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sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Heterossexualismo Pega!

Ninguém nasce gay, como ninguém nasce heterossexual. E antes de vocês terem uma imensa crise de identidade, deixe-me explicar. Seres humanos nascem com uma orientação sexual, isto é, um direcionamento para o qual o seu desejo sexual será levado, este direcionamento pode ser para homens, para mulheres ou para ambos, mas isto não basta para tornar alguém gay, hétero ou bi. Deixe-me dar um exemplo: um menino nasce com sua orientação sexual voltada para homens, contudo ele é educado toda a sua vida a ser heterossexual, ele então suprime sua própria orientação que o faria gay e torna-se heterossexual porque educa seu desejo a direcionar-se para mulheres. Sim, isto é possível! É fácil de fazer? Não! Causa traumas irreversíveis fraturando a psiquê do indivíduo? Sim! Mas o ponto aqui é que um homem gay pode ser educado a ser heterossexual. E por quê? Porque heterossexualidade é uma coisa aprendida.
Existe um conceito muito útil utilizado por antropólogos e sociólogos desde 1980, ele foi cunhado por uma feminista chamada Adrienne Rich que numa análise sobre a experiência lésbica percebeu que as mulheres eram convencidas que o casamento e a orientação sexual voltada para os homens eram inevitáveis. Elas era doutrinadas pelo romance heterossexual/heteronormativo através de contos de fada, das novelas na televisão, dos filmes no cinema, que passavam a ter um papel coercitivo sobre a quem era correto dirigir o seu desejo. Rich então explicou que através destes mecanismos homens e mulheres seriam aprisionados psicologicamente à heterossexualidade e tentariam ajustar sua mente, seu espírito e seu corpo a este modo prescrito de sexualidade. 
O que, de fato, acontece é que quando a heterossexualidade é considerada natural e buscamos causas da homossexualidade, como se esta fosse um desvio do padrão, nós na verdade ocultamos os mecanismos de coerção que treinam os seres humanos a gostar do sexo oposto. Desde a década de 1960, antropólogos e psicólogos reconhecem que todos os seres humanos são capazes de relacionar-se com o mesmo sexo, mas no processo de socialização infantil, isto é, na igreja, na escola e na família, nós somos adestrados (exato, como cachorros!) a nos voltar apenas ao sexo oposto. 
Somos ensinados, por exemplo, que ser gay é ser doente. Que a única forma sadia de vivenciar a sexualidade é colocando-a dentro dos moldes heteronormativos, isto é, homem no papel de macho ativo e conquistador e mulher no papel de fêmea submissa e hesitante. Somos ensinados também que a heterossexualidade é o estado primeiro da humanidade, Adão e Eva, gametas masculinos e femininos, sexo reprodutivo, dão a entender que no principio tudo era heterossexual, ignora-se completamente que os primeiros animais eram todos hermafroditas e que a divisão em gêneros é tardia na história da vida do planeta. Também confundimos Sexo (biológico, macho/fêmea/hermafrodita), Gênero (social, masculino/feminino) e Sexualidade (psicológico, homo/hetero/bi/trans/assexuado) como se Masculino e Feminino fossem as únicas classificações que possam existir para todos os seres que dividem a Terra conosco. 
Heterossexualidade, que não é um Sexo, nem um Gênero, não tem absolutamente nada de natural, ela é compulsória. Compulsória porque a criança é obrigada a aceitar aquele padrão que lhe é imposto e negar todas as outras possibilidades que lhe são oferecidas de antemão. Ela também não tem a maturidade necessária para questionar aquela imposição. Acredita, ao ser exposta somente ao mesmo modelo, que aquele é a única experiência em que pode desfrutar de sua sexualidade e sem pensar se quer, se deseja, repete  o modelo que aprendeu com os próprios pais, com os avós, com os bisavós.
É interessante que para garantir essa heterossexualidade compulsória existem inúmeros mecanismos para evitar que alguém se desvie do caminho que lhe foi traçado. A homofobia é um destes mecanismos, o machismo outro, mas o mais antigo é definitivamente a marginalização das outras formas de experiência sexual que foi imposta pela medicalização e pela criminalização. Tornar gays, lésbicas, bissexuais e travestis doentes e/ou torná-los marginais e criminosos, ambos processos que acontecem no início do século XIX, são os marcos que definem dentro da sociedade burguesa quais os caminhos que aqueles homens queriam construir para a sua sociedade. 
Isso que é interessante! Homens que viveram em 1800 continuam ditando os padrões sexuais que devemos viver para garantir para eles uma prole para que suas fábricas tenham trabalhadores aos quais eles possam pagar um xelim ao dia. Para que o sexo tenha fins reprodutivos e o mundo esteja cada vez mais apinhado de pessoas para trabalhar por pouco e gastar muito, a burguesia incute ainda um modelo de família, por exemplo, que foi inventada somente 200 anos atrás e o faz reaparecer dentro mesmo de discursos produzidos antes de Cristo, como na Bíblia, ou os mitos greco-romanos apropriados pelos estúdios Disney e o cinema americano, em que os únicos casais citados são aqueles formados por um homem e uma mulher, apagando-se por completo os casais poligâmicos (um homem e várias mulheres) porque eles não tem função social em nossa contemporaneidade. 
O modelo de família e sexualidade heterossexual foi inventado. Tem data de nascimento e tem objetivo claro para sua manutenção. Acreditar que ele é natural é, no mínimo, ingenuidade. Acreditar que não podemos questioná-lo e subvertê-lo facilmente é somente preguiça de agir. Porque é fácil derrubar algo que está apoiado no ar, basta somente um empurrão. 




14 comentários:

  1. Excelente post, onde fica bem retratado, o quanto o homem é manipulado e influenciável nas suas atitudes, e nas suas orientações, quer sejam de índole sexual religioso ou até mesmo politico.
    Digamos que é um jogo, mas com dados viciados!

    http://diogo-mar.blogspot.com/

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  2. O Diogo foi preciso em sua frase: "é um jogo, mas com dados viciados"!

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  3. Foxx, meu querido, vamos lá... como sempre o desenvolvimento do seu raciocínio é demais de bom! (rs) O ponto de vista histórico, nem tem como argumentar, foca o cerne da questão da família (burguesa) “atual”, as formas de educação e inserção na sociedade... muito bom! Eu só tenho uma ressalva, se me permite (rs): embora eu entenda (ou acho que entendo) o contexto em que ela aparece, a frase/pensamento “Heterossexualidade... não tem absolutamente nada de natural, ela é compulsória...” Não seria melhor dizer/pensar que ela é TÃO natural QUANTO as outras? Talvez assim o seu raciocínio se torne impecável. O que você acha?

    Abração

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    1. Oi, Adriano, obrigado pela crítica, mas se eu fizesse esta ressalva que vc sugere, esta comparação, eu ainda estaria dizendo que um discurso sobre o sexo inventado no século XVIII teria alguma coisa de natural e meu argumento vai de encontro a isso. Meu argumento é que todo o discurso sobre a sexualidade não é natural. Homossexualidade e heterossexualidade são cosntruções históricas que não tem nada de natural. Talvez, no caso, eu pudesse falar que NÃO É natural COMO as outras.

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  4. Olha... tá numas que acho que até um simples assoprão derruba essa bagaça... hehehe! E certo que Atari ruleia, Foxxito! #tamojunto! Hahaha!

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    1. Ah, esse é o grande problema dos grandes defensores da família e da moral, eles sabem disso, Fred, qualquer sopro pode derrubar este castelo de cartas que eles chamam de tradição, qualquer sopro.

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    2. Então é melhor eles tremerem nas bases pois fôlego não nos falta, nzé? ;)

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  5. E creio que cada vez mais gente está dando esse empurrão :)

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  6. Ainda nos falta tanta liberdade e isso ainda ecoa tão forte!
    Belo texto Seu FOXXX, belo texto.

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  7. Olaaaaaaaa

    Eu sumido ? de forma alguma, sempre no meu cafofo de PUTARIA...
    você e o meu amado BOY DE RIO VERDE ( Gustavinho ) que sumiram na vida. Passando para deixar um cheiro no suvaco o blog está super moderno adorei, voltarei para ler alguns posts...

    Inté Raposa
    Kinho

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  8. É isso, né minha gente!!!
    é isso..

    Só discordo da ideia de que nascemos com uma inclinação para homens ou mulheres, sempre fui meio avesso aos autores mais deterministas. Acredito que a gente nasce com zonas erógenas, daí é muito comum por exemplo um menino bebê ter ereção quando está se amamentando e isso não tem a ver com uma inclinação inata para homens ou mulheres, ele pode ter a mesma ereção chupando o patinho de borracha, é apenas uma zona erógena dando retorno... E ai depois a gente vai inclinando pra uma coisa ou outra, ou um monte de coisas, passando por todas essas coisas... Enfim...
    O que eu realmente acredito é que muito dessa formação se forme na primeira infância, daí a ideia de que somos desde que nascemos, talvez pq sejamos desde nossas lembranças mais distantes, que não é a do parto!!!

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  9. Muito bom o texto, mas tirando por mim, tenho minhas remotas lembranças infantis de sentir tesão por homens, acredito sim que nascemos ja pre-dispostos para X ou Y.

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  10. bem interessante sua análise. gostei.

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" Gosto de ouvir. Aprendi muita coisa por ouvir cuidadosamente."

Ernest Hemmingway