Como vimos no texto anterior, o sul mespotâmico, a Suméria, cujas cidades principais são Uruk, Ur e Eridu, não via problemas com os relacionamentos homoeróticos, tanto que a única estória que se conservou sobre um dos seus reis mais importantes, da qual outras dinastias faziam questão de descender, é exatamente o de seu romance homoerótico. Contudo, ao norte, na região chamada Assíria, cuja principal cidade chamnava-se Assur, terra de pastores e guerreiros, montanhosa e árida, uma lei demonstra uma posição, talvez, contrária. É interessante perceber que entre todos os códices de leis encontrados na região da Crescente Fértil (região do mapa acima) - incluindo Urukagina (2375 a.C.), Ur-Nammu (2100 a.C.), Eshunna (1750 a.C.) e Hammurabi (1726 a.C.) - em nenhum deles existe registro de leis que regulem as relações homoeróticas, contudo em tabuletas de argila que datam dos séculos entre 1450 e 1250 a.C., de origem assíria, mantém dois parágrafos (19 e 20). O primeiro prevê penalidades para aquele que acusa falsamente alguém de ter praticado atos homoeróticos, sobretudo, sendo passivo no ato sexual. A lei exige testemunhas e na inexistência, o acusador seria marcado com um símbolo de vergonha. Já o parágrafo 20 diz: "Se um homem deitar-se com um amigo seu, e o penetrar, e isto for provado, a mesma coisa será feita com ele e ele se tornará um eunuco". As leis mesopotâmicas são as famosas leis de Talião, olho por olho, dente por dente, então não é de surpreender o primeiro trecho desta lei que exige reparação idêntica ao ato. Contudo, os historiadores questionam-se é sobre a parte final da lei: "e ele se tornará um eunuco". A castração parece um tanto de exagero para um crime citado apenas duas vezes no códice todo. Contudo, o contexto em que esta lei aparece, entre outros crimes sexuais como estupro e defloramento de virgens propõe uma outra dimensão para a sua interpretação.
Propõem alguns historiadores que esta segunda lei puna na verdade o estupro masculino, isto é, o ato sexual não consensual entre dois homens, o argumento aqui é que como apenas aquele que penetrou o outro é castigado, isto quer dizer que o ato sexual em si não é o problema, mas a sua falta de consensualidade. Os assiriologistas acreditam que a melhor tradução para o texto é inclusive "Se um homem cometer violência com um amigo seu". Podemos concluir, então, que na Assíria também não haveria proibição as relações homoeróticas. Elas não seria condenadas como licenciosidade ou imoralidade, ou que transgredisse qualquer lei humana ou divina, podendo qualquer um, inclusive visitar um prostituto, mas isso fica para o próximo texto.
PS: O Junnior, do Identidade G, me chamou atenção para o uso da palavra "amigo". Vejam nos comentários a observação dele por completo, mas em resumo, ele diz que se o legislador usa amigo é porque seria consensual, este é um problema de tradução, novamente, amigo aqui quer dizer aqueles que são do mesmo nível, concidadãos, seria a melhor tradução. O crime só existe se for entre dois cidadãos, se o mesmo ato acontecesse com um escravo, por exemplo, não seria crime.
PS: O Junnior, do Identidade G, me chamou atenção para o uso da palavra "amigo". Vejam nos comentários a observação dele por completo, mas em resumo, ele diz que se o legislador usa amigo é porque seria consensual, este é um problema de tradução, novamente, amigo aqui quer dizer aqueles que são do mesmo nível, concidadãos, seria a melhor tradução. O crime só existe se for entre dois cidadãos, se o mesmo ato acontecesse com um escravo, por exemplo, não seria crime.
Esses posts sempre lembram da minha mãe. Ela também é historiadora, sabia? Esperamos o próximo...
ResponderExcluirÉ que eu acho que filme erótico combina mais contigo do que filme "pornô". Questão de catiguria!
ResponderExcluirSempre esbarramos no tópico: tradução, né?!
ResponderExcluirDependendo da Ideologia do tradutor, podemos ter uma interpretação diferente, como é o caso de nossas Bíblias. Nem mesmo os contextos e outras informações fazem com que determinadas traduções sejam revistas, o que nos leva a perceber que tradução é também interpretação, daí ser ideológica.
Na minha época de ensino fundamental, adorava estudar essa parte da História, o código de hammurabi, mas o que mais me fascinou foi o Antigo Egito, principalmente a figura de Cleopátra.
Bjo, querido.
Muito interessante tudo isso. Aguardando o próximo post!
ResponderExcluir"Se um homem deitar-se com um amigo seu, e o penetrar, e se isso for provado, a mesma coisa será feita com ele..."
ResponderExcluirNão querendo ser do contra, mas sendo, não acredito que o legislador poria no texto a palavra "amigo" se não se referisse ao sexo consensual. Acredito que houve aí, sim, uma negação à homossexualidade.
Caso contrário, acredito, ele poria a exceção e mencionaria "outro homem" ao invés de "amigo":
"Se um homem deitar-se com OUTRO HOMEM, e o penetrar SEM O SEU CONSENTIMENTO, e se isso for provado..."
Ponha um p.s senão o meu comentário ficará sem sentido, rsrs.
ResponderExcluirBjks.
Dá-lhe Foxx! Viva a Memória Homerótica.
ResponderExcluirBj
eu sou trasdutor, então sei bem que traduções em geral são pouco confiáveis - e também sei o trabalhão que é fazer uma, principalmente se mantendo fiel ao texto. Por outro lado, há milhões de textos traduzidos que são infinitamente superiores ao original. Eu mesmo me deparo com vários erros no texto original e acabo corrigindo na tradução...
ResponderExcluirE isso porque eu lido com uma língua moderna (alemão), imagina então o trabalhão que é traduzir de uma língua morta ou perdida? É por isso que é sempre bom ter olhos megacríticos ao selecionar as fontes, né?
Um abração!
Adoro esse povo da antiga mesopotâmia, carniceiros do jeito que eu gosto e com uma qualidade artística impecável !
ResponderExcluirDe resto não tenho muito o que falar. Tradução é foda, ainda mais de um "texto" dos primórdios da linguagem escrita ! É até complicado pensar como eles construiriam uma metáfora de amizade como temos hoje modernamente num texto grafado.
bjs
Adoro seus textos sobre história da relação entre pessoas do mesmo sexo... tá vendo como aprendi? =D
ResponderExcluirXêro!
Deve ser por isso mesmo! Hehehe!
ResponderExcluirarrasou, gato
ResponderExcluirHammurabi lembra-me aula de história no ensino fudamental. Bons momentos!
ResponderExcluirvc me faz gostar de história. tá, já falei isso, mas nao canso de repetir.
ResponderExcluirVou te mandar uns KitKats... pra tu provar... hehehe!
ResponderExcluirLi,reli.Esperando os próximos capítulos...
ResponderExcluirBeijos,prof.
Assim... eu tenho pra mim que tu, Raposo, pode falar sobre tudo. Tudo mesmo! Se fará sentido, não sei... mas eu vou escutar... hehe!
ResponderExcluirA história sempre nos ensinando algo sobre o presente...
ResponderExcluirAbraços!!