Este vídeo me fez pensar. É o primeiro vídeo do canal
Põe Na Roda, de três até agora, e fala sobre estereótipos que (graças a uma campanha que eles precisam me contar como fizeram) pipocou em todas as páginas gays do Facebook durante as últimas semanas. Minha dúvida, e talvez ela responda o porquê do vídeo ter feito tanto sucesso, é por que o estereótipo gay incomoda tanto os homens gays? Porque, convenhamos, esta é uma reclamação comum. Não é o primeiro vídeo falando sobre isso. Lembram daquele projeto tenebroso
Não Gosto de Meninos que pretendia ser nosso It Gets Better e só deixou tudo pior?
Mas façamos como Alice, comecemos pelo começo. Primeiro estabeleçamos quais são os estereótipos que o Põe na Roda levanta:
1) Barbies (me depilo, tenho barriga tanquinho, uso gola V até o umbigo, tiro camisa na balada);
2) Efeminados (falo miando, falo aloka, arrasa, só escuto Madonna/Lady Gaga, cabeleireiro);
3) Transexuais (gostaria de ter nascido mulher);
4) Promíscuos (vou dar em cima de você só porque você é homem, não esteja num relacionamento estável);
É interessante reconhecer que os Barbies (homens musculosos, depilados, que exibem seus corpos descamisados nas baladas) têm agora incomodado tanto quanto os efeminados/transexuais e o estereótipo de promiscuidade entre os homens gays, os quais são desde sempre o calo na vida de nossos homossexuais yupies, a.k.a. discretos. Estamos caminhando na segunda década do século XXI e ainda continua a batalha entre os homens gays não efeminados e os homens gays efeminados. Mas falemos de cada questão de uma vez.
I'm a Barbie girl, in the Barbie world,
Life in plastic, it´s fantastic!
Os homens Barbies, ninguém me tira da cabeça que a origem do apelido vem da música do
Acqua, já são criticados como pessoas superficiais desde que surgiram dentro de nossas boates no início da década de 1990 causando reboliço e fazendo emergir os Ursos/
Bears como grupo diametralmente oposto. Como gosto de história eu sempre reconto isso: eles nasceram para se opor a imagem andrógina que era o padrão de beleza gay da Década de 1980 (para vocês terem uma ideia imaginem sempre a oposição entre eles e Cazuza, Lauro Corona, Ney Matogrosso, para dar exemplos brasileiros, mas também Freddie Mercury, Mick Jagger e David Bowie, para citar poucos). Este padrão de beleza surgiu como resposta do mercado publicitário voltado a homens gays (anúncios, primeiro, da Advocate, depois Out e outras revistas voltadas ao público LGBT masculino) à imagem da AIDS que se amarrou a seus antigos modelos. A lipodistrofia, alterações na distribuição da gordura corporal, e o hipogonadismo que reduz a massa magra, entre outras coisas, transformaram o modelo de beleza masculino/homossexual setentista e oitentista numa carta assinada assumindo que se era gay e que se tinha AIDS, dois statement que os novos yupies da década de 1990 não queriam e não precisavam fazer para se tornarem discretos membros de nossa sociedade capitalista. "Discrição" é a nova palavra-chave do mundo gay da década de 1990, junto com "Direitos Iguais" da nova militância.
No entanto, agora, quase 20 anos depois, vemos que eles não são mais o modelo de homem gay que deveríamos seguir. E isto é algo que, sem dúvida, deve-se ao movimento hipster (como falar do mundo LGBT tem sido se remeter a cultura hispter não é?). O padrão de beleza deste movimento defende homens com barba e pêlos no peito e enaltece uma vida boêmia entre cigarros e cafés e longe de academias, ou seja, os corpos magros de modelos de passarela. Oriundo da junção entre o designer, publicidade, música
underground e moda criou mais um modelo apolíneo para o mundo gay que, agora como está no seu auge, tem o poder de criticar os outros que o precederam. Músculos talhados na academia não são mais tão importantes quanto uma postura
blasé, afinal o carão nunca saiu de moda nos inferninhos e os hipsters só adicionaram um toque de (falsa) ironia. Roupas que pareçam únicas porque teriam sido um achado,
gadgets que sejam conseguidos antes de todo mundo porque talvez ele mesmo tivesse criado, bandas que somente ele conheça porque ele frequenta os ambientes mais legais são novos símbolos de status, porque o belo hipster é aquele mais antenado, mais conectado, mais sábio do que todos que se entedia facilmente com a simplicidade da vida cotidiana dos meros mortais. Em resumo, não muda nada. Enquanto a superficialidade dos Barbies era descrita pela sua dedicação ao próprio corpo, dos hipsters pode ser encontrada na sua necessidade de parecer melhor como se estivéssemos sempre numa competição de quem pode mais.
Porém, se por um lado, os novos símbolos de status trazidos por este movimento representam um homem intelectualmente mais profundo que a imagem de plástico que o culto aos músculos e a vaidade evoca. Por outro, ele também projeta uma nova espécie de homem que se pretende menos preocupado com a aparência, menos vaidoso, menos metrossexual. O discurso hipster projeta uma nova masculinidade que resgata um modelo masculino perigoso, machista em alguns pontos, bem pouco aberto à diversidade em um sem-número de outros.
Ser um homem feminino,
Não fere o meu lado masculino.
A música que coloco aqui como subtítulo é de 1983, de Pepeu Gomes, Masculino e Feminino, e evoca um mundo pré-AIDS. Antes da explosão da doença, a cultura gay estava baseada na contra-cultura
punk e pensava em destruir os modelos de família e sociedade que regiam a sociedade, entre eles as definições de masculino e feminino. Após a epidemia, as bases do mundo gay foram completamente abaladas e a influência
yuppie invadiu a vida e a cultura desta população.
Yuppie é uma derivação da sigla YUP,
Young Urban Professional (Jovem Profissional Urbano), e descreve um conjunto de comportamentos que construíram uma geração na década de 1990. Acredita-se que as transformações que alteraram o mundo e as relações entre o indivíduo e a sociedade na década de 1980 (fim da Guerra Fria que consolida a hegemonia capitalista, AIDS que abala as bases do movimento de contestação gay, ascensão de Ronald Reagan e Margaret Thatcher e o seu
boom econômico e privatizações) resultaram numa nova mentalidade focada no indivíduo e nas satisfação dos seus anseios.
Houve um abandono de ideologias que contemplavam o coletivo, o o sucesso profissional e o consumo de bens ganharam muito mais importância. Os
yuppies, bem mais conservadores, deixaram de lado todas as causas sociais lançadas por
hippies e
punks, focaram no seu aspecto profissional e na aquisição de bens materiais (sobretudo relacionados a moda e avanços tecnológicos, como celulares e computadores). Os gays não escaparam da
new wave. A militância gay deixou de questionar os fundamentos da sociedade, a família e o casamento, as definições de masculino e feminino, questionamentos que pretendiam mudar o mundo para dedicar-se a seu próprio futuro profissional e sua ascensão social como indivíduo. Inventou-se neste momento o Gay Discreto, aquele homem que vive sua sexualidade entre quatro paredes, garante a satisfação dos seus desejos pessoais e íntimos, mas que socialmente continua mantendo a fachada de heterossexual para não prejudicá-lo, principalmente, no trabalho. Ele esconde a própria sexualidade porque sair do armário é levantar uma bandeira que, segundo a filosofia da nova década, não precisa ser carregada por ninguém. Ninguém é responsável por lutar por direitos para o outro. Concentre-se em vencer na sua vida, afirmam os jovens profissionais de 1990. A raiz da oposição aos homossexuais efeminados tem um pé nessa história, e a outra no machismo que infecta homens gays.
A origem deste texto é esta pergunta: por que homens gays discretos, isto é, não efeminados, aqueles que podem esconder sua orientação sexual, se incomodam com a existência dos efeminados? Eu, consciente de toda essa história que narrei para vocês anteriormente, só consigo entender que esse incomodo exista porque os não-efeminados consideram que, de alguma forma, a existência de sua contra-parte prejudica-lhe a satisfação de algum desejo pessoal. Digamos, que a existência dos efeminados prejudique ele profissionalmente. Comentando sobre isto no Twitter, eu consegui algumas respostas que podem ajudar a elucidar a questão. Algumas pessoas afirmaram que quando um gay efeminado age de forma irresponsável, fútil, feminina (como eu disse, o machismo é um problema), se espera que todos os gays também funcionem da mesma forma. Sendo assim, como ascender profissionalmente sendo um homem gay (mesmo não efeminado) quando se espera que todos os homens gays tenham os mesmos comportamentos e o comportamento de um homem gay é igual a de uma mulher e mulheres não têm o direito de ascensão profissional? Entende a lógica que está por trás de um simples: não curto efeminados?
HOMEM GAY = HOMEM EFEMINADO
HOMEM EFEMINADO = MULHER
MULHER = MULHER NÃO VALE NADA
HOMEM GAY = NÃO VALE NADA
O incômodo dos Discretos se torna entendível porque nenhum deles quer passar a imagem de que não vale nada. Eu, sinceramente, os entendo, contudo também afirmo que a batalha deles está mal direcionada. Eles combatem os efeminados com intensa determinação, todavia deviam dedicar-se a combater o machismo que faz com que uma mulher seja considerada tão impura que parecer-se com ela torna um homem inferior. Não é possível vencer no nosso mundo lutando por si só, na verdade é uma ilusão nossa acreditar que nossas vitórias pertencem somente a nós, esquecendo todos que abriram caminho antes para permitir que estivéssemos ali. Por isso eu convoco todos a lutar por um mundo melhor não somente para si, mas para a comunidade, e não é preciso participar de nenhuma parada gay para isso, uma primeira (e grande) batalha precisa ser vencida antes, contra si mesmo. Combata dentro de você todo o machismo que existe. Não enxergue mulheres como seres inferiores e também não veja os homens efeminados como seres inferiores porque estes manifestam algo de feminino. Combata em si essa tendência a dizer que você não gosta de alguém porque eles têm características mais femininas, isso não é um gosto pessoal, é um preconceito. É machismo! Gosto pessoal é quando você prova e não gosta, quando você vê e sem conhecer não gosta você é apenas uma criança fazendo cara feia para os legumes no prato que sua mãe colocou. Comam, quem sabe não é saboroso.