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sexta-feira, 4 de abril de 2014

Reductio Ad Absurdum

Conversando com um amigo, o Bê, que hoje mora em Berlim, Alemanha, via Whatsapp (Deus abençoe a tecnologia), cheguei a conclusão que minha vida anda dialética demais para meu gosto. Logo eu que nunca fui hegeliano na vida, para tristeza do meu pai, reconhecer às vésperas da iniciação crística que minha vida tem se dado em um jogo de tese, antítese e síntese é, para dizer o mínimo, risível. Mas me deixe contextualizar você. O alemão (as coincidência, olha as coincidência) Georg Wilhelm Friedrich Hegel nasceu no ano de 1831, filósofo, foi o pai do historicismo e grande influenciador de Karl Marx e seu marxismo. Hegel formulou o conceito de Geist, espírito, o espírito da História, que se manifestaria através de um conjunto de contradições e oposições (a tese tem sua antítese) aos quais no processo histórico se integram e se unem (síntese). Segundo o sistema de Hegel, o Espírito do processo histórico estaria em contínuo aperfeiçoamento através desta lógica dialética (há um dialogo entre as ideias opostas do Espírito e, racionalmente, se chega a uma conclusão nova) e, portanto, a humanidade estava sempre em marcha contínua para o progresso.
Em diversos aspectos de minha vida, a lógica explicativa do historicismo alemão pode ser aplicada. E não se surpreenda porque eu faço (mesmo!) isso. Historiador que eu sou, só sei pensar a minha vida como a versão em miniatura da História da  Vida Privada de Georges Duby, com umas pitadas da História da Sexualidade de Philippe Aries (ai, meu Deus, como sou Nouvelle Historie!). Contudo, tenho consciência que sou o historiador da minha vida sem o distanciamento clarificador do tempo. No meio do turbilhão que me faz cronista de minha própria História, tenho certeza que sou arrastado por interpretações errôneas que só verei com mais clareza em meus oitenta anos, quando meio século me distanciar destes eventos. Mas estou divagando. Voltemos a Hegel.
Meu trabalho, meus amigos, meus amores têm se alternado num jogo dialético chato. Eu já tive um bom emprego, cercado de amigos, vivendo e curtindo minha vida de solteiro, se não acreditam leiam este blog de 2006 a 2009, é a vida de outra pessoa; a mudança para Belo Horizonte para o doutorado, mais em busca de um amor verdadeiro que eu não encontrara ainda (sim, o motivo real para deixar Natal foi eu acreditar que não era possível encontrar nesta província alguém que pudesse gostar de mim) transformou minha vida e me colocou a frente com uma sensação de fracasso que eu nunca experimentara antes. Não que eu fosse um garoto mimado, não, eu era um jovem bonito, inteligente e cheio de planos que vinha de outro sonho feliz de cidade e aprendeu a duras penas o que era realidade (#vemniminCaetano). Vi-me então, na capital mineira, desempregado (cheguei a passar fome, ou quando o dinheiro só dava, na semana, para viver de pão de forma e margarina e água do filtro); sem amigos (fiz amigos maravilhosos em Minas, em especial o Rajeik, o Bê e o Leão, que com certeza salvaram esta temporada para mim, mas os que eu deixei em Natal se foram para sempre) e o amor que me atraiu para lá foi rapidamente substituído por sexo com desconhecidos, crises de pânico e celibato auto-imposto (com exceção dos seis meses ao lado do Tato e os meses em que eu me vi apaixonado pelo Anjo). O hermetismo diz que a vida vem em ondas, uma hora você está no topo, outra hora você está no fundo; Hegel pensava que a oposição dialética levaria ao progresso. Eu já tive um bom emprego (topo, tese), já estive desempregado passando fome (fundo, antítese); já tive amigos que se diziam irmãos (topo, tese), já morei numa cidade que não conhecia ninguém (fundo, antítese); já curti minha vida de solteiro e fiz sexo com mais pessoas do que consigo lembrar (topo, tese), mas também já tive crises de pânico em baladas porque todo mundo estava se pegando (olha o nível de aversão que eu tomei pelo negócio) e evito sexo (fundo, antítese). De 2010 a 2012, sem dúvida, foi isso que eu vivi.
Mas, como todo processo dialético termina em síntese, temos o útimo ano para cá. Em 2013, eu comecei uma carreira que paga muito menos, pelo menos 66% do meu antigo salário de professor com somente a graduação. Não passo fome, mas levando em consideração que agora eu sou doutor. É duro de engolir. Meus amigos de Natal, por mais que eu tentasse, se afastaram irremediavelmente. Tentei criar novas amizades, mas minha imaturidade causada pelo excesso de livros em minha vida e pouco contato com seres humanos, dificulta o processo. Primeiro, sou atraído por garotos jovens demais, mas sou velho demais para passar meu tempo livre fazendo programas com garotos de 20 anos. Tenho consciência disso e preciso mudar, o que me faz dirigir minha atenção para as pessoas da Igreja que estão em situação imediatamente oposta, homens e mulheres com seus relacionamentos e vidas estáveis dos quais também me sinto tão distante por causa da mesma falta de experiência. À vontade me sinto somente com os amigos virtuais, que moram na Alemanha, BH, Recife, São Paulo, Rio das Ostras, distantes se fazem mais presentes que todos por aqui. No caso das minhas relações amorosa, eu experimentei situações nunca d'antes vividas, um tentou e conseguiu transformar minha vida em um inferno, com outro me apaixonei e por um instante eu achei que ele poderia corresponder ao sentimento, durou pouco tempo, para ele inclusive sei que não significou nada, mas para mim foi realmente uma experiência completamente única e a mais intensa vivida até aqui. Pela primeira vez na minha vida eu não fiz sexo com um estranho (o meu ex vai me matar, mas gente, eu namorei a pessoa por 6 meses, e nunca soube que ele era alérgico à chocolate porque ele morava a dez horas de viagem, havia amor, com certeza havia, mas nunca existiu intimidade). Eu provei o gosto da minha fantasia erótica de ser íntimo daquele com quem divido minha cama. Contudo, se tudo isso é síntese dos polos opostos dos quais era minha vida, e o movimento do Espírito da História não para transformando a síntese em nova tese, qual será a próxima antítese que será formada? E se vivemos em ondas, como a maré, e isso é um topo, quanto mais eu ainda posso descer? O futuro não parece promissor, o progresso de Hegel já foi descartado como uma lei histórica, na verdade a História tem abandonado leis explicativas totais há muitos anos, resultado da pós-modernidade, mas será que Hegel pode explicar meu pequeno universo? Retorno aos herméticos e lembro que o que é verdade para o todo, também é para a parte. Se eu acreditar em Hegel posso ter esperanças, se seguir Hermes não.

16 comentários:

  1. achei que essa citação era coerente com o que escreveste:

    Embora retrospectivamente possamos rastrear nossas linhas causais entre os eventos e enxergar vínculos diretos entre pensamentos, ao fazê-lo podemos interpretar mal as conexões existentes entre eles. Nosso empenho em dar uma seqüência coerente aos eventos é facilmente subestimado. Negligenciando o papel dos fatores contingentes que não necessariamente poderiam ter acontecido, limitamo-nos a imaginar o produto acabado, com a exclusão de outros igualmente possíveis. As idéias que aparecem antecipar outras poderiam, na verdade, ter tomado outra direção e, ao longo do tempo, semelhanças aparentes podem atestar pouco mais do que hábitos de pensamentos característicos. As memórias e biografias tendem obsessivamente a excluir acidentes e a insistir em padrões, mas as vidas e as carreiras intelectuais, segundo Bakhtin, não o fazem. Elas são prodigas, produzindo não só realizações diversas mas também potenciais não-realizados ou apenas parcialmente realizados.


    MORSON, G. S. Mikhail Bakhtin: criação de uma prosaística. tradução de Antonio de Pádua Danesi. – São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2008. p. 21.

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    1. Vc tem toda razão, Dan. Completamente. Eu realmente posso estar completamente enganado ao interpretar minhas memórias fazendo as conexões que eu faço, é, na verdade, este o grande problema da memória, ela é seleiva e com isso nós acessamos apenas uma parte dos fatos e, com base nessa parcela, que fazemos nossa interpretação e, de fato, podemos estar muito enganados.

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  2. nada a comentar ... o Daniel foi preciso com esta citação ...

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  3. Meu querido, você não acha que é muita teoria? Não sei se existe algo no universo, na vida, que tenha esse “comportamento” tão certinho, dialético. Creio mais que vivemos (não apenas nós, mas tudo o que é vivo ou “pulsa” por aí) por acasos, escolhas, direções momentâneas guiadas por nossas vontades. Talvez se a dialética operar em um nível mais aleatório, inclusive ao sabor dos ventos da sorte ou do azar, sem essa “mecanicidade” linear.

    Abração

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    1. Acho que você não completou seu raciocínio, Adriano, mas tudo bem. =)
      Olha, de fato, é muita teoria. É minha tentativa de racionalizar minhas experiências, afinal de contas eu nunca vivi a vida, não é? Eu sempreli sobre ela em livros, revistas, pesquisas, etc, minha falta de experiência com tudo, mas tudo mesmo, que me faz tentar organizar o mundo em padrões e classificações. Vc provavelmente está certo, querido, o mundo deve ser feito muito mais em acasos (e a própria história não acredita mais no processo dialético), mas, minhas poucas experiências, ou pelo menos, a forma como eu me lembro e registrei as experiências que eu passei me fazem pensar se este processo dialético estaria acontecendo COMIGO. Que fique claro, eu não afirmo em momento algum que a vida de todos acontece assim, somente afirmei que a minha tem seguido esse padrão. Então: é de fato provável que a vida seja feita de acasos, vc com certeza tem razão, mas isso também não muda que o conjunto de acasos que representa a MINHA vida tem se comportado de forma dialética, não é?

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  4. "com outro me apaixonei e por um instante eu achei que ele poderia corresponder ao sentimento, durou pouco tempo, para ele inclusive sei que não significou nada, mas para mim foi realmente uma experiência completamente única e a mais intensa vivida até aqui. (...) Eu provei o gosto da minha fantasia erótica de ser íntimo daquele com quem divido minha cama." Foi o menino bonito? Não lembro de você ter nos contado sobre esse rapaz. Nos atualize!

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    1. Sim, Anônimo, eu falo do Menino Bonito. Não houve mais ninguém depois dele. Você está atualizado.

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  5. Recentemente o Creepie me confessou que ainda gosta de você mas sabe que você o odeia. Pensei que se você soubesse poderia retomar o contato. Entro aqui e vejo que realmente ele está certo. É uma pena, vocês formavam um casal bonito e eu era uma das poucas pessoas que torcia por vocês.

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    1. Whaaaaaat? Um ano depois? COMO ASSIM GENTE? E o namorado dele que ele fez questão de.dizer que não era para se vingar de mim, que ele estava muito apaixonado? =O
      Anônimo, avise a ele que eu não tenho raiva dele de forma alguma. Inclusive eu tentei conversar com ele da última vez e foi ele quem me tratou extremamente mal. Muito mal. Eu já o perdoei pelo que ele fez há muito tempo, mas, de fato, ele me deve um pedido de desculpas por todas as coisas terríveis que ele fez a mim desde mexer no meu celular as tentativas de me enfeitiçar (sim, eu sei o que ele fez). Diga a ele que pedir desculpas pode salvá-lo, inclusive, de um carma terrível. Porém, o conhecendo como eu o conheço agora, eu não teria coragem de tentar de novo. Ele me mostrou uma faceta da personalidade dele tão egoísta que eu não incluiria esta pessoa entre meus amigos quanto mais namorá-lo. E isso não é pq eu o odeio ou qualquer coisa desse tipo, mas não acho que ele seja uma boa pessoa.

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  6. Só sei que toda essa trajetória deveria ser roteirizada!!! E homem alérgico à chocolate é complicado... ehehe! Xêros mil pra ti, Raposudo - "complicado e perfeitinho"... ;)

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  7. Uauu...
    Que demais... Altos e baixos, altos e baixos!
    Me faz lembrar de algumas passagens da minha vida...rsrs.

    Adorei a escrita!

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    1. Que bom que gostou, Rafael. Obrigado pelos elogios.

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  8. Penso (e não é necessário estar correto, o necessário é raciocinar)
    que você, ainda empolgado com o conhecimento adquirido, emprega
    técnicas de análise histórica no que primeiramente deve ser vivido.
    O esboço histórico de sua vida não está concluído, e você é, não
    somente o protagonista, mas o roteirista.
    enfoque o presente e planeje o futuro!
    Abraço.

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    1. Eu só não concordo com o fato de que somos roteiristas de nossas vidas, Tesco, não somos tão livres assim para definirmos a nossa história. Existem tantas limitações como carma, cidade onde vive, situação financeira, escolhas erradas, que temos que administrar todo dia que não é possível, por exemplo, mudar de emprego sem enfrentar uma série de barreiras, algumas talvez intransponíveis. Eu sempre imagino que eu tive a graça de ter a liberdade de largar tudo aqui e ir atrás do meu sonho em BH (big mistake), mas se eu tivesse um filho eu nunca poderia me dar a esse luxo. Então, por causa disso, somente um milionário como Eike Batista pode considerar-se roteirista da própria vida, nós meros mortais só nos iludimos ao nos deparar somente com duas escolhas e achamos que temos algum controle pq podemos escolher, mesmo tendo o destino, Deus ou o universo ou nós mesmos (quem você queira responsabilizar) limitado nossas possibilidades de escolha. Eu, sinceramente, tenho poucas opções; espero que você tenha mais.
      No mais, vc realmente tem toda razão. Minha vida não está sendo vivida, está sendo analisada. Vc tem toda razão. Eu passei toda minha vida entre livros, toda minha experiência e conhecimento foi adquirido através de livros. Sou, admito, de uma imaturidade sem tamanho em tantos aspectos da minha vida... exatamente porque por mais que eu tenha tentado, inúmeras barreiras foram intransponíveis.
      Por fim, eu não planejo mais meu futuro. Eu nem sei mais o que eu quero no futuro, acho que se eu estiver pelo menos no mesmo lugar que estou agora, isto é, não estar numa situação pior, já vai ser uma vitória. Eu, sinceramente, não acredito tb que eu mereça mais do que eu tenho.

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    2. Sim, existem muitos fatores e algumas barreiras são intransponíveis, é certo. Mas nada é imutável e existe também o tal do contorno.
      Do modo que você fala me lembra o poema do Lourenço Prado:
      "Queres vencer, mas como em ti não crês,
      Tua descrença esmaga-te de vez!"
      Abraço.

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    3. Vc tem que decidir aqui: ou existem barreiras que são intransponíveis, ou nem tudo é imutável. Vc concordou com as duas coisas e isso não é possível. Pq se existem barreiras intransponíveis, elas não vão mudar, continuarão intransponíbeis sempre, porque elas tb não mudam; se tudo é mutável, então cedo ou tarde esta barreira intransponível se tornará transponível pq ela mudou ou nós mudamos. Eu acredito que em alguns casos isso realmente acontece, mas não em tudo. Nós temos limites (físicos, mentais, de conhecimento, etc) que nos impossibilitam fazer algumas coisas, quando alcançamos o limite não há mais nada a fazer, já demos nosso máximo.
      E eu já tentei vencer, mas fui derrotado, Tesco. E eu sou inteligente o bastante para não entrar na mesma batalha com as mesmas armas. Prefiro assumir minha incapacidade de vencer do que entrar numa batalha impossível que só consumirá os recursos que eu não tenho. Vc cita poemas, eu lembro das memórias de imperadores romanos.

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" Gosto de ouvir. Aprendi muita coisa por ouvir cuidadosamente."

Ernest Hemmingway