar seus desejos como deuses, querem que o amor chegue para eles sem esforço, mas se ele exige um pouco de dedicação, seus egos os fazem pular fora e responder com "ah, eu não queria mesmo"! A ironia hipster, no fundo, é perfeita para fingir que eles não desejavam nada. O ego vence no final das contas.
Mas é a desinformação, no fundo, o grande pecado, claro. Também o fato de que eles acreditam, e isso é culpa da idade mesmo, de que eles já sabem tudo o que é preciso saber. E o mal do conhecimento é que você não sabe o quanto precisa dele até possuí-lo. Até lá, o mundo pequeno em que alguém desinformado vive, as vendas que cobrem seus olhos, não permitem nem que ele sinta falta da informação que não sabe ainda que precisa. Então, esses homens gays imaturos (a maioria bem jovem, mas a verdade é que muitos trintões e quarentões também estão no mesmo barco) precisa aprender sobre o passado para reconhecer as armadilhas que o presente constrói para nós. São muitas, muitas mesmo! Esse conselho serve também para a eleição que vem aí.

(acho que eu já estou velho falando dos "jovens gays" como se fossem um grupo distinto de mim, entrei de vez na casa dos trinta agora, né?)



terça-feira, 26 de agosto de 2014

O Filho Viado

- O que significa "discurso homofóbico", Foxx?
Perguntou meu pai, enquanto eu estava sentado no sofá cinza da sala dos meus pais.
- Significa ser contra gays.
Eu respondi, sem me alongar muito na questão. Eu também já estava me levantando para sair, eu precisava voltar para casa porque já era tarde. Devia ser quase 23h da noite e eu faço minhas orações sempre as 23:30h. 
- E quem seria a favor dos gays? - perguntou minha mãe - Nenhum deles presta!
Ela falou olhando nos meus olhos, em tom de ataque.
- Eu presto. 
Sorri para ela. Intocado pela raiva que ela me lançava.
- Você não é gay.
- Sim, eu sou, mãe. E não adianta você dizer que não sou. Tentar negar isto.
Eu peguei minha bolsa no sofá e coloquei no ombro.
- Eu não coloquei no mundo nenhum viado, Foxx. Filho meu não é gay!
Disse ela de voz alterada.
- Então eu acho que nasci de chocadeira.
Eu encerrei a discussão, girando nos meus calcanhares, para ir embora. Ela gritou ainda:
- Eu não tenho filho viado!
- Sua opinião foi registrada.
E eu caminhei pela garagem escura sozinho.


P.S.: Esta é a septigentésima postagem. 

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Creta: O Dom do Belo Deus



Os centros de culto de Apolo na Grécia eram Delfos e Delos e datam de VIII antes de Cristo. O santuário de Delos foi dedicado também à sua irmã-gêmea, Ártemis. Em Delfos, no entanto, o deus era venerado como o grande matador da serpente Python e como profeta. É, sem sombra de dúvida, nesta função que adquire desde a Grécia arcaica, que Febo Apolo se tornou mais importante para todas as cidades-estado da Hélade. De sua origem oriental, Apolo trouxe a arte de inspiração (semeía kai térata), isto é, o sacerdote ou sacerdotisa era possuído pelo deus e neste estado de transe falava sobre o passado e o futuro daqueles que consultavam o oráculo; o deus da luz também ensinava a seus sacerdotes à observação dos presságios dos dias, das estrelas e do movimento dos planetas para prever o futuro. O trabalho oracular introduzido a partir de Anatólia era bastante popular, fazendo do deus um dos poucos personagens pan-helênicos, isto é, cultuado em todas as cidades gregas sem exceção, inclusive nas colônias gregas na Ásia, África e Itália. Mesmo o deus também estando conectado com rituais de cura (através do Paean, o médico dos deuses), e inspirava magia através de uma canção (hino, paián) que deixava o fiel e o sacerdote (iatrománteis) em êxtase permitindo a cura; mesmo ele mantendo uma popular figura de deus que evita o mal (Apollon Alexikakós), nos tempos clássicos, era como profeta que Apolo era mais importante.
E é também como parte do ritual de iniciação do sacerdote para tornar-se apto a falar pelo deus que os mitos que falam de relações homoeróticas envolvendo Apolo se encaixam. Diz Filóstrato, o Jovem, em Imagens, no III século d.C, ao descrever uma pintura sobre cujo tema é o amor de Apolo e Jacinto:

"O filho de Leto para o amor dos jovens promete dar-lhe tudo o que ele possui em troca de permissão para associar-se com ele, pois o deus vai ensinar-lhe o uso do arco e música, e entender a arte da profecia, e não para ser inábil com a atração, e presidir o concurso da palestra, e ele vai conceder a ele que, andando no carro puxado por cisnes, ele deve visitar todas as terras caras à Apolo" (24) .

Febo Apolo promete dar aquele que o ama tudo o que ele possui. E um dos talentos que o deus da luz possui é esta semeía kai térata, trazida do Oriente, que permite que o seu iniciado possa comunicar-se diretamente com ele e, portanto, também saber do futuro. A técnica, portanto, somente é ensinada àqueles que o deus amaA expressão "amado de Apolo" é bastante comum entre os profetas tanto homens como mulheres. Marpessa, Cassandra, foram mulheres que ao ganharem o amor do deus ganharam o dom da profecia (mantía). Alguns homens também ganham o mesmo dom ao receberem o beijo do filho de Zeus e Leto. Temos uma lista de amantes que também eram sacerdotes e/ou profetas: Apolônio de Rodes, no Argonautica (II. 178), e o Pseudo-Apolodoro, no Bibliotheca (III, 1, §2), falam de Atimnio, filho de Fêniz e Cassiopeia, ou de Zeus e Cassiopeia, era um belíssimo jovem, que também fora amante de Sarpédon, mas amado pelo deus, chegou a ser cultuado em Creta. 
Diz Pseudo-Apolodoro:

[3.1.2] Agora Astério, príncipe dos cretenses, casado com Europa e trouxe suas crianças 
9, mas quando eles estavam crescidos, eles brigavam entre si; porque amaram um menino chamado Mileto, filho de Apolo por Aria, filha de Cleochus.
10 Como o menino era mais amigável para Sarpedon, Minos foi para a guerra e teve o melhor dele, e os outros fugiram. Mileto desembarcou em Caria e ali fundou uma cidade que chamou de Mileto depois de si mesmo; e Sarpedon aliou com Cilix, que estava em guerra com os Lycians, e tendo estipulado para uma parte do país, tornou-se rei de Lycia.
11 E Zeus concedeu-lhe a viver há três gerações. Mas alguns dizem que eles amavam Atimnio, filho de Zeus e Cassiopeia, e que era sobre ele que eles brigaram. Radamante legislou para os ilhotes
12 mas depois ele fugiu para a Beócia e casou Alcmena
13; e desde sua saída do mundo, ele atua como juiz em Hades, juntamente com Minos. Minos, residente em Creta, aprovaram leis, e se casou com Pasífae, filha de Hélios
14 e Perseis; Asclepíades mas diz que sua esposa era Creta, filha de Astério. Ele gerou filhos, a saber, Catreus, 
15 de Deucalião, Glauco, e Androgeus: e filhas, a saber, Acalle, Xenodice, Ariadne, Fedra; e por uma ninfa Paria tinha Eurymedon, nephalion, Crises e Philolaus; e por Dexithea tinha Euxanthius.

Plínio, no História Natural e As Cartas de Filostrato, conta sobre Branco, que seria ou filho de Apolo ou filho de Smicrus e amante do deus, sua mãe era uma mulher de Mileto, que, enquanto estava grávida, teve uma visão de que seu ventre estava sendo perfurado com um raio de luz. Branco recebeu então habilidades proféticas de Apolo e introduziu a adoração do deus em Didyma e Mileto. Seus descendentes, o Branchides, eram um clã influente dos profetas (Reunindo-se em conselho, os Címios deliberaram consultar o oráculo dos Branquides sobre o partido a tomar [Heródoto, História, 1, CLVII]). Luciano  também o cita em seu Diálogo dos Deuses (6.2), entre Zeus e Eros.

EROS: Você pode me deixar fora, Zeus! Acho que eu você está sendo mal comigo! Eu sou apenas uma criança; uma criança rebelde.
ZEUS: Uma criança, mas nascido antes de Japeto não é? Você é um velho ruim! Só porque você não tem barba, e nem cabelos brancos, acha que pode passar por uma criança?
EROS: Bem, e o que tais danos, ó poderoso, tem este velho já feito a você para que você fale em acorrentar-me deste jeito?
ZEUS: Pergunte ao seu próprio sentimento de culpa, ó mal. As brincadeiras que você me jogou! Sátiro, touro, cisne, águia, chuva de ouro, eu fui tudo no meu tempo; e eu tenho que lhe agradecer por isso? Você nunca por acaso fez as mulheres apaixonarem-se por mim; ninguém é ferido com meus encantos, que eu tenha notado. Não, deve haver magia nele sempre; e devem ser mantidos bem longe da vista. Eles gostam do touro ou o cisne bem o suficiente, mas uma vez que eles puseram os olhos em mim, e eles estão com medo por suas vidas.
EROS: Bem, é claro. Eles são apenas mortais; a visão de Zeus é demais para eles.
ZEUS: Então, por que Branco e Jacinto gostam tanto de Apolo?
EROS: Dafne fugiu dele, de qualquer maneira; apesar de seu cabelo bonito e seu queixo suave. Agora, vou dizer-lhe o caminho para conquistar os corações. Mantenha essa égide de vocês tranquilos, e deixe seu raio em casa; torne-se tão inteligente como você pode; enrolar o cabelo e amarrá-lo com um pouco de fita, obter um manto de púrpura, e os sapatos enfeitados com ouro, e marchar adiante para a música de flauta e tambor; e veja se você não pode conseguir um mais fino com Dionísio, para todos os seus Ménades.
ZEUS: Oh! Eu não vou ganhar nenhum corações em tais termos.
EROS: Oh, nesse caso, então não se apaixone. Nada poderia ser mais simples.
ZEUS: Atrevo-me a dizer; mas eu gosto de estar apaixonado, só que eu não gosto de todo esse alarde. Agora mente; se eu deixá-lo fora, é sobre esse entendimento.

Píndaro em Píticas (v.106) e as Narrações de Conon citam Carneus que era um vidente da Acârnia, filho de Zeus e Europa, que havia sido criado pela mãe do deus, Leto. Criado junto com o deus, seu companheiro de infância, também fora amante de Apolo. Conta Pausânias que Carneus acompanhou os Heraclidas em sua invasão a Grécia, mas foi morto por Hipotes por que suas profecias eram obscuras. Apolo no entanto vingou o amante, atingindo os dórios com a peste, que só foi afastada quando os Heraclidas expulsaram Hipotes do seu acampamento e instituíram o culto a Carneus, para felicitar o deus.
Pausânias, em vários trechos de Descrição da Grécia (3.24.5, 4.31.1, 4.33.5), mas, principalmente, quando ele se dedica a Esparta, o historiógrafo conta o mito, diferenciando o profeta do culto específico a Apolo que acontecia na maior cidade-estado da Lacedemônia:


[3.13.3] Carneus, a quem eles davam o nome "da Casa", teve honras de Esparta, mesmo antes do retorno dos Heraclídes, o seu lugar está na casa de um vidente, Crius (RAM), o filho de Theocles. A filha deste Crius foi vista quando ela estava enchendo o seu cântaro por espiões dos dórios, que entraram em conversa com ela, e visitaram Crius e aprenderam com ele como tomar Esparta.

[3.13.4] O culto de Apolo Carneus foi estabelecida entre todos os dórios desde então.  Carneus, um acarnaniano por nascimento, que era um profeta de Apolo. Quando ele foi morto por Hipotes, filho de Filas, a ira de Apolo caiu sobre o acampamento dos dórios que entraram em exílio por causa da culpa de sangue, e a partir deste momento o costume foi estabelecido entre os dórios de propiciar o vidente acarneu. Mas esse não é o Carneus lacedemônio, que era adorado na casa de Crius o vidente enquanto os aqueus ainda estavam na posse de Esparta.

[3.13.5] A poetisa Praxilla representa Carneus como o filho de Europa, Apolo e Leto sendo seus enfermeiros. Há também uma outra conta do nome; em Tróia, às árvores que foram cortadas pelos gregos para fazerem o grande cavalo que venceu a guerra vieram de um bosque que era consagrado a Apolo. Ao saber que o deus se indignou com eles, para evitar a ira do Deus, os gregos propiciaram-lhe sacrifícios e nomeado Apollo Carneus da árvore carneia que derrubaram para o cavalo, um costume prevalecente desde velhos tempos.


terça-feira, 19 de agosto de 2014

Meu Pecado É A Vaidade

Todos sabem por aqui do meu desejo de encontrar um namorado. Não é novidade, não tenho vergonha! Contudo, mais importante do que saber qual é o motivo para que ninguém se interesse por mim, é crucial saber porque eu desejo tanto encontrar alguém (talvez, inclusive, eu possa ser chamado de obsessivo por causa disso, porque penso demais sobre este assunto, e penso mesmo, mas porque quero resolver este problema, porque já é um!, e a melhor maneira de resolver algo que te incomoda é meditar sobre o tema). São dois motivos, de fato. O primeiro, a relação com meus pais, e segundo, minha auto-imagem. Meus pais sempre definiram-me como o filho que os decepcionava, desde muito jovem, por ser gay. Eu não era digno de seu amor por causa da minha sexualidade desde a tenra infância, ou era?  Um amor torto é verdade. Tenho certeza que havia amor nas surras que meus pais me davam tentando me tornar heterossexual, como nas mesmas surras que eu recebi por tirar notas baixas em matemática na 6ª série, mesmo meus pais sendo pedagogos, eles preferiram resolver o problema através de castigos físicos e não tentar descobrir porque eu não conseguia aprender matemática. Coisas da criação dos meus pais, com certeza. Eu os perdoei há muito tempo atrás, contudo, isto me causou um problema que eu tento resolver com amigos e com namoro, tento suprir com estes relacionamentos a carência que meus pais me impuseram durante minha formação como ser humano. Eu tento me convencer, todos os dias, que meus pais estavam errados, que eu sou digno de amor, que eu mereço amor. Tento desconstruir a programação que meus pais me impuseram.  Mas eu já falei sobre isto aqui no blog.
Já, o segundo ponto, minha auto-imagem. É algo que eu tenho reparado com mais intensidade nos últimos tempos. Sempre me acusaram de ter problemas de baixa auto-estima aqui no blog, coisa que eu sempre rebati com veemência, porque, acreditem, este problema não existe. Eu, na verdade, sofro mais de megalomania ou de exagero de auto-estima do que do contrário. Meu grande sofrimento, inclusive, sobre o fato de eu estar sozinho tem relação com isso: como alguém maravilhoso como eu, tão bonito, inteligente e interessante, pode estar sozinho? Como as outras pessoas que são tão inferiores a mim podem ter namorados normalmente e para mim é esta luta sem fim da qual eu sempre saio derrotado? Como todo homem que eu me envolvo escolhe qualquer outro cara a mim em questão de dias? Como eu, tão maravilhoso quanto penso que sou, posso ser preterido? Todo meu sofrimento, minha ofensa, vem desta vaidade ferida, este orgulho tão leonino. Por que eu, tão bom, tão vitorioso, tão sortudo como sempre fui na minha vida toda (afinal inteligente e talentoso eu sou), não consigo vencer na área mais simples da vida de todo mundo, em que crianças de 15 anos têm mais experiência que eu com o dobro de suas idade?
São estas perguntas que tornam minha solidão uma experiência tão amarga. O Gato é quem afirma que eu deveria observar esta minha vida sobre outro prisma e ele tem razão, e o prisma diferente é exatamente este: eu não sou tão especial, tão bonito, tão inteligente, tão interessante quanto penso ser. Sou sem graça, sem sex appeal, feio mesmo, além de efeminado, para a maioria das pessoas; sou de fato um homem interessante e inteligente, mas não existe nada que faça alguém se aproximar tempo o suficiente de mim para descobrir que estas qualidades existem, e se o fazem já me colocaram na prateleira de amigo há muito tempo atrás para que eu me torne elegível como namorado novamente. Sabendo qual é minha verdadeira imagem, e sabendo que as pessoas me veem ainda pior por causa do seu preconceito com homens gordos, efeminados e carecas, fica muito claro porque estou sozinho e, também, fica muito claro que não existe motivo algum para sofrimento. Não posso sofrer porque meu orgulho está ferido! Não posso lançar-me nas garras desta dor somente porque minha vaidade não é alimentada por alguém que me ache bonito, sexy e interessante. 
Em resumo, meu problema todo é porque eu desejo alguém que alimente meu ego. Um homem que eu considere bonito que me considere bonito, um homem que eu considero inteligente que me considere inteligente, um homem que eu considere interessante que me considere interessante são minha necessidade apenas de alguém que reforce a minha auto-imagem para que eu acredite nela. E, neste momento, os dois pontos que falei antes se relacionam: eu preciso de um namorado para corroborar a auto-imagem que eu criei para sobreviver aos meus pais, e meus sofrimento acontece porque ninguém é capaz de enxergar o super-homem que eu criei dentro de mim para vencer esta família. E eles não enxergam porque ele não está lá. O sofrimento que passei com meus pais foi terrível para mim, mas na minha mente infantil ele sempre parecia muito maior do que realmente era. Eu, com certeza, desenvolvi talentos para superar aquela vida a qual eu estava encerrado (consegui sair do gueto afinal de contas),  mas nada mais do que qualquer um. Não sou especial em nada. Nenhum homem deveria me idolatrar como "quase cósmico, semi-fenomenal". Não que eu não tenha nenhum valor, eu tenho, mas nada melhor, maior ou simplesmente mais importante do que qualquer um, essa ilusão de acreditar que eu mereço um amor especial é quem me mantém em perpétuo sofrimento. É hora de abandoná-lo reconhecendo quem eu sou, nem mais, nem menos. Somente uma pessoa comum. 


sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Qual O Seu Fetiche?

Era noite de sábado, chovia bastante na cidade. Os invernos em Natal são assim, chuvosos, e tem ficado cada vez mais. O bom da chuva é que ela traz um clima bem mais agradável para a cidade. Entre 20° e 22°, dá até para arriscar um casaquinho. Não que esteja muito frio, mas porque o calor não se torna mais aquele que decide com que roupa eu vou. O Ariano havia acabado de chegar aqui. É a terceira vez que ele me visita este ano. Recife não é tão longe, afinal de contas. Chegamos de táxi no Donana. Este é um bar para lésbicas, pequeno, que vive lotado, com poucas mesas de jardim na área externa, e muito menos espaço na parte interna porque o palco onde se toca MPB e pagode em dias alternados ocupa muito espaço. Apesar dele focar num público feminino, são homens gays que ocupam a maior parte das mesas em grupos grandes e ecléticos. Vemos ali meninos muito humildes, comprando cervejas nas promoções, e homens dando gorjetas gordas para os garçons, são pessoas muito diferentes que se encontram protegidos sob o mesmo teto. Mas naquela noite, de chuva, e com uma festa do Disponível.com acontecendo em um novo bar que abriu na cidade, o in Bare, só tinha alguns gatos pingados por ali. Havia mesas disponíveis no lado de fora (coisa que nunca acontece se você não chega as 19h), quase ninguém ouvindo a banda no interior. Sentamos do lado de fora, cada um de um lado da mesa redonda, entre três mesas cheias com rapazes bonitos, conversando animados, bebendo cervejas e fumando Free.
Estávamos entretidos conversando sobre nossas vidas, sobre o Gato, sobre trabalho, quando eu notei que éramos observados da mesa a nossa esquerda. Eram dois, um menino magro, usando uma camisa de onça e um short curto, efeminado e fumando como uma mademoiselle; o outro, um garoto de barba, cara de safado e uma bela bunda, que olhava sob as sobrancelhas e sorria para mim. Notei, no entanto, que eles acreditavam que eu e o Ariano éramos namorados, mas isso não impediu que o primeiro paquerasse o Ariano, e o segundo me seguisse até o banheiro. O sorriso dele era de verdade intoxicante, ele me olhava nos olhos também com uma malícia que era sedutora, de fato. Mas eu apenas sorri quando ele me olhava através do espelho, atrás de mim, no banheiro, e voltei a mesa. E, com certeza, meu sorriso no banheiro foi para ele uma certeza de que podia dar em cima de mim a vontade e que eu estava disposto a trair meu namorado. Quando retornei ao banheiro, ele não demorou para estar lá novamente. 
Puxou-me pela cintura, e me beijou. E eu correspondi, afinal de contas um copo d'água, um beijo na boca e um boquete não se nega a ninguém. E foi um beijo cheio de desejo, de vontade, de excitação. Ele logo ficou inclusive de pau duro enquanto me beijava e eu apertava-lhe a bunda linda que ele tinha sob a bermuda jeans. E gemia enquanto eu apertava aquelas nádegas macias e a vontade de comê-lo ali mesmo surgiu, não vou negar. Ele se apresentou, Henrique, e não acertou meu nome de primeiro. Novamente beijou-me com intensidade, mordiscando meu lábio inferior, e voltou a mesa em que estava com amigos. Quando voltei, e sentei com o Ariano, ele afirmou que outro havia dado em cima dele assim que o de barba tinha levantado para falar ir atrás de mim. Qual era o problema desses dois caras?, era a única coisa que eu podia imaginar, mas o Ariano estava se divertindo. Primeiro porque ele queria me ver ficar com alguém e romper meu celibato auto-imposto, mas também porque ele queria ficar com o outro também. Foi quando ele se levantou para ir ao banheiro, e o rapaz de barba levantou-se e veio até a mesa conversar comigo.
"Quero ficar com você, como isso pode acontecer?". Eu sorri. "Você pode sentar aqui e nós podemos ficar, ora...". Ele sorriu, acendendo um cigarro. "E seu namorado?". Por um segundo passou-se pela minha cabeça que devia manter a fantasia dele, mas eu quis apostar que ele possuía objetivos mais elevados do que, simplesmente, provar que era tão mais gostoso e esperto que faria um homem que tem namorado trair o mesmo para ficar com ele. "Eu não tenho namorado, ele é apenas meu amigo!". O sorriso dele se desfez. Ele apenas virou-se nos calcanhares e foi embora, voltando aos amigos dele. Eu me servi de cerveja, nenhum pouco surpreso com a atuação daquele menino tão gostoso, mas admito que um pouco triste, mas do que deveria por alguém que com certeza não valia nada. Afinal eu estou em Natal, não é?


terça-feira, 12 de agosto de 2014

Diga "Trinta-e-três".

Gente, 33. Cheguei. E acho que a crise dos 30 chegou atrasada para mim. Tudo bem que na minha família as coisas são assim mesmo. Desreguladas. Minha voz só mudou aos 21 anos (até lá eu tinha voz de garotinha), meu cabelo começou a cair aos 17, os primeiros fios brancos da barba começaram aos 25, eu ainda tenho dentes de leite. Essa genética maluca. E também agora, três anos atrasada, que a crise dos trinta se instalou. Acordei, dia 11 de agosto, com ela, quando acordei aos 33 anos. Um ano de Touro começou para mim, de realizações, de concentração de energias com objetivos práticos, de enraizamento de valores e de observar as próprias e mais sólidas qualidades; segundo a astrologia, este ano é um ano de germinação daquilo que foi plantado, meus projetos, ideias e impulsos criarão raízes e se firmarão, tudo lentamente, porque meu ascendente é preguiçoso, mas fecundo, tudo vai brotar. Parece que será um bom ano, não é?
Mas eu estou preocupado. Muito preocupado! Agora eu tenho 33 anos e a primeira coisa que penso é o que eu fiz com a minha vida até aqui? Eu me considero um fracassado, apesar dos meus inúmeros talentos e qualidades, eu não construí nada. Comparo-me (e talvez este seja meu erro) aos meus irmãos e colegas de escola. Todos estão casados, pais de família, e contam-me sobre suas vidas e sobre aquilo que conquistaram. Ou aos meus amigos, eles têm seus namorados, conheceram a Europa e tem bons salários que lhes permitem uma vida confortável. Materialmente e emocionalmente, o que foi que eu construí?
Tenho óbvio, também, algumas conquistas. Intelectualmente, de fato, aos 30 eu já era professor doutor, não que isto seja muita coisa, não é, acreditem, é apenas um título, mas este título significa uma vida dedicada à academia com uma paixão que dava gosto de ver. Espiritualmente, também, eu tenho motivos para me orgulhar. Ser agora aspirante ao sacerdócio da minha igreja, meu trabalho como terapeuta reikiano e meus dons mediúnicos (e o bem que posso fazer a outras pessoas com eles) são motivos de orgulho. Mas notem que todas estas coisas são internas. Quando eu olho para fora de mim, que eu procuro algo para me dar segurança, algo que eu possa literalmente me apoiar como uma espécie de lastro, é esta minha necessidade de amor, tal qual é minha necessidade de tranquilidade financeira, preciso de algo para me manter acima da superfície quando o universo tenta nos afogar. Usando a mesma metáfora, meus ganhos intelectuais e espirituais são como a habilidade de alguém de nadar, evita que eu morra afogado; mas o amor e o dinheiro que me faltam seria o barco que me protegeria da violência do mar. 
É deste barco, desta proteção, que eu me vejo privado ainda com 33 anos e isso me assusta. Meu medo é que eu nunca consiga sentir-me seguro na vida que eu tenho, que tudo sempre seja um risco, que eu não possa caminhar tranquilo pela vida que eu decidi seguir, meu medo é de não ter onde me enraizar, a verdade é esta. Quero crescer, quero ver meus frutos, quero poder gerar sombra para os outros também (tô todo trabalhado na metáfora hoje) e para isso eu preciso de solo firme sobre meus pés. Mas cadê? É por isto o meu medo agora que chego a iniciação crística. Só me resta torcer para merecer aquilo que o meu mapa astral está mostrando agora para o meu ano seja verdade. Espero que seja possível. 




sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Creta: O Mais Belo dos Deuses




Apolo é um deus com uma origem tripla, Walter Burkert definiu três componentes no culto apolíneo, o que ele chamou de um componente dório, um componente cretense-minóico e um componente de sírio-hitita, adotado pelos gregos e, Febo Apolo se tornou o pastor do povo, o guia dos gregos, protetor contra o mal, deus das artes, da medicina e protetor contra as doenças, deus da magia, da profecia. Sua origem dória pode ser rastreada pelo seu nome aproximado do macedônio pella (pedra). Ele é o deus da pedra sagrada (omphalos) de Delfos. O culto de Apolo em Delfos também tem um elemento minóico que pode ser reconhecida por que seus sacerdotes eram chamados de Labryaden, os homens do duplo machado. O labrys era o simbolo de Creta. Seu hino homérico narra, inclusive, que transformado em golfinho (delfim), o deus levou cada um dos seus sacerdotes de Creta para Delfos, onde instalaram as suas práticas religiosas. Em Creta, Apolo é o acompanhante masculino da Senhora dos Animais, Britomartis, que mais tarde foi transformada em Ártemis, ele era aquele que carregava o arco. Contudo, também é um deus oriental, como dissemos. E é no seu mito que reconhecemos a ligação com o Oriente, mas também no seu culto oracular apolínio também é uma tradição da Anatólia, onde existiam os mais antigos santuários em que sacerdotisas possuídas pela divindade profetizavam o futuro, referências hititas e assírio-babilônicas já dão conta desta prática. Apolo, inclusive, não aparece entre os deuses que protegem os gregos na Ilíada, ele é retratado no poema como um terrível deus que defende as portas de Tróia (na cidade, inclusive, ele chamava-se Appaliunas).
Conta o mito de Apolo que ele é filho de Zeus e Leto, esta era uma deusa da Ásia Menor, pela etmologia da palavra, Junito Brandão afirma que ela seria uma deusa lícia que foi integrada ao panteão grego tornando-se filha dos Titãs Ceos e Febe, sendo uma deusa das estrelas como as irmãs Astéria e Ortígia. Ao estar próxima ao parto, Leto, transformada em loba, procurou no mundo inteiro um lugar para que pudesse dar a luz aos gêmeos que carregava, Apolo e Ártemis. Hera, todavia, esposa de Zeus, ordenou que nenhum lugar no planeta desse-lhe abrigo. Ortígia, irmã da deusa, no entanto, que anos antes havia se transformado em ilha flutuante para fugir das insistentes avanços do rei dos deuses (exatamente prevendo perseguições da rainha do Olimpo), por não estar fixada em lugar nenhum e, por isso, não pertencer a nenhum lugar no planeta, abrigou a irmã, no mar dos Hiperbóreos, ao norte da Hélade, onde a neve nunca deixa de cair. Foi lá que nasceram os deuses luminosos, Febo Apolo e Ártemis, após um sofrimento de nove dias porque Hera, ainda mordida de ciúmes, detivera no Olimpo Ilítia, a deusa dos partos, impedindo que os bebês nascessem. Todas as deusas apiedaram-se do sofrimento de Leto e enviaram à sua rainha um presente, um colar de ouro e âmbar, para que ela permitisse que Ilítia descruzasse as pernas da pobre amante de Zeus. De joelhos, junto a uma palmeira, Leto deu a luz primeiro a Ártemis e depois a Apolo. Os deuses da luz teriam nascido entre março e abril, no início da primavera.  
Apesar de permitir o parto, Hera não havia perdoado nem as crianças, nem a mãe, e enviou-lhes a serpente Píton para devorar os recém-nascidos. Leto fugindo, retornou a Lícia, sua casa, montada em cisnes brancos. A fuga da deusa e os jovens filhos da serpente continuou por anos até o jovem Apolo ter idade suficiente para, com seu arco, matá-la. O deus fez isso quando estava na cidade de Delfos. Febo varou-a com seu arco e depois arrancou a pele da serpente com a qual cobriu a trípode na qual sentaria, a partir dalí, sua sacerdotisa, a pitia ou pitonisa, que presidiria o oráculo que ele instituiu na cidade, substituindo o antigo oráculo pertencente a Têmis ou a Géia. É instaurando o oráculo em Delfos que Apolo se transforma no grande deus nacional da Grécia, na Ilíada, firma Junito Brandão, ele ainda é o deus oriental protetor dos lícios e troianos, é com Delfos que ele se torna protetor dos gregos também.
Deus do sol, das artes, da luz, da adivinhação, da beleza, da cura, da vingança, protetor dos pastores, dos músicos, da família, dos lares, dos marinheiros, são mais de duzentos epitetos, tantos atributos fundidos em somente um deus demonstra que Apolo é um amálgama de várias divindades sintetizadas em um só deus. Ele substitui divindades pré-helênicas como Hélios, o sol; Ptós e, em Tebas, Ismênio, os quais transformaram-se em filhos do deus; e em Delfos, o próprio Píton e Têmis. O novo deus-sol, todavia, iluminado pelo espírito grego clássico, harmonizou tantas polaridades e tornou-se um ideal de cultura e sabedoria, realizador de equilíbrio e da harmonia de desejos, não visava suprimir pulsões humanas, mas orientá-las numa tentativa de espiritualização progressiva, como explica Brandão. 
Alto, bonito e majestoso, Apolo fazia-se notar por suas mechas negras, com reflexos azulados, os filósofos descreviam como pétalas do pensamento. Amou inúmeras ninfas e mulheres mortais, mas também alguns homens, porém todos os amores pelo qual o deus passou podem ser considerados trágicos, nunca tendo ele paz ao lado de alguém. Jacinto Brandão, em Dicionário Mítico-Etimológico, faz uma ressalva, contudo sobre suas relações homoeróticas. Diz o autor que as relações com homens do deus não devem ser interpretadas como episódios de "homossexualismo", mas antes como a substituição de antigas divindades agrárias pré-helênicas pelo deus solar. Acreditamos que a teoria sobre substituição de divindades, sabendo que Apolo de fato substituiu inúmeros outros deuses que foram integrados ao seus ciclo, faz de fato sentido, mas isto não impede em nada que os gregos tenham sim imaginado o deus participando de relacionamentos homoeróticos como era comum em sua sociedade. É o caso de, por exemplo, o mito de Jacinto.



Jacinto, cujo nome refere-se a primavera, umidade e fertilidade, era um antigo deus ctônico dos povos que habitavam a Hélade antes da chegada dos dórios, principalmente a península do Peloponeso. Filho de Amiclas e Ébalo, e numa variante isolada de Píero e a musa Clio, era de rara beleza, despertando o amor do cantor trácio Tâmiris, que criou-lhe inúmeras canções; e do deus Zéfiro, o vento-sul, (em outra versão Bóreas, o vento-norte) que passara a visitar o jovem sempre que ele pastoreava os carneiros do pai. Contudo, ouvindo as canções de Tâmiris, Apolo ficou curioso sobre o jovem de tanta beleza e dirigiu-se ao Peloponeso para conhecê-lo, o deus ao vê-lo foi tomado de profundo encantamento e apaixonou-se de imediato, e apresentou-se ao jovem que não resistiu a beleza do deus e abandonou seu antigo amante, Tâmiris em algumas versões (nesta versão, Zéfiro não é senão um que tenta fazer a corte ao belo Jacinto mas este não lhe dá atenção), ou o vento em outra, para amar o deus das artes. Numa tarde, no entanto, a sina amorosa de Apolo manifestou-se e enquanto eles jogavam disco, Zéfiro, cego de ciúmes, desviou o que arremessara e a arma decepou a cabeça do jovem príncipe. Tomado de profunda dor, Apolo transformou o corpo do amante numa flor, o jacinto, cujas pétalas trazem uma marca que lembra o grito de dor divino (AI) e a inicial do jovem (Y, em grego).
A nós este mito chegou em fragmentos gregos (existe uma versão latina, de Ovídio que é mais completa), como trechos de Hesíodo, no Catálogo de Mulheres do século VIII (fragmento 102, Oxyrhynchus Papiro 1359, fr 3): "e ela deu Jacinto, a um inocente e forte .. [falta texto] quem, em um tempo Febo se matou sem querer, com um disco de implacável"; de Pseudo-Apolodoro, no Bibliotheca (3.116): "Amiclas e a filha de Diomedes, Lapites, tiveram Cinortes e Jacinto. Eles contam como este Jacinto foi amado por Apolo, que, acidentalmente, matou-o enquanto lançando um disco" ou de Pausânias, na Descrição da Grécia (3, 193-4): "Nicias, filho de Nicomedes, apareceu como Jacinto, mesmo no auge da beleza juvenil, insinuando o amor de Apolo por Jacinto de que a lenda diz ... Quanto a Zéfiro, como Apolo acidentalmente matou Jacinto , e a história da flor, devemos nos contentar com as lendas, embora talvez eles não são verdadeira história". Bion, poeta do século II a.C., em Poemas (11): "Quando ele viu o teu [Jacinto] em agonia Febo era mudo Ele procurou todos os remédios, ele recorreu à astúcia artes, ungiu toda a ferida, ungido-o com ambrosia e com o néctar. Mas todos os remédios são impotentes para curar as feridas da Destino", em Luciano, poeta sátiro do século II d.C., temos vários trechos, no Diálogo dos Deuses, por exemplo:

"Hermes: Por que tão triste, Apolo?
Apolo: Ai de mim, Hermes, - meu amor!
Hermes: Oh; isso é ruim. O que, você ainda está remoendo esse caso de Daphne?
Apolo: Não. Eu luto pelo meu amado; o lacedemônio, filho de Oibalos.
Hermes: Jacinto? Ele não está morto, está?
Apolo: Morto.
Hermes: Quem o matou? Quem poderia ter o coração? Aquele menino lindo!
Apolo: Foi o trabalho de minha própria mão.
Hermes: Você deve estar louco!
Apolo: Não, louco, foi um acidente.
Hermes: Ah? e como é que isso aconteceu?
Apolo: Ele estava aprendendo a jogar a malha, e eu estava jogando com ele. Eu tinha acabado de enviar meu disco para o ar como de costume, quando por ciúmes, Zéfiro (maldito seja ele acima de todos os ventos que tinha sido por muito tempo no amor com Jacinto, embora meu amado não teria nada a dizer a ele!) - Zéfiro veio tempestuoso para baixo de Taygetos, e empurrou o disco sobre a cabeça da criança; sangue escorria do ferimento em riachos, e em um momento em que tudo estava acabado. Meu primeiro pensamento foi de vingança; eu lancei uma flecha no vento-sul, e perseguir seu vôo para a montanha. Quanto à criança, eu o enterrei em Amiclas, no local fatal; e de seu sangue que eu fiz uma flor brotar, mais doce, mais bela das flores, inscrito com letras de aflição -. é a minha dor irracional?
Hermes: É, Apolo. Você sabia que você tinha definido o seu coração em cima de um mortal: não lamentar depois de sua mortalidade.
Apolo: Bem, meus amores nunca prosperará; Daphne e Jacinto foram minhas grandes paixões, ela então me detestava preferindo ser transformada em uma árvore do que estar comigo, e ele eu mesmo matei com um disco. Nada me resta deles, somente uma coroa com suas folhas e flores." (16-17)



Outro triste amor de Apolo é Ciparisso. Não é comum, na literatura e nos comentadores sobretudo da Idade Moderna e Contemporânea, confundir-se Jacinto e Ciparisso em um único personagem, talvez na intenção de concentrar em Apolo apenas um único caso amoroso com homens. Contudo, eles não são o mesmo personagem como podemos ver. Ciparisso era filho de Teléfo, era amado do deus pela sua beleza e habilidade com a cítara. Tinha como companheiro um veado domesticado que amava profundamente, um dia o jovem matou o animal acidentalmente e foi tomado por uma intensa tristeza. Louco de dor, pediu a Apolo um favor que o deus prometeu realizar imediatamente. O jovem pediu ao deus que suas lágrimas corressem eternamente. O deus tentou demove-lhe do pedido. Implorou para que ele voltasse atrás, mas Ciparisso foi contundente. Apolo não teve outra opção a não ser atende-lhe o pedido e, pungido de dor, transformou o seu belo favorito na árvore do cipreste, a árvore da tristeza. Somente em Ovídio, que é romano,  sobreviveu alguma referência a esta história como conta em Metamorfoses (10, 106):

"Entre a multidão [de árvores] o cipreste em forma de cone de pé, uma árvore agora, mas em tempos passados ​​um menino, amado pelo deus que amarra tanto lira e arco. Uma vez, sagrada para as ninfas que habitam entre campos de Carthaea [na ilha de Keos], houve um veado gigante, cuja propagação chifres lançava uma tela de sombra sobre a sua cabeça. Esses chifres brilhavam de ouro e de seu pescoço sedoso um colar pendurado sobre os ombros, com pedras preciosas. Em cima de sua testa, protegido por cordas finas, uma medalha de prata balançava, dado no seu nascimento, e redondo têmporas ocos, brilhando brilhante, a partir de qualquer um dos ouvidos um pingente de pérola pendurada. bastante destemido, toda a sua timidez natural, perdido, muitas vezes ele visitou as casas dos homens, e ele deixou até mesmo estranhos tempos pescoço. Mas de todos eles, ele era o favorito de Ciparisso, mais belo jovem do Cea. Ele era quem costumava levar o veado para o pasto e as águas da primavera. Flores de muitas cores que iria tecer em torno de seus chifres ou, montado em suas costas, um cavaleiro feliz, andar para cima e para baixo, guiando sua boca concurso com rédeas carmesim.
Era meio-dia em cima de um dia de verão; brilhantes raios do sol estavam queimando como o Caranguejo, que ama a linha de costa, abriu as garras curvas. O veado deitou-se sobre a grama para descansar e respirava o frescor da sombra do pinheiro. Sem saber, com a sua afiada lança jovem Ciparisso perfurou o coração. E que o viu morrer da ferida, de modo cruel. Que palavras de conforto Febo tentou dar! Que advertências para não ceder à tristeza tão dolorida, tão mal proporcionada! Ainda assim, ele gemeu e pediu uma última benção dos deuses, para que pudesse chorar para sempre. E agora, com soluços sem fim, com sangue drenado, seus membros começaram a tomar um tom esverdeado; seu cabelo enrolado que para baixo da testa subiu em uma crista, a crista de cerdas, e como a rigidez espalhou uma torre graciosa olhando para o céu estrelado. Apolo gemeu e disse com tristeza "Vou chorar por você, por outros que você lamentarão; você [a árvore de cipreste] deverá comparecer quando homens com dor são rasgados ".



E por fim, Himeneu. Segundo algumas versões, o deus do casamento seria filho de Apolo e Afrodite, ou Dionísio e Afrodite, o que o faz parte do cortejo alegre que cercava toda a festa, em todos os casos um deus de origem estrangeira como os seus pais podem atestar. Seria andrógino, parte homem e parte mulher (mais outra característica de deuses estrangeiros), e de uma beleza insuperável. Ele era evocado em todos os casamentos (gritava-se seu nome) porque um casamento em que não tivesse a presença do deus não poderia ser feliz. Um conto tardio diz que teria nascido um ateniense pobre que se apaixonara por uma bela jovem rica, e que sequestrado por piratas junto com várias mulheres, confundido com uma delas, teria matado os piratas e trazido as jovens de volta à suas famílias e como prêmio pode desposar a mulher que amava, e depois de tornar-se deus, por causa de sua origem divina, passou a abençoar todas as celebrações em nome do amor. 
Contudo, no Megalai Ehoiai, no entre os séculos VIII a VII a.C., a versão mais antiga, atribuído a Hesíodo, faz dele filho de Magnes e da musa Calíope, de incrível beleza, pelo qual Apolo se apaixona e, com isso, não deixou a casa do rei por tanto tempo que Hermes roubou-lhe o seu gado.  Ele já aparece à época de Hesíodo como deus do casamento, em Homero e também em Safo, ambos antes da história que o faz filho de Apolo/Dionísio e Afrodite, o que nos faz acreditar que esta é uma explicação posterior do mito do deus, seu mito, na verdade se perdeu, mas talvez as palavras de Hesíodo no seu poema deem-nos uma pista do verdadeiro mito que relaciona Himeneu, Apolo e o casamento. Diz o poeta:

"Magnes ... morava na região de Tessália, na terra que os homens chamados depois dele Magnésia. Ele tinha um filho de beleza notável, Himeneu. Apolo quando viu o menino, foi apreendido com amor por ele, e não saía de casa de Magnes. Então Hermes fez projetos em rebanho de gado que estavam pastando no mesmo lugar que o gado de Admetos [que Apolo pastoreava](fragmento 16, v. 256).

Será que estes versos indicam que finalmente a sina de amores destruídos de Apolo se encerraram nos felizes braços de Himeneu? A nós não chegaram nada mais do que estes três versos, não podemos afirmar nada com certeza. Mas talvez possamos imaginar que Himeneu represente o casamento feliz, o sucesso da vitória do amor, porque finalmente o deus Apolo pode viver com ele em paz, feliz, sem nenhuma preocupação. Porém isto é apenas uma suposição.





terça-feira, 5 de agosto de 2014

Feliz Natal!

Foxx: Parabéns pelo namoro, moço, desejo toda felicidade do mundo, de verdade.
Léo: Own! Obrigado, Lê! De coração! Tudo bem contigo?
Foxx: Tudo normal, querido. Como sempre. Sem nenhuma novidade. Mas que bom que você encontrou alguém hein?
Léo: Não é? Nessa cidade que a gente vive? Era uma frustração só. Eu sou drag, não sei se você sabe?
Foxx: Sim, eu sei sim.
Léo: Então, eu não me monto com frequência, mas sempre que possível eu faço o que amo, que é uma arte tão criticada entre os próprios gays e tudo o mais. Conheci uns poucos garotos ultimamente, mas quando contava... eles meio que arranjavam uma desculpa e acabavam. Não sabe como foi horrível, até pensar em deixar de fazer isso eu pensei. Mas porque deixar de fazer algo que amo porque as pessoas pensam isso ou aquilo à respeito?
Foxx: Com certeza!
Léo: Então eu só tenho um conselho p'ra te falar: se não gostam ou não estão satisfeitos com você por N motivos, passe a AMAR esses N motivos que existem em você. "SE" aceitar  é o mais difícil, mas não é impossível.
Foxx: Com certeza. Você tem toda razão!
Léo: OMG... essa cidade é podre. Deixa te dar outro exemplo meu: minha calvície! Eu já deixei de sair de casa por conta dela. Depois parei p'ra pensar e tipo "p'ra quê, gente?". 'TÔ POUCO ME LIXANDO se minha calvície ou se meu corpo não escultural agrada ou não alguém. 
Foxx: Muito bem, você está certíssimo! É assim mesmo! Mas isso não muda que esta cidade é uma bosta não é?
Léo: Não, Natal não é uma bosta. Mas os natalenses, PUTA QUE O PARIU!!!

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Esse Pajubá É Odara!

Neca (pênis), ocó (homem), picumã (cabelo), equê (mentira), aqué (dinheiro), aquendar (pegar), por exemplo, são expressões comuns no mundo gay brasileiro e são palavras em iorubá, a língua trazida pelos negros da África Centro-Oriental, mas que hoje habitam, principalmente, a Nigéria, Benin, Togo e Serra Leoa. Hoje, no seu continente de origem, a maior parte da população é católica, mas algumas também são islâmicos, sendo 1/4 de sua população ainda voltada para sua religião primitiva que aqui no Brasil se cristalizou de duas formas: a Umbanda e o Candomblé. 
Reginaldo Prandi, sociólogo paulista, afirma que o culto dos orixás em suas várias formas (Candomblé baiano, Xangô pernambucano, Batuque gaúcho, Tambor-de-Mina maranhense, Jurema potiguar), com exceção da Umbanda, pela dimensão kardecista-católica que impõe seu plano de moralidade, tem sido pelo menos desde os anos 1930 redutos de homossexuais, sobretudo aqueles de classe mais baixa e negros. Apesar disto, a maior parte dos pesquisadores sobre o tema mantiveram em segredo esta participação ou, quando consideravam, diziam que este terreiro estava culturalmente decadente. Contudo, esta é com certeza uma opinião destes sociólogos que deixavam seus preconceitos interferirem em sua relação com os seus objetos. Prandi, no entanto, afirma que nenhuma instituição no Brasil, afora o culto dos orixás jamais aceitou o homossexual como uma categoria que não precisava esconder-se, anulando-o enquanto tal, até meados do século XX, aquando do surgimento das igrejas evangélicas inclusivas. Esta aceitação, nas palavras do sociólogo paulista, demonstra como esta religião vê este mundo, mesmo quando, no extremo, trata do mundo da rua, do cais do porto, dos meretrícios e portas de cadeia, o homossexual como um marginal que era no início do século XX estava integrado a esta comunidade. 
Participar deste grupo voltado ao exercício da fé tinha suas vantagens. Era um ambiente lúdico, reforçador da personalidade, capaz de aproveitar os talentos estéticos e individuais e, também, permitir mobilidade social e acumulação de prestígio, coisas pouco ou nada acessíveis aos homossexuais no início do século ainda mais quando se é pobre, negro ou mestiço, migrante e pouco alfabetizado. Mas, mesmo assim, qualquer adepto gay ou não poderia exercer um cargo sacerdotal, tornar-se mãe ou pai de santo, sem esconder sua inclinação sexual. Ao contrário, ela pode servir para legitimar sua preferência ao cargo, pois homossexuais, segundo o candomblé, são seres que tem seu ori (cabeça, destino) controlado por um orixá de gênero oposto ao dele (isto é, homens controlados por uma orixá feminina, mulheres controladas por um orixá masculino). Além disso, se não fosse pouca coisa, as religiões dos orixás liberam os indivíduos e também libera o mundo. Ele não tem uma mensagem dizendo que as experiências carnais neste mundo são cercadas por pecado, muito menos ela espera que as pessoas sejam salvas de algum inferno pelos seus atos.
São estes homossexuais que frequentadores dos guetos onde os veados (sim, ainda veados, não gays, em um próximo texto eu explico essa diferença) brasileiros viviam até o fim da década de 1980 introduziram a língua de sua religião dentro daquele outro grupo e fundaram uma língua nova, um sub-dialeto pertencente a um sub-grupo cultural. 
É ai que somos apresentados a palavras como edi (cu), odara (bonito), amapô (mulher), cafuçu (homem bruto), ebó (oferenda), alibã (policial), axó (roupa), azuelá (ser ativo), todo o pajubá (língua), que surgiu para que este grupo pudesse se proteger, não ser entendido mesmo, uma língua secreta que os protege, principalmente os travestis. Otí (bebida), xanã (cigarro), pemba (cocaína), erê (criança), uó (ruim), aló (lésbica), ocan (bunda) são símbolos de resistência. Relegados aos guetos, esta linguagem passava a ser um instrumento de unidade entre os falantes que mesmo não participando da mesma concepção de sagrado (nem todo gay ou lésbica é participante de alguma religião de orixás) pertenciam a um mesmo grupo que sofria perseguição. Astor Vieira Junior, linguista bahiano, ainda afirma que homossexuais e negros compartilham o fato de sofrerem com a intolerância. Excluídos socialmente, sobretudo os de menor poder aquisitivo e educacional, a língua iorubá garantiu um espaço existencial protegido para estes viverem suas diferenças.
Penso como Vieira Jr, além de proteger seus usuários, este código é responsável pela transmissão de uma cultura e a produção de uma identidade social de seus falantes. É por isso que afirmo que ser gay é uma identidade cultural, além de fazer sexo com alguém do mesmo sexo, ser um homem gay ou uma mulher lésbica é compartilhar de uma cultura, um conhecimento, uma linguagem que o torna membro do grupo, parte de uma comunidade.