Estreamos aqui a nova temporada do HomoHistória. Contaremos a partir de hoje a história das relações homoeróticos na civilização creto-micênica, em Creta; em seguida trataremos do legado da Grécia Antiga; para depois lidarmos com Roma e, por fim, o princípio do mundo europeu-cristão. Espero que vocês gostem tanto de ler quanto eu de escrever sobre este assunto.
Ganimedes é um príncipe troiano. Filho de Trós, o primeiro rei da cidade, e Calírroé. Era um jovem de extraordinária beleza, que um dia, enquanto pastoreava o rebanho paterno pelas montanhas, despertou uma paixão arrebatadora no rei dos deuses, Zeus. Algumas versões deste mito, contam que Zeus transformou a si mesmo em uma águia que raptou o jovem príncipe troiano no monte Ida, ou em outras versões, que o deus havia enviado uma águia, seu animal preferido, para raptar o belo pastor. Para empreender o rapto, no entanto, antes, o deus enviou ao rei Trós, em uma versão o seu sacerdote Tântalo, em outras o próprio deus do amor, Eros, para oferecer cavalos divinos, filhos do vento sul, Zéfiro, e uma harpia. Somente com o rapto acordado com a família do rapaz, que o deus pode buscá-lo em sua forma de águia.
Ao chegar ao Olimpo, Zeus ofertou a Ganimedes dois presentes: um aro, símbolo da completude, e um galo, protetor contra as trevas, monstros noturnos e aqueles que odeiam o amor, estes símbolos representam o verdadeiro amor para os gregos. Ele também ofertou-lhe o néctar e ambrosia, fazendo-lhe que ele se tornasse eternamente jovem e imortal. Também deu-lhe asas. Alado e imortal, agora ele passaria a desempenhar o papel que antes pertencia a deusa Hebe, deusa da juventude, de servir os deuses à mesa, trazendo-lhes o néctar e ambrosia, mas também dividira o leito do rei dos deuses pela eternidade. Ele também passou a figurar no céu como a constelação de Aquário, carregando o jarro de néctar e observado pela Águia.
O mito de Ganimedes, oriundo de Creta, é citado por vários autores gregos. Na Ilíada:
No Hino Homérico 5 a Afrodite, escrita por volta do século VII a.C:
Téognis, do século VI a.C., em seu fragmento 11345 diz:
"Há algum prazer em amar a juventude, uma vez que uma vez que, de fato, até mesmo [Zeus] o filho de Cronos, rei dos imortais, se apaixonou por Ganimedes, agarrou-o, levou-o ao Olimpo, e fê-lo divino, mantendo o linda flor da juventude";
Eurípides em Ifigência em Aulis (v. 1051), no século V a.C.:
"E Dardanos criança [que é descendente], Ganimedes, príncipe da Frígia, o querido deleite de Zeus à cama, mergulhado profundamente a taça de ouro [no casamento de Peleu e Tétis atendidos pelos deuses], enchendo os copos para vinho"
e Píndaro, em sua Ode Olímpica, do século V a.C.:
"Adorável graça de seu corpo, que hora primavera-maré da beleza, que há muito tempo libertou Ganimedes - assim o quis a Citera [Afrodite] - do poder implacável da morte" (10, 102).
Contudo o mito cretense transportado para Tróia, lugar mítico além do mundo conhecido pelos gregos, fala sobre o ritual minóico, que existia por volta de 1650 a.C., de iniciação adolescente em que um jovem (kleinos, o belo, o glorioso) era sequestrado por um homem adulto (philetor, o amante). Este pagava um tributo a família do jovem adolescente, e ao adolescente dava uma armadura e armas (espada e lança) e este passava a frequentar o círculo de amigos do philetor por pelo menos dois meses. Se ao fim do período com o amante, o jovem estivesse satisfeito, ele mudaria seu título para parastates (companheiro) e, somente a partir daí, eles dividiriam a mesma cama.
"(...) Erictônio gerou Trós,
rei dos Tróicos, que teve três filhos imáculos,
Ilo, Assáraco e - par-dos-deuses - Ganimedes,
que foi, entre os mortais, o mais belo: os Celestes
o raptaram, a fim de que, por sua beleza,
servisse o vinho a Zeus, restando entre os eternos".
(XX, 230-235)
"e não te esqueças dos corcéis de Enéias:
apresa-os dos Troianos, tange-os para os Gregos,
pois pertencem à raça dos que Zeus altíssono
deu a Tróis, em resgate, pai de Ganimedes,
por serem dos melhores sob o sol e a aurora"
(V.263-267)
No Hino Homérico 5 a Afrodite, escrita por volta do século VII a.C:
"Em verdade, o sábio Zeus levou Ganimedes de cabelos dourados
por causa de sua beleza, para ficar entre os Imortais
para servir bebida aos deuses na casa de Zeus - uma maravilha de se ver -,
honrado por todos os imortais como ele chama
a néctar vermelho da taça de ouro ...
imortal e para sempre jovem, assim como os deuses"
(203 ff)
"Há algum prazer em amar a juventude, uma vez que uma vez que, de fato, até mesmo [Zeus] o filho de Cronos, rei dos imortais, se apaixonou por Ganimedes, agarrou-o, levou-o ao Olimpo, e fê-lo divino, mantendo o linda flor da juventude";
Eurípides em Ifigência em Aulis (v. 1051), no século V a.C.:
"E Dardanos criança [que é descendente], Ganimedes, príncipe da Frígia, o querido deleite de Zeus à cama, mergulhado profundamente a taça de ouro [no casamento de Peleu e Tétis atendidos pelos deuses], enchendo os copos para vinho"
e Píndaro, em sua Ode Olímpica, do século V a.C.:
"Adorável graça de seu corpo, que hora primavera-maré da beleza, que há muito tempo libertou Ganimedes - assim o quis a Citera [Afrodite] - do poder implacável da morte" (10, 102).
Contudo o mito cretense transportado para Tróia, lugar mítico além do mundo conhecido pelos gregos, fala sobre o ritual minóico, que existia por volta de 1650 a.C., de iniciação adolescente em que um jovem (kleinos, o belo, o glorioso) era sequestrado por um homem adulto (philetor, o amante). Este pagava um tributo a família do jovem adolescente, e ao adolescente dava uma armadura e armas (espada e lança) e este passava a frequentar o círculo de amigos do philetor por pelo menos dois meses. Se ao fim do período com o amante, o jovem estivesse satisfeito, ele mudaria seu título para parastates (companheiro) e, somente a partir daí, eles dividiriam a mesma cama.
Strabo, um historiografo que viveu por volta de 64 a.C., dá a seguinte descrição de todo o processo:
"(Os cretenses) têm um costume peculiar em relação a casos de amor, para eles ganharem os objetos com seu amor, não usam a persuasão, mas por sequestro, a amante diz aos amigos do menino, três ou quatro dias antes que ele vai fazer o rapto, não para os amigos esconderem o menino, mas não deixá-lo sair do caminho indicado. Se o menino não aparece é de fato uma coisa mais vergonhosa, uma confissão, por assim dizer, que o menino não é digno de obter tal amante, e quando se encontram, se o sequestrador é de igual ou superior na hierarquia ou outros aspectos ao menino, os amigos o perseguem e tentam prendê-lo, mas apenas de uma forma muito suave, satisfazendo assim o costume, e depois que eles alegremente viram-se e o deixam ser levado para longe, se, no entanto, o sequestrador é indigno, eles levam o menino para longe dele.
É uma vergonha para aqueles que são bonitos na aparência ou descendentes de ancestrais ilustres e falham em obter os amantes, presume-se que se caráter (masculinidade) é responsável por tal destino. Mas os parastathentes (aqueles que ficam por seu amante em batalha ) recebem honras, pois em ambos os bailes e as corridas os que tiveram amantes têm os cargos de maior honra, e têm permissão para se vestir com roupas melhores do que o resto, isto é, o hábito dado a eles por seus amantes, e não só então, mas mesmo depois de terem crescido para a idade adulta, eles usam um vestido distintivo, que se destina a dar a conhecer o fato de que cada um se tornou kleinos, pois eles chamam a pessoa amada kleinos (distinto) e o philetor amante.
Os jovens mais desejáveis, de acordo com as convenções de Creta, não são os excepcionalmente bonitos, mas sim aqueles que se distinguem pela coragem viril e comportamento ordeiro."
Aristóteles, no seu Política, elogia o método cretense porque controlava a população da ilha, evitando que mulheres ficassem grávidas (II, 10). Já Platão, em Leis, diz "E nós somos unânimes em acusar os cretenses de fabricar a história de Ganimedes: porque acreditavam que suas leis tinham vindo de Zeus, eles também têm ligado esta história ao deus, pensando que eles poderiam colher o fruto desse prazer e dizer que eles estavam seguindo o exemplo divino. Mas isso é o reino do mito" (636B-D). Não importa a opinião, a arqueologia continua encontrando inúmeros ex-votos, imagens dedicadas aos deuses, em agradecimento a estas uniões ou pedindo proteção para os parastates e philetor, mas não vamos falar tudo de uma vez não é? Porém podemos dizer que os dórios, a tribo que formara o império micênico, levaram esta instituição cretense e a disseminaram por toda Grécia, sendo bem comum encontrarmos variações dentro deste padrão em todas as futuras cidades-Estado que vão florescer por toda a Hélade.
Fico feliz com o anúncio da nova temporada! Texto muito bom e eu não conhecia esse mito. Maior apoio!
ResponderExcluirVc gosta de escrever e a gente de ler... acho que dá (!) samba, nzé?! Bom finde!
ResponderExcluirSou do signo de aquário e obviamente descendente de Ganimedes visto a beleza troiana que me foi dada pelos Deuses...kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk...não pude evitar o comentário.
ResponderExcluirExcelente vc falar sobre mitologia...um tema que muito me agrada.
abração.
kkkkkkkk, gente, você sabe que os aquarianos são eternamente crianças exatamente porque Ganimedes não pode envelhecer? Vocês também não! Então, eu perdoo sim a piada! kkkkkk
ExcluirFico feliz que você tenha gostado, estou esperando seu e-mail.
*0* Minha coluna favorita voltou!!! E falando da mitologia que mais amo <3
ResponderExcluirW.
Não sabia que a HomoHistória tinha tantos fãs.
ExcluirFico muito feliz, W.
(e obrigado por assinar o comentário)
Será que esse W, é o mesmo Wp que comentou (tmb anônimo) no meu post do ninho??? Já tiramos Ariano lindo da sombra, será que temos mais um pra tirar aqui?
ExcluirNão gato, não foi eu.
ExcluirW.
Vc sabe que toda vez que leio essas coisas fico pensando na aplicação prática delas.. Imaginando situações mil.. Pq, sabe??? Esse papo de alar pros amigos que ia sequestrar.. Duvido que não tinha um amigo fura olho que ficava doido pra ser sequestrado no lugar vez ou outra... Ou um sequestrador que achava o menino lindo pq viu uma vez só e depois olhando direitinho ficou meio arrependido.... Devia ter sequestrador desastrado que na hora tropeçava....
ResponderExcluirEsse povo ai me faz muito pensar na coisa da bicha sonsa.. Aquela que sabe que vai ser sequestrada e fica andando assobiando pela rua como se nada quisesse, doida pro sequestrador chegar logo... Chei de Kleinos por ai, meu amô!!! Cheinho!!!
Kkkk
ExcluirA história do Kleinos fura-olho da um conto. Kkkkkkk
E sim, eu tb sempre fico imaginando como as pessoas viviam dentro destas regras e costumes. É por isso que acho história fascinante.
Eu li e fico pensando em quanta coisa da história, quantos fatos e quantas lendas nos são escondidas, como isso nunca chegaria a nós se não fossem pesquisadors como você.
ResponderExcluirEu também gosto desses textos.
Obrigado, Lucas. A história é imensa e detalhes como estes acabam passando despercebidos para a grande maioria da população. De fato, precisa vir um especialista (eu) para divulgar o assunto é torna-lo acessível, já que muitos destes textos que eu trago nem traduzidos para o português foram ainda. Me orgulho muito de tornar este conhecimento acessível a vcs, fico feliz que se interessem.
ExcluirGostei do texto. Adoro esses mitos, viajo muito com eles. É tão fascinante. Além disso, é ótimo ter esse espaço no blog. Continue, por favor.
ResponderExcluirB.H.
Obrigado pelas suas palavras, mas principalmente obrigado por assinar o comentário. Muito obrigado mesmo.
Excluirboa, garoto!!!!
ResponderExcluirdentrodabolh.blogspot.com
UAU! conhecia apeas superficialemnte este mito! esta muito bem explicado e contextualizado! é dificil para nos entendermos esta relação nõa homossexual entre mais velhos e mais novos na grecia, coincidencia ou não eu escrevi esta semana sobre isto!
ResponderExcluiro que é difícil de entender, HHP? Assim, de fato, não é uma relação homossexual, é uma relação homoerótica, só existe relações homossexuais depois do século XIX, este conceito, proposto para qualquer coisa que não seja o século XIX e XX é anacronismo, contudo isso não quer dizer que não existissem relações sexuais e amorosas entre estes homens e estes meninos e, apesar de não deverem, poderiam durar durante toda a vida deles.
ExcluirUma coisa importante aqui que eu esqueci de acrescentar ao texto. O conceito de pedofilia também não existe ainda, este é uma invenção do século XXI, inclusive. É difícil de falar sobre este assunto sem ser mal interpretado, mas o próprio conceito de criança e infância é uma invenção burguesa que não faz sentido no mundo grego. Aqui, os homens tinham uma expectativa de vida de NO MÁXIMO 30 anos, chegar aos 15 era metade de sua vida, então estes garotos tinham sim entre 12 e 15 anos, no máximo, e para eles não era um problema, ao contrário do que hoje nós encararíamos a mesma situação.
Adorei esse postagem e mal posso esperar pelas próximas, li do começo ao fim sem pular nada!
ResponderExcluirFico feliz que vc tenha gostado tanto, Dernier, o próximo texto é sobre Aquiles e Pátroclo, heróis da Ilíada de Homero. =)
ExcluirFoxx, meu querido, vc acertou em cheio com essa coluna. Mitologia sempre foi um assunto delicioso para mim, embora eu não conheça tanto. Agora, boquiaberto com seu conhecimento sobre o tema, vou esperar ansioso por continuações dessa coluna deliciosa.
ResponderExcluirOi, Menino, tudo bom? Meu doutorado foi sobre mitologia grega. Sempre foi um assunto que eu adoro, na verdade, foi por causa da mitologia que me dediquei a estudar História. Foi para poder estudá-la melhor.
ExcluirArraseaux. Pode nos presentear sempre com textos como esse. #amei
ExcluirLegal ! Gosto também desse lado do blog !
ResponderExcluirAliás, quando comecei a frequentar por aqui, esse tipo de postagem era mais frequente.
Mas é isso ai, continue contanto suas histórias !
Abraço !
Sim, Marcos costumava ser quinzenal, porém eu reduzi a frequência de todas as postagens no blog, não sei se vc percebeu, para apenas uma postagem por semana, somente as sextas, porque como minha vida está parada e eu não quero falar sobre minha solidão de todos os dias, eu preferi não ter a obrigação de escrever sobre dois temas por semana. É difícil arranjar temas para um post só na semana, imagina dois. Então continuarei escrevendo o HomoHistória, porém agora ele é mensal.
ExcluirGanimedes e Zeus sempre foi minha história da mitologia favorita, principalmente na forma em que o poeta Virgílio contou. Bom ler isso aqui novamente. Obrigado.
ResponderExcluirQue bom que vc gostou, Vilser.
ExcluirSobre Virgílio, eu falarei sobre ele somente quando chegarmos a Roma. Ele levanta outras questões que referem-se muito mais ao mundo romano do que ao grego na forma que ele escreve sobre o mesmo conto. Devo falar sobre Roma em 2017, por ai, já que os textos são agora mensais.
:( Sei se eu vou estar vivo até lá não... tô tão velhinho já... rs. Mas tentarei aguardar.
ExcluirMenino!!! Tu pre-ci-sa ver o filme do Kevin! Acho que vais curtir! Xeros!
ResponderExcluirFoxx de Deus!!! Teu último comment sobre "camada de ozônio e bebês foca" foi MASTER!!! Ri alto!!! Já foi pra galeria dos "the best of" do TPM!!! Sua praga!!! Hahahahaha!
ExcluirMuito interessante esta nova rubrica.
ResponderExcluirParabéns.