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sexta-feira, 11 de julho de 2014

Creta: O Mais Forte dos Aqueus




A Guerra de Tróia é para Micenas, a segunda capital do império minóico, depois da queda de Cnossos, em Creta, e a transferência do núcleo de poder das ilhas para o continente, o seu grande mito fundador. Tróia, a cidade do oriente, é a grande opositora sob o qual se funda toda a identidade dos homens micênicos como um grupo étnico. É por isso que a Ilíada, grande poema que canta o último ano da guerra que durou dez anos, atribuída a Homero, o bardo cego, mas que provavelmente fora composta por um número incalculável de poetas anônimos que se aglomeraram sobre a figura de um único poeta, começa enumerando todos os povos micênicos no canto II com o chamado Catálogo das Naus. Neste conto são listados os povos que compartilhavam a história lutando ao lado de Micenas, e com isso, ajudando a formar o mundo grego.
Um dos personagens da guerra, Aquiles, rei dos Mirmidões, um dos seus grandes heróis tem duas histórias interessantes para contarmos. A primeira refere-se ao seu sobrinho ou primo, Pátroclo.
Pátroclo, o célebre por seus ancestrais, filho de Menécio e Estênele, numa versão que o faria primo do pai de Aquiles, Peleu, ou em outra versão filho de Menécio e Polimela, irmã de Aquiles, o que o faria sobrinho do herói. Exilado, ainda na infância na corte do rei dos Mirmidões, por, num acesso de fúria, ter assassinado um companheiro de brincadeiras durante o chamado jogo dos ossinhos, ligou-se por forte e intensa amizade ao seu primo (ou tio) que tinham a mesma idade. São muitas as gestas do herói tanto na Ilíada, quanto nos inúmeros poemas cíclicos (as epopeias escritas após a Ilíada que complementa a história desta), contudo a mais importante é narrada por Homero que é batalha com Heitor que sela o destino da guerra. Tudo começa no canto XVI: Patrocleia.

 "Assim, em torno à nau, belos-bancos, lutavam. 
Pátroclo, pais-gloriosos, se aproxima, em prantos, 
de Aquiles, o pastor-de-povos, parecendo 
fonte escura a verter da escapa uma água fosca. 
Ao vê-lo, comoveu-se Aquiles, pés-velozes. 
E principiou por dizer-lhe estas palavras-asas: 
'Por que as lágrimas, Pátroclo? (...) 
Acaso trazes alguma novas aos Mirmidões, a mim? 
Tens notícias da Ftia? Novas que eu  desconheça? (...) 
Ou choras pelos Dânaos que sucumbem 
em torno às curvas naus, gente sobrearrogante? (...)' 
Sofrimento na voz, tu lhe respondes, Pátroclo, 
cavaleiro: 'Ó Peleide Aquiles, o mais forte 
dos Aqueus. Não te irrites. Grande angústia oprime 
os Dânaos. Os melhores de antes, todos eles, 
aos navios se acolheram, flechados, lanceados. (...) 
Se temes o presságio divino, que tua deusa mãe, 
augusta, por aviso de Zeus te soprou, 
pelo menos permite-me que eu vá e que sigam 
comigo os Mirmidões, levando luz aos Dânaos. 
Dá-me que eu encourace os ombros com tuas armas. 
Tomando-me por ti, os Tróicos fugiriam, 
dando respiro aos Gregos." 
(XVI, 1-43).

Aquiles que sentia-se ofendido porque Agamêmnom, rei de Micenas, capitão dos gregos, havia privado-lhe de uma escrava, e por isso abandonado a guerra, era interpelado por seu primo que queria salvar os gregos antes que fosse tarde demais. Ele permite que ele vá, disfarçado com sua armadura e armas, apenas eleva a seguinte oração, quando o primo deixa a tenda vestido.

"Zeus Dodôneo, Pelásgico, que habitas plagas 
remotas, rei da fria Donona; teus profestas, 
os Selos, te circundam, de pés-revéis-à-água, 
gente-que-dorme-sobre-o-chão-de-terra. Outrora 
ouviste minha prece, e me honraste, afligindo 
os Aqueus; uma vez mais, atende o meu rogo: 
no círculo das naus, eu permaneço e mando 
à guerra - guia dos Mirmidões - meu companheiro (hetáron). 
Concede-lhe a vitória, Zeus pai, altitroante. 
No coração encorajando-o, deixa que Heitor 
julgue se meu irmão-de-armas (polemixein) pode, sozinho, 
bater-se, ou se, somente quando combatemos
 juntos, suas mãos se encolerizam, imbatíveis. 
Mas logo que repila dos navios a guerra 
e os gritos, dá que volte para as naus, incólume, 
trazendo as armas todas e o esquadrão de infantes.
(Ilíada, Canto XVI, v. 233-248).

Pátroclo morre em confronto com Heitor. Causando tal dor em Aquiles que ele supera seu orgulho ferido pelo rei micênico e retorna a guerra. Ele chora aos pés da mãe a perda do companheiro:

"'Por que choras? Que te dói 
no coração? Não cales, filho. (...)'. 
O pés-rápidos 
Aquiles replicou-lhe (e sofria): 'Mãe, o Olímpico, 
de fato, perfez tudo isso. Porém que júbilo 
trouxe-me, se perdi o melhor dos meus parceiros (epei philos oleth hetaíros), 
Pátroclo, meu igual (hetaíron), cabeça a par da minha? (...) 
Tomara que eu já estivesse morto, pois não pude valer, 
à hora da morte, ao companheiro-de-armas (hetairói), 
tombou longe da pátria; da violência de Ares 
não o protegi, quando preciso'"
( Ilíada, Canto XVIII, v. 73-101).

A palavra que Aquiles mais utiliza para referir-se ao primo é hetairon, hetairói, hetaíros, hetáron e outras palavras da mesma família que tem sido traduzidas como companheiro, amigo, aliado, mas também amante. A multiplicidade de sentidos tem a ver com a ideia grega sobre a amizade. Entre homens, na Grécia antiga, e aqui, pela Ilíada, podemos ver que na Micenas pré-grega também, a ideia de amizade está carregada de um sentido sexual que a palavra perdeu nos dias de hoje. O uso da tradução por "companheiro" feita por Haroldo de Campos na edição da epopeia que citamos inclusive se torna mais apropriada porque hoje em dia a mesma dubiedade pode ser conseguida pelo o uso da expressão por casais gays para definir seus namorados e maridos, dado a falta de legislação sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo. No entanto, outra palavra que serve para descrever o primo é philos. E esta palavra é a melhor tradução para o nosso sentido de amor produzido no mundo helênico. Esta era utilizada para falar sobre o amor entre os membros da família, entre amigos, entre uma pessoa e uma atividade e, principalmente, entre amantes masculinos, sendo muito raramente utilizada para descrever uma relação entre um homem e uma mulher. Na Ilíada ela aparece para descrever os outros aliados, amigos, aqueles que nasceram na mesma terra. Como no trecho:

"Heitor, agora esqueces teus aliados, eles,
que expiram por tua causa, longe dos amigos (phílon),
da pátria, sem que tu os socorras? Sarpédon,
soberano dos Lícios porta-escudos, jaz
por terra, o protetor justo e forte da Lícia.
O brônzeo Ares domou-o sob a lança de Pátroclo.
Avante, amigos (phíloi), raiva-no-coração, contra
os Mirmidões, que intentam despojar o morto
das armas e ultrajá-lo, ardendo por vingar
os Dânaos que abatemos junto às naus velozes
com nossas lanças (...)"
(Ilíada, Canto XVI, v. 538-548)

Homero não considerava necessário, na verdade, afirmar que a relação entre Aquiles e Pátroclo era também sexual não porque estava envergonhado dela, mas porque esta situação era tão óbvia que não precisava ser dita em momento algum. Para qualquer pessoa educada dentro do mundo grego, o relacionamento entre os primos era de puro amor homoerótico. O uso destas palavras da mesma raiz que hetaírosin, em específico , para tratar das relações homoeróticas do poema (elas aparecem nos outros exemplos que citaremos adiante), demonstra que os gregos reconheciam-na como uma espécie de relação distinta das relações comuns de amizade representadas por palavras ligados ao radical de philia. 






9 comentários:

  1. Ah, que vontade de passear pela Grécia...

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  2. Liga pra CVC e verifica o preço do traslado Blogsville-Grécia. Sem retorno. Hahahahaha!

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    1. Amigo, se eu for, é bem perigoso mesmo eu não voltar...

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  3. Eu gosto muito da Guerra de Tróia e da relação de amor entre Aquiles e Pátroclo. Já li vário livros sobre a temática e um dos que mais gostei foi este:

    "O Canto de Aquiles", de Madeline Miller. :)

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    1. Não conheço, João, vou procurar para ler. Obrigado pela dica.

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  4. O livro que o João recomenda é muito bom. Reforço a dica.

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" Gosto de ouvir. Aprendi muita coisa por ouvir cuidadosamente."

Ernest Hemmingway