Outro dia, um comentário no Twitter rendeu uma boa discussão quando resolvi respondê-lo. Em resumo, o
@rafz dizia:
"Vocês não se cansam desse linguajar "gay" que vocês usam só pra parecer iguais a todo mundo? Sou contra isso, sou contra. Ora, quando vc quer "direitos iguais", não adianta se mostrar diferente, principalmente na linguagem. Se quero me impor como igual (é essa a intenção, não é?), não vejo porquê me portar como diferente. Não vejo sentido nisso, não vejo. Nem sentido nem graça, sério! O fato é que não consigo conceber essa alteração na língua como algo positivo. Em tese, a questão é: sou um ser humano, como qualquer outro. O que eu faço na cama, diz respeito a mim e a quem está na cama comigo, no caso, outro homem. O que me incomoda é: gente que coloca o fato de ser gay como sua principal característica, só isso!"
Achei importante trazer isso para o blog porque blogayroz como o
Arsênico e o
S.A.M que utilizam uma linguagem um tanto mais "gay", com expressões como
c'azamiga,
miazamiga,
gentchy,
rycah,
phynna, amiguës, beeshans, felizmentchy, fikdik, entre outras, já receberam criticas dado a linguagem que utilizam, então me agarro aqui ao meu livrinho de capaz azul, do literato e linguista francês Roland Barthes,
O Grau Zero da Escritura e teço meus comentários.
Explica o francês que a função da escritura não é mais apenas comunicar ou exprimir, mas é impor um além da linguagem que é, ao mesmo tempo, a História e o partido que nela se toma; em outras palavras, desde o século XIX com o Romantismo e a invenção da Literatura como a conhecemos hoje, escrever não é simplesmente comunicar-se e exprimir suas idéias em forma de simbolos gráficos, escrever é assumir para si o rótulo de escritor e como tal é tomar partido dentro de uma série de manifestações políticas no qual estamos inseridos como seres dotados de historicidade, isto é, que vivem dentro de uma sociedade localizada no tempo e no espaço.
A escritura, a forma com que o escritor torna a linguagem um objeto paupável, é o processo exato em que ele se liga a sociedade e exatamente por isso, se torna incapaz de não ser historicamente condicionada. Diz Barthes que a língua em si (o português, o francês, o italiano, por exemplo) não é o lugar para o engajamento social e político, ela é uma habilidade compartilhada por um grupo humano qualquer, um horizonte que instala ao longe uma certa familiaridade. Contudo, sob o que ele chama de estilo, é que a linguagem é apropriada pelo escritor e a partir dele, o estilo, que se pode manifestar suas escolhas, suas intenções, a própria ordenação de sua forma de pensar.
Sendo assim, quando o escritor assume o estilo ele se torna um scripteur, situado a meio caminho do militante e do escritor, herdando do primeiro a imagem do homem engajado e do segundo a idéia de que toda obra escrita é um ato, e portanto, pode ser encarado como ato político também. Esta escritura militante e intelectual torna o signo, a palavra, a grafia, o suficiente para o engajamento. Em palavras do próprio Barthes: "Alcançar uma fala fechada pelo impulso de todos aqueles que não a falam é alardear o próprio movimento de uma escolha, quando não sustentar tal escolha; a escritura torna-se, no caso, uma espécie de assinatura que a pessoa coloca embaixo de uma proclamação coletiva (que, por sinal, não foi redigida por ela). Assim, adotar uma escritura - diríamos melhor -, assumir uma escritura é fazer economia de todas as premissas da escolha, é manifestar como adquiridas as razões de tal escolha" (BARTHES, R. 1953, p. 131). A forma da escritura, das palavras, do estilo, se torna um objeto autônomo pronto a significar uma propriedade coletiva, mas principalmente uma identidade que precisa ser defendida.
Além de Barthes, precisamos acrescentar que esta linguagem, além da ultização de termos no feminino, e bordões que se propagam pela internet, como alok, é mara, entre outros, são partes constitutivas de uma identidade formulada dentro da contra-cultura gay. Contestar a norma culta, contestar as normas heteronormativas, apropriar-se da cultura pop, faz parte do berço punk de onde a cultura gay nasceu e ela não se afastou disso desde a década de 1970, apesar da contestação yupie iniciada na década de 1990.
Se hoje há crítica aos blogs citados acima, e mesmo a comentário do @rafz no meu twitter, isso denota que a cultura gay foi sim partida entre os escritores scripteur, contestadores no melhor sentido punk, e os novos yupies que preferem conviver com a cultura heteronormativa e apenas adaptá-la as suas necessidades, sem grandes contestações ou mudanças. No fim, como disse Barthes, o estilo da escritura é onde cabe a demonstração de escolhas. Escolha então o seu lado, afinal ambos são posicionamentos políticos importantes, e vamos a luta!